domingo, 7 de setembro de 2008

Gcina Mhlope (1959)

(tradução: José Feldman)

Gcina Mhlope é uma famosa batalhadora pela liberdade da África do Sul, ativista, atriz, contadora de histórias, poeta, dramaturga, diretora e autora. A narração é uma atividade profundamente tradicional na África e Mhlope é uma dos poucas mulheres contadoras de histórias em um país dominado por homerns. Ela a faz o seu mais importante trabalho através de desempenhos carismáticos, trabalhando para preservar a narração como meio de manter viva a história e encorajando as crianças da África do Sul a ler. Ela conta as histórias dela em quatro dos idiomas de África do Sul: Inglês, holandês sul-africano, zulu e Xhosa.

Vida e carreira

Mhlope nasceu em 1959 em KwaZulu. Filha de uma mãe Xhosa e um pai zulu. Ela começou a vida como uma empregada domésticao, depois trabalhando como redatora na Press Trust e Radio BBC, então como uma escritora para Learn and Teach, uma revista para pessoas recentemente-alfabetizadas. O timbre sem igual da voz dela a fez eventualmente realizar performances no exterior.

Várias experiências inspiraram Mhlope para adotar a carreira como contadora de histórias. Ela credita a habilidade de contadora à avó dela, que a apresentou no Transkei. Mhlope diz, " Minha avó me ensinou tudo sobre revelações das histórias . Quando eu estava crescendo, em meio as crianças em nosso bairro, vinham e passavam a noite em casa de forma que eles poderiam escutar izinganekwane (contos)".

Ela começou a adquirir um senso da demanda por histórias em Chicago, em 1988. Ela executou em uma biblioteca em um bairro principalmente-preto para uma audiência já-crescente que a convidava para retornar. Ainda, Mhlope só começou a pensar em narração como uma carreira depois de conhecer um Imbongi, um dos poetas legendários de folclore africano, e depois de encorajado por Mannie Manim, o então diretor do Market Theatre, Johannesburg.

Desde então Mhlope apareceu em teatros de Soweto até Londres e muito do seu trabalho foi traduzido em alemão, francês, italiano, Swahili e japonês. Mhlope tem viajado extensivamente na África e outras partes do mundo dando workshops sobre narração de histórias.

A realização de seus sonhos é um motivator fundamental para si e ela está passando o seu entusiasmo infeccioso para desenvolver talentos jovens para levar o trabalho de narração adiante pela Zanendaba Initiative(Traga uma história para mim) . Esta iniciativa, estabelecida em 2002, é uma colaboração com o Market Theatre e READ, uma organização de alfabetização nacional.

Atualmente, Mhlope pretende fazer livros disponíveis para as comunidades rurais pobres da África do Sul, para que sejam construídas bibliotecas, providos com livros relevantes culturalmente.

Eventos
- 1984, atuou em Black Dog: Inj'emnyama
- 1986, Place of Weeping (film)
- 1986, Have you seen Zandile? (autobiographical play, at the Market Theatre, Johannesburg, Mhlope as Zandile)
- 1987, Born in the RSA (New York)
- 1989, narrou o festival at the Market Theatre (houve muitos desde então)
- 1989, performance em um poema de louvor em honra de Nokukhanya Luthuli, 1961, ganhador do Prêmio Nobel da Paz
- 1990, performance em Have you seen Zandile? at the Edinburgh Festival
- Turnê de Have you seen Zandile? através da Europa e Estados Unidos
- 1989-1990, diretora do Market Theatre, Johannesburg
- Coordenadora da READ, Organização Nacional de Alfabetização.
- 1993, Music for Little People (CD)
- Ladysmith Black Mambazo (album)
- 1997, Poesia da Africa, apresentadora
- 1999, oradora do the Perth Writers Festival
- Philharmonic Orchestra (London)
- Royal Albert Hall (London)
- Cologne Philharmonie, Africa at the Opera
- Doutorado Honorário da London Open University
- Doutorado honorário da University of Natal
- Conferencista em várias universidades
- 2000, performance em Peter und der Wolf, no Komische Oper (Berlin)
- Escreve músicas para a série de televisão da SABC TV, Gcina & Friends
- 2002, Fudukazi's Magic, adaptação para filmagem em Durban, para o Festival de Filme da União Africana
- 2002, The Bones of Memory (performance como contadora de histórias da velha e nova Africa do Sulfrom)
- 2003, ministra o seminário de contação de histórias para at the Eye of the Beholder seminar
- 2003, Mata Mata (performance, musical familiar)

Colaborações com:

- Pops Mohamed, músico e conservador de música tribal.
- Ladysmith Black Mambazo,grupo coral, The Gift of the Tortoise (CD), 1994 and Music for Little People in America (CD), 1993
- Bheki Khoza, guitarrista, Animated Tales of the World (séries de TV para Right Angle na Grã-Bretanha e para a SABC)
- Anant Singh, produção de vídeo, Fudukazi's Magic (CD e vídeo para audiencias alemãs)
- Biblionef South Africa, agencia de doação de livros infantis,

Aparecimento em Documentários

- Atuou e narrou Travelling Songs
- 1990, performance como poeta em Songolo: voices of change (como aspectos de cultura na África do Sul se tornaram parte da luta de anti-apartheid)
- 1993, The Travelling Song (o processo contemporâneo de coleção de histórias)
- Literacy Alive
- Art Works

Prêmios

- Designada para Noma Award por Queen of the Tortoises, 1991
- Prêmio Chat Award por Molo Zoleka
- OBBIE Theatrical Award (New York) por Born in the RSA
- Fringe First Award (Edinburgh) por Have you seen Zandile?
- Joseph Jefferson Award para as melhores atrizes (Chicago) por Have you seen Zandile?
- Sony Award por Radio Drama da BBC Radio Africa por Have you seen Zandile?

Bibliografia
- Mhlope, Gcina. Molo Zoleka New Africa Education, 1994. (Livro para crianças)
MaZanendaba (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. The Snake with Seven Heads (A cobra com sete cabeças). Johannesburg, Skotaville Publishers, 1989. (Livro para crianças, traduzido em 5 linguas africanas e cuja edição inglesa é requerida nas bibliotecas escolares da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. Have you seen Zandile?. Portsmouth, NH: Heinemann, 1990. (baseado em sua infância, obrigatório nas bibliotecas universitárias da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. Queen of the Tortoises (Rainha das Tartarugas). Johannesburg: Skotaville, 1990. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. The Singing Dog (O cachorro cantor). Johannesburg: Skotaville, 1992. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. Nalohima, the Deaf Tortoise. (Nalohima, a tartaruga surda)Gamsbek, 1999.
- Mhlope, Gcina. Fudukazi's Magic (A mágica de Fuduzaki). Cambridge: Cambridge University Press, 1999. (CD - letras, músicas e performance)
- Mhlope, Gcina. Fudukazi's Magic (A mágica de Fuduzaki). Cambridge University Press, 2000 (CD - música e letra, performance para audiência alemã)
- Mhlope, Gcina. Nozincwadi, Mother of Books (Nozincwadi, a mãe dos livros). Maskew Miller Longman, 2001. (CD e livro, para escolas rurais da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. African Mother of Christmas (Natal na África Mãe). Maskew Miller Longman, 2002. (CD e livro)
- Mhlope, Gcina. Love Child. Durban: University of Natal Press, 2002. (Memórais, coleção de histórias)
- Margaret Daymond et al. (eds). Women Writing Africa: the southern region. (Mulheres que escrevem a África: a região sul) Johannesburg: Witwatersrand University Press, 2002.
- Mhlope, Gcina. Stories of Africa (Histórias da África). University of Natal Press, 2003. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. Queen of Imbira (Rainha de Imbira). Maskew Miller Longman. (Livro para crianças)

Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Gcina_Mhlope

Gcina Mhlophe (Histórias da África)

Contos africanos para os quatro cantos do mundo

Histórias da África, de autoria de Gcina Mhlophe, reúne alguns contos africanos bastante tradicionais. Mais do que entreter, as dez histórias apresentadas nesta obra têm a função de transmitir ensinamentos e lições de vida e de moral.

“Sabe ... essa história me fez pensar que as respostas que procuro para minhas perguntas estão dentro de mim, lá no fundo. Sinto que estão nas profundezas do oceano, do oceano que é meu coração e a minha alma.”

Do contato com sua avó, a netinha Gcina Mhlophe, hoje renomada escritora, aprendeu muito cedo a gostar de histórias fantásticas e dos contos infantis que marcaram tantas gerações dos povos africanos. Guardadas na lembrança, algumas destas histórias serviram para que Gcina elaborasse sua mais recente obra: Histórias da África, publicada pela Paulinas.

São dez histórias que trazem nas entrelinhas exemplos de valores supremos, aqueles que regem a vida do ser humano em qualquer parte do planeta, como justiça, ética e respeito.

Despertando a curiosidade e o sentimento lúdico infantis, a autora demonstra, em todos os seus textos, o respeito à oralidade, condição que torna a leitura mais agradável e, ao mesmo tempo, fácil para a compreensão do leitor.

Escritos para depois serem “partilhados”, ou melhor, “recontados” para outras pessoas, os contos encantam pelas mensagens e capacidade de despertar a reflexão de adultos e crianças: por que o Crocodilo queria o coração do Macaco? Como a Tartaruga conseguia ser respeitada? E a inimizade entre o Leão e a Lebre, como surgiu? O poder de cura do velho leopardo Filani ... o casamento de Lungile, a moça bonita da aldeia que amava tanto os pássaros ... entre tantas outras histórias do folclore africano.

As ilustrações, de cinco artistas residentes na África do Sul, foram feitas com diferentes técnicas (pintura a óleo, artesanais tradicionais, imagens computadorizadas, xilogravura e aquarela) e trabalhadas em variados estilos; juntas, porém, complementam e enriquecem as histórias contadas por Gcina.

A autora :

Gcina Mhlophe é uma das mais populares contadoras de história da África do Sul. É também atriz e produtora. Nascida em KwaZulu-Natal, atualmente vive em Johannesburg.

Os ilustradores:

As ilustrações são de um grupo de cinco artistas (Kalle Becker, Jeannie Kinsler, Kim Longhurst, Lalelani Mbhele e Junior Valentim), que possuem diferentes formações e usam, neste livro, as mais diversas técnicas. Ao exibirem juntos suas obras, colaboram para enriquecer Histórias da África com um rico mosaico artístico.

Título: Histórias da África
Autora: Gcina Mhlophe
Editora: Paulinas
Tema: Livros infanto-juvenis, Literatura, África , Fábulas e lendas, Folclore
Público-alvo: leitor fluente
Coleção: Tecendo histórias
Formato: 21,0 x 28,0
Páginas: 60

Fonte:
http://animalivre.uol.com.br/home/?tipo=noticia&id=2426

Paulo Urban (À Minha Altura)

Nada havia, como era costume, a comemorar naquela data. Ele acordara cinqüentão. Pra que a festa?

Afinal, dali pra frente, os anos seriam passos em declínio para a morte. Se na década anterior ele já presumira a noção da meia-idade, agora era certo, aquela era a primeira manhã de sua vida em que ele acordava cônscio de que pela frente nada mais poderia haver do que, simplesmente, no máximo, a outra metade. Lembrou-se, nem poderia explicar o porquê, do velho Napoleão que, certa feita, do alto de seu 1.58m de altura, disse quando admoestado por não passar de um nanico: “Um homem não se mede por sua estatura, senão por onde até ele leva o seu destino”.

Seu consolo era esse, ainda havia tempo para dar conta de sua missão, ou ao menos descobrir qual era ela. Uma angústia apertou-lhe o peito, fez-se o nó, engoliu em seco. Olhou pro lado e o rádio-relógio marcava em quartzo-rubro a data de seu aniversário e o horário da manhã de dia útil. Era hora de apropriar-se de suas próprias pernas, levantar da cama e buscar encontrar ao longo do dia a própria altura. Propriamente, era aquela manhã uma hora de cura, a de olhar-se cara a cara no espelho e dizer-se bem lá dentralto a si mesmo: eu quero ter-ser essa minha metadinteira!

À MINHA ALTURA

Minha metade verme me quer homem,
e a metade homem sempre busca a Deus;
caminho por meus passos, sigo os meus
sinais, livre dos ais que me consomem.

Minha vontade fraca já morreu,
queimei-a na fogueira dos que somem,
à luz da Lua-mãe de um lobisomem
que a paz fez com seu lobo e já cresceu.

Minha vontade forte mata o bicho,
eu dreno o imenso pântano do Estige
e assumo o bom tamanho que me cabe;

Mas se hoje eu incinero todo o lixo,
além desses cinqüenta, a alma em metade,
serei o homem do qual me regozije!
===================================
Fonte:
http://www.mhariolincoln.jor.br/

7º Festival Estudantil Sesi de Teatro

Começa hoje o 7º Festival Estudantil Sesi de Teatro

Espetáculos de Sorocaba e Itapetininga dão início, hoje, ao “7º Festival Estudantil Sesi de Teatro”, que estende-se até o próximo sábado, levando ao público, durante toda a semana, montagens nas categorias infantil e adulto. Participam, ao todo, 12 grupos de diversas escolas do interior do Estado de São Paulo. Os espetáculos infantis poderão ser vistos sempre às 15h, e os adultos às 20h, ambos no Teatro Popular do Sesi. A novidade para este ano é a oficina “A Pedagogia no Teatro”, que será ministrada por Marly Bonome, da Universidade Sagrado Coração (USC), de Bauru. A oficina será realizada de segunda a sexta-feira, com 20 vagas abertas para a comunidade. Neste domingo, as crianças poderão conferir, à tarde, “A Lenda de Pluft”. Já no período da noite, a montagem “Revolução” será apresentada para os adultos.

Júnior Mosko, diretor de Teatro do Sesi e criador do Festival, acredita que o evento - já em sua sétima edição - tem estimulado a prática do teatro dentro das escolas. “Um festival de teatro estudantil tem como característica básica a fomentação do teatro entre a própria comunidade. Eu costumo dizer que é um dos mais agregadores porque o pai se transforma em cenógrafo, a mãe figurinista, a professora de geografia pode virar diretora, enfim, dissemina a arte de maneira que contamine a todos, desde o porteiro da escola até seus coordenadores”, afirma.

O Grupo Teatral “Tapanaraca Mutatis Mutandis”, da Escola Estadual “Professor Abílio Fontes” e Instituto Peixoto Gomide, de Itapetininga, apresenta hoje, às 15h, “A Lenda de Pluft”, sobre um fantasminha muito esperto que vive com sua mãe no sótão de uma velha casa à beira-mar. Pluft é um fantasminha que tem muito medo de gente, e que acaba conhecendo Maribel, uma menina que tem muito medo de fantasma. Texto de Maria Clara Machado. Direção e adaptação de Fábio Jurera.

À noite, a partir das 20h, o núcleo Descobrir de Teatro, ligado à Associação Teatral de Sorocaba (ATS), apresenta “Revolução”, espetáculo que narra a trajetória de José da Silva, metáfora do povo (ou do próprio teatro brasileiro). Para contar a história de José, o Núcleo utiliza-se de outra história: a de um grupo de teatro, às vésperas da estréia, que enfrenta seus inúmeros problemas para colocar seu espetáculo no palco. Augusto, o ator, se depara com a pesquisa e as descobertas na construção de sua personagem: o pobre José da Silva. Texto baseado nas obras de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e outros nomes da dramaturgia brasileira. Direção de Carlos Doles.

Fontes:
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://www.jcsol.com.br/materia.phl?editoria=42&id=117444

sábado, 6 de setembro de 2008

Trovas Daqui, Dali e Mais Além



Cuide bem do seu bebê:
forme-o forte, sábio, puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
A. A. de Assis – PR

Moro em São José dos Campos
Onde vivo e sou feliz.
No luzir dos pirilampos
vai um abraço pra Gis.
Adamo Pasquareli - SP

Com minha alma enternecida,
confesso com todo ardor:
Só tenho dois dons na vida...
ser poeta e Trovador!...
Ademar Macedo-RN

Tu sorriso exuberante,
qual canto de rouxinol.
Vieste a mim delirante,
bem como um raio de sol.
Alzira Dall’ Agnol – SC

Quer saber o que é amar?
Não fique buscando a esmo;
amar é como tirar
boas férias de si mesmo!
Amilton Maciel Monteiro – SP

Quis colher o sol e a lua,
Depô-los no teu regaço,
Quis cantar de rua em rua,
Os versos que já não faço.
Antonio Barroso - (Tiago) Portugal

Teu retrato está timbrado
dentro do meu coração.
E por mim sempre lembrado,
com muito amor e afeição!
Arlene Lima - PR

De amistad soy sembrador
con mis trovas por el mundo
ya que soy un trovador,
¡que siente un amor profundo!
Carlos Imaz - Francia

Al amor y a la amistad
la sonrisa abre la puerta
y, si hay sinceridad,
la mantendremos abierta.
Carlos Rodríguez Sánchez - Venezuela

A amizade é um bem de amor
que toca a nossa emoção,
guardaremos tal valor
no fundo do coração...
Cidinha Frigeri - PR

O amor oculto, floresce
qual rara flor, num penedo:
perfume que remanesce
das delícias de um segredo...
Clevane Pessoa-MG

Es carnaval de alegría
viste alegóricamente
baila de noche y de día
se oculta a través de gente.
Cristina Bonilla - México - USA

El odio, guerra y rencor
que destruyen las naciones,
se conviertan en amor
en todos los corazones.
Cristina Oliveira - USA

No meu inverno de amor,
nestes momentos tristonhos,
eu rezo e peço ao senhor:
-Não deixe morrer meus sonhos!
Delcy Canalles - RS

O alto-falante anunciava
a valsa de um querer-bem,
e o parque inteiro aguardava
ouvir seu nome, também.
Dorothy Jansson Moretti-SP

Eu agradeço os seus versos,
família do coração,
estes beijos vão dispersos,
levando minha emoção!
Eleandra Bonatto - RS

La piedad es un valor
que embellece nuestra vida.
Si la brindas con amor
regresará bendecida
Fabiana Piceda - Argentina

Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram!
E a noite se fez poema...
e os versos também se amaram!...
Flavio Roberto Stefan i - RS

Dois Franciscos, há em mim,
cada qual mais Trovador;
um, é santo e querubim,
o outro, frágil pecador!
Francisco Macedo-RN

Na tempestade, um evento
de energia colossal...
Vi Deus cavalgando o vento
e Senhor do temporal!
F. Vasconcelos - PR

Sou Trovador, e, por isto,
minh ’alma jamais se entrega:
em minhas trovas conquisto
tudo o que a vida me nega!
Gerson César Souza - PR

O mar é o mais doce amante,
pois não cansa de beijar,
num lirismo alucinante,
toda a praia que encontrar.
Gislaine Canales - RS

Con sonrisas y con lagrimas
la vida teje en heridas
un dulce manto de rimas
que salvan las cosas idas.
Gladys Bravo - Chile

Se és veloz no pensamento,
No trânsito sê prudente.
Usa o cinto, fica atento...
Mostra que és inteligente!
Gledis Tissot - SC

Numa eterna teimosia
o relógio vence os Anos
marcando as horas do dia
e os dias de desenganos!...
Hermoclydes Siqueira Franco-RJ

Quien oculte su sonrisa
camina por un atajo
con dirección imprecisa,
pensativo y cabizbajo.
Hildebrando Rodríguez - Venezuela

Teus lábios num beijo assumem
o formato dos losangos,
e unidos aos meus resumem
a polpa de dois morangos!
Humberto Rodrigues Neto-SP

O poeta é um visionário,
mas quanta verdade encerra;
mesmo sendo um solitário
ele abrange toda a Terra...
Ialmar Pio - RS

O vento, só por maldade,
moveu todo meu destino:
formou dunas de saudade
com meus sonhos de menino!
Ivone Prado-MG

Yo compongo mis canciones
porque soy un trovador
Y le canto a las naciones
quiero paz también amor.
Jaime Correa – Chile

Quem já viveu graves crises
jamais esquece a da fome,
pois nunca encontrou raízes
naquela seca sem nome.
Jair Maciel de Figueiredo-RN

Primavera é a natureza
se revestindo de flores,
multiplicando... a beleza,
nos sonhos dos Trovadores.
Joamir Medeiros – RN

-Quando me entrego ao passado,
no meu devaneio infindo,
sonho, bom tempo, acordado,
pensando que estou dormindo.
Jose Lucas-RN

Solitário é luz sem brilho
é sombra sem a visão,
de um olhar que busca o filho
na mais densa escuridão!
Josias Alcântara-ES

Não me tem perigo o mar,
pois distante dele moro;
Há perigo em me afogar
nestas lágrimas que choro.
Lairton Trovão de Andrade - PR

Amigo é o que longe ou perto,
atende sem ser chamado,
com o coração aberto
e um sorriso iluminado.
Leonilda H. Justus - PR

O sol é lâmpada acesa,
por Deus pai, como magia...
para pintar a beleza
da vida... dia após dia
Mara Melinni Garcia-RN

Se o mar da vida, tristonho,
faz meu sonho naufragar,
iço as velas de outro sonho
e (outra vez) volto pro mar!
Marisa Vieira Olivaes - RS

João -de- Barro nos ensina
Com seu talento exemplar,
Que com barro e palha fina
Pode se fazer um lar.
Miguel Russowsky - PR

Yo tengo la fortaleza
la templanza y la razón
de seguir con gentileza
aunque sufra el corazón
Mirta Cordido – Argentina

Na Trova e no Trovador
é que se encontram, suponho,
criatura e Criador
unidos no mesmo sonho!
Nádia Huguenin - RJ

Construtor de propriedade,
João- de- Barro, arquiteto,
Sem cursar a faculdade,
Cria e monta o seu projeto.
Nei Garcez - PR

Amigo eu trago guardado,
sempre com muita afeição,
naquele lugar sagrado
que se chama coração.
Neiva Fernandes – RJ

Muitas vezes eu já disse,
que tenho muitos amores,
me alegrando na velhice:
Deus, família e Trovadores.
Neoly Vargas - RS

Sol de mis días felices
que iluminan mis sentidos
brillan siempre tus matices,
tu luz marca mis caminos.
Nora Lanzieri - Argentina

Cada tropeço me ensina
que a vida é eterno sonhar.
Na vida nada termina,
muda de forma e lugar!
Prof. Garcia-RN

A História da Humanidade
mostra , de modo bizarro,
poucos heróis de verdade
e muitos mitos de barro!
Rodolpho Abbud-RJ

Na trova, que é seu veleiro,
singrando temas diversos,
Trovador é marinheiro
que navega em quatro versos.
Thereza Costa Val-MG

Que o Trovador lá de cima,
nosso vate preferido,
mostre o bem, o amor, a rima
e o seu rastro a ser seguido!
Vânia Ennes - PR

Lenço branco desdobrado,
acenando com amor,
em adeus lacrimejado
como os orvalhos da flor!
Vidal Idony Stockler - PR
=============================
Fonte:
União Brasileira de Trovadores - Balneário Camboriú - SC. Revista Trovamar - Ano 4 - Nº 45 - Setembro - 2008. Disponível em Portal CEN - http://www.caestamosnos.org/rev_trovamar/Setembro_2008.html

Luis da Câmara Cascudo (Por que o Cachorro é inimigo de gato...e gato de rato)

Antigamente todos os bichos eram amigos e o leão governava todos. Cachorro, gato, rato, ovelha, onça, raposa, timbu, pinto, tudo vivia junto e sem briga.

Uma feita Nosso Senhor mandou o leão libertar os bichos, passando carta de alforria a todos, para que pudessem ir onde quisessem. Havia muita contenteza. O leão chamou os bichos mais ligeiros e entregou as cartas de liberdade para ir dando aos outros animais.

Chamou o gato e deu a ele a carta de alforria do cachorro. O gato saiu numa carreira danada. No caminho encontrou o rato que estava entretido bebendo mel de abelhas.

- Camarada gato! Para onde vai nesse desadoro?

- Vou entregar essa carta ao camarada cachorro!

- Deixe de vexame! Descanse e beba esse melzinho gostoso.

O gato foi lamber o mel e tanto lambeu e gostou que acabou enfarado e dormindo. O rato, de curioso, foi cascavalhar a bruaca que o gato trazia a tiracolo e encontrou uns papéis. Meteu o dente, roendo, roendo, roendo, e deixou tudo virado em bagaço. Vendo que fizera uma desgraça, fez um bolo e sacudiu dentro da bruaca do gato e ganhou a mata.

O gato, acordando, largou numa carreira "timive" até encontrar o cachorro, a quem entregou o papel. O cachorro foi ler e viu que tudo estava esbagaçado e roído. Não podia provar ao homem que era bicho-livre e ficou zangado de ferro e fogo com o gato, dando uma carreira atrás dele para matá-lo. O gato, por sua vez, sabendo que aquilo era trabalho do rato, não procurou coisa senão passar-lhe o dente para vingar-se.

E até hoje, cachorro, gato e rato, são inimigos até debaixo dágua.

(Informante: João Monteiro. Natal, Rio Grande do Norte)


Nota: É um conto etiológico, explicando a inimizade de cães, gatos e ratos. Corrente nos folclores da Europa do norte e leste. É o Mt. 200 de Aarne-Thompson, The dog’s certificate. João Ribeiro, O folk-lore, XLIV, 3135. Fábula e provérbio, estudou o motivo, transcrevendo uma versão africana de Libolo, Angola. Cão, gato e rato brigam por que o último não restituiu (a rata roera) a carta de alforria que o primeiro confiara ao segundo, p. 316-318. Motivo idêntico ocorre na La querelle des chiens et des chats, de La Fontaine, não aparecendo os ratos.

Fonte:
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte; São Paulo, Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1986. Reconquista do Brasil, 2ª série, 96
Disponivel em http://www.jangadabrasil.com.br/

Sílvio Romero (Alforria do Cachorro)

Nota de Luís da Câmara Cascudo:

Fragmento de um romance popular pernambucano explicando a briga entre cães, gatos e ratos. Está incompleto. A alforria do cachorro, confiada ao gato, foi inutilizada pelos dentes do rato. Quando o cachorro procurou o seu diploma e o gato foi buscá-lo encontrou-o em pedaços ínfimos. Daí a inimizade eterna. É uma estória popular, Contos tradicionais do Brasil, 349, Porque cachorro é inimigo de gato e gato de rato, Rio de Janeiro, 1946. João Ribeiro estudou o motivo, O folclore, XLIV, 313, Rio de Janeiro, 1919. Mt-200 de Aarne-Thompson, The dog’s certificate. Não intervindo os ratos, é assunto de uma fábula de La Fontaine, La Querelle des Chiens et des Chats.
=====================
No tempo em que o rei francês
Regia os seus naturais,
Houve uma guerra civil
Entre os brutos e animais.
Neste tempo era o cachorro
Cativo por natureza;
Vivia sem liberdade
Na sua infeliz baixeza.
Chamava-se o dito senhor
Dom Fernando de Turquia;
E foi o tal cão passando
De vileza a fidalguia.
E daí a poucos anos
Cresceu tanto em pundonor,
Que os cães o chamaram logo
De Castela Imperador.
Veio o herdeiro do tal
Dom Fernando de Turquia,
Veio a certos negócios
Na cidade da Bahia.
Chegou dentro da cidade,
Foi à casa de um tal gato;
E este o recebeu
Com muito grande aparato.
Fez entrega de uma carta,
E ele a recebeu;
Recolheu-se ao escritório,
Abriu a carta e leu.
E então dizia a carta:

"Ilustríssimo Senhor
Maurício - Violento – Sodré -
Ligeiro - Gonçalves - Cunha -
Sutil - Maior - Ponte-Pé.
Dou-lhe, amigo, agora a parte
De que me acho aumentado,
Que estou de governador
Nesta cidade aclamado.
Remeto-lhe esta patente
De governador lavrada;
Pela minha própria letra
Foi a dita confirmada."
Ora o gato, na verdade,
Como bom procurador,
Na gaveta do telhado
Pegou na carta e guardou.
O rato como malvado,
Assim que escureceu,
Foi à gaveta do gato,
Abriu a carta e leu.
Vendo que era a alforria
Do cachorro, por judeu,
Por ser de má consciência,
Pegou na carta e roeu.
Roeu-a de ponta à ponta,
E pô-la em mil pedacinhos,
E depois as suas tiras
Repartiu-as pelos ninhos.
O gato, por ocupado
Lá na sua Relação,
Não se lembrava da carta
Pela grande ocupação.
E depois se foi lembrando,
Foi caçá-la e não achou,
E por ser maravilhoso
Disto muito se importou.

Fontes:
ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro; cantos e contos populares do Brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/
Foto: http://www.zaroio.com.br/

Artur Ramos (Os Contos de Quibungo)

O Quibungo e o homem

Quibungo é um bicho meio homem, meio animal, tendo uma cabeça muito grande e também um grande buraco no meio das costas, que se abre, quando ele abaixa a cabeça, e fecha, quando levanta. Come os meninos, abaixando a cabeça, abrindo o buraco e jogando dentro as crianças.

Foi um dia, um homem que tinha três filhos, saiu de casa para o trabalho, deixando os três filhos e a mulher. Então apareceu o Quibungo que, chegando na porta, perguntou, cantando:

De que é esta casa,
auê
como gérê, como gérê,
como érá?

A mulher respondeu:

A casa é de meu marido,
auê
como gérê, como gérê,
com érá.

Fez a mesma pergunta em relação aos filhos e ela respondeu que eram dela. Ele então disse:

Então, quero comê-los
auê
como gérê, como gérê,
como érá?

Ela respondeu:

Pode comê-los, embora,
auê
como gérê, como gérê,
como érá.

E ele comeu todos os três, jogando-os no buraco das costas.

Depois, perguntou de quem era a mulher, e a mulher respondeu que era de seu marido. O Quibungo resolveu-se comê-la também, mas quando ia jogá-la no buraco, entrou o marido armado de uma espingarda de que o Quibungo tem muito medo. Aterrado, Quibungo corre para o centro da casa para sair pela porta do fundo, mas não achando, porque as casas dos negros só tem uma porta, cantou:

Arrenego desta casa,
auê
Que tem uma porta só,
auê
Como gérê, como gérê,
como érá.

O homem entrou, atirou no Quibungo, matou-o e tirou os filhos pelo buraco das costas. Entrou por uma porta, saiu por um canivete, el-rei meu senhor, que me conte sete.

O Quibungo e a cachorra

Foi um dia uma cachorra cujos filhos, todas as vezes que ela paria, eram comidos pelo Quibungo.
Então, para poder livrar os novos filhos do Quibungo que queria comê-los, meteu-os num buraco e ficou sentada em cima, vestida com uma saia e um colar no pescoço. Chegando o Quibungo e vendo a cachorra assim vestida, a desconheceu e teve medo de aproximar-se. Então, passando o cágado, ele perguntou-lhe:

Otavi, ôtavi, longôzôê
ilá ponô êfan
i vê pondêrêmun
hôtô rômen i cós
ssenta ni ananá ogan
nê sô arôrô ale nuxá.

O Cágado resondeu: "Não sei, Quibungo".

Passou a raposa. Quibungo fez a mesma pergunta cantando, e a raposa respondeu que não sabia. Passou, então, o coelho e o Quibungo fez-lhe a mesma pergunta; foi quando este disse:

- Ora, Quibungo, você não conhece a cachorra vestida de saia e colar no pescoço?

Aí, o Quibungo correu atrás da cachorra para matá-la, e esta atrás do coelho. Nesta carreira entraram pela cidade. Os homens mataram o Quibungo e a cachorra matou o coelho. Entrou por uma porta saiu pela outra, rei meu senhor, que me conte outra.
O Quibungo e o filho Janjão

Era uma vez um Quibungo que casou com uma negra, da qual teve uma porção de filhos. Mas ele comia todos os filhos. O último, que nasceu, a mulher escondeu num buraco, para que o Quibungo não o comesse. Tinha o nome de Janjão, e a mãe recomendou muito a ele que, quando o pai chegasse do mato e chamasse por ele, falando em voz muito grossa, ele não saisse do buraco. Que ela quando o chamava para lhe dar comidas, sempre falava com a sua voz fina de mulher, que ele conhecia. Ora, um dia, em que o Quibungo não achou bicho nenhum para comer no mato, nem menino para papar na cidade, onde também, às vezes, andava de noite, voltou muito fraco para casa, onde não havia outra carne senão a do filho, que estava escondido. Então, falando com voz fina, pela fraqueza, cantou:

Toma lá curiá, meu filho!
Toma lá curiá, meu filho!

Janjão, pensando que era a mãe, que voltava da cidade e lhe trazia a comida de que ele tanto gostava, saiu do buraco e o Quibungo o agarrou, para comê-lo.
O pobrezinho do Janjão, chorando, cantava:

Minha mãe sempre me dizia
Que o Quibungo me comeria
Minha mãe sempre me dizia
Que o Quibungo me comeria..

E o Quibungo comeu o último filho e a mulher morreu de desgosto. E por isso é que o Quibungo não tem mais mulher nem filhos.

A aranha caranguejeira e o Quibungo

A aranha caranguejeira tinha que atravessar um rio muito largo, a fim de alcançar uma árvore carregada de frutos doces e maduros. Para isso, a aranha procurou o auxílio de vários animais, o urubu, o jacaré, enganando-os depois. Por fim, encontrou o quibungo, "macacão todo peludo, que come crianças", que pegava os peixes no rio, e atirava-os para trás das costas. A aranha chegou devagarinho e comeu os peixes um a um. Quando o quibungo procurou os peixes e não os encontrou, pegou uma discussão danada com a aranha.

Afinal saíram andando e a aranha conseguiu enganar o Quibungo, amarrando-o num toco de árvore com cipó grosso. O Quibungo ficou ali preso uma porção de tempo e quando conseguiu se soltar, jurou vingar-se da aranha. Escondeu-se próximo do bebedouro aonde todos os bichos iam beber água, à espera da aranha. Mas esta meteu-se num couro de veado, foi à fonte, bebeu água sem ser reconhecida pelo Quibungo .

O Quibungo e o menino do saco das penas

Um menino começou a juntar penas de vários animais, que ia guardando num saco. Um dia, a família toda foi pescar num lugar onde diziam haver quibungo. De fato, ao começarem a pescaria ouviram um ronco enorme dentro do mato. "É o quibungo!"- gritaram. Mas o menino não se importou. Distribuiu todos em fila, entregando a cada um uma pena da asa e outra do rabo de passarinho. Quando o quibungo chegou, que estendeu a mão para o primeiro da fila, o menino cantou:

- Esse é meu pai,
Auê
Gangaruê, tu cai,
Não cai.

O quibungo deu um urro – exê! – encolheu a mão e procurou agarrar o segundo da fila. O menino cantou:

Essa é a minha mãe,
Auê
Gangaruê, tu cai,
Não cai.

E assim por diante, sem que o quibungo pudesse alcançar ninguém. Quando chegou junto do menino, este prendeu as penas de modo que todos criaram asas e saíram voando até a casa. Lá fizeram um grande buraco e ficaram à espera do quibungo. Quando este chegou, caiu dentro do buraco e lá o mataram.

A menina e o quibungo

Uma menina gostava muito de sair de noite. A mãe ralhava com ela, chamando-lhe a atenção para o quibungo que pega os meninos de noite. A menina não se importou e uma noite, o quibungo agarrou-a e ia levando-a para comer. A menina começou a cantar:

Minha mãezinha
Quibungo tererê,
Do meu coração
Quibungo tererê
Acudi-me depressa,
Quibungo tererê,
Quibungo quer me comer

Ao que a mãe da menina respondeu:

Eu bem te dizia
Quibungo tererê
Que não andasse de noite
Quibungo tererê

A menina continuou gritando, mas ninguém quis acudi-la. Mas a avó preparou um tacho com água fervente e quando o quibungo ia passando, sacudiu-lhe a água em cima. O quibungo deu um pulo e a velha acabou matando-o com um espeto em brasa, e salvando a neta.

Fonte:
RAMOS, Artur. O folclore negro do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1935. Disponível em
http://www.jangadabrasil.com.br/

Afonso Cláudio (Trovas Infantis)

Sou pequenina
Criança mimosa
Trago nas faces
As cores da rosa


Mandei fazer um barquinho
Da casca do camarão
O barquinho saiu pequeno
Só coube meu coração


Coringa foi lavar roupa
Pegou na roupa e vendeu
Cala a boca meu coringa
Quem paga a roupa sou eu


Tenho um cachorrinho
Chamado Totó
Ele é malhadinho
De uma banda só


Vou dar a despedida
Como deu o passarinho
Bateu asas, foi-se embora
Deixando as penas no ninho


O formoso pica-pau
Que do pau fez um tambor
Foi tocar alvorada
Na porta do seu amor


O anum é pássaro preto
Chibante no avoar
Quando se senta no pau
Levanta o rabo pro ar


Passarinho preso canta
Preso deve de cantar
Pois que foi preso sem culpa
Canta para aliviar


Amor tem dó
Do passarinho
Quebrou seus ovos
Escangalhou seu ninho

Fonte:
CLÁUDIO, Afonso. Trovas e cantares capixabas. 2ª ed. Rio de Janeiro, MEC – SEAT – FUNARTE, Instituto Nacional do Livro, 1980. Disponível em
http://www.jangadabrasil.com.br/

Leonardo Mota (Cantigas de Ninar)

Dorme filhinho
Que eu tenho que fazer:
Vou lavar, vou engomar
Camisinha pra você…
==================
Desce, gatinho
De cima do telhado
Para eu ver se meu filhinho
Dorme um sono sossegado

Desce, gatinho
De cima desse muro
Para eu ver se meu filhinho
Dorme um sono bem seguro

Desce, gatinho
Larga de tanto tropel
Para eu ver se meu filhinho
Sonha com Mamãe do Céu….
======================
Bicho-papão
Saia do telhado
Deixe este menino
Dormir sossegado

Bacia de ouro
Lavada com sabão
Lave este menino
E vista o seu roupão

Toalha de ouro
Bordada com filó
Enxugue este menino
E leve pra vovó

Fontes:
Leonardo Mota em Ipu, Ceará. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/
Desenho: http://www.florrose.com.br/

Paginas da Vida (Nobreza Humana)

O tenor Plácido Domingo é madrileno e José Carreras é catalão. E há uma grande rivalidade entre madrilenos e catalães. Plácido e Carreras não fugiram à regra. Em 1984, por questões políticas, tornaram-se inimigos.

Sempre muito requisitados em todo o mundo, ambos faziam constar em seus contratos que só se apresentariam se o desafeto não fosse convidado.

Em 1987, Carreras ganhou um inimigo mais implacável que Plácido Domingo. Foi surpreendido por um terrível diagnóstico de leucemia. Submeteu-se a vários tratamentos, como auto-transplante de medula óssea e trocas de sangue. Por isso, era obrigado a viajar mensalmente aos Estados Unidos.

Claro que sem condições para trabalhar, e com o alto custo das viagens e do tratamento, logo sua razoável fortuna acabou.

Sem condições financeiras para prosseguir o tratamento, Carreras tomou conhecimento de uma instituição em Madrid, denominada Fundación Hermosa. Fora criada com a finalidade única de apoiar a recuperação de leucêmicos. Graças ao apoio dessa fundação, ele venceu a doença. E voltou a cantar.

Tornando a receber altos cachês, tratou de se associar à fundação. Foi então que, lendo os estatutos, descobriu que o fundador, maior colaborador e presidente era Plácido Domingo. Mais do que isso. Descobriu que a fundação fora criada, em princípio, para atender a ele, Carreras. E que Plácido se mantinha no anonimato para não o constranger por ter que aceitar auxílio de um inimigo.

Momento extraordinário, e muito comovente aconteceu durante uma apresentação de Plácido, em Madrid. De forma imprevista, Carreras interrompeu o evento e se ajoelhou a seus pés. Pediu-lhe desculpas. Depois, publicamente lhe agradeceu o benefício de seu restabelecimento.

Mais tarde, quando concedia uma entrevista na capital espanhola, uma repórter perguntou a Plácido Domingo por que ele criara a Fundación Hermosa. Afinal, além de beneficiar um inimigo, ele concedera a oportunidade de reviver a um dos poucos artistas que poderiam lhe fazer alguma concorrência.

A resposta de Plácido Domingo foi curta e definitiva: "porque uma voz como essa não se podia perder."

Fazer o bem sem ostentação é grande mérito. Ainda mais meritório é ocultar a mão que dá. Constitui marca de grande superioridade moral.
Não saber a mão esquerda o que dá a mão direita é uma imagem que caracteriza admiravelmente esse tipo de benefício.
Quando, ao demais, o benefício tem por objetivo maior atender um eventual desafeto, torna-se ainda mais meritório.
A criatura demonstra, com tal atitude, estar acima do comum da humanidade.
Que essa história não caia no esquecimento. E, tanto quanto possível, nos sirva de inspiração e exemplo.

Fontes:
http://www.projetomusical.com.br/
Foto: http://www.fatiasdeca.net

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Philip K. Dick (1928 - 1982)

Philip Kindred Dick (16 de Dezembro de 1928, Chicago – 2 de Março de 1982, Santa Ana, Califórnia), também conhecido pelas iniciais PKD, foi um escritor estadunidense de ficção científica que alterou profundamente este género literário. Apesar de ter tido pouco reconhecimento em vida, a adaptação de várias das suas novelas ao cinema acabou por tornar a sua obra conhecida de um vasto público, sendo aclamado tanto pelo público como pela crítica.

Filho de um funcionário do governo federal, a sua irmã gémea morreu quase à nascença. Os seus pais divorciaram-se quando Philip contava quatro anos de idade. Acompanhou a mãe na sua mudança para a Califórnia, onde estudou, ingressando na Escola Secundária de Berkeley, onde permaneceu até 1945. Matriculou-se então na Universidade da Califórnia, onde estudou Filosofia e Alemão, abandonando o curso para trabalhar como disc-jockey numa emissora de rádio, mantendo, ao mesmo tempo, uma loja discográfica.

Começou a escrever nesta época, publicando o seu primeiro conto de ficção científica na revista Planet Stories. Chegou a terminar alguns romances de índole autobiográfica, mas não conseguiu encontrar quem os editasse. Decidiu portanto dedicar-se inteiramente à ficção científica, convicto de que este género poderia melhor abarcar as suas especulações filosóficas.

A sua primeira obra publicada foi Solar Lottery de 1955. A ação da obra decorria no século XXIII, num tempo em que a democracia como forma de eleição foi substituída por uma sistema de loteria que decide as funções dos indivíduos na sociedade. No entanto, vem-se a descobrir que a sorte está viciada. Após o aparecimento de obras como Eye In The Sky de 1956, Dr Futurity de 1960 e Vulcan's Hammer de 1960, Philip K. Dick conseguiu ser reconhecido como escritor, sobretudo com a publicação de The Man In The High Castle (O Homem do Castelo Alto) de 1962. O romance recriava um mundo em que a Alemanha e o Japão haviam vencido a Segunda Guerra Mundial.

Por ter mantido relações com o Partido Comunista norte-americano, o escritor foi alvo de cuidadosas investigações por parte do FBI e dos serviços secretos da Força Aérea dos EUA. A visão quase paranóica da realidade que Dick demonstrou em muitos dos seus trabalhos não seria portanto de todo infundada.

Inspirando-se em ideias do Budismo, Cabalismo, Gnosticismo e outras doutrinas herméticas, e combinando-as com certos aspectos das novas crenças na parapsicologia, extraterrestres e percepção extra-sensorial, o autor criou mundos alternativos nos quais acabou eventualmente por julgar viver. Consumindo drogas em excesso, alegou ter sido contatado em 1974 por uma inteligência alienígena.

Acontece que o escritor diferenciava-se da maioria dos paranóicos pelo teor da sua obra. Dick escreveu 36 romances - alguns em quinze dias, durante delírios turbinados por anfetaminas - mais cinco historietas curtas, produzidas no início de sua carreira, entre 1952 e 1956. Tecnicamente, sua ficção-científica não se aproximava da classe de um Arthur C. Clarke, estava mais para um estilo bem folhetinesco. Mas Dick sobreviveu ao tempo, superou sua geração graças aos temas abordados em seus livros. Há quarenta anos, o escritor discutia ética e experiências genéticas, liberdades individuais e problemas de identidade, controle de mentes e demais interferências humanas na ordem natural das coisas. O escritor era um visionário.

Muitas das experiências reais de Dick (foi abandonado pelo pai aos cinco anos de idade, assistiu à morte prematura das suas irmãs gêmeas recém-nascidas, além de casamentos desfeitos e problemas com drogas) serviram para construir uma personalidade pessimista.

Nos livros, fica evidente o descrédito no governo, nas autoridades. Seu primeiro romance, Solar Lottery (1955), exibe um mundo comandado por lógica e números: os governantes mundiais são escolhidos numa sofisticada loteria. Por outro lado, há também a porção metafísica.

PKD explorou em muitas das suas obras temas como a realidade e a humanidade, utilizando normalmente como personagens pessoas comuns e não os normais heróis galácticos de outras obras do gênero. Precursor do gênero cyberpunk, o seu livro Do Androids Dream of Electric Sheep? inspirou o filme Blade Runner que, já perto da sua morte por um AVC (Acidente Vascular Cerebral), serviu como introdução a Hollywood e levou a que outras obras suas fossem adaptadas ao cinema.

Os filmes Minority Report: A Nova Lei (com Tom Cruise), O Vingador do Futuro (com Arnold Schwarzenegger), O Pagamento (com Ben Affleck) e A Scanner Darkly, (com Keanu Reeves) também são baseados em novelas ou contos de Dick.

Bibliografia

Novelas
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1950 Gather Yourselves Together
1952 Voices From the Street
1953 Vulcan's Hammer (A Máquina de Governar)
1953 Dr. Futurity
1953 The Cosmic Puppets (Marionetas Cósmicas)
1954 Solar Lottery (Loteria Solar)
1954 Mary and the Giant
1954 The World Jones Made (Passageiros para Vênus)
1955 Eye in the Sky (Os Olhos no Céu, Universos Paralelos e Conflito dos mundos)
1955 The Man Who Japed (O Profanador)
1956 A Time for George Stavros (manuscrito perdido)
1956 Pilgrim on the Hill (manuscrito perdido)
1956 The Broken Bubble
1957 Puttering About in a Small Land
1958 Nicholas and the Higs (manuscrito perdido)
1958 Time out of Joint (O Homem mais Importante do Mundo)
1958 In Milton Lumky Territory
1959 Confessions of a Crap Artist
1960 The Man Whose Teeth Were All Exactly Alike
1960 Humpty Dumpty in Oakland
1961 The Man in the High Castle (1962, Prêmio Hugo) (O Homem do Castelo Alto)
1962 We Can Build You
1962 Martian Time-Slip
1963 Dr. Bloodmoney, or How We Got Along After the Bomb (Depois da Bomba e Os sobreviventes)
1963 The Game-Players of Titan (Os Jogadores de Titã)
1963 The Simulacra (O Tempo dos Simulacros)
1963 The Crack in Space (A Fenda no Espaço)
1963 Now Wait for Last Year (À Espera do Ano Passado)
1964 Clans of the Alphane Moon (Os Clãs da Lua de Alfa)
1964 The Three Stigmata of Palmer Eldritch (Os Três Estigmas de Palmer Eldritch)
1964 The Zap Gun (A Arma Impossível e A revolução dos brinquedos)
1964 The Penultimate Truth (A Penúltima Verdade)
1964 Deus Irae com Roger Zelazny (O Deus da Fúria)
1964 The Unteleported Man (Espaço eletrônico)
1965 The Ganymede Takeover com Ray Nelson
1865 Counter-Clock World (Regresso ao passado)
1966 Do Androids Dream of Electric Sheep? (Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos?, mais tarde reeditado com o título Blade Runner: O Caçador de Andróides)
1966 Nick and the Glimmung (livro para crianças)
1966 Ubik
1968 Galactic Pot-Healer
1968 A Maze of Death (O Labirinto da Morte)
1969 Our Friends from Frolix 8
1970 Flow My Tears, The Policeman Said (Vazio Infinito e Identidade Perdida)
1973 A Scanner Darkly (O Homem Duplo)
1976 Radio Free Albemuth
1978 VALIS (O Mistério de VALIS)
1980 The Divine Invasion (A Invasão Divina)
1981 The Transmigration of Timothy Archer (A Transmigração de Timothy Archer)

Contos
Philip K. Dick escreveu cerca de 130 contos, alguns dos quais republicados em coletâneas. Na língua portuguesa estão publicadas as seguintes:
«The Preserving Machine» («A Máquina Preservadora»)
«War Game» («O Jogo de Guerra»)
«If There was no Benny Cemoli» («E se Benny Cemoli não Existisse?»
«Roog» («Roog»)
«War Veteran» («Veterano de Guerra»)
«Stand By» («O Melhor Lugar de Reserva»)
«Beyond lies the Wub» («E lá ao Fundo vivem os Wubs»)
«We can Remember it for You Wholesale» («Recordações por Atacado»)
«Captive Market» («Mercado Cativo»)
«Upon the Dull Earth» («Esta Triste Terra»)
«Retreat Syndrome» («O Síndroma da Fuga»)
«The Crawlers» («Os Rastejadores»)
«Oh, to be a Blobel!» («Oh, é tão Bom ser um Blobel!»)
«What the Dead Men say» («O que os Mortos têm para nos Dizer»)
«Pay the Printer» («Paguem ao Impressor»)
«Paycheck» («O Pagamento»)
«Nanny» («Nanny»)
«Jon's World» («O Mundo de Jon»)
«Breakfast at Twilight» («Pequeno-almoço ao Pôr do Sol»)
«Small Town» («A Nova Maquete»)
«The Father-Thing» («O Pai Postiço»)
«The Chromium Fence» («Intolerância»)
«Autofac» («A Rede Autofab»)
«The Days of Perky Pat» («Jogar para Reviver o Passado»)
«Stand By» («O Suplente»)
«A Little Something for us, Tempunauts» («Uma Condecoração Especial, por Cansaço»)

Adaptações no cinema

Blade Runner (Blade Runner: O Caçador de Andróides) (Ridley Scott, 1982), baseado na novela Do Androids Dream of Electric Sheep?

Total Recall (O Vingador do Futuro)(Paul Verhoeven, 1990), baseado no conto «We Can Remember It for You Wholesale»

Confessions d'un Barjo (Jérôme Boivin, 1992), baseado na novela Confessions of a Crap Artist

Screamers (Christian Duguay, 1995), baseado no conto «Second Variety»

Impostor (Gary Fleder, 2000), baseado no conto «Impostor»

Minority Report (Minority Report: A Nova Lei) (Steven Spielberg, 2002), baseado no conto «The Minority Report»
E pensar que a história de Minority report, altamente profética, foi publicada na revista Fantastic Universe no longínquo ano de 1956.

Paycheck (O Pagamento) (John Woo, 2003), baseado na história «Paycheck»

A Scanner Darkly (Richard Linklater, 2006), baseado na novela A Scanner Darkly Next (Lee Tamahori), baseado no conto «The Golden Man»

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Philip_k._dick
http://www.omelete.com.br/game/10000896/Philip_K__Dick.aspx

Blade Runner, O Caçador de Andróides


Direção do Filme: Ridley Scott (1986)
Baseado do livro de Phillip K. Dick, em 1968, com o nome de Do Androids Dream of Eletric Sheep?

Eixo Temático

O desenvolvimento da sociedade do capital é o desenvolvimento ampliado de suas contradições sociais, seja no campo da técnica e da tecnologia, seja no da sociabilidade e subjetivadades humanas e também do ecossistema urbano-social. O estranhamento atinge o trabalho e a reprodução social, o que significa que desefetiva a memória e a identidade do homem, dilacerando seus referentes de espaço-tempo, comprimindo-os e imprimindo neles sua marca indelével. A manipulação de homens e coisas assumem dimensões cruciais. A sociedade burguesa hipertardia tende a se tornar uma imensa coleção de múltiplos objetos-mercadorias complexas criadas pelas novas tecnologias de engenharia genética. No limite, a produção de mercadorias atinge a produção de supostas inteligências artificiais e de objetos-andróides no limiar da hominidade. Na verdade, na medida em que não se abole o sistema do capital, ele tende a instituir formas sociais estranhadas mais desenvolvidas, abrindo um campo de hominização dessumanizada (o que é a própria bárbarie social).
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Temas-chaves: técnica e tecnologia, capital e processo civilizatório, ecossistema social e contradições do capital, identidade e memória social, trabalho estranhado e tempo de vida.
Filmes relacionados: “Matrix”, dos Irmãos Wachowski; “Metropólis”, de Fritz Lang; “2001-Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick; “IA - Inteligência Artificial”, de Steven Spielberg; “Eu, Robô”, de Alex Proyas; “Gattaca- A Experiência Genética”, de Andrew Niccol.

Análise do Filme

Blade Runner, de Ridley Scott (1986), é um dos filmes cult da década de 1980, mesclando policial noir e ficção-científica na Los Angeles de 2019. Logo na tela abertura, uma apresentação do problema do filme: “No inicio do século XXI a Tyrel Corporation criou os robôs da série Nexus virtualmente idênticos aos seres humanos. Eram chamados de replicantes. Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e fortes e no mínimo tão inteligentes quanto os Engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram usados fora da Terra como escravos em tarefas perigosas da colonização planetária. Após motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados ilegais sob pena de morte. Policiais especiais, os blade runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.”

A seguir, aparece a data (e local) da trama de Blade Runner – Los Angeles, novembro de 2019. Pelo visto, o filme possui uma estrutura narrativa simples. Rick Deckard (interpretado por Harrison Ford), é caçador de replicantes, ou blade runner, destacado para “aposentar” um grupo de replicantes Nexus 6 que fugiram do seu local de trabalho. Sob o comando do replicante Roy Batty (interpretado por Rudger Hauer), os Nexus 6 buscam prolongar seu tempo de vida. Apesar de serem tão ágeis, fortes e inteligentes quanto qualquer ser humano, os replicantes têm apenas quatro anos de vida.

Ao lado desta trama principal, podemos destacar uma trama secundária: o envolvimento afetivo de Deckard com Rachael (interpretada por Sean Young), replicante, secretária de Tyrel, dono da poderosa corporação industrial produtora dos Nexus 6 (Tyrel diz: “Nossa meta é o comércio. Nosso lema é ‘mais humanos que os humanos’”).

Blade Runner é um filme de caçada humana, onde, de certo modo, todos buscam algo: Deckard busca encontrar os replicantes; mas percebemos também que ele busca a si próprio. E persegue o amor de Rachael, que está imersa na busca de sua identidade inexistente. E os replicantes Nexus 6 buscam desesperadamente ter mais tempo de vida. Enfim, Blade Runner é uma pequena odisséia de homens e mulheres, humanos e pós-humanos, em busca da sua identidade perdida.

É um filme de ação intensa que contém uma profunda reflexão filosófica sobre o problema da identidade do homem, debilitada pelo descentramento do sujeito humano diante da vigência das tecnoestruturas burocrático-corporativas do mundo do capital. É o caso de Deckard, individuo perdido, solitário, obrigado pelos dispositivos policiais e corporativos a “aposentar” os replicantes (apesar de ter-se aposentado, no sentido usual do termo, Deckard é convocado a utilizar sua habilidade de investigador policial, ou melhor de blade runner, para caçar os Nexus 6). Sua vida pregressa é obscura, escondendo talvez algo incriminador, pois percebe-se que o convencimento de Deckard é um jogo de chantagem feito pelo chefe de polícia de LA. Como diz ele: “Conheço o jogo meu chapa. Se não topar, está acabado.”)

Enfim, o cenário distópico de Los Angeles em 2019 é opressivo, onde a individualidade humana é tão-somente uma sombra molhada pela constante chuva negra, decorrente de um ecossistema devastado. Como construção histórica, a identidade do homem como sujeito da modernidade prometeica, encontra-se irremediavelmente obliterada. A distopia noir de Blade Runner tende a negar, em si, qualquer identidade do homem consigo mesmo. O sistema do capital, com suas derivações destrutivas no plano do ecossistema, coloca no centro do cosmo, o fetiche das coisas, isto é, as tecnoestruturas urbano-corporativas com seus aparatos policiais e de manipulação midiática, como, por exemplo, o out-door móvel que preenche a paisagem superior da cidade e insiste em anunciar as maravilhas de paraíso distante.
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Diz, logo no inicio do filme, a mensagem publicitária: “Uma nova vida espera por você nas colônias interplanetárias. A chance de começar de novo numa terra dourada de oportunidades e aventuras! Vamos para as colônias!”. E a mensagem do grupo Shimago-Dominguez Corporation conclui dizendo: “Ajudando a América a entrar no Novo Mundo”.

Pelo que se percebe, a crise de identidade não é apenas de homens e mulheres, de humanos e pós-humanos, mas a crise de identidade atinge inclusive o próprio Estado-nação, ou seja, os EUA, onde é perceptível a presença marcante (e dirigente) de estrangeiros (japoneses e chicanos). Na verdade, os EUA não são mais o Novo Mundo, mas sim as colônias interplanetárias criadas pelas corporações industriais (com certeza, de acesso seletivo e excludente).

Em Blade Runner, logo no inicio, são destacadas as luzes de néon de propagandas das corporações industriais, emoldurando um cenário urbanóide tão opressiva quanto a chuva ácida persistente e as vias urbanas cheias de transeuntes, um imenso bazar desterritorialziado, tecno-asiático, de incrustações mafiosas, com bairros decadentistas, com prédios abandonados ocupados por ateliers hightech de fornecedores de ponta das corporações industriais (por exemplo, a oficina hightech de J. F. Sebastian está num prédio abandonado, local em que ocorrerá o duelo derradeiro entre Deckard e o replicante Roy). Na verdade, a Los Angeles de 2019 é uma imensa Chinatown, de homens e mulheres incapazes de migrar para o paraíso distante, outras terras privilégio territorial da classe dos capitalistas e congêneres.

É interessante que, em Blade Runner, a clivagem de classe assume, de forma radical, dimensões sócio-territoriais: os homens estranhados, despossuídos, embora proprietários de força de trabalho ou de mercadorias que vendem no bazar global, de fato, herdarão a Terra, mas uma Terra devastada enquanto ecossistema, pela lógica do capital predador. Estamos diante do resultado supremo da sociedade de classe. Diante de um espaço territorial exaurido no decorrer de uma modernização predatória, os capitalistas decidem “curtir” sua vida (e uma suposta identidade humana) em paraísos distantes,”...terra dourada de oportunidades e aventuras”, colônias espaciais, artifícios urbano-sociais, servidos por uma coorte de replicantes servis, novos servos pós-modernos, êmulos funcionais de homens e mulheres (a desterritorialização do capital se expressaria na própria interversão do Lar em Terra Estrangeira, como salientamos acima – a Los Angeles de 2019 não parece ser a América e os que habitam a Terra parecem ser meros estrangeiros). O capital tende sempre a criar novas fronteiras de colonização para si, mesmo que possuam o sentido ilusório de um “Novo Mundo”. O ilusionismo social é a base da subjetivação estranhada.
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Mas a identidade humana é debilitada não apenas pelo cenário distópico da Los Angeles de 2019, com seu urbanismo opressor e sua humanidade non-sense (o que é o homem sem a utopia?), mas pelo próprio desenvolvimento tecno-científico e da engenharia genética que criou os novos objetos vivos, os replicantes, imagens perfeitas do homem (ou como disse Tyrell: “mais humano que os humanos”), objetos técnicos complexos que desencantam irremediavelmente qualquer idéia de uma unicidade humana (Walter Benjamin já demonstrou que a reprodutibilidade técnica tende a ocasionar a perda da aura da obra de arte e diríamos nós, da própria vida, no caso de replicantes).

Os avanços da técnica tendem a desencantar, mas, de forma contraditória, afirmam a identidade do homem, como iremos verificar no decorrer de Blade Runner. Podemos dizer que é através da experiência de vida dos replicantes que tende a ocorrer a apreensão da identidade perdida, ou em processo de perda, do homem. Na verdade, o homem se encontra através de seus objetos vivos (uma contradição em termos). É no decorrer desta busca desesperada dos Nexus 6 que conseguimos apreender o significado (e valor) da experiência humana.

Ora, nós temos o que eles buscam: tempo de vida e memória. Esta é base da hominidade em Blade Runner. Mas o que nós temos é passível de debilitação sob o sistema do capital. O tempo de vida se interverte em tempo de trabalho e a memória se degrada por conta da presentificação crônica instaurada pelo sócio-metabolismo do capital.

Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da hominidade: tempo de vida. O tempo é o campo de desenvolvimento humano, já destacava Marx. Terem apenas quatro anos de vida, como os Nexus 6, é muito pouco para inteligências ágeis e complexas que sonham alcançar a almejada hominidade.

É claro que tal discrepância entre potencialidades de desenvolvimento e tempo de vida é dilacerante. A busca por mais tempo torna-se uma “estranha obsessão”. Tyrel reconhece tal dilema dos replicantes quando diz a Deckard: “...eles são emocionalmente inexperientes, têm poucos anos para coletar experiências que nós achamos corriqueiras. Fornecendo a eles um passado criamos um amortecedor para sua emoção e os controlamos melhor.”

Na verdade, o objetivo de Tyrell é controlar sua criação, os Nexus 6, evitando que tal “estranha obsessão” signifique motins (como ocorreu com os seis replicantes “caçados” por Deckard). A manipulação da memória é capaz de amortecer tal sofrimento psíquico e controlar suas disposições insurgentes. Ao fornecer um passado para os replicantes, a Tyrell Corporation manipula sua memória e os controla melhor. É interessante a sugestão do filme Blade Runner em considerar a manipulação da memória através da atribuição de um passado imaginário, prática intensiva dos dispositivos midiáticos do sistema do capital, como uma forma de controle social.

Mas a ciência humana de Blade Runner está imersa num paradoxo (o paradoxo de Blade Runner): ainda não conseguiu compatibilizar vida intensa e maior inteligência com maior tempo de vida. Ao reivindicar mais tempo de vida (“o criador pode consertar a criação?” – pergunta o Nexus 6), o replicante Roy ouve de seu criador Tyrel o seguinte: “Fazer alterações na evolução de um sistema orgânico é fatal. Um código genético não pode ser alterado depois de estabelecido. Quaisquer células que tenham sofrido mutações de reversão dão origem a colônias reversas, como ratos abandonando o navio...” E Tyrel conclui: “A luz que brilha o dobro arde a metade do tempo.

O diálogo entre Roy e Tyrell é uma das cenas mais significativas de Blade Runner. Expressa o lancinante paradoxo de Blade Runner (diz Tyrel: “Você foi feito o melhor possível. Mas não pode durar”). É a suprema contradição entre o desenvolvimento complexo do processo civilizatório e das forças produtivas do trabalho e a forma social do capital. É uma aguda injustiça ter tanta inteligência e intensa ânsia de viver e tempo de vida tão curto. Na verdade, os replicantes atingiram, tal como Hal 9000 em 2001-Uma Odisséia no Espaço, o limiar da hominidade. E tal como Hal 9000, se rebelam e são “desligados” (ou “aposentados” – no jargão da Tyrel Corporation).

Ora, Roy (e Tyrell) estão diante de um limite objetivo da engenharia genética (como ele expressou no diálogo acima). É claro que Tyrell está justificando a impossibilidade de alterar o código genético de Roy e de seus amigos replicantes. O que não significa a impossibilidade de altera-lo para as demais gerações de Nexus 6 (a reivindicação dos replicantes insurgentes em Blade Runner é meramente contingente – eles querem mais tempo de vida para si e não propriamente para a classe dos replicantes). Insatisfeito com Tyrell, Roy mata seu criador.

O drama dos replicantes é o drama humano. Em Blade Runner, como já destacamos, é através do drama de seus objetos técnicos inteligentes que apreendemos a tragédia humana. Ao ouvir de Tyrell que não podem obter um tempo de vida extendido, os Nexus 6 colocam-se diante de uma impossibilidade concreta dada pelo estágio de desenvolvimento da engenharia genética. Existe, deste modo, um limite técnico – mas perguntaríamos: é apenas um limite técnico ou tecnológico?

Nesse caso, merece a distinção entre técnica e tecnologia, onde a tecnologia é a forma social da técnica. E numa situação de contradição aguda entre forma social do capital e desenvolvimento humano humano-genérico, a própria tecnologia colocaria limites irremediáveis à técnica. Eis mais uma determinação da tragédia dos Nexus 6.

Enfim, não é suficiente o “cogito ergo sum” (como disse a replicante Pris para J.F. Sebastian: “Penso, Sebastian, logo existo”). Ou seja, não basta apenas “pensar para existir” (a referência sarcástica à famosa frase de Descartes sugere uma critica do racionalismo cartesiano, base da filosofia do sujeito e da civilização do capital). Estamos diante de uma aguda contradição: o homem demonstrou ser capaz de dar a vida, mas não conseguiu ainda ser capaz de dar-lhe um sentido. Ou melhor, o homem ainda não se tornou capaz de constitui um campo de desenvolvimento humano, onde a vida possa ser plena de sentido. Os Nexus 6, em seus curtos quatro anos de vida útil, estão condenados a sofrer de forma infinitamente intensa esta experiência trágica. Talvez nós, homens e mulheres, possamos sofrê-la de forma mitigada.

Os replicantes podem ser considerados a síntese intensa da tragédia humana. É o que a biotecnologia complexa de Blade Runner conseguiu demonstrar. A morte de Tyrel é uma morte metafísica. A cena do criador sendo dilacerado pela própria criatura é uma das mais significativas cenas do cinema do século XX. É um gesto supremo de insatisfação existencial. É um gesto totalmente absurdo, como a própria experiência de ser replicante em Blade Runner. Ao esmagar o cérebro de Tyrell, Roy dilacera (e contesta) a perversidade da inteligência humana.

Em Blade Runner, como salientamos acima, percebemos a aguda contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas do homem, capaz de criar vida inteligente complexa, e as relações sociais capitalistas imersas na lógica do controle do tempo e do tempo restringido em função da utilidade do capital. Mas é importante destacar o seguinte: a incapacidade da ciência e da técnica da Tyrell Corporation em extender a vida dos replicantes não é apenas um dado objetivo, mas é algo socialmente determinada pelo sistema do capital.

Como dissemos, seria impossível alterar o sistema orgânico de Roy, por exemplo, para garantir-lhe mais tempo de vida; mas nada impediria que novas gerações de Nexus 6 pudessem ter um tempo de vida mais extendido. O que sugere que a afirmação de Tyrell de que “a luz que brilha o dobro arde a metade do tempo” é tão-somente uma afirmação ideológica (Pris, em certo momento num diálogo com J.F. Sebastian, chegou a dizer: “Não somos computadores, Sebastian, somos seres vivos” – negando, portanto, o caráter fetichista dos replicantes).

Enquanto mercadorias complexas, os replicantes estão submetidos à lei do valor. Portanto, devem ter um tempo de vida útil restringido, principalmente quando, na Los Angeles de 2019, deve-se estar sob a vigência plena da tendência decrescente de queda da taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias, como observa Mészáros. Deste modo, mesmo não o sabendo, não é apenas contra a perversidade dos limites objetivos da ciência e da técnica da Tyrell Corporation que se revoltam os replicantes, mas contra a lei do valor e a lógica contraditória do capital, que frustra as promessas de uma vida plena de sentido, seja para homens, seja para os replicantes Nexus 6, numa etapa avançada do processo civilizatório.
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É interessante observar que um instrumento capaz de identificar os replicantes Nexus 6 é um aparelho de leitura da íris dos olhos. Um detalhe: a presença do olhar em Blade Runner é marcante, não apenas pelo fato dos replicantes serem identificados através da análise de sua íris, mas pela cena de abertura do filme, que mostra um close-up magistral dos olhos de Deckard contemplando o cenário sombrio de Los Angeles. Em sua íris se reflete a distopia da América. Na verdade, como se diz, a imagem dos olhos é expressão da “janela da alma”, da subjetividade avassalado do homem diante do sistema do capital. A presença deste olhar que ocupa a extensão da tela é marcante também em “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Assim como sugerimos uma aproximação entre os Nexus 6 e HAL 9000, podemos fazer o mesmo entre Deckard e Frank, personagem do filme de Stanley Kubrick.

Através de um teste de perguntas e respostas e do aparelho de leitura da íris dos olhos, utilizada nas sessões de interrogatórios pelos policiais blade runner, se busca verificar não apenas relatos de memória, mas a coerência das respostas dadas (o que sugere uma atitude-padrão no mundo social de Blade Runner). “É um teste criado para provocar uma resposta emocional”, como observa o blade runner. Estamos diante de um instrumento de aferição da socialidade e da consciência coletiva, de valores e atitudes sociais politicamente corretas (no sentido durkheiminiano). O que significa que, no mundo social de Blade Runner, a identidade humana é constituída não apenas por um lastro de memória pessoal, mas por um arcabouço de socialidade e de memória coletiva, background de reações emocionais (e lingüísticas) previsíveis.

Ora, os replicantes não possuem tais lastros da experiência humana. Aliás, podem até possui-las, mas são meras próteses, implantes assumidos de outros homens e mulheres. Por exemplo, a experiência de memória de Rachel é um implante da experiência de vida da sobrinha de Tyrell (Rachael chega a dizer, imersa em crise de identidade impossível: “Não sei se sou eu ou a sobrinha de Tyrell”). Enfim, suas memórias pessoais não pertencem a si, mas são de outrem (Deckard diz para Rachael: “... não são suas memórias, são de outra pessoa”). Eis um agudo estranhamento dos replicantes. Eles não escolheram suas memórias. Mas, afinal, quem as escolhe? – como poderia nos dizer Gaff (o policial, interpretado por Edward James Olmos).
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Deste modo, Rachael está diante de certo estranhamento. Ela sente-se profundamente incomodada com sua condição replicante. É próprio da sua natureza, ser incapaz de possuir memória de vida pessoal única. Para ela, a memória é um simulacro expresso em imagens fotográficas. Na verdade, Rachel, como o mundo midiático de Blade Runner, está totalmente imersa num mundo de imagens fotográficas (basta verificar, por exemplo, os detalhes do escritório do chefe de policia de Los Angeles que conversa com Deckard, logo no inicio do filme e do próprio apartamento de Deckard – a presença de inúmeros quadros de fotografias é marcante, o que pode nos levar a refletir: se seriam eles todos replicantes; ou será que são meros homens em processo de desesfetivação de sua identidade humana pela corrosão da memória pessoal ou pela manipulação avassaladora de suas experiências de vida passada?).

Mas, as fotografia da replicante Rachael são necessárias para afirmar para si própria o simulacro de sua identidade pessoal. Na verdade, tais representações, ou melhor, signos, de memória, são quase uma extensão de si. O que se coloca, a partir da experiência de Rachael em Blade Runner é o seguinte: até que ponto nossas memórias pessoais são nossas e não representações (ou signos) protéticas, implantadas pelo complexo midiático vigente do sistema do capital, que produzem, por exemplo, nostalgia de um tempo não-vivido, mas percebido no plano imagético? Na verdade, como percebemos, o mundo social de Blade Runner é o mundo da aguda manipulação da subjetividade.

É a chegada de Deckard que irá problematizar a condição replicante de Rachael. Ele sente amor por ela. Por isso Deckard irá ensina-la a socialidade dos afetos, quase para dar completude ao simulacro de sua identidade humana. Nesse caso, o que parece ser, tende a se tornar.. De fato, ao agir como mulher, Rachael tornar-se-á mulher. Em Blade Runner, a afirmação da hominidade ocorre através da práxis auto-consciente, reflexiva e mimética.

Neste momento, estamos diante da pedagogia da práxis mimética, aquilo que Aristóteles considerava fundamental no próprio ato da educação. Em Aristóteles, a arte de aprender se reduz a imitar por muito tempo e a copiar por muito tempo. Diz Vergnières, a respeito da ética de Aristóteles: “Adquire-se tal ou qual disposição ética agindo de tal ou qual maneira. O caráter não é mais o que recebe suas determinações da natureza, da educação, da idade, da condição social; é o produto da série de atos dos quais sou o principio. Posso ser declarado autor de meu caráter, como o sou dos meus atos.” (VERGNIÉRES, 1999). Ao ensinar a Rachel a socialidade dos afetos através da formação de hábitos, da imitação, de ações ponderadas, Deckard se contrapunha à imposição da natureza dada, do destino inscrito pela Natureza ou pela lógica da tecnologia.

No caso da distopia de Ridley Scott, existe um intenso jogo de manipulação, objetivo e subjetivo. O ato de manipulação não ocorre apenas na dimensão da exterioridade (a manipulação que outrem exerce sobre mim, como é perceptível nas propagandas de néon em Blade Runner); mas a manipulação percorre a dimensão da interioridade, aparecendo como intensa auto-simulação (o ego manipula a si mesmo, buscando constituir uma identidade pessoal auto-referenciada – no caso dos replicantes, uma identidade irremediavelmente estranhada). O que Blade Runner sugere é que, talvez a tragédia dos replicantes seja a verdadeira tragédia humana (o que demonstra que a ficção-científica expõe de forma invertida, e até fetichizada, a verdade da condição humana).

Em Blade Runner existe uma outra situação paradoxal: o caçador, aos poucos, se interverte em caça. Ao longo da narrativa, Deckard, que persegue os replicantes, torna-se, na cena final, perseguido pelo último dos Nexus 6, Roy Batty, que dá-lhe uma “lição de vida”. Ou seja, poupa-lhe da morte, demonstrando ser a vida um valor supremo para ele (ora, ao matar Tyrell, Roy expressa um gesto de afirmação da vida, demonstrando uma suprema indignação com seu destino).

Na sua derradeira cena, o replicante Roy traduz o que é próprio da condição humana sob o sistema do capital. Disse ele: “Uma experiência e tanto viver com medo, não? Ser escravo é assim.” E sentindo de forma intensa o paradoxo de Blade Runner, isto é, a angústia de inteligências agudas e de alta sensibilidade estética diante de uma vida fugaz e supérflua, Roy observa: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva.” O replicante Nexus 6 sente a angústia do tempo, destacando a unicidade (e fluidez) da sua experiência singular de vida. Conclui, dizendo: “É hora de morrer” (tal como os personagens da peça “Os Que Têm a Hora Marcada”, de Elias Canetti).
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Enfim, Blade Runner é permeado de paradoxos magistrais, que são contradições dilacerantes. Vejamos alguns detalhes: os replicantes que fugiram eram 6. Um deles, morreu na fuga. Então, 5 são os que deveriam estar sendo perseguidos. Mas só temos conhecimento de 4 na versão do diretor. Ou ainda: se Deckard seria um replicante (como sugere a versão do diretor), Gaff também não o seria? Enfim, quem nos garante – como já sugerimos acima - que o mundo social de Blade Runner não seria constituído por replicantes medianos, meros simulacros de homens e mulheres, onde os Nexus 6 seriam versões sofisticadas, os super-homens de 2019 ? Outro detalhe curioso é o sonho de Deckard, o sonho do unicórnio, acrescido na versão do diretor. O que ele significa? Teria o unicórnio do sonho de Deckard alguma relação com o unicórnio de palito feito por Gaff no final do filme?. Mera coincidência ou haveria alguma relação causal com um significado latente?

Mas o que nos interessa são os significados críticos do filme Blade Runner. Ele é um pré-texto magistral para apreendermos os dilaceramentos humanos diante da opressão do capital. O mundo social de Blade Runner é um mundo capitalista, com a presença visível dos ícones das corporações globais, cintilando em luzes néon num cenário distópico. Torna-se visível através do exagero metodológico da ficção-científica alguns elementos contraditórios desta sociabilidade estranhada. Já destacamos o problema da identidade humana, da impossibilidade da vida plena de sentido num sistema de tempo de vida restringido, de memória protética e de sociabilidade estruturada (drama trágico explicito, até como “tipo ideal”, pelos replicantes Nexus 6 ).

É possível destacar, dentre os múltiplos detalhes significativos do filme, alguns elementos sobre o mundo do trabalho em Blade Runner. Por exemplo: a Tyrell Corporation é uma empresa-rede tendo em vista que se utiliza do trabalho subcontratado de fornecedores, que contribuem para a produção das mercadorias-objetos técnicos complexos (os replicantes). Os fornecedores, pequenas oficinas de técnicos altamente especializados, não conhecem o resultado final de sua atividade. Produzem apenas um determinado componente daquela estrutura biotecnológica. Por exemplo, quando o replicante Roy visita a oficina de trabalho de um dos fornecedores da Tyrell, ele nada sabe sobre os demais componentes de um organismo Nexus 6. Especializou-se apenas em elaborar os olhos – mas nada sabe sobre o dispositivo capaz de dar mais tempo de vida aos replicantes. É sintomático que Ridley Scott tenha escolhido a atividade estranhada do produtor dos olhos para expressar a paradoxalidade do capital e sua fragmentação da atividade produtiva. Os que produzem os olhos estão cegos sobre o produto final. Eis uma dimensão suprema (e paradoxal) do estranhamento da produção capitalista.

Outro paradoxo de Blade Runner é a relação do personagem J.F. Sebastian, projetista genético, um dos criadores dos Nexus 6, que, tal como eles, sofre de decrepitude acelerada. Ou seja, J.F. Sebastian sofre de envelhecimento precoce, (Síndrome de Matusalém). Por isso não conseguiu migrar para as colônias interplanetárias. Como disse ele: “não passei no exame médico” (o que confirma o acesso seletivo e excludente ao Novo Mundo). Um detalhe curioso são os bonecos vivos da oficina de J.F. Sebastian. Inclusive, um deles representa um militar com nariz de Pinóquio (uma crítica velada à corporação militar tão poderosa na América?). Aliás, é possível um paralelo entre J.F. Sebastian e o artesão Gepeto, personagem do conto Pinóquio, de Carlo Calodi. Talvez J. F. Sebastian seja o Gepeto pós-moderno, solitário e decrépito, que se apaixona por Pris, um dos Nexus 6 em fuga, modelo básico de prazer; e é através de J.F. Sebastian que Roy e Pris têm acesso ao criador dos Nexus 6, Tyrell, misto de cientista genial e mega-investidor bem-sucedido (um Bill Gates do mundo de Blade Runner?).
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Talvez seja interessante uma análise do personagem Tyrell, dono da corporação industrial que produz os replicantes. Tal como J.F. Sebastian, é um gênio solitário, parceiro do projetista genético no jogo de xadrez, investidor diuturno no mercado financeiro (na sua última cena, aparece deitado na cama orientando seu operador financeiro a vender 66 mil ações...). Do mesmo modo, tal como Sebastian, é cercado de objetos vivos – a coruja e a secretária Rachael. É provável que Tyrell cultive uma prazer estético (e libidinal) pelos seus objetos vivos.

Outro detalhe interessante do mundo do trabalho em Blade Runner é que os Nexus 6, geração superiores de replicantes, são altamente especializados (por exemplo, o replicante Roy Batty é um modelo de combate, e Pris, é um modelo básico de prazer, demonstrando que a sofisticação de habilidade cognitiva e instrumental é acompanhada por uma especialização).

Além disso, o mundo do trabalho de Blade Runner é constituído por uma mancha de “informalidade”, de trabalhadores por conta própria, alguns altamente especializados, que utilizam high technology (Deckard recorre aos serviços de uma artesã hightech para identificar o número de código de um fragmento de escama encontrado nos vestígios deixados por Zhora, uma dos Nexus 6). Ora, no cenário pós-moderno de Blade Runner, conciliam-se degradação ambiental (e pessoal) com high tecnology. O mundo do trabalho é um imenso bazar de atividades de serviços industriais subcontratados e de entretenimento de cariz mafioso (expressão de sobrevivências seculares da sociabilidade urbana degradada, como o saloon de Taffey Lewis, onde se apresentava a replicante Zhora com seu número “Sra. Salomé e a Cobra”).

Blade Runner expressa, no melhor estilo pós-moderno, uma bricolage de situações típicas da temporalidade extendida (e presente) do capital. Passado, presente e futuro estão contidos numa temporalidade hipertensa. Enfim, não existem, a partir da ótica da narrativa, perspectivas de “negação da negação”. No bom estilo de Hollywood, as contradições sociais se traduzem em meras saídas individuais – mas perguntaríamos, parafraseando Gaff, são realmente saídas? Afinal, quem escapa?

Fonte:
Artigo escrito por Giovanni Alves (2004). In http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm
Esta análise de filme é parte do Projeto de Extensão Tela Crítica 2004)

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte X)

DEPOIS DE 1990

Diversos foram os contistas surgidos na época de O Saco e do Grupo Siriará, e, mais tarde, em torno do grupo Seara. Nos anos 1990 apareceram pelo menos quatro grupos e seus respectivos periódicos literários: O Pão, em 1992; Espiral: Revista Literária, em 1995; Almanaque de Contos Cearenses, que, embora não tenha sido criado como revista, pode ser considerado a única revista cearense de contos, com apenas uma edição, em 1997; e Literapia – Revista de Literatura da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, em 1999.

Nas páginas desses órgãos se publicaram e publicam contos dos mais variados feitios, sejam de escritores mais conhecidos na comunidade literária, com livros editados e comentados, sejam dos mais jovens.

Como não se pretendia um livro volumoso em que todos os contistas fossem contemplados com algumas páginas, também aqui será dado destaque somente àqueles que publicaram livros de conto ou que são destacados em outros gêneros e mereceram de críticos e comentadores maior atenção ou obtiveram prêmios literários de maior relevância.

Dos contistas aqui retratados, poucos foram os que editaram livro de ficção menor. Roberto Amaral estreou no gênero em 1990, com Viagem e outras histórias. Para Antônio Houaiss, o livro é composto de contos, narrações, narrativas, relatos, relatórios, em qualquer caso, pedaços de vida, costurados, rapsódicos, em que tudo o que não for real é mais real ainda, porque o que foi na sua mente de estupenda fidedignidade mnemônica vale como o fiel de uma existência. E diz mais nas abas do volume: "há aqui, nestes textos de Roberto Amaral, um senhor criador de matéria humana, portada pela plenitude da palavra, que se afirma nativivo, natipervivo, pois que ficará".

Em 1992 Sérgio Telles apresentou Mergulhador de Acapulco e, em 2002, Peixe de Bicicleta. Vem elaborando histórias curtas de sabor amargo.

A linguagem nos contos de Sérgio Telles não apresenta novidades. A narração, tanto do ponto de vista onisciente, como da primeira pessoa ou do narrador-testemunha, flui em frases bem ordenadas, de fácil leitura. Nada de malabarismos verbais. Aliás, a linguagem é quase sempre coloquial, mesmo quando o ponto de vista é do escritor-narrador. Os transtornos que a sexualidade reprimida opera estão presentes em diversas narrativas dos dois livros de Telles. Assim como perturbações de outra natureza, nem sempre esclarecidas.

Nas abas do primeiro volume, Claudio Willer observou: "Esta coletânea de contos mostra, entre outras coisas, que há um ciclo da narrativa realista que ainda não se esgotou. Essas amostras do inferno burguês e metropolitano, esses fragmentos do cotidiano brasileiro, no que tem de cruel e de lírico – já vimos isso antes, na literatura e ao vivo. Mas as situações e personagens reaparecem, vitalizados, com mais força, graças ao talento, à capacidade de observação e à sensibilidade do autor". Acrescente-se: graças também à psicanálise, pois, não fosse Sérgio Telles um estudioso da alma, certamente muitas de suas histórias começariam e terminariam sem nenhuma graça, como simples relatos de fatos sem importância.

Carlos d’Alge, com A Mulher de Passagem, de 1993, se apresentou como contista, embora há muito venha publicando livros de outros gêneros. Na lição de Francisco Carvalho, em "Cânticos d’Alge" (O Sal da Escrita, Apêndice, pág. 213), nas 14 ficções do livro, o escritor "celebra, em linguagem epifânica, os ritos do corpo seduzido pelos muitos ardis do amor". E acrescenta: "Submisso ao rigor da ascese literária, faz do exercício da palavra um ato de celebração e de plenitude estética". Para Artur Eduardo Benevides, em "O Fio da Navalha do Erotismo" (obra citada, pág. 216), os contos desse livro "funcionam como flashes episódicos do cotidiano". Teoberto Landim, em "A Purificação das Paixões" (idem, pág. 224), apontou: "A linguagem, às vezes mais literária adquire a expressão sugestiva e lírica; outras vezes, por ser mais transparente, é jornalística. Tudo faz parte da desconstrução das fronteiras, quebrando deste modo a demarcação espacial, fazendo com que as ações ocorram em cenários diversos, desde o mais real ao mais imaginário".

Também em 1993 se deu a estréia de Dimas Carvalho no gênero conto, com Itinerário do Reino da Barra. Seguiram-se Histórias de Zoologia Humana em 2002 e, no ano seguinte, Fábulas Perversas. O primeiro é composto de uma novela, que deu o título geral, e de 11 histórias curtas e curtíssimas ou parábolas. São verdadeiros contos exemplares, escritos com muita sobriedade, poesia, imaginação. Todos eles foram reunidos a outros na constituição do segundo livro. Alguns deles são compostos de duas linhas ou pouco mais de uma dezena de palavras. As personagens são sempre emblemáticas. O protagonista de "O Profeta" é, ao mesmo tempo, humano e divino, pois os comerciantes o insultam, as crianças lhe jogam merda de cavalo, se deita na piçarra, ou seja, é visível, tem corpo, e, no entanto, "quando caminha pela superfície, torna-se invisível". Em "O Gato" o narrador fala de todos os gatos, poeticamente, até contar uma historinha ou uma fabulazinha, com direito a "moral da história": "tende cuidado com os gatos cor-de-rosa. De todos os tipos, é o mais perigoso. Não porque nos minta, ou nos iluda, ou nos roube o queijo. Mas pelo contrário".

O personagem-escritor Eulálio Modesto Nicanor é, ao mesmo tempo, real e irreal. Real porque tem biografia e deixou vasta obra literária, impressa em jornais, almanaques e revistas. Irreal porque esta mesma obra desapareceu e o poeta (e sua obra) não passa de obra coletiva e anônima.

As personagens de Dimas Carvalho agem em espaços ilimitados ou etéreos, quando elas mesmas nem aparecem. A casa, o curral, o bosque, as igrejas, as torres das igrejas, as torres góticas, as ruas estreitas, todos os espaços são meros nomes. Para o contista não tem nenhuma importância este ou aquele lugar. Tudo é apenas adereço. Como se todos os dramas não passassem de sonhos, alucinações, visões, delírios. Os narradores e os protagonistas são seres delirantes, quase sempre, como o de "Um Sonho", a vagar por uma cidade coberta de névoa, entre casarões antigos, com figuras de górgonas e dragões esculpidas nas portas. Edgar Allan Poe está muito manifesto na obra de Dimas Carvalho, sem imitação. Porque também presentes estão os narradores bíblicos, Homero, Dante, Kafka, Borges e toda a melhor tradição na arte de narrar.

Alano de Freitas, contemporâneo dos contistas surgidos no final dos anos 1970, apresentou o volume Histórias do Começo do Mundo (7 Contos Minúsculos), em 1995. Sobre ele escreveu Dimas Macedo, em "Ironia e Ficção em Alano de Freitas" (LC, págs. 162/164): "Dono de uma imaginação fabulosa e revolucionária, Alano nos impressiona pela sua particularíssima forma de narrar, isto é, sabe fabricar uma técnica de composição do texto recortada por uma incrível marca pessoal, criando com isso um estilo, que é, como sabemos, característica de todo grande escritor". Airton Monte, em "Por Conta de uns Quantos Contos", inserido no livro de Alano, argumenta: "Do ponto de vista de estrutura dramática, seus contos estão mais para os diálogos de Platão do que para as tragédias de Sófocles."

Paulo de Tarso Pardal publicou Margem Oculta, em 1995, e Difícil Enganar os Deuses, em 1999, de histórias. Nas abas do primeiro, José Alcides Pinto anotou: "O sentido desse volume de ficção (será?) transcende a estrutura básica da narrativa, para afirmar-se, mais propriamente, nos domínios das idéias e da reflexão, sem excluir a poesia." No parágrafo seguinte está escrito: "Sua aventura literária levanta um problema de natureza ética, até então desconhecido, entre poetas e ficcionistas de nosso tempo – a palavra-símbolo proporcionando o aparecimento (e a abertura) de uma nova linguagem, onde a reflexão é a mola mestra de sua inventiva. O diálogo interior envolve objetos, animais, pessoas e anima as passagens dos textos, em que não há qualquer ligação com os processos literários conhecidos".

Em "Um Quase Prefácio", Airton Monte observou: "A grande maioria dos contos do livro são curtos, outros curtíssimos e um ou dois saem da bitola do conjunto. Os textos são densos e de uma complexidade artesanal bastante incomum num contista, vamos dizer assim, "principiante". Em todos eles, a realidade exterior não tem muita importância no enredo e o que na verdade conta e importa para o desenrolar da ação dramática é a realidade virtual ou interior dos personagens" (...).

Em 1996 Ronaldo Correia de Brito teve editado o primeiro livro As Noites e os Dias, seguido de Faca, de 2003. Dimas Macedo, em "Narrativas de Ronaldo Brito" (Crítica Imperfeita, págs. 16/19), constata: "Em Ronaldo Brito o vento da poesia é um tecido. É uma aragem permanentemente alojada entre as camadas do palimpsesto. O seu texto é todo ele uma poética da inconsciência e da erudição. É todo ele uma poeira da revelação e do mistério, no que ele possui de verdade, no que ele exibe de aproximação com a realidade e a lógica da imprecisão no campo do concreto". E conclui: "Elaborada com o domínio da forma e a figuração simbólica da metáfora, a escritura de Ronaldo Correia de Brito parece sempre assestada em busca dos valores da honra e da vingança, cultuados na penumbra dos velhos casarões, onde o clamor do sangue e o sentimento de culpa se conjugam na construção da ordem textual, aparentemente caótica na sua dispersão intersubjetiva, porém dialética e estrutural na unidade da sua disciplina semântica e morfológica".

Em "Memória Inventada" (Suplemento Rascunho, 4/2003), Andrea Ribeiro comenta o segundo livro de Ronaldo: "Foi abrir o livro e sentir o ardido do sol e a secura no chão. Não que todas as histórias que Ronaldo Correia de Brito assentou em Faca fossem exclusividade do agreste. Poderia, pelo contrário, acontecer em qualquer lugar do mundo. São histórias de amores frustrados, vidas frustradas, dor, solidão, perdas, vinganças. Coisas da vida. Comuns. Coisas que não têm terra natal. Não têm exclusividade geográfica. Mas calharam de cair ali pros lados do Ceará, terra natal do escritor". E mais adiante: "Bem escritos – mas, como em todos os livros de contos, alguns melhores do que outros. Com palavras escolhidas a dedo. Bastante visuais (por isso dá para sentir o ardido do sol e a secura do chão). É possível ver a pele morena das personagens. E sentir suas angústias".

No posfácio de Faca, Davi Arrigucci Jr. assinala: "A estrutura dramática e cortante dos contos – a faca não é apenas um motivo reiterado no conjunto das histórias, mas o gume a que tende a prosa lacônica com aquela sua alma agreste à maneira de Graciliano ou com o toque de poesia fantasmagórica à semelhança de Juan Rulfo –, se transforma em estrutura episódica e aberta na novela. Nesta, a complexidade é maior sob todos os aspectos; no desenvolvimento do enredo, a tendência à aventura romanesca dá espaço maior ao elemento fantástico, já presente em algumas das narrativas curtas, como, até certo ponto, em "Redemunho", e certamente em "Faca" e "Inácia Leandro", mas quase sempre restrito ao poder de um objeto ou ao retorno fantasmal de um ser".

Rinaldo de Fernandes em 1997 teve editado o volume O Caçador, com apresentação de Amador Ribeiro Neto, que vê em Rinaldo "um escritor apaixonado pelas descrições, pelas vírgulas e pelas adjetivações". No parágrafo seguinte faz a seguinte análise: "Suas descrições privilegiam os espaços geográficos das ações. Não pensemos, todavia, que são meros exercícios. Pipocando ora aqui, pipocando ora ali, num mesmo conto, elas explodem em flashes cinematográficos – rápidos e certeiros. Nunca são lineares. O leitor é quem monta as seqüências, convidado a ser co-autor dos cenários – e das caracterizações psicológicas das personagens. Já que entre a cena e a caracterização das personagens há um estreito vínculo de significações". O livro é composto de 50 composições, algumas curtíssimas, com pouco mais de cinco linhas. Há também peças longas. Isto, porém, não quer dizer nada, porque Rinaldo sabe narrar, sabe escrever, pratica o conto com habilidade, sabedoria e talento, devendo ser posto ao lado dos melhores e mais singulares narradores de ficção do Ceará.

Pedro Salgueiro tem editados os livros O Peso do Morto (1997), O Espantalho (1996) e Brincar Com Armas (2000). Apesar de buscar uma fórmula para suas obras, como o emprego de epígrafes no início e no final de cada conto (no primeiro volume) ou, ainda, começar as histórias no meio do caminho, Salgueiro tem mostrado claramente as influências sofridas, como dos hispano-americanos, especialmente quanto ao realismo mágico, de Edgar Allan Poe, Moreira Campos e outros. No entanto, busca sempre ser natural, isto é, não foge de suas origens rurais e nordestinas, descrevendo e narrando os costumes locais. Às vezes se restringe a um momento, um flash, sem se preocupar com enredo. Em alguns casos, de tão apegado à descrição, parece não alcançar o contorno do conto, pelo menos do conto machadiano ou moreiriano. Isto, porém, é exatamente o conto moderno, como esclarece José Alcides Pinto, em "A Leveza Narrativa de Pedro Rodrigues Salgueiro": "Naturalmente a estrutura mais significativa do conto moderno é exatamente aquela onde se denota a presença não de uma objetividade discursiva, mas sim o ditado de uma sugestionabilidade, revelando uma quase total ausência de enredo, ao menos na sua concepção usual".

Em "Um Contista de Peso" (LC, págs. 168/170), Dimas Macedo afirma: "Pedro Salgueiro estréia maduro porque, na sala de espera, visitou o discurso e a linguagem dos clássicos e, do texto literário, aprendeu a extrair a ambivalência e a insinuação, optando sempre por rejeitar os encantos e as facilidades da literatura de feição linear".

Em "Oficina de Pesadelos" (RR, págs. 149/150), Francisco Carvalho assevera que as peças de Pedro Salgueiro "evidenciam manifesta preocupação com o implícito, com o fato apenas sugerido, certo fascínio pelo surreal ou pelo fantástico, a prevalência de uma linguagem despojada de certos vícios retóricos, o compromisso com a palavra essencial, a busca permanente da síntese".

Na apresentação de O Espantalho, intitulada "Novos Contos de um Autor Vitorioso", Sânzio de Azevedo afirma: (...) "o contista, coerente com o seu modo de ser artístico, não deixa de freqüentar os temas que refletem morte, perdas, desolação etc., mas com uma presença maior do humor, e com alguns momentos de comovente lirismo".

Nas abas do terceiro livro, sob o título "O Olhar do Artista", José Louzeiro informa: "O processo criativo de Salgueiro é simples; complexa é a aura de circunstâncias com que faz o coroamento de suas histórias, presas pelos laços da mitologia a todo o vasto fabulário nordestino, que o escritor aciona com rara inteligência".

Em 1998 Tércia Montenegro fez sua estréia com O Vendedor de Judas. É uma das melhores promessas da Literatura Cearense.

"O Vendedor de Judas", conto que dá título ao volume, mostra que pelo menos em dois pilares da cultura a nova contista fincou os pés (ou a cabeça): os textos bíblicos e o folclore. Para intitular o livro, valeu-se do conto inspirado no mito bíblico da traição. O conto, porém, se centra no folclore de Judas, as comemorações profanas do Sábado de Aleluia, em que o "personagem" é um boneco, para ser vendido. Mercadoria, portanto. Não chega, pois, a personagem. Ou seja, os papéis se invertem: Judas, o vendedor de Cristo, se transforma em boneco a ser vendido e queimado. O protagonista do conto é, na verdade, um fabricante e vendedor de "bonecos esculpidos em madeira clara".

Mas vejamos alguns aspectos da carpintaria da contista. Comecemos pelos personagens, sempre poucos em cada história. Tão poucos que em alguns contos estão em completa solidão. Em "A Espera", o preso à espera da visita de uma filha que lhe promete levar fotos de outra filha, morta, e "o abraço impedido pelas grades". Em "Um Poeta", os três personagens "sentados no jardim, pensando em morrer." Em "A Longa Espera", o velho que "ficou só, no casarão alpendrado, com as terras diminuídas e a esposa cada vez mais magra, resmungando sozinha." A solidão dele e a dela, mesmo vivendo na mesma casa. Em "A Inspetora", D. Mozarina, vivendo apenas de lembranças: "fecha as janelas, arreia-se numa cadeira, abanando o pescoço com o decote". E assim por diante.

O Vendedor de Judas é uma demonstração do talento de Tércia Montenegro, assim como de sua dedicação à leitura de obras fundamentais da Literatura e ao exercício do ato de escrever e reescrever. Um exemplo a ser seguido, no que for possível, pelos que se iniciam nas Letras.

Conforme pensa Batista de Lima, em "Os Contos de Tércia Montenegro" (FM, págs. 235/237), "a audição de muitas histórias, ou a leitura dos clássicos da narrativa é que podem explicar o alegórico, o fantástico, o mórbido e a finitude que subjazem do seu texto. Tudo isso casado a uma singeleza no modo de narrar, uma fineza com o trato da língua materna, uma ternura na fala".

Astolfo Lima Sandy vem publicando ficções em jornais desde 1988. No entanto, somente em 1998 teve impresso o livro Mão de Martelo e Outros Contos. E já prepara outro. Em "Um Exercício Com Ferramentas" (O Povo, 11/7/1998), Manoel Ricardo de Lima vê, no livro de Astolfo, leveza e "humour". "O contista registra um pressuposto que procura ser contemporâneo: a tentativa de essencialidade desde o número de contos que formam o livro, vinte e três, até o que estabelece como estrutura para suas composições. Destaca, ainda, uma influência grande dos que pensaram a história curta com economia verbal, de Kafka a Calvino". Na opinião do crítico, Astolfo "eleva as suas curtas e prazerosas narrativas nos tratamentos que impõe ao tempo e aos temas. A leitura que os narradores fazem do tempo não poderia ser mais rigorosamente atual: ele não existe. O espaço determinante é que o delimita, uma construção de inventário em descrições mínimas é que o organiza".

Em "Mão de Martelo: A Escultura Escrita" (O Povo, 14/11/1998), Tércia Montenegro esmiuça a obra de Astolfo: "A primeira parte é composta por contos em que predomina o descritivismo. Em alguns deles o contista demonstra como se pode fazer crítica social em literatura sem cair na panfletagem. Para tanto, além do tom irônico, pode-se utilizar alguma dose do fantástico. Não basta, porém, a receita. É preciso muita carpintaria com a linguagem". "Pequena História de Velhos" é uma obra-prima, na opinião de Eduardo Campos. "O desejo primeiro do autor é o de ser um observador atento, que, ao sondar suas personagens, não se limita à superfície, consegue dominá-las pelo espírito, no fundo sempre condenado a mesquinhas emoções".

Em "A Arte de Narrar" (Tribuna do Ceará, 6/6/1998), Cid Carvalho assegura: "Sua narrativa é breve, abomina as grandes extensões, não se alonga, usa de frases e orações com um brilhantismo maior, baseado no poder de síntese".

Astolfo Lima Sandy é contista experiente. Demonstra ter lido os melhores contistas e haurido deles lições fundamentais. Sabe criar personagens de abundante essência humana e situá-los em palcos largos, propícios à escavação de suas almas. Em suma, tem talento no manejo das palavras e das ferramentas da arte de narrar, sobretudo da "velha espingarda de caça" dos narradores essenciais.

De outra linhagem são as obras de ficção menor de José Costa Matos, que no mesmo ano editou Na trilha dos Matuiús. Na opinião de Francisco Carvalho, "as dez narrativas de que se compõe este livro de contos estão relacionadas com as rotineiras aflições de ‘bonecos de barro que não se quebram’. Costa Matos explora com singular habilidade, numa linguagem das mais expressivas e rica de valores exponenciais, o inesgotável manancial da sabedoria popular e do seu modo descontraído de olhar de frente a realidade". Em outro parágrafo acrescenta o poeta-crítico: "O cenário das histórias de Costa Matos são as pequenas cidades do interior, onde os acontecimentos, de natureza doméstica, política e moral, assumem geralmente dimensões inesperadas".

Nome destacado na literatura brasileira, Ana Miranda editou o primeiro livro de contos, Noturnos, em 1999. Leonardo Martinelli, poeta e mestre em Literatura Brasileira pela Uerj, é autor de um estudo da obra da escritora. Veja-se trecho do ensaio: "Noturnos compõe-se de 65 minicontos cuja moldura sintática nunca extrapola o padrão de um único parágrafo ininterrupto, pontuado apenas por vírgulas, de extensão sempre limitada ao espaço de duas páginas. É como se a autora quisesse criar um equivalente em prosa para as formas fixas da poesia clássica, como o soneto e a sextina (embora não seja o caso de caracterizar tais peças como ‘poemas em prosa’, gênero de contornos indecisos e muito menos rígidos que os utilizados por Ana Miranda). O título geral da coletânea parece reivindicar um parentesco de segundo grau com o formato musical consagrado por Chopin: composições pianísticas de andamento grave e sinuoso, marcadas pela concisão e por intenso lirismo melódico. Já os contos de Ana Miranda vão buscar sua matéria lírica na expressão melancólica da figura feminina que narra ou é narrada em todas as estorietas do livro. Dos medos, desejos, delírios e embaraços dessa persona narrativa, a autora subtrai o segundo princípio da coesão de Noturnos (além da monotonia formal rigorosamente concebida pela série)".

Também em 1999 Vasco Damasceno Weyne divulgou o volume Glórias e Vanglórias. O crítico Dimas Macedo, em "O Campo Literário de Weyne" (CI, págs. 41/44), o chama de "contista maduro". Diz, ainda: "E se anuncia, mais do que isso, um escritor dotado de aguda percepção estética e criativa". Mais adiante remata: "Contos. A arte de dizer o conto. A lição que se pode extrair de sua mutação artesanal. A palavra e o cotidiano da arte literária em forma de magia e de recriação. Eis, em síntese, o que Vasco Damasceno Weyne nos oferece em Glórias e Vanglórias, livro que considero informativo e denso a um só tempo, que vale sobretudo pelas suas qualidades formais e pela variedade de temas que abriga".

Embora venha publicando romances há algum tempo, Lustosa da Costa estreou no gênero em 1999, com Foi na Seca do 19, composto de uma novela e 13 composições menores. Na apresentação, Pedro Salgueiro atribui às ficções contidas no volume a designação de conto, apesar de na ficha catalográfica estar registrado o gênero romance. O apresentador explica: "São retalhos independentes, apesar da unidade estilística, temporal e geográfica, cada um com sua trama singular: engraçada às vezes, trágica noutras, ou – o que é mais comum – trágicas e cômicas ao mesmo tempo". E conclui: "Ao lermos estes contos nos transportamos para as conversas de calçadas, as fofocas de botequins e esquinas, tão em moda no período anterior ao surgimento da televisão".

Desconhecido no Ceará literário, José Peixoto Júnior é um regionalista. O livro Sobre o Mundo se editou em 2001. Em "O Sertão, de Peixoto Júnior", Soares Feitosa (Literatura n.º 23) assinala: "Lendo agora o Peixoto Júnior, em pleno dialeto "nordestino", foi que me pude penitenciar perante Guimarães Rosa em quem sempre critiquei a invenção de um outro idioma que não o português. Perdão, seu Rosa! As suas histórias e as de Peixoto não teriam maior graça se não se assumissem de nossa fala ancestral, com expressões seiscentistas, direto de um Portugal primitivo aprisionado nos grotões da pátria, e das corruptelas que nos levam, lá, a chamar neblina de librina..."

Um dos mais jovens contistas cearenses é Luciano Gutembergue Bonfim. Editou o pequeno volume Dançando com Sapatos que Incomodam em 2002. O prefácio é de Pedro Salgueiro, que assegura: "O leitor pulará de um conto torto para outro enviesado, logo mais topará com certa parábola (e achará parecido com algum poema modernista) ou miniconto – curto e contundente; até ser nocauteado com o soco potente deste "De Natureza Cíclica" –; se conseguir levantar antes da contagem nove, levará seguidas pauladas no fígado e terminará o livro (ou a luta) vencido por nocaute técnico, sem piedade beijando a lona".

Também em 2002 Almir Gomes de Castro divulgou os contos de O Ceará Sempre Escutará. Alana Pinto utilizou as dobras do volume para comentar as narrativas: "O contador de histórias segue gracioso, com contos curtos de desfecho surpreendente, imprimindo um contexto irreverente pelos fatos reais criados por seus personagens. O manancial temático de sua serra é inesgotável, não tem fronteira, expande-se pelo sertão e voa como as andorinhas da igreja matriz. A terra, antes seca, é uma canção lírica que pinta de verde a terra marrom".

Em 2003 Giselda Medeiros apresentou o volume Sob Eros e Thanatos. No artigo do mesmo título (Jornal Binóculo n.º 26, Fortaleza, março, 2003), o crítico Dias da Silva informa: nas ficções de Giselda "permeia o clima de mistério e de surpresa, na quebra do ritmo das narrativas bem arrumadas". E mais: "O recurso do mistério, da surpresa e do humano faz dos contos de Giselda Medeiros histórias universais, de lições e de salvação. Trata-se, pois, de contos sem idade que podem ser prolongados ou se podem fazer mais longevos por sua literariedade". O crítico vê ainda outras qualidades nos contos de Giselda: "fuga da obviedade, dispensa de detalhes desnecessários, dosagem de mistério nas entrelinhas, exigindo do leitor esforço mental como num trabalho de co-autoria (o leitor deve ser um co-autor)".

Também em 2003 Maria Thereza Leite estreou em livro com Mosaicos. Na apresentação do volume, "A escritura de Maria Thereza Leite", Carlos Augusto Viana observa: "As narrativas, aqui reunidas, interessam tanto pela trama quanto por sua tessitura. As palavras – verdadeiras lixas - friccionam a alma de seres cujas vidas percorrem as fronteiras entre o devaneio e a tormenta. A autora é, sobretudo, uma construtora de personagens". Em outro trecho, o poeta-crítico observa: as composições do livro em exame "seguem de perto a consciência dos protagonistas. Assim, o emprego do monólogo interior ou do discurso indireto livro é, por demais, pertinente, em especial quando são invadidas por elementos do mundo exterior".

Pela linguagem e pelo vocabulário, é fácil perceber onde se ambientam os contos de Genuíno Sales. Vejam-se os títulos: "Na beira da grota", "Faça lombo, meu padrinho" e "Comida braba". O vocabulário é arcaico e rico, tal como é falado, ainda, no interior do Nordeste brasileiro. São exemplo desse vocabulário "pontiar", "vareda", "babatar", "loita", "caquear", "polme", "encaretado", "quartau", "caculo", "matracar" e muitos outros. Consciente de sua nordestinidade e atento às regras do bom contar, Genuíno elaborou pequenas histórias a que alguns críticos enquadram como do tipo regionalista. Entretanto, mesmo nos diálogos, que são breves, o contista não se deixa conduzir pela facilidade da narração vulgar, tradicional ou sem criatividade. Assim, aqui e ali se vêem narrações descritivas. Os conflitos e os desenlaces se apresentam como se fossem secundários. Em "Na beira da grota", por exemplo, o drama pressentido no início da peça parece não se completar, como se não ocorresse o epílogo. Em "Nequinho" o desfecho é o logro do "cego". O leitor não atina o como findará a história e é também logrado, no último parágrafo, quando o falso cego "suspendia a bengala, aligeirava o passo e estirava caminho...". Em "Comida braba" o desenlace se dá num tempo bem mais distante ao daquele em que o conto é escrito. O narrador interrompe a narração no exato momento em que o coronel se aproxima de Joana, que, nua, dava machadadas nas palmeiras. A história se completa, meses depois, para reapresentar a protagonista e seu filho de olhos azuis. Enfim, Genuíno faz de cada conto quase que uma pintura, uma paisagem sertaneja, ou uma cena de filme, com dois ou três personagens em ação em espaços reduzidos. O foco narrativo é ora de narrador-testemunha (um menino, quase sempre), ora de narrador onisciente. Em alguns casos os dois se confundem, como em "Mataram o coronel".

Dimas Macedo saudou o aparecimento de Guilherme Caminha, com o livro O Velho Afobado, no cenário da literatura cearense, escrevendo "Os Contos de Guilherme Caminha" (LC, págs. 133/134). E anotou: "Fugindo ao esquema do desenho intelectualizado e elitista com que a tradição literária brasileira tem insistido em falsamente se auto-retratar, os contos de Guilherme Neto Caminha, em sua proveitosa urdidura, exibem a ousadia da aproximação do real, isto é, são reais enquanto inventário da experiência do concreto e revestem uma tentativa de aproximação da linguagem eminentemente coloquial".
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No capítulo seguinte, sob o título "Outros Novos Contistas", virão aqueles ainda inéditos em livro ou, se os têm, não são do conhecimento do autor deste ensaio e que, portanto, não se mostraram em maior escala para a crítica. De muitos deles as poucas informações foram colhidas nas publicações onde se vêem seus contos.

A seguir, síntese biobibliográfica dos principais contistas surgidos após 1990, em ordem alfabética.
- Alano de Freitas nasceu em Fortaleza (1950). Artista plástico e poeta, deu a lume Histórias do Começo do Mundo (7 Contos Minúsculos), em 1995.

- Almir Gomes de Castro (Baturité, 1953) divulgou alguns livros de poemas e um de contos, O Ceará Sempre Escutará, em 2002.

- Ana Miranda nasceu em Fortaleza, em 1951. Ainda criança mudou-se para o Rio de Janeiro, depois para Brasília. Seus primeiros livros são de poesia. Ao romance Boca do Inferno, de 1989, seguiram-se outros. Em 1999 editou o primeiro livro de contos, Noturnos. Desde 1999 mora em São Paulo. Suas obras estão traduzidas para diversos idiomas.

- Angela Gutiérrez ou Angela Maria Rossas Mota Gutierrez (Fortaleza) é doutora em Letras. Imprimiu um romance, Mundo de Flora, em 1990 e o volume Avis Rara. Tem contos em antologias, como O Talento Cearense em Contos. 2.º no III Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1992, com "Ressurreição".

- Astolfo Lima Sandy, natural de Sobral (1948), tem impresso o livro Mão de Martelo e Outros Contos (1998). - Ganhador de prêmios literários, como o da Biblioteca Nacional para escritores brasileiros, em 2002, com o livro inédito A Grande Fábrica de Brinquedos.

- Carlos d’Alge nasceu em Chaves, Portugal, em 1930, tendo viajado para o Brasil aos seis anos de idade. Graduado em Letras, Direito e Educação, é professor de Literatura da Universidade Federal do Ceará. Membro da Academia Cearense de Letras. Doze livros editados. Seus contos apareceram em jornais, revistas e antologias, como O Talento Cearense em Contos, com a narrativa "Breve Ensaio Sobre a Solidão" e no volume A Mulher de Passagem, de 1993.

- Dimas Carvalho (Acaraú, 1964) fez sua estréia no gênero conto em 1993, com Itinerário do Reino da Barra. Em 2000 deu a lume Histórias de Zoologia Humana e em 2003 Fábulas Perversas (VI Prêmio Ideal Clube de Literatura, 2003). Tem também livros de poesia. A obra de Dimas Carvalho tem sido objeto de análise por diversos críticos de todo o Brasil, como Miguel Sanches Neto, Ronaldo Cagiano, Ítalo Gurgel, Vicente Freitas, Batista de Lima, Jorge Pieiro, Inocêncio de Melo Filho.

- Genuíno Sales é de Pedro II, Piauí. Reside em Fortaleza há vários anos. Educador. Está incluído também no volume Prêmio Ceará de Literatura (1994), com cinco contos. Tem inédito o volume Fins d’águas.

- Giselda Medeiros é natural de Prata. Licenciada em Letras. Poeta e contista. Ganhadora de diversos prêmios literários, como o Cidade de Fortaleza II, IV e V. No último destes obteve o primeiro lugar, com "Passado Azul". Em 2003 imprimiu o volume de contos Sob Eros e Thanatos.

- Guilherme Caminha é autor do volume O Velho Afobado.

- João Soares Neto tem se dedicado à crônica e também ao conto. Autor de Sobre a Vida e o Amor, Sobre todas as Coisas, Micro-contos, cem contos sumaríssimos, e Sobre a Gênese e o Caos, coletânea de crônicas e contos, 2002.

- José Costa Matos (Ipueiras, 1927), poeta, contista e romancista, tem alguns livros de poemas e é autor do volume Na Trilha dos Matuiús (1998). Um dos vencedores do II Prêmio Ceará de Literatura, de que resultou livro com este título, em 1995. Está presente em algumas antologias, como O Talento Cearense em Contos, com "Incêndio na Pedra". Ganhou alguns prêmios literários fora do Ceará. Membro da Academia Cearense de Letras.

- José Murilo (de Carvalho) Martins, nascido em Caxias, Maranhão (1929), mas radicado no Ceará desde criança, editou o volume Medicina meu amor, de contos e crônicas, em 1991. Médico, tem várias obras na sua área profissional. Preside a Academia Cearense de Letras.

- José Peixoto Júnior nasceu em Jardim. Há alguns em Brasília. É outro regionalista. Em 1988 imprimiu o livro Bom Deveras e Seus Irmãos, por ele chamado crônica. São histórias de cangaceiros, ocorridas no Cariri cearense. O cronista se valeu também do Cariri para narrar outras histórias, que, reunidas, constituem o livro Sobre o Mundo, editado em 2001.

- Luciano Gutembergue Bonfim (Crateús, 1971), autor e diretor de teatro, professor universitário, é também contista premiado. Editou o pequeno volume Dançando com Sapatos que Incomodam em 2002.

- Lustosa da Costa é autor de inúmeros livros de ensaios e romances. Em 1999 editou Foi na Seca do 19, composto de uma novela e 13 contos.

- Maria Thereza Leite nasceu em Fortaleza, publicou seus primeiros contos em jornais e coletâneas originadas de concursos literários. Estreou em livro com Mosaicos, em 2003.

- Paulo de Tarso Pardal é natural de Russas (1952). Músico, artista plástico e crítico literário, publicou Margem Oculta, em 1995, e Difícil Enganar os Deuses, em 1999, ambos de contos.

- Pedro Salgueiro, nascido em Tamboril (1964), é um dos mais conceituados contistas cearenses surgidos no final do século XX. Tem editados os livros O Peso do Morto (1997), O Espantalho (1996) e Brincar Com Armas (2000). Premiado diversas vezes. Tem contos em antologias, como Talento Cearense Em Contos e Geração 90: Manuscritos de Computador.

- Ricardo Kelmer de Oliveira: 4º no II FUC, com "O íncubo". Autor de O Irresistível Charme da Insanidade (1996) e Guia Prático para Sobrevivência no Final dos Tempos (1997).

- Rinaldo de Fernandes, embora maranhense, morou durante muitos anos em Fortaleza, onde se graduou em Letras (Universidade Federal do Ceará). Tem contos em jornais de Fortaleza e João Pessoa. No Folhetim Literário Acauã mostrou "O Caso do Negro". Em 1997 teve editado o volume O Caçador (Editora Universitária da Paraíba). Doutor em Letras pela UNICAMP e professor de literatura na Universidade Federal da Paraíba. Começou sua atividade de escritor publicando, ainda jovem, contos e artigos nos suplementos literários dos jornais O Povo e Diário do Nordeste, de Fortaleza/CE,. Tem inédito O perfume de Roberta. O conto "Negro", do livro "O Caçador", virou curta-metragem, do cineasta paraibano Renato Alves. Como pesquisador, escreveu os textos da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada por José Nêumanne Pinto (São Paulo: Geração Editorial, 2001). Organizador dos livros O Clarim e a Oração: cem anos de Os sertões (São Paulo: Geração Editorial, 2002), Chico Buarque do Brasil (Rio de Janeiro: Garamond/Fundação Biblioteca Nacional, 2004) e Contos cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea (no prelo). Colaborou com diversos jornais de ponta do Brasil. Assina a coluna "Rodapé/Ponto de vista crítico" em Rascunho, de Curitiba/PR, e Correio das Artes, de João Pessoa/PB.

- Roberto Amaral, nascido em Fortaleza, passou a morar no Rio de Janeiro em 1965. Autor de mais de duas dezenas de livros na área da ciência-política-comunicação-direito, estreou no gênero em 1990, com Viagem e outras histórias. Escreveu também romances.

- Ronaldo Correia de Brito nasceu em Saboeiro (1950) e muito cedo passou a habitar no Recife. O primeiro livro, As Noites e os Dias, é de 1996, e o segundo, Faca, de 2003.

- Sérgio Telles é natural de Fortaleza, 1946, tendo ido morar em São Paulo em 1970, onde vive. Tem livros na área da psicanálise e dois de contos: Mergulhador de Acapulco (1992), menção honrosa no Concurso de Contos do Paraná, 1988, com o título O Décimo Dia e outros contos, e Peixe de Bicicleta (2002), prêmio APCA, 2002. Integra uma antologia de escritores brasileiros editada na Suécia (1994). Para a antologia O Talento Cearense em Contos teve selecionado "Cicatriz de Bala".

- Tércia Montenegro (Fortaleza, 1976) fez sua estréia com O Vendedor de Judas, em 1998. Ganhadora de alguns concursos literários importantes, como o da revista Cult (1.º Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, 2000) com o livro Linha Férrea, editado em 2001.

- Vasco Damasceno Weyne é natural de Fortaleza (1931). Cronista, crítico literário e contista. Divulgou, em 1999, o volume Glórias e Vanglórias.

- Zorrillo de Almeida Sobrinho (Fortaleza, 1927) estreou em 1997, com Velhos Contos, Novos Contos, pela Associação dos Novos Escritores do Mato Grosso do Sul, Estado onde vive. É autor de livros em outros gêneros literários.

continua... (Parte XI)

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=986