sábado, 22 de outubro de 2022

Manoel Monteiro (Canteiro de Trovas)


Adoro a Virgem Maria;
Maria ensinou-me a ler;
outra roubou-me a alegria
e tu me fazes morrer.
= = = = = = = = = = = = =

Ao vê-la, em vistoso templo,
fazendo o pelo-sinal,
fui imitar-lhe o exemplo,
ficou me querendo mal.
= = = = = = = = = = = = =

Aprendi, cheio de ardor,
pensando no paraíso,
o A B C de meu amor
na carta de teu sorriso.
= = = = = = = = = = = = =

Costuma-te a ser jocundo,
coração, não desesperes:
Hás de viver neste mundo
sem entender as mulheres.
= = = = = = = = = = = = =

De ternas flores mimosas
terno leito vou fazer,
embora possa entre as rosas
teu corpinho se esconder.
= = = = = = = = = = = = =

Filhinha, toma cuidado!.,.
não largues mais tua cruz,
que o demônio anda trajado
nas roupagens de Jesus.
= = = = = = = = = = = = =

Fiz inveja a muita gente
no dia em que andei contigo...
Até um lírio inocente
mostrou-se meu inimigo.
= = = = = = = = = = = = =

Fui confessar-me e na grade
contei meus crimes e o teu,
se é bonita... disse o frade,
e rindo me absolveu.
= = = = = = = = = = = = =

Maio surgiu entre flores.
Tudo ri no mês de maio.
Só eu, senhora, desmaio*
pelo caminho das dores,
= = = = = = = = = = = = =

Meu peito sofre calado,
nunca chorou nem gemeu,
pois se o fizer, desgraçado,
sua fortuna perdeu.
= = = = = = = = = = = = =

Milagres - terra de Olinda
quando o sol no azul desmaia,
é corpo de moça linda
deitado à beira da praia.
= = = = = = = = = = = = =

No dia em que tu fizeste
a primeira comunhão,
a hóstia do amor me deste,
guardei-a em meu coração.
= = = = = = = = = = = = =

Nos olhos não tenho pranto,
Lucília o pranto levou.
Pela morta chorei tanto
que a pobre fonte secou.
= = = = = = = = = = = = =

Os dobres causam-me espanto!
Antes de morto previno:
se houver dobres me levanto
e quebro as cordas do sino.
= = = = = = = = = = = = =

Pois da vida nos escombros
minha esperança me diz:
há de cair de teus ombros
este manto de infeliz.
= = = = = = = = = = = = =

Seguindo junto ao teu seio,
vendo teu rosto sem véu,
julguei-me um santo em passeio
pelas estradas do céu.
= = = = = = = = = = = = =

Somos cinco retirantes
pelas estradas reais!
Pobres dos nossos descantes,
descantes pobres de mais! ...
= = = = = = = = = = = = =

Suporto negro ciclício,
mas não conto meu desgosto
que, pelos traços do rosto,*
todos lerão meu suplício
= = = = = = = = = = = = =

Todo moço que for pobre,
faça o que eu faço também
para quem mágoas descobre
só desprezo o mundo tem.
= = = = = = = = = = = = =

Um só desejo na vida
eu sinto-me perseguir:
é nos teus braços, querida...
pousar a fronte e dormir.
= = = = = = = = = = = = =

Vem aos meus braços abertos,
desce do teu quinto andar,
que os anjos do céu, espertos,
procuram te namorar.
= = = = = = = = = = = = =

Vivo ausente de Palmares,
feliz terra onde nasci.
Eu lá não senti pesares,
vim padecer foi aqui.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Na época não era obrigatório rimar o 1. com o 3. verso, somente foi normalizada esta obrigatoriedade com a fundação da União Brasileira de Trovadores, em 1966.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

Nenhum comentário: