sábado, 7 de março de 2009

Como fazer um gibi


Para desenhar os quadrinhos é preciso, além da inspiração, conhecer algumas técnicas

Se você tem uma idéia incrível para uma história em quadrinhos, já está a meio caminho de conseguir fazê-la. Mas há etapas a serem cumpridas antes de seu gibi ser um sucesso. Veja.

1. Criação dos personagens

Dos protagonistas aos tipos secundários, o autor precisa planejar tudo, para não cair em contradição mais tarde. O ideal é ter em mente cada personagem, com a personalidade, o aspecto físico, o estilo das roupas, os vícios e as virtudes. Nessa fase, o artista deve desenhar cada um dos tipos em posições variadas e em expressões faciais bem marcadas. Treinando o seu traço não haverá perigo de, ao longo da história, o personagem ficar irreconhecível.

2. Argumento e roteiro

O argumento é a idéia geral da história, com começo, meio e fim. Quando é trocado em miúdos, tem-se o roteiro, que deve ser planejado quadro a quadro. Nessa fase as páginas são diagramadas, as cenas descritas e os diálogos finalmente definidos.

3. Desenho

A lápis, as linhas de todos os elementos das páginas são marcadas ­ personagens, cenários, balões (já no caso dos textos, escritos a lápis), onomatopéias (palavras que reproduzem sons naturais, como Tchibum! Pou! Crás! ) e os contornos dos quadrinhos.

4. Letras

Com tinta nanquim (seus alunos podem usar uma caneta hidrográfica preta de ponta fina), o texto dos balões e as onomatopéias são finalizados. Os profissionais trabalham com páginas cujo espaço para letras já vem pré-marcado. Um erro muito comum para quem está começando é entusiasmar-se demasiadamente e desenhar todo o quadrinho antes de decidir o texto que acompanhará a imagem. Quando chega a hora de preencher os balões, descobre-se que o espaço é curto. Aí é tarde. Planeje, então, o desenho e o texto simultaneamente. O melhor modo de fazer isso é checar e rechecar o seu roteiro.

5. Arte-final

Como as letras, os demais elementos gráficos recebem a tinta preta, cobrindo cuidadosamente os traços a lápis e corrigindo eventuais falhas. Você pode optar por usar caneta ou pincel. Para dar efeito de luz e sombra, pode-se hachurar ou pontilhar. Nos quadrinhos de autor, o arte-finalista e o desenhista são a mesma pessoa.

6. Cor

A última etapa antes da impressão do gibi é a colorização dos quadrinhos. Os desenhistas profissionais vêm usando cada vez mais programas gráficos de pintura por microcomputador. Na classe, os alunos podem optar entre os lápis de cor, as canetinhas ou outras técnicas de pintura que já tenham sido trabalhadas em sala de aula.

Para ler mais

Livros sobre gibis trazem desde análises profissionais até piadas sobre super-heróis

Há uma boa bibliografia para quem quiser aprofundar-se no estudo dos gibis, conforme você pode conferir abaixo.

Como Fazer Histórias em Quadrinhos, de Juan Acevedo Global Editora, 1990. O autor organizou uma oficina de quadrinhos para crianças e, com base nessa experiência, ensina no livro os fundamentos práticos da HQ. Tel. (011) 277-7999, 22 reais.
Desvendando os Quadrinhos, de Scott McCloud, Makron Books, 1995. Artista e roteirista premiado, McCloud analisa profundamente a estética e a semiologia dos gibis.
História da História em Quadrinhos (2ª edição), de Álvaro de Moya, Editora Brasiliense, 1993. Em 34 artigos, o professor da Escola de Comunicações e Artes da USP descreve mais de 160 anos de evolução dos quadrinhos no mundo, desde seus precursores até o cenário atual. Tel. (011) 887-8436.
O Homem no Teto, de Jules Feiffer. Companhia das Letras, 1995. Romance juvenil sobre um garoto que sonha ser quadrinista, mas não conta com o apoio dos pais.
A Linguagem dos Quadrinhos, de Moacy Cirne, Editora Vozes, 1971. Estudo detalhado das criações de Mauricio de Sousa e de Ziraldo.
Quadrinhos e Arte Seqüencial, de Will Eisner, Editora Martins Fontes, 1989. Eisner, lenda viva entre os fãs do gênero, disseca a estrutura narrativa das HQs e sugere a aplicação dos quadrinhos em outros setores, como a educação.
Super-herói ­ Você Ainda Vai Ser Um, de Marcelo Duarte, Companhia das Letrinhas, 1996. O divertido jornalista revela os segredos dos personagens mais musculosos e poderosos dos quadrinhos

Fontes:
Revista Nova Escola. abril de 1998. Reportagem de Capa. edição 111
Imagem = http://saresp.edunet.sp.gov.br

Histórias para quem está começando



Escolas usam revistas para apresentar as primeiras letras às crianças de 3 a 5 anos

Para ler gibis não é preciso saber ler. Aliás, os quadrinhos parecem mesmo feitos sob encomenda para apresentar as primeiras letras. Eles são coloridos, têm textos curtos e são velhos conhecidos da garotada, que costuma ter contato com eles quando ainda usa fraldas. "Os desenhos conseguem comunicar algo para a criançada", assegura Fernanda Flores, orientadora pedagógica do Colégio Fernando Pessoa.

Balõezinhos apagados

No Fernando Pessoa ­ onde as fotos desta reportagem foram feitas ­, tirinhas simples são projetadas na parede e lidas para os alunos, que têm entre 3 e 5 anos de idade. A professora aponta com o dedo o trecho que está lendo e ajuda as crianças a compreender o enredo e a decifrar as expressões dos personagens.

Na fase de alfabetização, algumas escolas propõem como exercício apagar as falas dos balõezinhos dos personagens e pedir às crianças que interpretem a seqüência de desenhos e criem sua própria história. Algo parecido com o que faz a arte-educadora Cecifrance Aquino, da The Global School, de Salvador, capital da Bahia. Ela recorta uma historinha, separa os quadrinhos um a um e monta um quebra-cabeça. Embaralhado, ele pode ser reorganizado pela criançada em uma nova seqüência. "Um ótimo estímulo à criatividade", diz ela.

Uma leitura dividida que une a turma

Ao lerem a mesma história em voz alta, alunos de 1ª série avançam na alfabetização

A leitura dos gibis permite, a partir da 1a série, identificar elementos constitutivos do texto. "Pode-se explicar o que é um título e que ele sintetiza o enredo da história", explica Paula Stella, do Colégio Fernando Pessoa.

Outro bom exercício para os recém-alfabetizados é a leitura compartilhada de gibis. Cada um recebe um exemplar da mesma revista. A professora escolhe um episódio e começa a lê-lo em voz alta. Em determinado ponto, pára e pede que um aluno continue a leitura. A tarefa é passada para a próxima criança, até que todos tenham lido. A leitura em comum acaba uniformizando o desempenho da turma.

Exercício para `amiorá´ a ortografia

O linguajar caipira de Chico Bento vira lição na classe de 2ª série

Expressões regionais tiradas de gibi vão para o quadro-negro: grafia corrigida
As caipirices do personagem Chico Bento, criado por Mauricio de Sousa, fascinam alunos e professores. Os alunos acham o personagem simpático e se identificam com os apertos que ele passa em sala de aula. Já os professores gostam do Chico Bento, por mais curioso que seja, porque ele fala "errado". Os ocê, bão, num, lasquera, sem-vregonhera e aminhã que ele usa em suas histórias são motivo para divertidos exercícios de ortografia nas turmas de 2ª série. De quebra, a leitura crítica das aventuras rurais do Chico Bento servem para debates sobre regionalismos e o uso da linguagem falada nos registros culto e familiar.

No Fernando Pessoa, a professora entrega aos alunos cópias xerocadas de uma história do personagem e pede que eles, em duplas, discutam e marquem as palavras escritas erradas.

Palavras corrigidas

Ao final da atividade, as palavras marcadas pelas crianças são reproduzidas no quadro-negro e, ao seu lado, anotada a ortografia correta. A professora debate com a turma em que situações pode-se usar expressões mais familiares e em que momentos o recomendável é expressar-se obedecendo à norma culta.

RODA DE BIBLIOTECA

A idéia é simples: aumentar o acervo de gibis à disposição dos alunos e permitir que eles mesmos escolham e recomendem as melhores HQs uns aos outros. Trata-se da Roda de Biblioteca. Nela, os alunos levam exemplares de gibis e os apresentam para o resto da turma. Depois, cada criança escolhe um título e o leva para casa. Em outro dia, a roda se reúne novamente. É quando cada estudante conta e comenta o que leu.

Ninguém é obrigado a ler nem a professora cobra a leitura.

Revistas já foram jogadas na fogueira

As HQs nunca foram tão bem-vistas nos seus 103 anos de existência como agora. Elas são consideradas uma eficaz ferramenta pedagógica por muitas escolas e as famílias permitem que entrem em suas casas. Mas nem sempre foi assim. Rotulados de subliteratura, os gibis já foram acusados de serem a causa principal da delinqüência entre os jovens americanos dos anos 50. Nesse período, marcado pela intolerância ideológica, era comum a queima, em praça pública, das revistas consideradas inadequadas.

É fácil ter uma gibiteca na escola

Acusadas de má influência sobre a juventude, elas foram vítimas de uma caça às bruxas

Existem no país centenas de gibitecas públicas e particulares. Muitas delas estão instaladas em escolas do ensino fundamental. Se a sua escola não tem ainda uma gibiteca, não perca tempo. É fácil e barato organizar um variado acervo de gibis. Comece escolhendo um espaço adequado para o tamanho da sua coleção. Prefira um local seco e instale estantes resistentes. Papel costuma pesar bastante e pode até quebrar prateleiras de má qualidade. Veja, ao lado, mais dicas para organizar sua gibiteca.

1- Prepare pastas especiais para guardar os gibis mais finos e de capa mole, que não se sustentam em pé. Cole etiquetas na lombada das pastas e identifique seu conteúdo

2 - Ao catalogar os gibis, use a mesma metodologia adotada para os periódicos da biblioteca. Os álbuns e livros em quadrinhos obedecem à norma fixada para os livros

3 - Organize as prateleiras segundo um desses critérios: título, gênero (infantil, super-heróis, humor, ficção etc), autor ou formato

4 - Faça fichas de empréstimo e estabeleça prazos para devolução. As regras têm de ser claras. Os atrasos devem acarretar multas, mesmo simbólicas

5 - O estado de conservação dos exemplares depende dos alunos. Não os deixe esquecer disso. Se houver disponibilidade, organize escalas periódicas para as crianças cuidarem da gibiteca

Elas ensinam até a evitar enchentes

HQs já foram usadas para denunciar ações da CIA e prevenir catástrofes naturais

Os gibis vêm sendo usados com sucesso como instrumento de disseminação de idéias e de utilidade pública. Há dez anos, nos Estados Unidos, o Christic Institute, uma entidade de defesa dos direitos humanos, escolheu um gibi como veículo ideal para denunciar as ações ilegais da CIA ­ o serviço de inteligência do governo americano. O gibi causou a indignação do eleitorado daquele país. O fato pesou no fracasso do então presidente George Bush em tentar sua reeleição. Bons exemplos de gibis educativos são Os Três "Mosquiteiros", da década de 60, e Chega de Enchente, lançado em 1990. A primeira, desenhada por Carlos Estevão, apresenta o Elefantinho ­ antiga mascote da companhia de petróleo Shell ­ dando dicas a um garoto sobre como evitar a disseminação de mosquitos e pernilongos. A segunda, assinada por Ziraldo, traz o Saci Pererê e sua turma explicando a moradores das favelas cariocas como poderiam ser evitados as enchentes e os deslizamentos de terra.

Fontes:
Revista Nova Escola. abril de 1998. Reportagem de Capa. edição 111
Imagem = https://lx1.letti.com.br/planetagibi.com/compramos.php

Convite para posse na Academia Sorocaba de Letras

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Fonte:
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

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Colaboração de Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

Vikas Swarup (Quem Quer ser um Milionário?)


O livro que inspirou o filme Quem quer ser um milionário?, vencedor de 8 Oscars em 2009, é ainda muito melhor que o filme, segundo a crítica.

Sua resposta vale um bilhão, romance de estréia do diplomata indiano Vikas Swarup, é uma narrativa à maneira das Mil e uma noites, com uma história central em que um personagem conta histórias para outro. O contador de histórias aqui é Ram Mohammad Thomas, um garçom de dezoito anos que ganhou um bilhão de rupias - o maior prêmio de todos os tempos - num programa televisivo de perguntas e respostas. Os organizadores do concurso, inadimplentes, se recusam a pagar o prêmio. Alegam que um garoto inculto como Ram não poderia conhecer as respostas, e o entregam à polícia para que ele seja torturado e confesse a fraude. Salvo por uma advogada, Ram terá de contar a ela a história de sua vida. Cada episódio explica como ele ficou sabendo coisas como o significado da inscrição INRI, que aparece nos crucifixos, e qual a maior condecoração por bravura concedida pelas forças armadas indianas. Unificadas pela presença do protagonista, herói picaresco que sempre acaba se saindo bem, graças a uma combinação de esperteza e sorte, as narrativas são ora cômicas, ora trágicas e apresentam um rico panorama da Índia contemporânea, onde passado e presente, miséria e opulência, religiosidade e comercialismo, ternura e violência se misturam.
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MATÉRIA NA FOLHA DE S. PAULO - 28/02/2009

Livro quer mostrar a "nova Índia", não miséria. Autor de obra que originou "Quem Quer Ser um Milionário?" tenta expor país "dinâmico"

"Sua Resposta Vale um Bilhão", de Vikas Swarup, tem reedição no Brasil; escritor diz querer romper com literatura maravilhosa indiana

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

A volumosa premiação no Oscar do filme "Quem Quer Ser um Milionário?", do diretor britânico Danny Boyle, fez o mundo observar e lamentar a dura vida nas favelas da Índia. Curiosamente, o livro que deu origem à produção condecorada com oito estatuetas no último domingo está longe de ser uma obra preocupada em expor a miséria do país.

"Sua Resposta Vale um Bilhão", do indiano Vikas Swarup, 46, agora relançado no Brasil, é um thriller urbano. Nele, o protagonista é também um rapaz pobre que se dá bem num programa de perguntas e respostas televisivo. Mas a comparação vai só até aí.

Enquanto Boyle preferiu reforçar o papel da favela na vida do rapaz, Swarup leva seu herói a vagar por cidades do que considera ser a nova Índia, ouvindo histórias inusitadas e aparentemente aleatórias, mas que o ajudam a acertar as questões que surgem quando está diante das câmeras.

Swarup diz que quer romper com a tradição da literatura maravilhosa indiana. "Não sou Salman Rushdie, quero escrever livros de mistério e suspense, que se passam no mundo real", disse à Folha, em entrevista por telefone. E, por mundo real, Swarup entende a nova situação geopolítica da Índia.

"Todos querem saber como o país se moderniza e cresce tão rápido, mesmo neste momento de crise, e ainda assim consegue manter um pé em tradições e costumes", diz, orgulhoso, o homem que durante o dia exerce atividades diplomáticas. Atualmente, trabalha na embaixada de seu país em Pretória, na África do Sul.

Fábula

"A questão das favelas não é importante para o meu trabalho, busco a Índia das transformações", explica. E acrescenta: "As pessoas estão acostumadas a olhar para nós e ver o exótico ou a pobreza. Minha literatura quer mostrar que lá tudo é mais complexo e dinâmico."

Ao tentar construir um romance que tocaria indianos de todos os cantos e religiões do país, criou o personagem central com diversos elementos. O garoto Ram Mohammad Thomas, como o nome indica, é, ao mesmo tempo, hindu, árabe e cristão. "Na Índia, quando alguém diz o nome, é possível saber sua religião, a parte do país de onde vem e até que comida consome. Ao juntar os nomes, fiz uma figura que representa todas as crenças e culturas."

A produção cinematográfica e a obra literária obedecem a um mesmo eixo narrativo. Há um garoto pobre e sem formação que vence um programa do tipo "Show do Milhão" porque, por sorte, sabe as respostas. Essa "sabedoria" é adquirida ou por experiência própria ou por ter ouvido uma história em que a resposta aparece.

Do livro para o filme, permanece essa linha, mas as situações mudam. Na história original, por exemplo, há uma passagem da guerra entre Índia e Paquistão que não seria possível reproduzir nas telas com o curto orçamento do filme. Este, por sua vez, cria soluções mais rápidas e ágeis para obedecer à montagem pop da produção. "Não acho ruim que tenham mudado as situações. O que me deixa feliz é que a estrutura narrativa, a essência da história permanece e, no final, dá sentido ao conjunto", diz Swarup.

Mas ele aponta que há algo distinto entre os dois formatos. "O filme é sobre o destino; o livro é sobretudo acerca da sorte e da esperança. Thomas adquire conhecimento sem necessariamente estar atrás dele. E isso é algo que nos passa sempre na vida sem nos darmos conta. Ele teve sorte de tropeçar em coisas que lhe seriam valiosas no futuro. Mas será que isso não é comum a todos nós? E só precisamos prestar atenção no que nos passa diante dos olhos? Reparar nos acasos também é construir conhecimento. Ele sai vitorioso ao notar isso."

"Sua Resposta Vale um Bilhão", primeiro livro do autor, já havia sido traduzido para 37 línguas antes mesmo do Oscar. O segundo, "Six Suspects", saiu na Inglaterra em 2008.
SUA RESPOSTA VALE UM BILHÃO
Autor: Vikas Swarup
Lançamento: Companhia das Letras
Tradução: Paulo Henriques Britto
343 págs.
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SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O humor negro cumpre diversas funções em "Sua Resposta Vale um Bilhão", de Vikas Swarup. É o que permite, por exemplo, transitar pelo cenário de extrema pobreza dos meninos de rua indianos - em Déli, Mumbai (antiga Bombaim) e Agra - sem perder a batalha para o sentimentalismo.

A autoironia da narração em primeira pessoa, com ótimo uso de frases curtas e imagens recorrentes, possibilita também que doses pesadas de crítica sociopolítica sejam feitas de maneira mais efetiva do que se o texto discursasse, com ar professoral, contra as injustiças do país.

O órfão Ram Mohammad Thomas -cujo nome, sozinho, já embute o colorido anedótico do romance, ao fundir raízes hinduístas, muçulmanas e cristãs- aprende a se fazer de bobo, o que ajuda na sobrevivência, mas às vezes é mesmo ingênuo, o que o atira em dificuldades.
A alternância entre esperteza e fragilidade, o olhar agudo e a verve inquieta do protagonista criam com o leitor a cumplicidade necessária para que se associe esse contumaz contador de histórias à Sherazade de "As Mil e Uma Noites" e também ao personagem manipulador de Kevin Spacey em "Os Suspeitos" (1995).

Todos eles envolvem seus interlocutores porque precisam sobreviver, mas Ram Mohammad Thomas o faz também porque precisa falar. Ao torná-lo porta-voz de uma geração de indianos excluídos, em trama muito mais rica, suja e engenhosa do que sugere o filme "Quem Quer Ser um Milionário?", Vikas Swarup o transforma em um daqueles personagens que não queremos abandonar ao final do livro.

Fonte:
Colaboração da Livraria Resposta.
http://www.livrariaresposta.com.br

Márcio Bueno (A Origem curiosa das palavras)



Por que razão chamamos um veículo de jardineira e uma escola de jardim-de-infância, se nenhuma relação existe com flores ou plantas ornamentais? De onde vem o termo chorinho, se a música é alegre e brejeira? Em que circunstância o verbo azarar, que significa urubuzar, incorporou o sentido de paquerar? De onde vêm termos usados no mundo do futebol como barbada, embaixada, frango, gol olímpico, lanterna, zebra etc.? Por que chamamos uma ave de peru (Peru), os povos de língua inglesa chamam de turkey (Turquia) e os de francesa de dinde (da Índia), se não é originária de nenhum desses três países?

Márcio Bueno, com seu espírito inquieto e questionador, decidiu procurar respostas para várias dessas questões intrigantes. Aliás, tem por hobby colecionar a história de palavras que apresentam alguma curiosidade em seu nascimento, em sua evolução ou ao assumir novas acepções.

A partir de 1995 e durante sete anos, o passatempo transformou-se em pesquisas sistemáticas, com consultas a trabalhos dos mais conceituados etimólogos, filólogos e historiadores de língua portuguesa, de outras línguas neolatinas e também de germânicas. E o autor foi além, desenvolvendo pesquisas de campo que apresentaram resultados surpreendentes, como a descoberta da origem de biruta, que até hoje os estudiosos não haviam identificado. O resultado final é um dos mais sérios e profundos estudos de etimologia voltados para o grande público. As surpresas se sucedem a cada página.

Profissional de televisão, Bueno tem uma forte ligação com imagens. Essa é a razão por que o livro é ilustrado com desenhos e fotografias de objetos e personalidades que deram origem a palavras que usamos no cotidiano. Em diversos verbetes, é possível conhecer as injunções políticas e econômicas que motivaram o surgimento de novos vocábulos. No verbete cuba-libre, por exemplo, são desvendados os interesses que estiveram por trás da criação do nome e também da própria bebida. Em muitos outros casos, o autor fala da origem das palavras e também da própria coisa significada, a exemplo de asa delta, bina, capoeira, chorinho, tênis etc.

Embora respeitando fundamentalmente o que dizem os estudiosos, o autor descobriu pelo menos um caso em que a razão está com os chamados iletrados. Segundo suas pesquisas, quando o povo pula do bisavô para o tataravô, ignorando solenemente a existência do intermediário, o trisavô, está tão somente resistindo a uma mudança que teve como base um equívoco cometido no século XIX. No capítulo Influência Portuguesa, o autor nos brinda com termos correntes em diversos outros idiomas, incluindo o inglês, o francês e o japonês que tiveram origem em nosso idioma. É o momento de maior elevação da auto-estima de quem fala português.

O AUTOR

Márcio Bueno é jornalista e publicitário. Trabalhou ou colaborou em publicações como os jornais Movimento, Pasquim, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Globo. Em televisão, foi editor nacional de telejornais na Rede Globo, dirigiu telejornais e programas na Rede Manchete e exerceu a função de superintendente de Jornalismo na TV Educativa. É co-autor do livro 20 Anos de Resistência - As Alternativas da Cultura no Regime Militar, publicado em 1986 pela Editora Espaço e Tempo.

Fonte:
Colaboração da Livraria Resposta.
http://www.livrariaresposta.com.br

sexta-feira, 6 de março de 2009

Miguel João Simão (O Poeta no Papel)



SONHOS

O mar a brandir nas pedras
Faz-nos ouvir uma canção
Mesmo distante das águas
Eu as vejo com o coração
E penso com saudade de alguém
Da minha ardente paixão

Depois lembro do sol
Com seu infinito esplendor
De dia clareia a terra
À noite mantém seu calor
Tornando a lua fogosa
Querendo mostrar seu amor

Por isso sofro quieta
Não posso mostrar minha dor
Sofro na vida sozinha
Por um proibido amor
Vivo iludida por sonhos
Sonhos que alguém me encantou

(extraído do livro maria de ganchos- pag 38)
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HOMENAGEM AO PESCADOR

Lá vai o filho do mar
Com o chapéu de palha
Com o remo na mão
Buscando o sustento nas águas
Rezando contra tudo que lhe atrapalha
Sonhando com um pedaço de pão.

Depois da noite perdida
Recolhe a rede e nada vê
Olha pra cima e suspira
Clama por Deus e por Nossa Senhora
Pois começa a chegar a hora
De sua família rever.

Chega em casa de mansinho
Olha a esposa e o filhinho
E começa a resmungar
O mar foi traiçoeiro
Eu perdi o dia inteiro
E nada pude juntar.

A esposa o acalenta
E não o deixa falar
Amanhã tu vai de novo
No mesmo tempo, na mesma hora
E clamamos por Nossa Senhora
Que ela vai te ajudar.

Assim o dito foi feito
Pobre tem seu direito
É só saber insistir
O mar foi traiçoeiro
Apenas quem chegar primeiro
E a Deus saber pedir.

Das profundezas das águas
A rede puxou com a mão
Olhou pro céu e sorrindo
Agora com o sustento na mão
E a Deus já foi pedindo
O seu sagrado perdão.
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"ETERNAMENTE IOLANDA"

Dos olhos que tudo vê
Do silêncio que tudo percebe
Da sua sabedoria infinita
Deus percebia que algo faltava.

Deu-nos o céu com todas as estrelas
Até onde a vista pode alcançar
Cobriu-nos com o calor do sol
Com as lágrimas da chuva
Com a luz da lua e com o cheiro do mar.

Fez das flores inspirações
Imagens perfeitas para o homem sonhar
Jardins cobertos de cores
Rosas perfumadas, azaléias delicadas
Prontas para o beija-flor beijar.

Fez tudo, tudo... com perfeição
Criou céus, terras e mar
Não queria mais se incomodar?
Faria o mundo perfeito para o homem desfrutar.

Mas, viu que algo precisava para o mundo melhorar
Mandou anjos cercados de paz
Criaturas santas preparar o caminho
Haveria de mandar a mais bela das fadas
Aquela que me faria perceber a nobreza de sua obra
A grandeza de seu poder, a plenitude do seu amor.

Nos mandou a fada menina
Menina moça vestida de fada
Bela entre outras que o mundo tem
Sorriso faceiro, olhar revelador
Que nós chamamos de IOLANDA
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Miguel João Simão (A Rosa que eu Perdi...)

Do alto do campanário da velha igrejinha sentada no topo do morro, o sino badalava sem cessar.

O sino era tão velho quanto a construção das paredes da igrejinha rebocadas com óleo extraído de fígados de baleias.

Lembro-me bem do dia, quando chegou na lancha do Pereirinha, deu uma trabalheira só, para tira-lo e leva-lo até a igreja. Inventaram mil maneiras para subir o morro com o sino, mas não foi fácil! Foi tão difícil quanto pendura-lo no alto, de onde badala todos os domingos chamando o povo a rezar.

A igreja foi um sonho do povo que necessitavam de um lugar para rezar. Sua construção data de 1941, mas não é a data da pedra fundamental, que foi
colocado no local bem antes, nem se sabe ao certo quanto tempo antes. É de conhecimento do povo, que por volta de 1850, um tal de Manoel Florêncio dos Santos, juntou alguns moradores do lugar e fincou ali, um pouquinho na frente onde está a igreja hoje, uma grande cruz de madeira como sinal da fé católica. Essa cruz só foi tirada do lugar por volta de 1925, quando construíram uma igrejinha de madeira que, então, foi substituída pela de tijolos.

Todo mundo queria ver a igrejinha acabada, com janelas, com portas, com uma torre bem alta. Muitos não alcançaram, foram embora desse mundo antes da obra ficar pronta, não chegaram nem a conhecer o padre. Mas, outros tiveram até o privilégio de vestir seus primeiros ternos na inauguração, chapéus de carmuça e lenços brancos no bolso do paletó.

Para as “moças de famílias” não faltou o véu que lhes cobriam os rostos e que só eram levantados na hora de tomar a comunhão. Roupas descentes, sem decotes e as saias abaixo dos joelhos, é claro.

Teve até a banda de músicos que veio de Florianópolis, foi aquele festão!

A rua toda enfeitada com bandeirolas que se entrelaçavam nos arcos feitos de bambus.

Depois da missa, começava a domingueira no salão improvisado ao lado da igrejinha. Salão Poeira, como diziam os hilários de plantão. Uma cobertura com lonas, cercado com uns pedaços de madeira, e ali todos se divertiam.

De um lado as moças acompanhadas pelas mães, e de outro os moços que volta e meia tentavam se assanhar. As vezes dava certo para alguns, outros não estavam no seu dia de sorte, bastava um olhar de desprezo da moça desejada para perder toda vontade que tinham de dançar.

Foi em uma dessas vezes que Pedro se encheu de coragem e respondeu ao olhar fascinante da mais bela jovem que ali estava a enfeitar ainda mais a festa.

Chegou de mansinho, meio envergonhado e pediu permissão para aquela dança. Prontamente a moça aceitou, não se mostrou difícil como algumas faziam na hora que chegava um moço que não lhe agradasse e acabavam indo apenas por serem obrigadas. Naquela época era assim, em nome dos bons costumes e do respeito, a filha só entrava no salão, acompanhada pela mãe. Mulher separada não podia dançar e nem se misturar com as outras mulheres de família. E a moça que negasse a dançar com um moço, era convidada a se retirar do salão.

Começaram a dançar. Os olhares se atentaram a eles, centro de atenção por criarem um momento de raro esplendor. Formou um belo casal aos olhos dos mais velhos que ali estavam e deu inveja nos mais jovens.

Ele era nativo da pacata vila de pescadores denominada Canto dos Ganchos, localidade pertencente ao Distrito de Ganchos, que pertencia ao Município de Biguaçu, e que só foi emancipado em 1963, passando a se chamar Governador Celso Ramos em 1967. Descendia de uma mistura de alemães com portugueses. Alemães por parte do pai e portugueses puro por parte da mãe. O moço moreno claro, de olhos meio esverdeados trazia bem os traços das duas raças. Alto, de bela presença, chamava a atenção por onde passava. Foi educado sobre olhares vigilantes e disciplinadores do pai e da mãe, que não davam moleza para filhos fazerem o que quisessem. Esses predicados somados à vontade e o capricho na hora do trabalho lhe destacavam entre outros moços de sua época.Acompanhava o pai nos trabalhos de carpintaria e se tornou bom profissional, um dos mais procurados na região. Não dava mole para o serviço, parecendo que nunca se cansava de trabalhar.

Ela chamava-se Rosa, uma rosa pura e bela que chamava a atenção por onde passava por sua beleza ímpar. Seus avós paternos eram alemães, que chegaram em Tijucas no finalzinho do século XIX. Os avós maternos foram desbravadores italianos que ajudaram a construir a colonização italiana em Santa Catarina. Chegaram em meados do século XIX, em Nova Trento.

Loira pura de cabelos amarelinhos e de olhos azuis, lindos como o céu clareado sem nuvens, era percebida sempre por onde passava. Sua simpatia, seu carisma eram qualidades admiradas por todos que lhes conheciam.

Essa dança foi o primeiro contato que ela teve com um moço desconhecido, por isso tão marcante para sua vida. Era a primeira vez que saia só, sem a companhia dos pais.

Natural da cidade vizinha de Tijucas, conhecia a vila de Ganchos apenas de nome. A imagem que desenhava em sua memória sobre o lugar, era de um povoado com poucos casarios, adormecido entre os morros e que se pode num olhar longínquo avistar a vizinha cidade de Tijucas, que é separada apenas pelas águas do Atlântico.

Mal terminava essa dança e o músico já comunicava a dança da gasosa, um costume da época que, muitas vezes, esvaziava o salão e que permaneciam apenas os poucos sortudos.

A dança da gasosa era uma espécie de brincadeira que acontecia em todos os bailes, onde as moças eram quem convidavam os moços a dançar, e como uma maneira generosa de retribuir o convite, o moço pagava um refrigerante (uma gasosa) para a moça. Nesse momento, ficavam todos de orelhas bem em pé, pois os convidados geralmente eram seus futuros pretendentes ao namoro. As moças só convidavam mesmo para dançar, quem elas tinham interesses futuros e não para ganhar uma gasosa.

Rosa dirigiu seu olhar encantador para Pedro. As expressões no rosto, o sorriso singelo já dizia tudo, era o convite para dançar.

Na primeira dança nem uma palavra, mas na dança da gasosa já estavam mais soltos, mais a vontade, e puderam trocar algumas palavras que marcariam aquele momento como único, sagrado para o jovem casal.

Final de tarde! Algumas estrelas começam a pintar o céu, que vai perdendo o azul irradiante pelo tom escuro da noite que se aproxima. A domingueira termina, as moças dirigem-se as suas casas, apenas os rapazes ficam ainda por mais tempo trocando idéias, fazendo comentários da festa, dando boas gargalhadas.

Rosa vai acompanhada da tia e da prima, mesmo assim ainda consegue deixar algumas palavras de despedida a Pedro, visto que partiria cedo no dia seguinte.

Na manhã de inverno, daquele 30 de junho, agasalhada com um casaco que lhe protegia do frio, ela se despede dos parentes e embarca na lancha que a levaria até Tijucas. Ficou na terra recém conhecida a marca sublime da primeira paixão, ficou ali o homem que lhe conquistou com gestos, com palavras. Não trocaram nem um beijo, mesmo porque não ousariam se encorajarem a tanto e quebrar uma norma tão rígida. Se houvesse um beijo, um abraço forte que alguém visse, a moça ficaria mal-falada e o moço seria punido, na maioria das vezes, obrigavam-lhes casar. Mas sentiram suas mãos suarem no aperto das mãos a cada passo da dança.

Enamoraram, se atreveram em deixar que seus olhares fossem olhados por outros. Não ousaram em ultrapassar os limites impostos pela sociedade, mas não esconderam a vontade de ficarem juntos, Quando chegou em casa, não levou muitas novidades, o pai já sabia da festa, das companhias e até da dança.

O pai de Rosa era um homem duro, incompreensível, áspero. Era do tipo que achava que um bom pretendente para a filha tinha que ser dali dos arredores, gente de família conhecida, menino que ele viu nascer e crescer, nada de gente de fora. Dizia que paixão é igual fogo de palha, logo se apaga. Um bom casamento não precisa ter paixão, amor, essas coisas tiradas da cabeça de gente nova. Um bom casamento se fazia com obediência. Mulher obediente e trabalhadeira tem futuro, pega bom casamento. A moça tem que ser prendada, saber cozinhar bem para agradar o marido, usar bem o ferro de passar para não amarrotar a roupa, deixando-a bem passada. Coisas que as moças eram obrigadas a aprender com as mães, para a família não passar vergonha quando a filha casasse. Uma moça que não soubesse fazer as atividades domésticas, se viesse a casar, envergonharia a família inteira, pois os comentários seriam passados a frente, e todo mundo acabava sabendo.

Por mais que Rosa, com a ajuda da compreensiva mãe, tentasse explicar que tinha sido apenas uma dança, o homem não queria entender. Para tanto, tratou logo de arrumar um casamento para a filha. O moço em questão era de família tradicional de Tijucas e há muito tempo se interessava por Rosa.

No pacato vilarejo de Ganchos, Pedro continuava suas atividades profissionais ao lado do pai. Em suas horas de solidão, buscava no amigo violão o antídoto para suas dores de cotovelos. Cantava, inventava canções, declamava poesia, vivia um sonho acordado.

Era um incansável lutador pelo sonho que desenhou ao lado de Rosa. Sempre que ia alguém de confiança para Tijucas, mandava uma carta. As viagens à Tijucas eram comuns na época e aconteciam quase todos os dias. Sempre ia alguém para Tijucas, fazer compras, buscar remédios nas benzedeiras, vender crivos, enfim, sempre alguém tinha alguma coisa para fazer em Tijucas, visto ser uma cidade desenvolvida, com muitos recursos por aqui inexistentes.

Em todas as cartas recebidas por Rosa vinha a certeza do amor de Pedro. Mas, seu coração partia de dor em imaginar que já era comprometida, mesmo contra-gosto, mas por força de seu pai. Pedro sabia das atitudes do pai de Rosa, mas a cada casa, a cada barco que terminava de construir, guardava o dinheiro, moeda sobre moedas, pois haveria de surpreender a família de Rosa. Era uma promessa feita para si mesmo, economizar, e quando tivesse um montante suficiente iria à Tijucas e fugiria com a moça.

Namorou Rosa quase um ano por carta e se encontraram depois daquela inesquecível domingueira apenas duas vezes, tempo suficiente para jurarem amor eterno.

O primeiro encontro aconteceu em Tijucas, a beira do rio, onde Rosa lavava roupas. Foi rápido, tempo suficiente para trocarem algumas palavras. Ali nada de exageros, pois, era um local aberto e passavam muitas pessoas. Conversaram rapidamente, trocaram poucas palavras e apenas deram como despedida um forte abraço. E ele como verdadeiro apaixonado deixava de lembrança uma linda rosa vermelha que colhera pelo caminho.

A segunda vez que se encontraram, foi como se o destino preparasse a despedida de ambos. Era um sábado qualquer. Sem ter o que fazer naquela tarde, Pedro estava em casa descansando, quando é convidado por seu pai a visitar alguns amigos em Tijucas. Prepararam a embarcação e se foram, mar a dentro. Chegando lá, na casa de Manuel, um dos amigos da família de Pedro, o jovem avista Rosa, que caminhava solitária na rua á beira rio.

Pedro deixou seu pai com o amigo e correu ao encontro de Rosa. A moça que escuta o chamado de Pedro, resolve esperá-lo debaixo de uma velha figueira plantada a mais de cem anos, debruçada sobre o rio Tijucas, fazendo sombra aos velhos pescadores que, do gigante de águas claras, tiram seu sustento.

O fogo ardente da paixão dominou o local, os olhares se cruzaram e suas bocas se beijaram. Parecia um sonho que estavam vivendo, e que preferiam não acordar nunca. Rosa conta a Pedro do namoro obrigado que seu pai a fez aceitar, e ele promete que em breve, muito breve haveria de arrumar uma solução para o caso.

Aqueles momentos que viveram juntos, aqueles minutos marcados na vida de Rosa, lhes apertavam mais o coração. Pedro fora embora, lhe prometeu que viria busca-la e não o fez. Comentários de “boca pequena” diziam que Pedro já havia lhe esquecido, e quando ela imaginava isso, sentia uma dor horrível no peito que lhe sufocava a alma. Rosa imaginava que Pedro o enganara, que havia lhe esquecido, que tudo o que viveram fora para ele, uma brincadeira. De outro lado, o pai de Rosa insistia em apressar mais o casamento. Ver a filha casada com o pretendente que ele escolheu, já era uma questão de honra.

Enquanto isso, Pedro trabalhava incansavelmente e não via a hora de buscar Rosa, pois já fazia algum tempo que ele não recebia notícias dela. As costumeiras cartas já não lhe eram respondidas e, depois do último encontro, ele recebeu apenas uma carta sua, que suplicando ela dizia que o casamento, logo seria marcado.

No sábado, depois da Páscoa, do ano seguinte, com uma quantia de dinheiro que era suficiente para assumir tamanho compromisso, o de tirar uma moça de família de casa de seus pais e dá-lhe o conforto necessário, Pedro se preparou para buscar Rosa.

Acordou feliz! Como se tivesse achado ouro enterrado. Ele foi buscar um terno que mandou o alfaiate fazer, engraxou seus sapatos e tratou com um dono de embarcação a hora da surpresa. Quer dizer, surpresa para a família de Rosa, porque em Ganchos todos sabiam que Pedro iria se casar, iria buscar a sua amada para viverem juntos para sempre. Ali não era segredo para ninguém, todos comentavam em todos os lugares, desde as fontes onde as mulheres lavavam roupas até nas salgas, onde trabalhavam na limpeza dos peixes.

Eram três horas da tarde, horário em que o dono da embarcação desce a lancha para o mar. Na praia, familiares e amigos de Pedro se faziam presentes. Todos torcendo pelo bom jovem, que era querido por todos na terra.

Mar calmo! E lá se vão os homens, remando rumo à Tijucas. Na entrada da barra já se avista as casas e a Igreja de São Sebastião. Foram eles se aproximando e vendo a presença de pessoas que se dirigiam para a igreja. Pessoas bem arrumadas, carroças e charretes enfeitadas e cheiro de festa no ar. Pedro, os dois remadores e o dono da embarcação atracam a canoa no Porto e desceram. Eles sabiam que naquela data não havia comemoração alguma na igreja, e para um sábado comum só podia ser festa de casamento.

A curiosidade de Pedro instigou-lhe a perguntar uma senhora, qual era a festa que tinha na cidade. A senhora que também se dirigia à igreja, sorrindo, calmamente falou:

- É o casamento da Rosa, filha do seu Antônio, com Geraldo, o filho do fazendeiro.

Os remadores e o dono da embarcação baixaram a cabeça e só as levantaram quando os sinos da igreja anunciavam a entrada da noiva. Ficaram estáticos, nem os olhos se mexiam, esperando a reação de Pedro que teve seu olhar transformado em dor, solitário, aprisionado. Lágrimas lhes caiam do rosto, mas manteve a postura de um homem educado, nem uma palavra falou, apenas pasmo ficou.

Não acreditou no que aquela mulher havia falado, preferiu ele mesmo confirmar com seus próprios olhos.

Deixou todas as pessoas entrarem na igreja, e quando os noivos se aproximam do altar, ele chega de mansinho a porta da igreja. Olha as pessoas, a igreja, dirige seu olhar em direção aos noivos.

Peito rasgado, não conseguia imaginar Rosa nos braços de outro, para viver como manda os mandamentos de Deus. Casar para a vida toda, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Queria uma explicação plausível para o caso, queria saber se Rosa havia deixado de lhe amar. Saiu da porta da igreja da mesma maneira que ali chegou, e preferiu esperar o casamento terminar próximo a embarcação.Gostaria de poder olhar nos olhos de Rosa, mesmo que fosse pela última vez.

Quase uma hora depois, saia da igreja a noiva de braços dados com o noivo. Ela não o percebeu. Soube, muitos anos depois por uma amiga, que Pedro tinha ido lhe buscar, bem no dia de seu casamento.

Ele pode apreciar sua beleza, mesmo de longe, lá da barranca do rio, viu pela última vez sua amada, como desejou um dia vê-la, vestida de noiva.

Ordenou aos homens que dessem a volta na lancha e dando seu último olhar em direção a igreja, com os olhos marejados de lágrimas, disse: Lá se foi a Rosa que eu perdi.....

Fonte
http://recantodasletras.uol.com.br/

Miguel João Simão (1960)


Natural de Governador Celso Ramos (SC), Miguel João Simão, nasceu em 21/07/60.

Professor de Didática e Prática de Ensino do Curso de Magistério em São José (SC), é funcionário público desde 1980.

Casado com a Professora Lucineide de Azevedo Simão é pai de Diego de Azevedo Simão, Eduardo de Azevedo Simão e Iolanda de Azevedo Simão.

Exerceu a função de Diretor de Escola por duas vezes e foi Secretário de Educação em Governador Celso Ramos, cidade onde reside e onde Vereador e Presidente da Câmara de Vereadores.

Fundador e Presidente da Academia de Letras de Governador Celso Ramos desde 2004.

Membro da Academia de Letras de Biguaçu desde 2002.

Membro da Academia Virtual Brasileira de Letras desde 2007.

Membro da Academia de Letras de Tijucas desde 2008.

Presidente da Academia de Letras do Brasil para Santa Catarina por indicação de Mário Carabajal- Dr.PHD, 2008

Fundador e Presidente da Associação dos Escritores dos Municipios da Região da Grande- Florianópolis.

Escritor e Historiador, tem 3 livros publicados:
- Ganchos um Pedacinho de Portugal no Brasil- 1997.
- De Ganchos a Governador Celso Ramos - 2001
- Mulheres de Ganchos - 2006

Participou da seguintes coletâneas:
- Devaneios de Verão- 2002 e Aconchego-2003 pela Academia de Letras de Biguaçu.
- Encontros da Primavera pela Academia de Letras de Governador Celso Ramos onde foi Organizador- 2007.
- Tem publicações em Jornais da Região,sendo Colunista do Jornal JBFoco da Cidade de Biguaçu (SC).

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/

quinta-feira, 5 de março de 2009

Fagundes Varela (Teia de Poesias)



Amor e vinho

Cantemos o amor e o vinho,
As mulheres, o prazer;
A vida é sonho ligeiro
Gozemos até morrer
Tim, tim, tim
Gozemos até morrer

A ventura nessa vida
É sonho que pouco dura
Tudo fenece no mundo,
Na louça da sepultura
Tim, tim, tim
Na louça da sepultura

Não sou desses gênios duros,
Inimigos do prazer,
Que julgam que a humanidade
Só nasceu para morrer
Tim, tim, tim
Só nasceu para morrer
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Sombras

Não me detestes, não! Se tu padeces
Também minh'alma teu sofrer partilha
E sigo em prantos de suplício a trilha
Curvado ao peso da tremenda cruz

Para nós ambos apagou-se a luz,
Tudo é tristeza no deserto vário,
Inda está longe o cimo do Calvário
Não para ti, mas para mim, precito!

Tenho na face o desespero escrito
Todos me odeiam - quando toco é pó!
Neste mundo tu me amaste, e só,
E em troco desse amor tiveste o inferno!

Pálida rosa do alcaçar eterno!
Cândida pomba que a inocência nutre!
Melhor te fôra a sanha de um abutre
Que estas profanas mãos que te roçaram!

Aos céus os anjos teu chorar levaram,
Irmãos preparam-te, amorosos,
E eu ainda fico!... E tenho por castigo
Sentir-me vivo quando tudo expira!

Oh! Quando à noite o vendaval se atira
Qubrando as vagas turbulentas, frias,
E lasca o raio as broncas penedias
Onde a chuva despenha-se escumando

Penso que Deus se abranda e vem chegando
A última cena de meu torvo drama
Mas do fuzil que passa à rubra chama
Vejo ainda longe o pouso derradeiro

Andar e sempre andar! O globo inteiro
Pendido atravessar como Caim!
Não achar um repouso, um termo, um fim
A dor que rói, lacera e não descansa

E jamais antever uma esperança!
Uma réstia de luz na escuridão!
Uma voz que me fale de perdão
E parta o bronzeo selo da agonia!

Ah! é cruel! Mas talvez um dia
Compreendas tão funda expiação
E o pobre nome que detestas hoje
Murmures entre lágrimas então!
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Arquétipo

Ele era belo; na sua espaçosa fronte
O dedo do Senhor gravado havia
O sigilo do gênio; em seu caminho
O hino da manhã soava ainda,
E os pássaros da selva gorjeando
Saudavam-lhe a passagem neste mundo.

Sim, era uma criança, e no entanto
Friez de morte lhe coava n'alma!
O seu riso era triste como o inverno,
E dos olhos cansados, nem um raio
Nem um clarão, nem pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam!

Era-lhe a vida uma comédia insípida,
Estúpida e sem graça, - ele a passava
Com a fria indiferença do marujo
Que fuma o seu cachimbo reclinado
Na proa do navio olhando as vagas,
- Vivia por viver.... porque vivia.

Em nada acreditava; há muito tempo
Que a idéia de Deus soprara d'alma
Como das botas a poeira incômoda.
O Evangelho era um livro de anedotas,
Beethoven torturava-lhe os ouvidos,
A Poesia provocava o sono.

Muita donzela suspirou por ele,
Muita beleza lhe dormiu nos braços,
Mas frio como o gênio da descrença,
Após um'hora de gozar maldito,
Saciado as deixou, como o conviva
A mesa do festim, - farto e cansado. -

Era mais caprichoso, - mais bizarro
Do que um filho de Álbion, mais volúvel
Que um profundo político; uma tarde
Após haver jantado, recordou-se
Que ainda era solteiro; pelo Papa!
- É preciso tentar, disse consigo.

Quatro dias depois tinha cansado.
Escolhera uma noiva descuidoso,
Como um brinco chinês - um livro in-fólio,
Ao altar conduziu-a, distraído,
E as juras divinais do casamento
Repetiu, bocejando ao sacerdote.

Como tudo na vida, o matrimônio
Bem cedo o aborreceu; após três meses
Disse Adeus à mulher que pranteava,
E acendendo um cigarro, a passos lentos
Dirigiu-se ao teatro onde assistiu
Um drama de Feuillet, - quase dormindo. -

Por fim de contas, uma noite bela,
Depois de ter ceado entre dous padres,
Em casa de morena Cidalisa.
Pegou numa pistola e entre as fumaças
De saboroso - Havana - à eternidade
Foi ver si divertia-se um momento.
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Noturno

Minh'alma é como um deserto
Por onde romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!

Minh'alma é como a serpente
Que se torce ébria e demente
De vivas chamas no meio;
É como a doida que dança
Sem mesmo guardar lembrança
Do cancro que rói-lhe o seio!

Minh'alma é como o rochedo
Donde o abutre e o corvo tredo
Motejam dos vendavais;
Coberto de atros matizes,
Lavrado das cicatrizes
Do raio, nos temporais!

Nem uma luz de esperança,
Nem um sopro de bonança
Na fronte sinto passar!
Os invernos me despiram,
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão de voltar!

Tombam as selvas frondosas,
Cantam as aves mimosas
As nênias da viuvez;
Tudo, tudo, vai finando,
Mas eu pergunto chorando:
Quando será minha vez?

No véu etéreo os planetas,
No casulo as borboletas
Gozam da calma final;
Porém meus olhos cansados
São, a mirar, condenados
Dos seres o funeral!

Quero morrer! Este mundo
Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lodo e fel!
Minha esperança esvaiu-se,
Meu talento consumiu-se
Dos martírios ao tropel!

Quero morrer! Não é crime
O fardo que me comprime
Dos ombros lançá-lo ao chão;
Do pó desprender-me rindo
E, as asas brancas abrindo,
Perder-me pela amplidão!

Vem, oh! morte! A turba imunda
Em sua ilusão profunda
Te odeia, te calunia,
Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria!

Virgens, anjos e crianças,
Coroadas de esperanças,
Dobram a fronte a teus pés!
Os vivos vão repousando!
E tu me deixas chorando!
Quando virá minha vez?

Minh'alma é como um deserto
Por onde o romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!
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Voz do Poeta

Perdão, Senhor meu Deus! Busco-te embalde
Na natureza inteira! O dia, a noite,
O tempo, as estações mudos sucedem-se,
Mas eu sinto-te o sopro dentro dalma!
Da consciência ao fundo te contemplo!
E movo-me por ti, por ti respiro,
Ouço-te a voz que o cérebro me anima,
E em ti me alegro, e canto, e penso!

Da natureza inteira que aviventas
Todos os elos a teu ser se prendem,
Tudo parte de ti e a ti se volta;
Presente em toda a parte, e em parte alguma,
Íntima fibra, espírito infinito,
Moves potente a criação inteira!
Dás a vida e a morte, o olvido e a glória!
Se não posso adorar-te face a face,
Oh! basta-me sentir-te sempre, e sempre!

Eu creio em ti! eu sofro, e o sofrimento
Como ligeira nuvem se esvaece
Quando murmuro teu sagrado nome!
Eu creio em ti! e vejo além dos mundos,
Minha essência imortal brilhante e livre,
Longe dos erros, perto da verdade,
Branca dessa brancura imaculada
Que os gênios inspirados nesta vida
Em vão tentaram descobrir no mármore!
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Estâncias

O que eu adoro em ti não são teus olhos,
Teus lindos olhos cheios de mistério,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios,
Onde perpétua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os vales
Por entre as pompas festivais da aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
Perante o qual o marmor descorara,
E ao contemplar a esplêndida harmonia
Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo,
Mais belo que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asilo,
Aonde o gênio das paixões habita.

O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
E do indiscreto vôo duma abelha
Cheias de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma,
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
Que sabes murmurar aos que padecem,
Os carinhos ingênuos de teus olhos
Onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado,
Que faz-me estremecer quando tu falas,
E eleva-me o pensar além dos mundos
Quando, abaixando as pálpebras, te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
Entre nuvens de incenso em aras santas,
E das turbas solícitas no meio
Também contrito hei-te beijado as plantas.

E como és linda assim! Chamas divinas
Cercam-te as faces plácidas e belas,
Um longo manto pende-te dos ombros
Salpicado de nítidas estrelas!

Na doida pira de um amor terrestre
Pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
Tinhas nos olhos o perdão somente!
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O Foragido

(Canção)

Minha casa é deserta; na frente
Brotam plantas bravias no chão,
Nas paredes limosas - o cardo -
Ergue a fronte silente ao tufão.

Minha casa é deserta. O que é feito
Desses templos benditos d'outrora,
Quando em torno cresciam roseiras,
Onde as auras brincavam n'aurora?

Hoje a tribo das aves errantes
Dos telhados se acampa no vão,
A lagarta percorre as muralhas,
Canta o grilo pousado ao fogão.

Das janelas no canto, as aranhas
Leves tremem nos fios dourados,
As avencas pululam viçosas
Na umidade dos muros retados.

Tudo é tredo, meu Deus! o que é feito
Dessas eras de paz que lá vão,
Quando junto do fogo eu ouvia
As legendas sem fim do serão?

No curral esbanjado, entre espinhos,
Já não bala ansioso o cordeiro,
- Nem desperta-se ao toque do sino -
- Nem ao canto do galo ao poleiro. -

Junto à cruz que se eleva na estrada
Seco e triste se embala o chorão,
Não há mais o esfumar das acácias,
Nem do crente a - sentida oração.

Não há mais uma voz nestes ermos
Um gorjeio das aves no val,
Só a fúria do vento retroa
Alta noite agitando o ervaçal!

Ruge, oh vento gelado do norte,
Torce as plantas que brotam no chão,
Nunca mais eu terei venturas
Desses tempos de paz que lá vão!

Nunca mais desses dias passados
Uma luz surgirá dentre brumas!
As montanhas se embuçam nas trevas,
As torrrentes se vendam de espumas!

Corre pois vendaval das tormentas,
Hoje é tua esta morna solidão!
Nada tenho, que um céu lutulento
E uma cama de espinhos no chão!

Ruge, voa, que importa! sacode
Em lufadas as crinas da serra,
Alma nua de crença e esperanças
Nada tenho a perder sobre a terra!

Vem, meu pobre e fiel companheiro,
Vamos, vamos depressa, meu cão,
Quero ao longo perder-me das selvas
Onde passa rugindo o tufão!
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Tristeza

Eu amo a noite quando deixa os montes
Bela, mas bela de um horror sublime
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime

Amo os lampejos, verde-azul, funéreos
Que às horas mortas erguem-se da terra,
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra

Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fonte
Amo a neblina, que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte

Amo nas plantas, que na tumba crescem
De errante brisa o funeral cicio;
porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia
Porque meu seio como a sombra é triste
Porque minh'alma é de ilusões vazia

Amo o furor do vendaval que ruge
Das asas densas sacudindo estrago
Silvos de bala, turbilhões de fumo
Tribos de corvos em sangrento lago

Amo ao silêncio do ervaçal partido
Da ave noturna o funerário pio
Porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio

Amo a tormenta, o prepassar dos ventos
A voz da morte no fatal parcel;
Porque minh'alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel

Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre n'amplidão perdido

Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito selo,
Porque minh'alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo

Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minh'alma descorou de dores

Como a criança, do viver nas veigas
Gastei meus dias namorando as flores
Finos espinhos os meus pés rasgaram
Pisei-os ébrio de ilusões e amores

Tenho um deserto de amargura n'alma
Mas nunca a fronte curvarei por terra
Tremo de dores ao tocar nas chagas
Nas vivas chagas que meu peito encerra

A paz, o amor, a quietação, o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh'alma se despiu de crenças
E do sarcasmo se embuçou no manto
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A Sonâmbula

Virgem de loiros cabelos
- Belos, -
Como cadeia de amôres,
Onda vás tão triste agora
- Hora -
De tão sinistros horrores?

Sob nuvem lutulenta,
- Lenta, -
Se esconde a pálida lua;
Nas sombras os gênios combatem;
- Batem -
Os ventos a rocha nua.

Noite medonha e funesta
- Esta -
Fundos mistérios encerra!
Não corras, olha, repara,
- Pára, -
Escuta as vozes da serra!...

Dos furacões nas lufadas,
- Fadas -
Traidoras passam nos ares!
Cruentos monstros e espiam!
- Piam -
As corujas nos palmares!

Bela doida, se soubesses
- Êsses -
Êsses gritos o que dizem,
Ah ! por certo que ouviras,
- Viras -
Que tredas coisas predizem!

Mas, infeliz, continuas!
- Nuas -
As tuas espáduas são!
E sob teus pés mofinos,
- Finos, -
Prendem-se às urzes do chão!

O orvalho teu rosto molha;
- Olha -
Como branca e fria estás!
Virgem de loiros cabelos,
- Belos -
Por Deus! conta-me onde vás!

Nestes ervaçais sem têrmos,
- Ermos -
Ninguém pode te acudir...
Toma sentido, sossega,
- Cega! -
Vê, são horas de dormir!

Teus olhos giram incertos;
- Certos -
Contudo teus passos vão!
Teu ser que a ilusão persegue
- Segue -
O impulso de oculta mão!

Ai! dormes! Talvez risonho
- Sonho -
Te chame a bailes brilhantes!
Talvez vozes que te encantam
- Cantam -
A teus ouvidos amantes!

Talvez eus ligeiros passos
- Paços -
Pisem d'oiro construidos!
Talvez quanto há de perfume
- Fume -
Pra agradar teus sentidos!

Mas ah ! Na cabana agora,
- Ora -
Tua pobre mãe por ti;
E teu pai além divaga,
- Vaga -
Sem saber que andas aqui!

Virgem de loiros cabelos
- Belos, -
Como cadeia de amôres,
Onda vás tão triste agora
- Hora -
De tão sinistros horrores?
================================

Eu Amo a Noite

Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.

Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.

Amo os penedos escarpados onde
Desprende o abutre o prolongado pio,
E a voz medonha do caimã disforme
Por entre os juncos de lodoso rio.

Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh'alma é de ilusões vazia.

Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.

Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.

Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.

Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh'alma é de esperanças nua.

Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!...

Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó...
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?

Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.

Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.

Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!...
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
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Fagundes Varela (1841 - 1875)


Fagundes Varela (Luís Nicolau F.V.), poeta, nasceu em Rio Claro, RJ, em 18 de agosto de 1841, e faleceu em Niterói, RJ, em 17 de fevereiro de 1875. É o patrono da Cadeira nº 11, por escolha do fundador Lúcio de Mendonça.

Era filho do Dr. Emiliano Fagundes Varela e de Emília de Andrade, ambos de famílias fluminenses bem situadas. Passou a infância na fazenda natal e na vila de S. João Marcos, de que o pai era juiz. Depois, residiu em vários locais. Primeiro em Catalão (Goiás), para onde o magistrado fora transferido em 1851 e onde Fagundes Varela teria conhecido o juiz municipal Bernardo Guimarães. De volta à terra natal, residiu em Angra dos Reis e Petrópolis, onde fez os estudos do primário e secundário. Em 1859, foi terminar os preparatórios em São Paulo. Só em 1862 matricula-se na Faculdade de Direito, que nunca terminou, preferindo a literatura e dissipando-se na boêmia. Em 1861, publicara o primeiro livro de poesias, Noturnas.

O ano era de 1841, em 17 de agosto nasce Luiz Nicolau Fagundes Varela, na cidade de Rio Claro, Rio de Janeiro. Família de boa posição era essa que recebia o futuro poeta romântico, Dona Emília de Andrade e Senhor Emiliano Fagundes Varela, este, juiz da Vila de São Marcos, onde Fagundes Varela passou a maior parte da infância.

Fagundes Varela viveu em várias cidades do Rio de Janeiro, consta que passou por Angra dos Reis e Niterói. Mas foi só em 1859 que veio para São Paulo, quando iniciou a Faculdade de Direito.

Iniciou, mas não concluiu. Como era de se esperar, mais inclinado estava para a produção literária, era criador de versos por excelência, e também muito propenso - a verdade aqui deve ser dita - à vida boêmia dos artistas da época. Na Faculdade de Direito, reunia-se a outros estudantes - de mesmo pendor - em cemitérios, como o da Consolação, para noitadas literárias e etílicas. A vida do jovem poeta havia se tornado outra, muito mais agitada e emocionante do que a antiga, que levava no interior do Rio de Janeiro.

Em meio a um desatino e outro, Fagundes Varela conheceu famosa e elegante prostituta, a Ritinha Sorocabana. Viveu com ela grandes e enlouquecidas histórias, que o levaram para ainda mais distante da faculdade (e mais perto do alcoolismo, da falta de dinheiro e da literatura).

O poeta era mesmo muito bonito e encantador, com cabelos longos e olhar voltado à vida mundana, entregara-se às experiências que o tornara, aos olhos da população puritana da época, um grande irresponsável. Em contrapartida, aos olhos dos colegas de faculdade e dos artistas em geral, um sonhador, naturalmente romântico e indiscutível poeta exemplar daqueles tempos.
Sorocaba de fato estava marcada para fazer história em Fagundes Varela, e não ficou apenas por conta do apelido da meretriz.

A cidade representava para a época espaço de curiosidades. Por volta de 1860, havia em Sorocaba a feira de muares. Não é novidade que a feira era bastante conhecida. Por aqui passavam todos os que queriam seguir para o interior e também os que desceriam, em sentido contrário, para São Paulo e para o Sul.

A feira de muares de Sorocaba contava com diversas espécies de animais à venda, comércio de jóias e artesanatos, redes e arreamentos, comidas típicas, como cuscuz de guaru, bolinhos de peixe do rio Sorocaba e doces caseiros. A cidade, durante os meses da feira, transformava-se num grande mercado de variedades e atrações.

Sorocaba tinha também forte influência circense. Era este lugar, para os visitantes, prato cheio de diversões. Sim, pois, como a freqüência de pessoas era intensa, também as distrações deveriam satisfazer aos visitantes.

Um dos circos mais conhecidos da época era o da família Luande, “Circo Eqüestre e Ginástico Cia Luande ”, do artista circense Alexandre Luande. Foi este circo que chegou em São Paulo no ano de 1861, onde a amazona Alice Guilhermina Luande, filha do dono do circo, encantou por completo o coração do poeta Varela com seus números eqüestres apresentado no Teatro São José.

Juntaram-se então as duas histórias, a feira ao circo.

No ano seguinte, Fagundes Varela veio a Sorocaba em época da feira de muares, para encontrar Guilhermina, ela então ainda menor de idade, ele não menos jovem, aos vinte e um anos.

A feira, que reservava um clima agradável e pitoresco, envolveu ainda mais os enamorados. Isto fez com que Fagundes Varela voltasse a São Paulo decidido a casar-se com Guilhermina.

Foi então que começaram os inúmeros problemas com a família do poeta. Já insatisfeito com o rendimento do filho nos estudos, Emiliano Varela foi insistentemente contrário ao casamento do rapaz, o sonhado futuro e bem sucedido advogado da família, com uma artista de espetáculos eqüestre num circo em Sorocaba. Parecia inacreditável demais para o juiz aceitar ver o filho nessas condições. Não sabia ele que o filho era poeta romântico. Se fora capaz de mil e uma loucuras por bebidas, prostitutas e poesias, seria capaz de pelo menos o dobro (senão mais) por um grande amor.

Para conseguir que seu pai autorizasse o casamento, Varela cavalgou de Sorocaba a São Paulo e de lá seguiu até o Rio de Janeiro (desta vez de vapor) para tentar uma conversa séria e sincera com o pai a respeito de suas intenções com Alice Guilhermina. Sobre isto conta o biógrafo Edgard Cavalheiro, segundo Sérgio Coelho de Oliveira , que Fagundes Varela pensou, balbuciou, mas não tomou coragem e nada disse ao pai. A coragem mesmo ficou só por conta do ímpeto de seguir viagem ao Rio de Janeiro, deixando em seu quarto alugado em São Paulo o cavalo que comprara em Sorocaba (é mais do que lógico: o cavalo foi encontrado morto, dias depois pelo dono da pensão, enquanto o poeta tentava algum discurso para convencer o pai do casamento).

De volta a São Paulo, ainda infeliz por nada ter conseguido, recebeu autorização do pai para o casamento. Devia de estar o juiz um pouco mais conformado com o fato de ter um filho poeta e romântico.

O casamento aconteceu no dia 28 de maio de 1862 numa residência, às 18h. O registro consta no Livro de Casamentos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba, arquivado na Cúria Diocesana e disponível no Museu Histórico Sorocabano, no parque zoológico “Quinzinho de Barros”.

Fagundes Varela e Alice Guilhermina Luande viveram em Sorocaba por alguns anos. O poeta estava mesmo abandonando o futuro no Direito para acompanhar o circo em suas apresentações. Escrevia com freqüência ao Correio Paulistano e contava e declamava suas poesias aos quatro ventos do interior paulista.

Embora apaixonado pela artista amazona, Varela era um boêmio incontrolável. Estava novamente ele envolvido com a vida universitária, com a bebida e com os versos sempre aplaudidos pelos que tomavam contato com ele.

A situação poderia melhorar com a chegada do filho, trazer-lhe mais responsabilidade, talvez. Mas o fato é que piorou.

Nasceu em 4 de setembro de 1863, Emiliano, nome do avô, pai de Varela, e veio a falecer em 11 de dezembro do mesmo ano, com pouco mais de três meses de vida. Foi então que a vida do poeta decaiu o quanto pôde. Escreveu em homenagem ao filho morto o seu poema unanimemente tido como o mais belo e triste de sua obra poética “Cântico do Calvário”.

Sempre maltrapilho, infeliz, sem esperanças, entregou-se por completo à bebida. Nessa época, segundo artigo de Sérgio Coelho de Oliveira , o poeta Fagundes Varela estreitou relações amigáveis com tropeiros, que lhes cediam lugar para dormir e dividiam com ele a comida. É possível inclusive ler em alguns de seus versos essa experiência ao pé da fogueira e ao som da viola tropeira. Eram nesses momentos que a amargura tomava conta do poeta e o levava ainda mais distante da vida antes sonhada pelo juiz, seu pai, e tão mais longe ainda da que ele próprio sonhara no dia de seu casamento.

Numa nova tentativa de organizar sua vida, Fagundes Varela voltou a São Paulo para concluir o curso de Direito e dar novo rumo a sua vida. Isto, porém, levou-o novamente ao encontro das alucinadas e infelizes festas universitárias.

Há, inclusive, uma história muito comentada – e um tanto absurda – na qual nosso poeta teve participação efetiva.

Costumavam, os estudantes da São Francisco, organizar saraus em cemitérios. Este sarau, porém, teve final mais trágico do que o comum. Houve, certa vez, que uma idéia abrilhantou as cabeças alucinadas dos românticos: a coroação de uma musa para a cerimônia no cemitério da Consolação.

A então denominada Rainha dos Mortos, foi escolhida pelos estudantes: uma garota com deficiência mental chamada Eufrásia. Trataram os estudantes de arrumar um caixão, colocaram-na dentro e seguiram caminho ao cemitério, recitando poemas de Byron e bebendo o quanto fosse possível.

O absurdo só foi tomado a sério quando um dos estudantes percebeu que estava a garota Eufrásia morta de fato, não apenas desmaiada de susto como esperavam.

A polícia esteve à procura dos envolvidos com a morte da garota, mas pouco tempo depois o caso fora abafado por completo. Tratava-se, pois, de um grupo de jovens estudantes filhos de pessoas renomadas no Brasil, era esse o caso de Varela, filho de juiz de direito.

O que aconteceu ao poeta foi ter de seguir viagem, quase como que numa fuga, e tentar terminar seus estudos no Recife.

Mas para quem pensa que a vida de um artista romântico tem limite de desgraça, assustar-se-á neste momento da história. Em 1865 , enquanto estava no Recife para finalmente concluir seus estudos, morre Alice Guilhermina Luande, em Rio Claro, cidade natal de Varela. Ela havia sido levada por ele até sua família antes de sua partida para o Recife.

O que restava ao poeta era a poesia, esta que sempre esteve em primeiro lugar em sua vida.

Ele voltou a São Paulo, matriculando-se em 1867 no 4º ano do curso de Direito. Abandonou de vez o curso e recolheu-se à casa paterna, na fazenda onde nascera, em Rio Claro, onde permanece até 1870, poetando e vagando pelos campos. Deixou-se sempre ficar na vida indefinível de boêmio, sem rumo, sem destino determinado. Casou-se pela segunda vez com a prima Maria Belisária de Brito Lambert, com quem teve duas filhas e um filho, este também falecido prematuramente. Em 1870, mudou-se com o pai para Niterói, onde viveu até o fim da vida, com largas estadas nas fazendas dos parentes e certa freqüência nas rodas da boêmia intelectual do Rio.

Vivendo na última fase do Romantismo, a sua poesia revela um hábil poeta do verso. Em "Arquétipo", um dos primeiros poemas, faz profissão de fé de tédio romântico, em versos brancos. Embora o preponderante em sua poesia seja a angústia e o sofrimento, evidenciam-se outros aspectos importantes: o patriótico, em O estandarte auriverde (1863) e Vozes da América (1864); o amoroso, na fase lírica, dos poemas ligados à natureza, e, por fim, o místico e religioso. O poeta não deixa de lado, também, os problemas sociais, como o abolicionismo.

Sempre inquieto e torturado, conseguia refúgio somente junto à Natureza, sua velha conhecida. Por esta razão, sua poesia - com fortes características românticas - expõe, em contraste, a contemplação da vida no campo e a vida na cidade, com seus vícios e, conseqüentemente, o aumento do sofrimento. Revela ainda uma fase de forte espírito religioso. Sua obra inclui: "Cantos Meridionais" (1869), "Cantos do Ermo e da Cidade" (1869), "Anchieta ou Evangelho na Selva" (1875), "Cantos Religiosos" (1878) e "Diário do Lázaro" (1880).

Importa dizer que, além de patrono da cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras, além de legar sua obra poética, deixou seu nome inscrito numa rua em Sorocaba, logo atrás da atual rodoviária. A rua Fagundes Varela, ali, aonde hoje, mais de 140 anos depois, tantos outros viajantes ainda chegam para encantarem-se com a cidade, para encantarem-se com suas histórias e amores. Ali, na mesma rodoviária, aonde tantos outros sorocabanos também vão, a passeio, a estudo ou a ganhar outras ruas mais distantes, carregando a terra rasgada em histórias das mais diversas (felizes ou infelizes), mas histórias de Sorocaba.

OBRAS: Noturnas (1861); Vozes da América (1864); Cantos e fantasias (1865); Cantos meridionais e os Cantos do ermo e da cidade (1869). Deixou inédito o Anchieta ou Evangelho na selva (1875), O diário de Lázaro (1880) e outras poesias. Otaviano Hudson, amigo fiel, reuniu os Cantos religiosos (1878), com o fim de auxiliar a viúva e filhos do poeta. As Poesias completas, org. de Frederico José da Silva Ramos, saíram em 1956.

Fontes:
http://www.casadobruxo.com.br/poesia/f/fagundesbio.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u599.jhtm
http://www.sorocaba.com.br/enciclopediasorocabana/

James Joyce (Dublinenses)



Primeiro livro de ficção do escritor irlandês, reúne 15 contos escritos quanto ele tinha 23 anos. O próprio Joyce dividiu as histórias em quatro temas: infância, adolescência, vida madura e vida pública. Os contos acabam formando uma espécie de história moral da Irlanda, como definiu o escritor. O estilo dos textos é naturalista, com clara influência de Flaubert, de Tchecov e de Maupassant.

Síntese

Estes quinze contos que compõem Dublinenses são sem dúvida a melhor porta de entrada para o conhecimento da obra do mais radical inovador da literatura do século 20.

Em narrativas curtas, o jovem irlandês James Joyce (1882-1941) presta aqui o seu tributo à grande tradição realista do século 19, sobretudo a Flaubert e Tchecov. Mas, como não poderia deixar de ser, o realismo de seus precursores é sutilmente subvertido nos pequenos retratos "fora de foco" de sua Dublin natal.

A trama dos contos pode ser vista como uma série de variações sobre temas irlandeses: o catolicismo rígido, a severa educação escolar, as relações familiares pautadas pela autoridade e a violência, o alcoolismo, a vida cinzenta da classe média, o nacionalismo diante da poderosa Inglaterra.

Vistas em conjunto, essas ficções dão forma ao que o próprio escritor definiu como "uma história moral da Irlanda".

História pública, mas vista predominantemente a partir de um ângulo privado: o escritório, a casa, o Irish pub. Sem chegar ao monólogo interior que marcaria as obras da maturidade, Joyce devassa os movimentos íntimos de suas personagens, confundindo o dentro e o fora, a impressão subjetiva e as miudezas cotidianas. Enfim: todos os elementos que seriam expandidos até a explosão em suas obras maiores, Ulisses e Finnegans Wake.

Em 1987, o cineasta norte-americano John Huston fez o último filme de sua carreira baseado no conto mais extenso e mais famoso de Dublinenses: "Os Mortos", incluído em incontáveis antologias dos maiores contos em língua inglesa de todos os tempos.

Trechos do livro Dublinenses
As irmãs

Desta vez não havia esperança para ele: fora o terceiro ataque. Noite após noite, ao passar diante da casa (era tempo de férias), observava o retângulo iluminado da janela e, todas as noites, encontrava-o com a mesma luz pálida e uniforme. Se estivesse morto, pensava, eu veria o reflexo das velas nas cortinas escuras, pois sabia que duas velas devem ser colocadas à cabeceira de um defunto. Dissera-me várias vezes "não ficarei muito tempo neste mundo" e eu julgara vãs suas palavras. Sabia agora que eram verdadeiras. Toda noite, ao olhar a janela, murmurava comigo a palavra paralisia. Ela sempre soara estranha aos meus ouvidos, como a palavra gnômon em Euclides e simonia no catecismo. Agora, porém, soava como o nome de um ente maléfico e pecaminoso. Enchia-me de terror, mas ainda assim ansiava contemplar de perto seu trabalho implacável.

Quando desci para o jantar, o velho Cotter estava sentado junto à lareira, fumando. Enquanto minha tia preparava-me um prato de aveia, ele disse, como retomando uma observação anterior:

- Não, não afirmaria que era exatamente... mas havia nele algo de excêntrico... de misterioso. Em minha opinião...

Começou a tirar baforadas do cachimbo, por certo ganhando tempo para forjar a tal opinião. Velho enfadonho, tolo! No princípio, quando o conhecemos, costumava ser interessante com suas conversas sobre vermes e desmaios, mas logo cansara-me dele e de suas intermináveis histórias a respeito da destilaria.

- Tenho minha teoria sobre isso - prosseguiu. - Penso que se trata de um desses... casos peculiares... Mas é difícil afirmar...

Voltou a aspirar o cachimbo, sem nos expor a teoria. Vendo-me de olhar atento, meu tio dirigiu-se a mim:

- Bem, seu amigo morreu. É uma notícia triste para você.

- Quem?

- O padre Flynn.

- Está morto?

- O senhor Cotter acaba de nos contar. Passou há pouco diante da casa...

Sabia que me observavam e continuei a comer como se o fato não tivesse interesse para mim. Meu tio explicou ao velho Cotter:

- O garoto e ele eram grandes amigos. O velhote ensinou-lhe muitas coisas, compreende? Dizem que o queria muito bem.

- Deus tenha misericórdia de sua alma - murmurou, em tom piedoso, minha tia.

O velho Cotter fitou-me um instante. Senti seus olhos pequenos e negros, redondos como duas contas, examinarem-me. Mas não lhe daria o prazer de desviar meus olhos do prato. Ele retornou ao cachimbo e, passado algum tempo, cuspiu grosseiramente na lareira.

- Não gostaria que um filho meu - recomeçou - tivesse muito a falar com um homem desse tipo. - Que pretende dizer com isso, senhor Cotter? - perguntou minha tia.

- Que não é nada bom para uma criança. Minha opinião é a seguinte: rapazes devem andar e se divertir com rapazes da mesma idade e não... Estou certo, Jack?

- Também penso assim - concordou meu tio. - Ele que aprenda a se defender. Estou sempre dizendo a esse rosa-cruz aí: faça exercícios. Quando eu era rapazote, tomava toda manhã, fosse inverno ou verão, uma ducha fria. É o que me conserva firme até hoje. Cultura é coisa muito boa, mas... Voltou-se para minha tia:

- ... creio que o senhor Cotter apreciaria uma fatiazinha desse carneiro.

- Não, não. Para mim não - recusou o velho Cotter.

Minha tia trouxe a travessa do guarda-comida e colocou-a na mesa:

- Mas por que não é bom para as crianças, senhor Cotter? - insistiu ela.

- Porque são muito impressionáveis. Quando vêem coisas como essas, a senhora sabe, isso tem um efeito...

Enchi a boca de aveia, temendo que minha raiva me traísse. Velho narigudo, enfadonho, imbecil!

Era bem tarde quando adormeci. Embora irritado com o velho Cotter, que me tratara como criança, esforçava-me em compreender o sentido de suas frases inacabadas. Na escuridão do quarto, imaginei estar vendo o rosto severo e grisalho do paralítico. Puxei as cobertas sobre a cabeça e procurei pensar no Natal, mas o rosto continuou a perseguir-me. O espectro movia os lábios e compreendi que desejava confessar-me alguma coisa. Senti a alma retroceder para uma região agradável e corrupta e, também lá, encontrei-o esperando por mim. Começou a confessar-se numa voz murmurada e eu me indagava por que razão ele não parava de sorrir e por que seus lábios estavam tão úmidos de saliva. Recordei-me então que morrera de paralisia e percebi que eu também sorria delicadamente, como para absolvê-lo da simonia do seu pecado.

Na manhã seguinte, após o café, desci para observar a pequena casa da rua Great Britain. Era uma loja modesta, designada pelo vago nome de Armarinhos. Seus artigos consistiam, principalmente, em guarda-chuvas e botas para crianças. Em dias normais, havia uma tabuleta pendurada na vitrina: Recobrem-se guarda-chuvas. Não se via a tabuleta agora, pois as cortinas estavam fechadas. Uma coroa de crepe estava presa à maçaneta por uma fita. Duas mulheres pobres e um garoto entregador de telegramas liam o cartão espetado na coroa:

1.° de julho de 1895

Reverendo James Flynn (outrora da Igreja de Santa Catarina, rua Meath), com a idade de sessenta e cinco anos.

R. I. P.

O cartão convenceu-me de que estava morto e a comprovação perturbou-me. Se estivesse vivo, eu entraria no quarto pequeno e escuro nos fundos da loja, onde o encontraria na poltrona junto à lareira, sumido quase dentro do seu casaco. Titia talvez lhe tivesse mandado um pacotinho de High Toast e esse presente arrancá-lo-ia do entorpecimento. Era sempre eu quem esvaziava o pacote na caixinha, pois suas mãos, trêmulas demais, não permitiriam que ele próprio o fizesse sem derramar metade no chão. Mesmo quando levava o rapé ao nariz, com a mão larga e incerta, minúsculas nuvens de fumo escapavam-lhe por entre os dedos sobre o casaco. Essa constante chuva de tabaco era talvez responsável pela cor verde e surrada de seus paramentos eclesiásticos, pois o lenço vermelho, quase sempre sujo de uma semana, com que tentava remover as migalhas de fumo, mostrava-se de todo ineficaz.

Quis entrar para vê-lo, mas faltou-me coragem de bater à porta. Afastei-me devagar e, enquanto caminhava pela parte ensolarada da rua, ia lendo os anúncios de teatro nas vitrinas das lojas.

Surpreendia-me que nem eu, nem o dia, aparentasse tristeza e fiquei realmente aborrecido ao descobrir em mim uma sensação de alívio, como se sua morte me houvesse de alguma forma libertado. Espantava-me porque, como dissera meu tio na noite anterior, o velho padre instruíra-me muito. Havia cursado o colégio irlandês de Roma e ensinara-me a pronunciar corretamente o latim. Contara-me histórias acerca das catacumbas e de Napoleão Bonaparte; explicara-me o significado das diversas cerimônias da missa e das diferentes vestes usadas pelo sacerdote. Às vezes, divertia-se fazendo-me perguntas difíceis. Perguntava-me o que uma pessoa deveria fazer em determinada circunstância, se este ou aquele pecado era venial, mortal ou apenas imperfeição.

Suas inquirições mostravam-me como eram complexas e misteriosas certas normas da Igreja, que eu sempre tivera como atos muito simples. Os deveres do sacerdote para com a Eucaristia e o sigilo do confessionário pareceram-me tão graves que me admirava ter alguém suficiente coragem para assumi-los. E não me surpreendi ao ouvi-lo dizer que, elucidando aquelas complicadas questões, os padres haviam escrito livros tão grossos como o Anuário do Correio e em letra tão miúda como a das notas jurídicas dos jornais. Eu geralmente não sabia responder ou o fazia de forma tímida e hesitante, diante do que ele balançava a cabeça e sorria. Mandava-me às vezes dizer as réplicas da missa, que me fizera decorar. Enquanto eu tagarelava, ele sorria pensativamente, movendo a cabeça e aspirando, de tempo em tempo, grandes pitadas de rapé numa e noutra narina, alternadamente. Ao sorrir, mostrava grandes dentes enegrecidos e sua língua pendia sobre o lábio inferior - hábito que me causara má impressão no início de nossa amizade, quando ainda não o conhecia bem.

Caminhando pelo sol, recordei-me das palavras do velho Cotter e tentei lembrar a seqüência do sonho. Recordei-me de ter visto longas cortinas de veludo e uma lâmpada antiga oscilando suspensa. Tinha a sensação de haver estado muito longe - na Pérsia, pensei -, mas não pude reconstituir o final do sonho.

À tardinha, titia levou-me com ela para a visita de pêsames. Era quase noite, mas as janelas das casas voltadas para o ocaso refletiam o ouro fulvo de um aglomerado de nuvens. Nannie recebeu-nos no vestíbulo e como se fosse indelicado dirigir-lhe a palavra, titia limitou-se a apertar-lhe a mão. A idosa mulher apontou para cima interrogativamente e, ao assentimento de minha tia, adiantou-se a nós e subiu com esforço a escada estreita, arqueando a cabeça quase ao nível do corrimão. Parou no primeiro patamar e indicou-nos a porta aberta da câmara mortuária. Minha tia entrou. Vendo que eu hesitava, a mulher encorajou-me com repetidos acenos.

Entrei na ponta dos pés. Através das cortinas uma luz fosca e dourada invadia o quarto, empalidecendo a chama das velas. Ele estava no caixão. Nannie fez um sinal e nós três nos ajoelhamos ao pé da cama. Fingi estar rezando, mas não conseguia ordenar meus pensamentos, pois os murmúrios da velha distraíam-me. Reparava na forma grosseira com que sua saia estava presa às costas por um alfinete e nos saltos de suas botas de pano, gastos de um lado só. Ocorreu-me então a idéia de que o velho sorria deitado no caixão.

Mas não. Quando nos levantamos e fomos à cabeceira do leito, vi que não estava sorrindo. Jazia ali, imenso, solene, vestido como para a missa, as mãos segurando molemente um cálice. Na verdade seu rosto, circundado por escassa penugem branca, era truculento, escuro e maciço, com narinas negras e cavernosas. Um odor pesado no quarto: as flores.

Persignamo-nos e saímos. Na saleta, embaixo, encontramos Eliza dignamente sentada na poltrona que pertencera ao morto. Com timidez, dirigi-me à cadeira de costume, no canto, enquanto Nannie apanhava uma garrafa de xerez e alguns cálices no guarda-louças. Colocou-os na mesa e convidou-nos a tomar um pouco de vinho. A um sinal da irmã, serviu o xerez e passou-nos os cálices.

Insistiu para que eu aceitasse alguns biscoitos, mas recusei achando que iria fazer muito barulho mastigando-os. Pareceu um tanto desapontada com minha recusa e, em silêncio, foi sentar-se no sofá, atrás da irmã. Ninguém falava: olhávamos todos para a lareira apagada. Minha tia esperou que Eliza suspirasse e disse:

- Bem, foi para um mundo melhor.

Eliza tornou a suspirar e balançou a cabeça, concordando. Titia bateu com o dedo na haste do cálice, antes de provar um minúsculo gole.

- ... foi... tranqüila? - perguntou ela.

- Oh, muito tranqüila, madame - respondeu Eliza. - Nem se percebeu quando a respiração cessou. Teve uma bela morte, louvado seja Deus!

- E tudo?...

- Padre O'Rourke esteve com ele na terça-feira. Deu-lhe a extrema-unção e preparou-o.

- Então ele sabia?

- Estava totalmente conformado.

- Seu rosto mostra isso - comentou minha tia.

- Foi o que disse a mulher que veio lavá-lo: "Parece estar dormindo, tão resignada e serena é sua expressão." Ninguém podia imaginar que daria um defunto tão bonito.

- É verdade - concordou titia.

Bebeu outro pequeno gole e prosseguiu:

- Bem, senhorita Flynn, de qualquer maneira deve ser um grande consolo para vocês saber que fizeram tudo o que podiam. Foram muito devotadas a ele.

Eliza pôs as mãos nos joelhos, alisando o vestido:

- Ah! Pobre James! - exclamou. - Deus sabe que apesar de nossa pobreza fizemos o que estava ao nosso alcance. Não lhe deixaríamos faltar nada enquanto vivesse.

Nannie reclinara-se na almofada do sofá e parecia prestes a adormecer.

- Veja a pobre Nannie - disse Eliza, fitando-a. - Está esgotada. O trabalho que tivemos, procurando a mulher para lavá-lo, vestindo-o, colocando-o no caixão, cuidando dos preparativos para a missa na capela. Sem o padre O'Rourke, não sei o que seria de nós. Foi ele quem trouxe todas essas flores e os dois castiçais da capela. Escreveu também a nota para o Freeman's General, cuidou de todos os papéis para o enterro e do seguro do pobre James.

- Muita bondade dele, não acha? - disse titia.

Eliza fechou os olhos e balançou a cabeça, lentamente:

- Nas horas difíceis o que vale são os velhos amigos. Amigos em que se pode confiar.

- É bem verdade - aprovou minha tia. - Estou certa de que agora, na vida eterna para onde foi, ele não se esquecerá de vocês e de toda sua dedicação.

- Ah! Pobre James! - lamentou Eliza novamente. - Não nos dava muito trabalho. Não se notava sua presença na casa mais do que agora. No entanto, sei que morreu e...

- Quando tudo terminar é que sentirão sua falta - observou titia.

- Sei disso. Nunca mais lhe trarei a sopa de carne, nem a senhora, madame, o presenteará com o rapé. Oh, pobre James!

Ficou um instante em silêncio, a comungar com o passado, e acrescentou com expressão sagaz: - Sabe, notei que algo estranho lhe ocorria ultimamente. Sempre que lhe trazia a sopa, encontrava-o inerte na poltrona, a boca aberta, o breviário caído no chão.

Pôs um dedo sobre o nariz e franziu a testa:

- Mesmo assim, continuava a dizer que qualquer dia, antes do verão terminar, iria visitar nossa velha casa em Iristown e nos levaria com ele. Se pudesse alugar no Johnny Rush aqui perto, ao menos por um dia - afirmava ele - uma dessas carruagens modernas e silenciosas, com rodas macias para pessoas reumáticas, de que lhe falara padre O'Rourke, então sairíamos os três numa tarde de domingo... Era uma idéia fixa... Pobre James!

- Deus tenha misericórdia de sua alma! - rogou minha tia.

Eliza tirou o lenço e enxugou os olhos. Tornou a guardá-lo no bolso e fitou por um momento a lareira apagada, sem nada dizer.

- Foi sempre tão escrupuloso - recomeçou. - Os deveres do sacerdócio foram pesados demais para ele e sua vida foi, pode-se dizer, frustrada.

- Sim - disse minha tia. - Era um homem desiludido. Percebia-se isso.

Aproveitando o silêncio que se apossou da sala, fui até a mesa, provei meu vinho e retornei silenciosamente à minha cadeira. Eliza parecia ter mergulhado em profundo devaneio.

Respeitosamente, esperamos que ela rompesse o silêncio. Após longa pausa, ela disse lentamente:

- Aquele cálice que ele quebrou... Foi o começo de tudo. Disseram, é claro, que não tinha importância, o cálice estava vazio, creio eu. Mesmo assim... Disseram-lhe também que a culpa fora do coroinha, mas o pobre James era tão nervoso! Que Deus tenha piedade dele!

- Então foi isso? - perguntou minha tia. - Ouvi dizer que...

Eliza balançou a cabeça:

- Isso perturbou-lhe a mente. Depois do acidente, ficou desorientado. Divagava, não falava com ninguém. Certa noite, procuraram-no para atender a um chamado e não o encontraram em lugar nenhum. O sacristão sugeriu que tentassem a capela. Ele, padre O'Rourke e mais outro sacerdote que lá estava apanharam as chaves e levaram uma lanterna para procurá-lo. Imagine que ele estava sentado no confessionário, sozinho, olhos arregalados e rindo consigo mesmo.

Calou-se bruscamente como para ouvir alguma coisa. Também prestei atenção, mas não havia na casa o mínimo rumor e eu sabia que o velho sacerdote continuava no caixão, tal como o havíamos visto, solene e truculento na morte, um cálice inútil sobre o peito.

Eliza recomeçou:

- Os olhos arregalados e rindo sozinho... Naturalmente, ao verem isso, pensaram logo que alguma coisa não andava bem com ele...

Fontes:
http://vestibular.uol.com.br/ultnot/livrosresumos/
Imagem = http://wwwrenatacordeiro.blogspot.com