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terça-feira, 31 de julho de 2012

Nilton Manoel (São Paulo é Esperança Todos os Dias)

homenagem aos 450 anos de São Paulo
1
No meu antigo toca discos,
ouço com muita atenção,
lindas canções de outrora:
- "São Paulo  Quatrocentão",
da "Rapaziada do  Brás"...
O "Trem das Onze me traz",
saudade e muita emoção.
2
O trem pelos velhos trilhos,
a história do povo escreve!
e a cidade em seu cenário
sempre arrojada se atreve
a plantar modernidade;
sofra a gente com a saudade,
o progresso não é breve.
3
São Paulo, não perde tempo,
inova, protege, acolhe,
quer sua gente contente
não há garoa que molhe,
o entusiasmo dessa sina;
quem vence sua rotina
dá vida aos sonhos que escolhe.
4
O povo quer movimento,
quer cenário, quer ação,
quer futuro e conforto
pela glória da nação...
Todo mundo quer ter paz,
como é bom sonhar no Brás,
há poesia nesse chão!
5
Sou paulista do interior
e passo a vida na estrada,
quem gosta de movimento
quer vida facilitada:
- ao modernismo dou fé,
por todo lado dá pé,
se a cidade é bem cuidada...
6
Quando estou na capital
tenho eficiente o transporte;
seguro, rápido, alegre,
em toda estação o bom porte
que, nem posso imaginar
sem metrô pra trabalhar...
Ser pontual é ser forte!
7
A inspiração não me falta
e até me lembro que, a gente,
há trinta e cinco anos tem,
esse serviço excelente
que movimenta a cidade
e dá ao povo a vontade,
de viver mais... felizmente!
8
São estações variadas
espalhadas pela cidade,
elevados, com plataformas
e na sua versatilidade,
põe no cenário, poesia,
integra-se com a ferrovia,
caminho de prosperidade.
9
Entre fixas e rolantes,
gente que faz movimento
no ganha pão habitual...
páro, olho e  meu pensamento
cola imagens que, resumo
para as falas de consumo...
Reportagens do momento!
10
Quem tem vida solidária
dá valor à cortesia:
por favor... muito obrigado...
dá licença... que poesia,
nas convenções sociais;
todos nós somos serviçais,
pelo pão de cada dia.
11
Jânio Quadros fez história
melhorou a imagem do Brás.
com novas edificações
e o povo cheio de paz,
se orgulha a todo o instante,
por ser sempre o Bandeirante,
de eras que não voltam mais...
12
Nossa vida que é cíclica,
deve a Anchieta, o jesuíta,
que nem sabia, Senhor!
a vida rica e catita
que sua instalação
da história da fundação,
seria plena e bonita.
13
Na seqüência do transporte
o tempo não segue à toa
e o cenário num instante
de São Paulo da garoa
vai e volta com o metrô
rápido como um alô
de celular... Coisa boa!
14
Na integração, a saudade
que traz Maria Fumaça
é recompensa gostosa
é vida cheia de graça
é tempo cheio de glória
é povo que faz a história
nas estações em que passa.
15
Sertanejo, deslumbrado,
da capital do Interior,
Paro e olho como poeta
e fotografo com amor,
a cidade velha e a nova...
Faço haicai, cordel e trova,
São Paulo em tudo tem cor.
16
Fora e dentro da paisagem
do metrô, pelas estações,
a moda que inventa moda
tem espaço de emoções,
nos projetos culturais,
além de artes visuais
concertos e belas canções
17
Viajando, cheio de sonhos,
o usuário com vigor,
faz a vida mais contente,
tem no metrô, o esplendor,
do minuto brasileiro.
Sabe que tempo é dinheiro
e dinheiro é vida e valor.
18
Nestes bons trinta e cinco anos
dos quais dez Companhia
de Trens Metropolitanos.
São Paulo que é poesia.
tem seus pontos cardeais
movimentos cordiais,
na vida do dia a dia...
19
Entre túneis e superfícies.
neste cenário bacana,
paz pelas quatro estações
com as vitrines de Ikebana...
Esculturas e poesia...
O jornal de todo o dia...
É obra que de Deus emana.
20
Nesse progresso incomum
de terra quatrocentona
dos cafezais à indústria
ao comércio em maratona
o povo que se desdobra...
O imigrante tudo cobra
da cidade que emociona.
21
Cenário amigo é o Metrô!
solidário,  nada esconde...
Relembre através da história
a vida dura do bonde,
no meu relógio de ponto...
Todo mês quanto desconto!
A rapidez corresponde.
22
"São Paulo dos meus amores"
treze listras das bandeiras
progressista a todo o instante
de vida gentil de ordeira
cidade que se desdobra,
urbanidade que sobra
pela pátria brasileira.
23
Nesta vida, coisa boa,
meu trem das onze, é fulgor,
corre até a meia-noite;
é transporte de valor
é segurança de fé
é sorriso que dá pé
é verso de cantador...
24
Vai-e-volta, gente bonita,
da pátria do bom cidadão
em sua faina diária,
carteira assinada ou não
que, São Paulo que é formiga
também é cigarra e abriga
a saga da Educação.
25
Neste  mundo transversal
temas escolares tantos,
em seu cenário tem vida...
Num programa, com encantos
comunitários, o fascínio,
dá a todos tirocínio
da grandeza em todos cantos.
26
No "Ação Escolar" projeta
a influência, positiva,
do metrô pela cidade...
Movimento que motiva,
no urbanismo, novos lares,
é nos bancos escolares,
consagra-se em voz ativa.
27
Os conceitos cidadãos
são plenos em toda parte
faz da cultura de então
dar vivas a vida com arte
que o visual é fartura
que encanta, fascina e apura,
É saber que se reparte...
28
Como patrimônio público
paisagístico e de transporte
Metrõ é riqueza da história,
trouxe à vida a melhor porte,
é tudo que o povo queria...
Foguete de todo o dia
do meu trabalho, o suporte.
29
São Paulo é renovação,
canteiro da arquitetura,
pátria de nossos estados
onde se sonha fartura...
Ambição a luz do dia
de noite sonho e poesia...
Vive-se bem... A vida é dura!
30
Por todas as linhas que passo,
por todos sonhos que planto
a trabalho ou a passeio
O metrô tem seu encanto
viajo em paz, sossegado,
feliz e cheio de agrado
e meus limites suplanto.
31
Recordo dos velhos tempos
do transporte e nossa história...
Museu Gaetano Ferolla
têm muito da trajetória...
O bondinho da novela
se à saudade dá trela?
Metrô é conforto e glória!
32
Salve os metroviários. Viva!
gente amiga e de paz!
quem trabalha por São Paulo,
é ordeiro em tudo que faz.
Viva minha gente de fé,
em Sampa tudo da pé!...
Viva o Metrô!  Viva o Brás!
 -------------------
NILTON MANOEL
Pedagogo (hab/ supervisão. direção; PCP  1996 / 2002 ), professor de Língua Portuguesa, Jornalista (MTb), Contabilista (CRCsp), Escritor, Ativista Cultural, 3 gestões de Conselho Municipal de  Cultura; autor de Cem anos de jornalismo escolar, Didática da Trova, Trovas da Juventude, Poetas de Ribeirão Preto.

Fonte:
O Autor

domingo, 29 de julho de 2012

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 5: Cabo Verde – 1. Lírica, continuação)

A década de cinquenta abre com Unha do horizonte (1951) de Aguinaldo Fonseca, quando já se encontrava em Portugal e havia publicado alguns poemas soltos. Poesia marcada, em muitos lances, pela angústia da «secura calada na garganta», e daí o avanço para a denúncia do drama cabo-verdiano, entendido não só no presente como que ainda diacronicamente, enquanto grava, com insistência, o seu «grito», um grito imperfeito, «porque não sai/do poço desta angústia amordaçada». A novidade de Aguinaldo Fonseca está em ter sido ele o primeiro a utilizar a «África» como substância poética cabo-verdiana, facto inédito se dermos à expressão de Pedro Cardoso — «África minha, das Esfinges berço/Já foste grande, poderosa e livre» [61] — uma conotação sentimental e não necessariamente política. No texto de A. Fonseca há, pelo menos, duas alusões a África. Uma delas, em «Magia negra»:

Das estrelas e dos grilos, Arrasta-se o vão lamento Da África dos meus Avós, Do coração desta noite, Ferido, sangrando ainda Entre suores e chicotes [62].

Do «(...) vão lamento/Da África de meus avós» instalado no «coração ferido» que ainda sangra «entre suores e chicotes» se procede a um enunciado de sofrimento inculpado a uma situação colonial.

É um tanto nesta linha que vai prosseguir, com todas as variantes possíveis, a produção poética daqueles que, tal corno A. Fonseca se associaram ao Suplemento Cultural (1958): Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Todos, ou quase todos, bem como os elementos do grupo da Certeza, terminaram por colaborar na Claridade.

O projecto da geração da Claridade descola-se pela transgressão, pelo deslocamento da visão europeia para uma visão cabo-verdiana. Daí o rompimento com os modelos temáticos europeus e uma radical consciência regional. O ideário de Certeza enriquece a tomada de posição de Claridade pela introdução de uma visão dialéctica dada pelo marxismo. Este grupo do Suplemento Cultural, mercê da participação de alguns dos seus membros, enceta a substituição do conceito regional pelo conceito nacional. É assim que uma nova perspectiva em relação à situação colonial surge já próxima da década de sessenta, e nesta se vai prolongar e aprofundar.

Acentue-se: menos nuns que noutros; ou antes: evidente nuns e não em todos. Mas, no que à maioria é comum será o travo amargo da dominação. Vejamos em Gabriel Mariano (12 poemas de círcunstâncía, 1965).

Não, Amigos, já vos disse não!
Mais uma vez minha resposta é
Não!
Não insistam mais!
Que me importa o doce
que só a mim me dais?
Nada me separa dos meus companheiros!... [63]

Onésimo Silveira (Hora grande, 1962), um dos que primeiro ensaiaram o «convívio linguístico»: «Caba vapor — caba carvom... /Restam praias vazias e botes agonizantes» [...] «Caba vapor — caba carvom.../Nos campos dantescos de S. Vicente» M no propósito da eficaz expressão de uma sofrida realidade cabo-verdiana, demarca-se também dos poetas da Claridade pelo carácter de intervenção poética, ao jeito vocativo-imperativo.

Atrás dos ferros da prisão
É preciso levantar os braços algemados
Contra a prepotência! [65]

Ou na forma interrogativa, mas ainda subjacentemente a recusa:

Para quê chorar Se as suas mãos são limpas A sua culpa inocente E a nudez das suas vozes Bandeiras desfraldadas? [66]

E o mais determinado dos poetas cabo-verdianos, aquele que, desde cedo, envolveu o seu verbo de signos directamente combatidos, Ovídio Martins (Caminhada, 1962; Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada (1973), partidário, consciente e obstinado, de uma poesia de confrontação, empenha-se na contestação do chamado evasionismo («Não vou para Pasárgada») e ironiza:

Mordaças
A um Poeta?
Não me façam rir!...
Experimentem primeiro Deixar de respirar Ou rimar... mordaças Com Liberdade [67] dando-se numa entrega cerrada, ao «tempo cabo-verdiano», tempo «de se entupir/de raiva/de explodir em raiva».

Ainda quando da sua linguagem se verte um lirismo amorável (e isto aplica-se à quase totalidade dos poetas não só cabo-verdianos como angolanos ou moçambicanos) o poema se organiza numa intencionalidade desmistificadora. Bem iríamos sublinhando: aqui, o signo poemático é o «grito quotidiano» de quem se assume, ao nível da escrita, como militante:

No meu grito quotidiano
canto
a madrugada
a mim mesmo
renovado na terra renovada
pela nossa luta [68]

Diríamos então que à poesia declamatória, veemente, de Ovídio Martins ou de um Onésimo Silveira, responde Gabriel Mariano com um exercício de linguagem repousada, mas com um amplo efeito sugestivo, às vezes no lanço da insinuação:

Depois ninguém me acuse
de ter sido misterioso...
Apenas guardei comigo
a calma verde da terra
e a certa repetição
das madrugadas sem sono... [69]

Mesmo quando o seu discurso penetra no espaço declamativo, aí ainda o retórico se disciplina. Como no «Capitão Ambrósio», longo poema épico, em que, por transferência dis simuladora, o «Ambrósio», herói popular em tempo de fome, personifica o libertador que há-de ser festejado: «em mãos seguras erguidas/Em trilhos verdeluzindo/Luzindo a negra bandeira/Clara bandeira na frente/Na frente segue o Ambrósio!/Meu pai: manda o povo cantar/Manda o povo cantar na madrugada limpa./Manda o povo cantar com tambores e búzios/Quando Ambrósio chegar.» [70].

A presença feminina na moderna poesia cabo-verdiana é preenchida por Yolanda Morazzo que aparece integrada no grupo do Suplemento Cultural. A sua lírica de então tende a enraizar-se numa poética caracterizadamente cabo-verdiana. Mas a uma estadia em Iisboa sucede-se uma longa permanência, diríamos mesmo uma radicação em Angola. E o seu discurso tende a diversificar-se em jeito de «velas soltas» (título de um livro inédito), «velas brancas» soltas no «vento a galope» numa ansiosa determinação que alias já estava inscrita em poemas seus dos anos cinquenta: «Amanhã será uma nova Aurora» [71]. Mas é agora em Cântico de ferro (1976), que reúne alguns dos seus versos que vão desde 1956 a 1975, onde o espaço angolano é a semântica por excelência:

«Um dia se escreverá nas tuas veias/uma história de sangue triste triste/história de ódio dos algozes/cadastro rasgando o útero fértil/do café do algodão e do sisal/tentáculos de manhas e de garras/unhas envenenadas unhas verdes»[72].

Ficou-se pelo caminho, parece, um destes poetas, Terêncio Anahory (Caminho longe, 1962), na época dramática do trânsito glorioso do seu povo, ele que em 1962 se havia associado ao junta-mom: « no meio da baía um galo canta a sua canção de aurora» [73].

O discurso da revolta prolonga-se e generaliza-se com o grupo dos poetas do suplemento «Sèló» (1962), do Notícias de Cabo Verde, nascidos entre 1937 a 1941: Arménio Vieira, Jorge Miranda Alfama, Mário Fonseca, Osvaldo Osório, Rolando Vera-Cruz Martins, todos ainda sem livro publicado, com excepção para Oswaldo Osório, como adiante se regista. O universo da poesia destes poetas continua a ser o espaço cabo-verdiano. Mas à medida que o tempo avança a tendência é para a interpretação dialéctica da situação social marcada pelo colonialismo e a transparência de uma sistemática recusa.

Fala-se de «Ilhas renascidas/nuvens libertas.../Talvez um continente/À medida dos nossos desejos» (Arménio Vieira) [74].

Fala-se de «Quando a vida nascer...» e então «Rasgarei as grades/Rasgarei os açaimes/Enterrarei a dor, /Gritarei bem alto/A minha sede de viver...» (Mário Fonseca in Cabo Verde, n.° 126,1960). Parte deste grupo, durante anos silencioso (ou silenciado), ressurge mais tarde com poemas construídos no recato enganoso e publicados na revista Vértice (Coimbra).

O caso de Arménio Vieira que aí inicia, em cruel ironia, o ciclo da «animalização»:
Pensamos:

lá fora...
Isto é que fazem de nós quando nos inquirem:
— estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
— dormimos. ISTO É QUE FAZEM DE NÓS!
(in Vértice, n.° 334-345,1971, p. 845)

Estamos em 1971, em África o derradeiro império apodrece. Os homens no reino da clandestinidade, a vida cresce e está prestes a romper na «manhã inflor», ao sopro de uma «coragem renovada de todos nós», na «veemente ressurreição!» (Osvaldo Osório). Os poetas sentem o halo próximo da «aurora de vitórias» e um deles, Rolando Vera-Cruz, pode num «gesto» colectivo, afirmar: «Ah! Que reflorir de sorrisos ocultos no tempo!/Um outro gesto/cálido como vontade de criança,/um outro querer/veemente de ressurreição!». Ou Jorge Miranda Alfama: «... Eu me semeei na argila/com sangue e tempo para florir». («Sèló», n.°l, 1962). [75]

É na verdade, o tempo da «ressurreição!» E com a ressurreição, que é a da liberdade, a da libertação, se organiza um novo espaço: o de uma nova escrita, o de uma nova língua, várias gramáticas. Os primeiros indícios vêm de Claridade, avolumam-se na poética das gerações seguintes, com Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Silveira — mas ainda aqui a presença de Jorge Barbosa, a influência do grupo da Claridade é soberana. O primeiro sinal dessa libertação definitiva vem com Timóteo Tio Tiofe (heterónimo de João Manuel Varela, a ajuntar ao de João Vário) [76] com fragmentos de poemas que faria publicar no jornal Letras e Artes (1963 e 1964) e Nós Vida (Roterdão, 1972) depois incorporados em O primeiro livro de Notcha (1975) no qual Timóteo recorta o destino histórico do arquipélago:

«O nosso destino, o destino político do arquipélago é inconcebível fora do contexto africano» (palavras da sua introdução).

Longo poema, de oitenta e nove páginas, seccionado em três «partes», as partes em «discursos», recorrendo à intertextualidade, à convivência linguística, aos dados da história, da botânica, da economia, da geografia, evocando os vultos da literatura cabo-verdiana, os heróis populares, os heróis nacionais africanos, afrontando a enumeração estatística, inserindo dezenas e dezenas de palavras do espaço cabo-verdiano até então ignoradas pela poética cabo-verdiana, caldeando grandezas e misérias, mitos, revoltas, fomes, esperanças, ao modo de evocação e narração bíblica. Timóteo Tio Tiofe abala as estruturas poéticas tradicionais do Arquipélago, e organiza um discurso sereno, veemente, ao ritmo caudaloso, e assim reconstroe a gesta cabo-verdiana, a narrativa poética da epopeia histórica do ser cabo-verdiano, desde as origens até aos nossos dias:

Mas que não venham mais fomes sobre nós,
sobre nossas casas, nossos estábulos e apriscos
sobre nossas escolas e asilos.
Que não venham corvos, gafanhotos,
lestados, nordeste, harmatão ou tempestades, marés bravas,
[chuvas que danifiquem estes cereais, estas oleaginosas,
[estas árvores de fruta.
Que não venha fogo sobre nossos leitos de madeira, nossos colchões de palha, nossos lençóis de linho, sobre nossos campos de cultivo e nossas alfaias agrícolas. Nem varíola ou cólera ou epidemias de outro teor sobre nossos pais, nossas mulheres, nossas crianças. E estes canavais, estas aves de criação, estes porcos de ceva, oh  que  tenhamos   o  gozo   deles   ou  a  alegria  da   sua
[multiplicação [77].


Corsino Fortes, após a estreia no Boletim dos Alunos do Uceu Gil Eanes (1959), a seguir participa na Claridade, e no Cabo Verde, mas ainda aqui a estrutura da sua poesia é símile da dos «claridosos». O salto qualitativo (e significativo) vem com Pão <ò" fonema (1975) que objectiva a ruptura total com a tradição jorge-barbosiana. São próximas no tempo, embora de características diferentes, as experiências de um e de outro: de Corsino e Timóteo. «Encontro» natural no tempo histórico e cultural? Influências de um no outro, ou recíprocas, já que ambos, parece, teriam vivido, em comum, anseios novos? Do ponto de vista da poesia cabo-verdiana isso não será importante. Importante é fazer o registo destas duas perspectivas inéditas e, ao cabo, marcadas por características poéticas próprias, até porque no domínio da «gramática» tão afastados estão um do outro. A um certo discursivismo, a um certo barroquismo se contrapõe uma contenção visivelmente trabalhada de Corsino. Neste, numa elaboração, verso a verso, cingida ao tropo, também à convivência linguística, estrutura da linguagem ao nível mítico, metabolizada no recurso metonímico estrofe a estrofe —, a sua proposta é a de uma grande parábola: a terra do sofrimento engravidou e a sua dor agora é a dor da parturiente: a vida nova vai surgir. Ritmo repousado, na feição de lenga-lenga popular intelectualizada, a espessura de poema ganha um brilho inusitado:

Ouve-me! primogénito da ilha
Ontem
fui lenha e lastro para navio Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem E fico pão à porta das padarias
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo E o milho que amamos
É nosso irmão uterino
Onde
os corvos sangram do alto bibliotecas de tantas sílabas
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso Aqui Ergo a minha aliança
De pão & fonema Enquanto o vento bebe E o vento bebe meu sangue a barlavento [78]

NOTAS:
61    Pedro Cardoso, Jardim das Hespérides, 1926, p. 11.

62    Aguinaldo Fonseca, Unha do horizonte, 1951, p. 61.

63    Gabriel Mariano, «Nada nos separa» in Cabo Verde, n.°109 p. 19.

64    Onésimo Silveira, «Saga» in Claridade, n.° 8,1958, p. 70.

65    Idem, Hora grande, 1962, p. 41.

66    Idem, p. 26.

67    Ovídio Martins, Caminhada, 1962, p. 12.

68    Idem, Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada, s/d, 1973, p. 76.

69    Gabriel Mariano, «Cantiga da minha ilha» in Mário Pinto de Andrade, Antologia da poesia africana de expressão portuguesa, 1968, p. 6.

70    Idem, «Capitão Ambrósio», 1975, p. 13.

71    Yolanda Morazzo, Cântico de ferro, 1977, p. 63

72    Idem, idem, p. 11.

73    Terêncio Anahory, Caminho longe, 1962, p. 19.

74    Arménio Vieira, «Poema» in Mákua 1,1962, p. 22.

75    Rolando Vera-Cruz, «Poema sem tempo» in Vértice, n.°s 334-335,1971, p. 849.

76    João Vário é autor de quatro livros, o primeiro dos quais Horas sem carne, 1958, retirado da sua bibliografia pelo próprio. Os outros são: Exemplo geral,  1966; Exemplo relativo, 1968; Exemplo   dúbio,   1975.  João   Vário   participou   também  na iniciativa coimbrã Êxodo (1961).

77    Timóteo Tio Tiofe, O primeiro livro de Notcha, 1975, pp. 88-89.

78    Corsino Fortes, Pão & fonema, 1974, p. 60.


Continua…

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 5: Cabo Verde – 1. Lírica)

Interessa, desde já, reter bem este facto: a partir do início da década de trinta, e mercê de circunstâncias de natureza política, social, histórica e literária, algo ocorreu nas ilhas cabo-verdianas, a que não é alheia a influência da literatura brasileira. «Ora aconteceu que por aquelas alturas, nos caíram nas mãos, fraternalmente juntas, em sistema de empréstimo, alguns livros que consideramos essenciais pro domo nostra». É Baltasar Lopes quem isto afirma, citando autores como José Lins do Rego, Jorge Amado, Amando Fontes, Marques Rebelo. E diz que «em poesia foi um 'alumbramento' a Evocação do Recife, de Manuel Bandeira». Revelação foi ainda «um magnífico livro — a Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, ao lado dos volumes, densos de investigação e interpretação, do malogrado Artur Ramos» (in Cabo Verde visto por Gilberto Freyre, 1956). Ou pode até admitir-se, também, a influência da Presença no que nela se propunha de libertação da linguagem. Uma tomada de consciência   regional   muito   nítida   se   instala   nos escritores de Cabo Verde, que decidem romper com os arquétipos europeus e orientar a sua actividade criadora para as motivações de raiz cabo-verdiana. Não é ainda uma posição anti-colonial. Não é ainda, nem nada que se pareça, algo que tenha a ver com a ideia de independência política ou nacional. Porventura o problema não se poria também nestes termos, assim precisos, logo de início, ao menos generalizadamente, aos escritores do movimento parisiense da negritude.

Mas era, em Cabo Verde, em dados de literatura, uma viragem de cento e oitenta graus: as costas voltadas aos modelos temáticos europeus e os olhos, pela primeira vez, vigilantes e deslumbrados no chão crioulo. De tal facto podem ser pontuações inequívocas não só a citada revista Claridade, como a que se lhe seguiu, em 1944, Certeza, esta sob a directa influência no neo-realismo português, o Suplemento Cultural (1958) [37] e ainda o suplemento «Sèló»; ou inclusive, o boletim Cabo Verde (1949 — 1965), órgão oficial, mas no que ele possui de mais autêntico e digno, e no campo da literatura bastante é, dado que nele colaboraram quase todos os escritores cabo-verdianos.

Aliás, em 1935, um ano antes da publicação de Claridade, Jorge Barbosa, um dos responsáveis por aquela revista, abre a estrada larga do realismo cabo-verdiano:

—    Ai o drama da chuva,
ai o desalento,
o tormento da estiagem!
—    Ai a voragem
da fome
levando vidas!
(... a tristeza das sementeiras perdidas...)
Ai o drama da chuva! [38]

Os sinais da mudança são vários. O abandono dos temas obrigatoriamente europeus, como vinha acontecendo até aí, a renúncia das estruturas poéticas tradicionais (rima, métrica e outras) e a penetração definitiva no contexto humano do Arquipélago: «o drama», «desalento», «tormento», «fome», «tristeza». Nos seus dois primeiros livros: Arquipélago (1935) e Ambiente (1941) e ainda em Caderno de um ilhéu (1956), Jorge Barbosa procede a uma radiografia do drama social do homem cabo-verdiano: a seca, a fome, a emigração, o isolamento, a insularidade, e o mar como estrada mítica da «aventura da pesca da baleia/nessas viagens para a América/de onde às vezes os navios não voltam mais». [39] Assim:

O teu destino... O teu destino Sei lá!
Viver sempre vergado sobre a terra, a nossa terra pobre ingrata querida!
Ou outro fim qualquer humilde
anónimo...
Ó cabo-verdiano
anónimo
— meu irmão! [40]

Via de regra, cada verso uma palavra, ou cada verso um sintagma, uma cadência ritmada, sincopadamente, para que a dor e o sofrimento se grave e avive dentro de nós. E mais: o processo, porventura invulgar para a época, da imanência de um «tu» logo associado a um «nós» no envolvimento da comunhão intensa de um discurso dramático. De resto, Jorge Barbosa é a voz plural que amiúde recorre a expressões como esta: «voz da nossa gente», a transformar o seu discurso na voz colectiva. A enumeração repetitiva, no caso presente adjectivada, mas noutros substantivada, aliada à evocação ou ao apelo afectivo, num recurso continuado à função expressiva, confere à poesia de Jorge Barbosa características dramáticas novas, trazidas pela intimidade, a denúncia, a epopeia do homem ilhado vivendo no drama de «querer partir e ter que ficar!». Enfim, no dizer de Jorge de Sena, um «poeta que, nos seus grandes momentos, é uma das melhores vozes da poesia contemporânea» [41]. E se ele foi o primeiro a romper a tradição de uma poesia que vinha marcando o espaço cabo-verdiano, foi também ainda o primeiro poeta das áreas africanas da língua portuguesa a lançar os fundamentos de uma nova poesia tecida numa situação colonial. A poesia de Jorge Barbosa vai dominar o panorama poético cabo-verdiano por várias décadas, de uma ou de outra maneira e com tal intensidade que só recentemente alguns poetas modernos libertaram de vez a poesia cabo-verdiana do peso estrutural barbosiano, como adiante se verá.

Jorge Barbosa teve uma ajuda, pelo menos. Nada nasce do nada. Essa ajuda, tudo leva a crer, veio dos poetas brasileiros, como assinalámos. Mas o desencadeamento catártico deu-se com a presença de António Pedro (1909-1965), um cabo-verdiano de nascimento que, em 1928, aos vinte anos de idade, visitou Cabo-Verde e ali publicou o livro de poemas Diário (1929). Era então um jovem poeta virado para o modernismo português. Sensibilizado para um certo vanguardismo, a sua poesia «cabo-verdiana» é um abanão nas estruturas tradicionais poéticas do Arquipélago. Por exemplo, sobre a Morna:

Reminiscência dum fado
que, dançado
num maxixe,
tem a tristeza postiça,
dum cansaço.

Um semicivilizado
lasso
balanço
embalado
sobre o ventre dum fetiche [42].

Era a primeira vez que alguém glosava, em nova linguagem, o tema da morna (e outros). Manuel Bandeira, Jorge de lima, Ribeiro Couto, de um lado; António Pedro, de outro, os dados estavam lançados. Nítida a semelhança da estrutura externa das estrofes de Jorge Barbosa e António Pedro. Coteje-se o excerto de António Pedro com este de Jorge Barbosa sobre o poema «A Morna»:

Canto que evoca coisas distantes que só existem
além
do pensamento, e deixam vagos instantes
de nostalgia, num impreciso tormento
dentro das nossa almas...
Morna desassossego,
voz
da nossa gente reflexo subconsciente
[43]

Mas se os pontos de contacto no espaço externo dos poemas de António Pedro e Jorge Barbosa são evidentes, já o mesmo não se dá na estrutura profunda da poesia de um e de outro. Em António Pedro é um pretexto, a voz distanciada («tristeza postiça, dum cansaço»); em Jorge Barbosa, um percurso interiorizado, para uma enunciação colectiva: «dentro/das nossas almas...» o «desassossego», a «voz/da nossa gente». Os demais poetas da primeira fase da Claridade (1935-1937) são Manuel Lopes, Osvaldo Alcântara [i. e Baltasar Lopes] e Pedro Corsino Azevedo. Destes, será Manuel Lopes o vizinho mais próximo de Jorge. Não que se fale de influências. O sinal de Manuel Lopes vem simultaneamente com o de Jorge Barbosa. Mas um dos pontos em que a poesia de Manuel Lopes se afasta da de J.   Barbosa  será  no   tom  filosofante,  no  por vezes solilóquio interrogativo:

Que importa o caminho da garrafa que atirei ao mar? Que importa o gesto que a colheu? Que importa a mão que a tocou
— se foi a criança
ou o ladrão
ou filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros?

O verso é mais longo, a linguagem mais discursiva, a interpretação do mundo real cabo-verdiano mais individualizado. O «tu» em Manuel Lopes tende a ser personalizado: «Mochinho,/teu destino é seres espantalho de corvos,/tocar lata e mandar funda/de desamparinho a desamparinho/na mèrada de milho a arder» 45; e o diálogo, mais do que admirativo é interrogativo ainda quando a sua proposta poética se situa ao nível da indagação colectiva:

Que disse a Esfinge
aos homens mestiços de cara chupada?
Esta encruzilhada
de caminhos e de raças
onde vai ter?
Por que virgens paragens se prolonga?
Que significa para eles o amanhecer? **

Em Pedro Corsino Azevedo, sem livro publicado, e de escassa produção poética, pelo menos a conhecida até agora (refere-se um original perdido: «Era de ouro») é legítimo falarmos em dois mundos. Um, diríamos existencial, equacionando os sonhos e os desenganos, superando o sentido trágico da vida («Sou o atleta vencido/Renascido») [47]. Outro, o da radicação de motivações populares, como no poema muito difundido «Terra-Longe»: «Terra-longe! terra-longe!... — Oh mãe que me embalaste!/Oh meu querer bipartido!» – ou em «Galinha branca»:

Galinha branca O espectro da morte A sorte De todos.
Olha p'ra mim! Assim:
Canivetinho
Canivetão


França
A única esperança...[49]

Com este poema ele ganha o direito a ser considerado o primeiro poeta da modernidade cabo-verdiana, uma vez que nos parece ter sido escrito por volta de 1930 [50].

Osvaldo Alcântara (i. e Baltasar Lopes) é de todos os poetas de Claridade aquele que vem produzindo uma poesia mais intelectualizada. Mas nem por isso Osvaldo Alcântara deixa de ser um poeta par e passo preocupado e identificado com o seu mundo colectivo, como em «Recordai do desterro no dia de S. Silvestre de 1957»:

«O inefável invade docemente a minha tristeza./Sei que a tua espada há-de fulgurar nas batalhas necessárias/e Nicolau nunca mais voltará a ser moeda/das riquezas de Caim» [51]. E nos seus recursos imagéticos, no seu discurso não raro metafórico ou metonímico, Osvaldo Alcântara marca a sua linguagem de uma exigência estética nem sempre alcançada por outros. Poesia habitada por uma consciência dialéctica, num permanente apelo às forças da reprodução mutativa. Recobre um espaço entretecido do cósmico, do social, da tradição popular, das forças criadoras da vida e da acção, de tal modo interiorizado e fundido no impulso poético, mas redimido pela racionalização: «Quem me dera ser estereoscópio para disciplinar as minhas sensações». Um dos seus últimos poemas, publicado em 1973, sagra-se pelo registo da esperança ao ritmo de uma pulsação radiosa, e nele, e com ele, Osvaldo Alcântara firma-se no chão real do espaço e do tempo cabo-verdianos:

Onde há o Tântalo de todas as recusas
e tudo gerou nada
e o tempo desembocou no presente
e no chão podre de húmus malditos
o presente só tem para ti uma colheita clandestina
esperança esperança esperança [52].

A Claridade sucede a geração de a Certeza (1944). Nem sempre o conceito de geração corresponde a uma demarcação estética ou ideológica. Mas neste caso corresponde. O grupo de Certeza todo ele perfilha o ponto de vista neo-realista. São, portanto, marxistas. Quando os componentes do grupo tomaram conhecimento de Claridade, e logo a seguir da proposta dos neo-realistas portugueses, abandonaram os possíveis liames com um passado e assumem, na ilha, o drama colectivo que feria grande parte da humanidade: a Segunda Grande Guerra Mundial. E é já no entendimento do que ela significa que Guilherme Rocheteau diz:
«Ao longe/na distância da manhã por vir,/a indecisão das camuflagens/e do rumor da guerra,/há agonias esbatidas no negro-fumo/da pólvora/dos homens que se batem./Aquem, é a luta na rectaguarda!» [53].

Mas esta visão dialéctica exprime-a também Tomaz Martins, aliás autor de uns escassos três poemas, tal como aquele seu companheiro de jornada:
«Eu quero verte/compreendendo o fogo do camarada irmão/nesta luta incerta que é a sua certeza» [54].

Nuno Miranda (Cais dever partir, 1960; Cancioneiro da ilha, 1964) foi nessa altura uma esperança. Então ele, na ufania de si próprio, revelava-se com o pseudónimo de Manuel Alvarez:
«Numa noite qualquer [...] tombaram um por um, os falsos deuses!...» [55] — para, entretanto, vinte anos depois, se carpir no mundo confuso em que se deixou mergulhar, e com a consciência da crise que o destruía: «a nave» «tomba de leve no arquejo/das cousas caladas da noute»[56].

Arnaldo França, um dos mais dotados poetas da Certeza, teima em continuar ignorado escrevendo pouco (julgamos) e publicando nada, depois do seu breve e útil ensaio Notas sobre poesia e ficção cabo-verdianas (Sep. Cabo Verde (nova fase), n.° 157. Praia, Cabo Verde 1962). Mas o rastro por ele deixado é o de um lírico com a consciência do peso real das palavras, e ciente dos caminhos difíceis da aprendizagem poética. Há «muros altamente inacessíveis» no trânsito para «a conquista da poesia»:

Era um castelo erguido na montanha
da paisagem deserta submarina
tinha muros altamente inacessíveis
ao salto imaginário do meu pensamentos [57]

Poeta lírico mas que preenche a sua mensagem de conotações ideológicas precisas, evidentes até em títulos de poemas como «Paz» (é preciso lembrar o contexto: 1960) e exigir a paz era (é) combater a opressão, era efectuar o registo do «testamento para o dia claro». O seu discurso semeado de «sonhos», «encantamentos», «vigília», «silêncio», «distância», «pétalas dispersas», ou a «alma que se desprende em luz» ganha um relevo a um tempo tranquilo («Meus sonhos quem os fez nascer tranquilos/serenos?») e inquieto, que lhe sobe da «voz desperta». Há nele uma sabedoria que pré-anuncia um futuro na «esperança nova» porque a felicidade «só na comum seara se renova».

Mas no horizonte lívido do dia Recuam quando passa a nuvem fria Os pássaros metálicos da noite.
E na amplidão da luz que resplandece É de ti que surgiu a mão que tece A esperança nova à humana sortes [58].

Colocaríamos agora o nome de António Nunes (Devaneios, 1938; Poemas de longe, 1945) que, em 1944, mandava de Iisboa, para o n.° 2 de Certeza o «Poema de amanhã». Poema de intencionalidade unívoca, com ele António Nunes se impunha como o primeiro poeta neo-realista  cabo-verdiano   a  estabelecer  a   oposição colonizado/colonizador. Com efeito, nesse poema o «tu» é «Mamãe», a terra cabo-verdiana, mas subjacente está um «ele», o outro que dispõe dos homens, o colonizador:

— Mamãe! sonho que, um dia, estas leiras de terra que se estendem, quer seja Mato Engenho, Dàcabalaio ou Santana, filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor, serão nossas.
E, então, O barulho das máquinas cortando, águas correndo por levadas enormes, plantas a apontar, trapiches pilando, cheiro de melaço estonteando, quente, revigorando os sonhos e remoçando as ânsias novas seivas brotaram da terra dura e seca!... [59]

Aqui, António Nunes aparta-se de Jorge Barbosa, e de várias maneiras: na estrutura externa e no ponto de vista. Mais tarde, em «Ritmo de pilão», dava-nos a complementaridade desta proposta e mais se distanciava de Jorge Barbosa que, em vincado acento dorido, falava do «nosso drama» e até «da nossa revolta». Mas que revolta? — «da nossa silenciosa revolta melancólica». E António Nunes? Este, em 1958, abria a sua área temática, em «Ritmo de pilão»: «Bate, pilão, bate/que o teu som é o mesmo/desde o tempo antigo/dos navios negreiros...» 60. Ao sonho de que as terras «serão nossas» se junta agora o incitamento a uma luta continuada. O sentido da sua mensagem encerra a visão dialéctica da mudança e a necessidade de acção.
–––––
Notas:
47    Pedro Corsino Azevedo, «Renascença» in Claridade, n.° 5, 1947, p. 16; também in M. Ferreira, No reino de Caliban, 1.° vol., 1975, p. 121.

48    Idem, «Terra-Longe» in Claridade, n.° 4,1947, p. 12.

49    Idem, «Galinha branca» in M. Ferreira, No reino de Caliban, 1.° vol., Lisboa, 1975, pp. 124-125.

50    Deve-se a Pedro da Silveira a publicação deste poema, acompanhado de uma nota, em Mensagem, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império, ano XVI, n.° 1, julho de 1964, pp. 10-11-12.
Fala-se  de  um  original perdido  de  Pedro  Corsino  de Azevedo, «Era de Ouro».

51    Baltasar Lopes, «Recordai do desterrado no dia de S. Silvestre de 1957» in Claridade, n.° 8,1958, p. 39.

52    Idem, «Menino de outro gongon» COLÓQUIO/Letras, n.°14,1973, p. 58.

53    Guilherme Rocheteau, «Panorama» in Certeza, n.° 1,1944.

54    Tomaz Martins, «Poema para tu decorares» in Claridade, n.°4,1947, p. 37.

55    Nuno Miranda, «Revelação» in Certeza, n.° 1, 1944.

56    Idem, Cancioneiro da ilha, 1964, p. 42.

57    Arnaldo França, «A conquista da poesia» in Claridade, n.° 5,1947, p. 33.

58    Idem, «Paz-3» in Claridade, n.° 8, 1958, pp. 27-28.

59    António Nunes, Poemas de longe, 1945, p. 32.

 
Continua…Cabo Verde 1 – Lírica

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 4: S. Tomé e Príncipe)

A evolução social de São Tomé e Príncipe teria sido paralela, em muitos aspectos, à de Cabo Verde [31]. Mas, em meados do século XH, implantando-se o sistema de monocultura, a burguesia negra e mestiça vai ser violentamente substituída pelos monopólios portugueses, o processo social do Arquipélago alterado e travada a miscigenação étnica e cultural. Mesmo assim, não podem deixar de ser considerados os efeitos do contacto de culturas. A sua poesia, de um modo geral, exprime exactamente isso; mas, na essência, é genuinamente africana.

A primeira obra literária de que se tem conhecimento relacionada com S. Tomé e Príncipe é o modesto livrinho de poemas Equatoriaes (1896) do português António Almada Negreiros (1868 — 1939), que ali viveu muitos anos e terminou por falecer em França. A última é a de um moderno poeta português, crítico, e professor universitário em Cardiff, Alexandre Pinheiro Torres, cujo título, A Terra de meu pai (1972), nos fornece uma pista: memorialismo bebido na ilha, por artes superiores de criação literária metamorfoseada na ilha «que todos éramos neste país solitário». Sem uma revista literária, sem uma actividade cultural própria, sem uma imprensa significativa, apesar do seu primeiro periódico, O Hquador, ter sido fundado em 1869, com uma escolaridade mais do que carencial os reduzidos quadros literários do Arquipélago naturalmente só em Portugal encontraram o ambiente propício à revelação das suas potencialidades criadoras. O primeiro caso acontece logo nos fins do século XIX com Caetano da Costa Alegre (1864 — 1890), {Versos, 1916) cuja obra foi deixada inédita desde o século passado. Cabe aqui, todavia, uma referência particular ao teatro a que poderemos chamar «popular», pelas características e relevância que assume no arquipélago de S. Tomé e Príncipe. Trata-se, em especial, de duas peças: O tchiloli ou A tragédia do Marquês de Mântua e de Carloto Magno e do Auto de Floripes, mas com preferência para a primeira. A segunda oriunda da tradição popular portuguesa; e O tchiloli supõe-se ser o auto do dramaturgo português do século XVI, de origem madeirense, Baltasar Dias, levado, tudo leva a crer, pelos colonos medeirenses na época da ocupação e povoamento. Reapropriados pela população de S. Tomé (e do Príncipe) estão profundamente institucionalizados no Arquipélago, principalmente O tchiloli mercê da actuação de vários grupos teatrais populares que, continuadamente, se dão à sua representação, enriquecida por uma readaptação do texto e encenação, cenografia e ilustração musical notáveis.

Parece ter sido um homem infeliz, em Lisboa, o autor de Versos, Costa Alegre: Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora, Tu és dia, eu sou a noite espessa [32] «Aurora» aqui é um ente humano e não um fenómeno cósmico. A ambiguidade resolve-se na leitura completa do poema. Caetano da Costa Alegre utiliza este signo polissémico com a intenção, ao cabo, de ele traduzir a cor branca: És a luz, eu a sombra pavorosa, Eu sou a tua antítese frisante [33]

A poesia de Caetano da Costa Alegre, na quase totalidade, funciona espartilhada num mecanismo antitético. Exprime a situação desencantada do homem negro numa cidade europeia, neste caso Lisboa. Versos é, porventura, a mais acabada confissão que se conhece, quiçá mesmo nas outras literaturas africanas de expressão europeia, do negro alienado. Costa Alegre, não se dando conta (impossível, diríamos, no século XIX e no tempo cultural e político da área lusófona) das contradições que o bloqueavam, faz-se cativo da sua condição de humilhado:
A minha côr é negra, Indica luto e pena; És luz, que nos alegra, A tua côr morena. É negra a minha raça, A tua raça é branca,
Todo eu sou um defeito [34]

Como tenta Costa Alegre desbloquear-se desta situação? Porque «negra» é a sua «raça», «todo» ele é um «defeito». Como pode ele reencontrar o seu equilíbrio psíquico? Alienado, /«-consciencializado, batido no deserto social em que se movimenta, então cura libertar-se através de uma compensação. Revoltando-se? Clamando contra a injustiça que o atinge? Não. Contrapondo atributos morais.

«Ah! pálida mulher, se tu és bela, [...] Ama o belo também nesta aparência!» [35]. Amiúde as relacionações antinómicas vai buscá-las ao Cosmo:

«Só explendor por fora,
Só trevas é no centro!
O Sol, és meu inverso:
Negro por fora, eu tenho amor cá dentro» [36]

Com efeito, a sua poesia é a de um homem infelicitado. Amiúde recorrendo à comparação e à antítese, as figuras mais pertinentes são as que significam ou simbolizam as cores «negro» e «branco». Da erosão da sua alma transita para a obsessão infeliz, lutando por restabelecer a sua dignidade no refúgio do apelo à evidência moralizante, por norma em poemas lírico-sentimentais ou de amor. Versos fica como o primeiro e único texto onde o problema da cor da pele actua como motivo — e de uma forma obsessivamente dramática. Consideramo-lo o caso mais evidente de negrismo da literatura africana de expressão portuguesa. Alguns autores angolanos coevos de Costa Alegre deram também uma contribuição para este fenómeno, mas percorrendo um espaço menos significativo.

Perspectiva Geral

Temos deste jeito, e em resumo, o seguinte: cedo se esboça uma linha africana, irrompendo de um sentimento regional e em certos casos de um sentimento racial fundo, mas postulado ainda em formas incipientes que, tenazmente, abre um sulco profundo por entre a literatura colonial. De sentimento regional se transita para sentimento nacional, que vai dar lugar, entretanto, a uma literatura alimentada já por uma verdadeira consciência nacional e daí uma literatura africana, caracterizada pelos pressupostos de intervenção.

Ora, os fundamentos irrecusáveis de uma literatura africana de expressão portuguesa vão definir-se, com precisão, deste modo: a) — em Cabo Verde a partir do revista Claridade (1936 — 1960); b) — em S. Tomé e Príncipe com o livro de poemas Ilha de nome Santo (1943), de Francisco José Tenreiro; c) — em Angola com a revista Mensagem (1951—1952); d) — em Moçambique com a revista Msaho (1952); e) — na Guiné-Bissau com a antologia Mantenhas para quem luta! 1977.
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Notas

31    Francisco José Tenreiro, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe: Esquema de uma evolução conjunta. Sep. do Cabo Verde, ano III, n.° 76. Praia, Cabo Verde, 1956, pp. 12-17.

32    Caetano da Costa Alegre, Versos, 1916, p. 26.

33    Idem, p. 26.

34    Idem, p. 47.

35    Idem, p. 61.

36    Idem, p. 100.
 
Continua… Cabo Verde – 1. Lírica

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Nilton Manoel (Cordel)

Você já leu algum folheto de Cordel? Não! Nas bancas de jornais e revistas, existem histórias interessantes.

O cordel chegou a Ribeirão Preto, com a Editora Melodias e com o trabalho de Rodolfo Coelho Cavalcante por todo o Brasil. O cordelista morando em Salvador, próximo ao Mercado Modelo, editava seus folhetos e vendia-os em varais, ao mesmo tempo em que editava o jornal Brasil Poético, escrevia no Folha do Subúrbio (Camaçari-BA) e presidia entidades literárias nacionais. Inspiração fértil, mais de 1.800 folhetos, entre eles A moça que bateu na mãe e virou cachorra com quase dois milhões de cópias vendidas. Quando colunista do Diário de Notícias Nilton Manoel divulgava bastante os folhetos Rodolfo... Falecido em 1.986, nossa cidade consagrou-lhe o nome de uma rua e confirmou a data de 12 de março, Dia Municipal da Literatura de Cordel.

O gênero é usado na prática pedagógica das escolas e tele-cursos. Ajuda na alfabetização infantil e adulta conforme estudos realizados por especialistas. A FTD tem o livro de Ruth Rocha e Ana Flora – Escrever e criar... é só começar... O PNLD diversas histórias e a Secretaria da Educação, Autores de Cordel, 1986. Na época dos conquistadores greco-romanos, fenícios, cartagineses e saxônicos, o Cordel já existia. No século XI, chegou a península Ibérica (Portugal e Espanha). Cordel é Cultura! Leia!Pesquise! Declame! Promova projetos de poesia e consagre espaço para os sua região. O Cordel está presente nos núcleos de língua-portuguesa do Japão, Holanda, França, USA e Brasil com destaque para a Biblioteca Nacional. Temos diversas arcádias entre elas a Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel e a Academia Brasileira da Literatura de Cordel.

O CORDEL NA HISTÓRIA

          A história remonta a séculos. O vocábulo foi registrado pela primeira vez no Dicionário Contemporâneo de Aulete em 1881. Não há como precisar uma data do surgimento desse tipo de literatura, embora proceda a informação de que herdamos dos colonizadores portugueses que primeiramente desembarcaram na Bahia; porém não foram os portugueses os seus únicos criadores. Eles a assimilaram de fontes diversas a partir da Península Ibérica – região localizada entre Portugal e Espanha – e a ela imprimiram uma marca própria.

       Ler Camões (1524-1580),Cervantes (1547-1616) e Castro Alves (1847-1871) ampliamos nossa conceituação sobre a arte. Vejamos:- Em Luiz de Camões acham-se elementos dessa Cultura; idem na obra de Miguel Cervantes e do poeta baiano Castro Alves.

      Em vários países hispano-americanos e europeus, como no Chile e na França, também são perceptíveis os sinais dessa literatura.

     O paraibano Leandro Gomes de Barros foi o principal expoente da arte cordelista no Brasil (texto do livro A presença dos cordelistas e cantadores repentistas em São Paulo, Ibrasa, Assis Ângelo).

O CORDEL RIBEIRÃOPRETANO

A produção de literatura de Cordel em Ribeirão Preto é pequena, mas constante. Temos bons poetas no gênero. A poética cordelista exige cuidados específicos.

O dia 12 de março é o Dia Municipal da Literatura de Cordel. O projeto 359/94 do vereador Cícero Gomes da Silva deu origem ]à Lei 6850/94 que homenageia Rodolfo Coelho Cavalcante, autor centenas de folhetos e palestras por todo o Brasil. Autor de sonetos, trovas e editor do jornal Brasil Poético. A constância literária deu-lhe homenagem pela Academia Brasileira de Letras por indicação de Jorge Amado. Diversos autores escrevem sobre Rodolfo.

CORDEL NAS ESCOLAS

    Nas escolas, a literatura de Cordel está em projetos didáticos e numa série de livros do PNLD:Língua Portuguesa (coleção Conhecer e Crescer) da Escala Educacional, 5º ano.2008, Língua Portuguesa, 4º ano,(projeto prosa,Editora Saraiva,2008.Na Semana Nacional do Folclore, o Cordel tem todos os espaços possíveis. A paulista Olímpia (SP), capital nacional do folclore, promove diversos eventos. A editora FTD na coleção Escrever e Criar é Só Começar, informa como se fazem folhetos de cordel. Encontramos hoje dezenas de outros autores com a poética do Cordel e a arte xilográfica.

No Brasil, pesquisadores apontam a literatura de Cordel como veio rico de educação, cultura e civismo. Temos núcleos de Cordel em vários países: na França, na Holanda, no Japão, em Portugal e USA, etc.

          Os franceses, pertencentes ao CNRS – Centre de Recherches Latino-americaines-Archivos (Poitier-Fr) pesquisam o Cordel. O mesmo ocorre com entidades brasileiras físicas e jurídicas; entre elas a Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel (BA) e a ABLC-Academia Brasileira de Literatura de Cordel (RJ).

A ABLC ressalta:– “Oriunda de Portugal, a literatura de Cordel chegou no balaio e no coração dos colonizadores, instalando-se na Bahia e mais precisamente em Salvador. Dali irradicou-se para os demais estados do Nordeste”.

       O verbete Cordel é polêmico e historiadores acreditam que a arte deveria ser conhecida como poesia popular ou poesia nordestina. O poema de cordel nordestino costuma trazer ilustrações xilográficas. Alguns deles fazem menções heráldicas e genealógicas.

OFICINA DE CORDEL

Material necessário:- papel sulfite A4, branco, para o livro e colorido para a capa.  Lápis de cor ou giz de cera, grampeador Carbex 26/6 ou cola.  Inspire-se! Seja criativo. Boa sorte.

A produção de um folheto de Cordel estimula o aluno à leitura, à escrita e a arte quando ilustra a capa ou a história por ele feita. Ainda a socialização do trabalho quando exposto em sala de aula ou pátio da escola.
O poema cordelista é um dos gêneros mais explorados na atualidade.

No aspecto material, o folheto em estilo nordestino é feito de uma folha de sulfite A 4 que, dobrada em quatro viram oito páginas. Seguindo nessa ordem 16,32...

 Os poetas gostam de explorar suas histórias em estrofes de seis versos (sextilhas ) ou sete versos (setilhas). As estrofes de seis versos (linhas) rimam apenas os versos 2ª,4º e 6ª e as setilhas: 2ª.4ª e 7ª e o 5ª com o 6º verso.Na metrificação os versos têm sete sílabas poéticas.

O poeta de Cordel é um mediador da cultura popular e erudita. Os produtores de Cordel adotam hoje a feitura em off set com fontes de micro-computadores (antigos tipos) de diversos formatos. As ilustrações são a cores (os folhetos da Luzeiro Editora) e as capas em papel encorpado. Nos bons tempos da geração mimeógrafo, poetas editavam com as letras da velha Remington 11. Os folhetos cordelistas exigem - como todo texto - a criatividade de seus autores. As histórias vão de 14 a 28 versos por página e multiplicam-se  por 8,16,32 etc. Quando o poeta tem fôlego, escreve uma história de  300 ou 400 versos, tranqüilamente;muito comum nos romances. Nos concursos literários pede-se de 32 a 64 estrofes. Se o folheto tem 4 estrofes de sete versos, somam-se 28 versos e multiplicando-se pelo número de páginas o total de versos de um folheto.

A literatura de Cordel está nas feiras e galerias comerciais. Nas grandes cidades, mesmo aquelas que falam de preservação histórica, o poeta de cordel, repentista e folhetinista, tem perdido o espaço das praças centrais com a interferência das fiscalizações municipais. Literatura de Cordel é Educação e Cultura.

 PRODUÇÃO DE FOLHETOS DE CORDEL

Solicitar da Biblioteca da escola folhetos ou livretos do gênero. No PNLD, Cordel adolescente, o xente (FTD) serve de orientação.Interpletar,comentar as ilustrações, ressaltar o titulo e autoria. Trocar   Escolher um tema e redigir no caderno o texto.Reescrever.Ler e avaliar o que foi feito.Depois escrevê-lo no livrinho de folha de sulfite

Quando estiver pronto, pegar meia folha de papel colorido A4 e fazer a capa ilustrada colocando o nome do autor, o titulo da história e ano de edição.

Feito isto, coloque o livrinho dentro da capa e grampeie ao meio duas vezes. O grampeador Carbex 26/6 tem a medida certinha para esse trabalho.

O professor recolhe os folhetos feitos como o  combinado. Escolhe um local para o varal de barbante e prende os folhetos com prendedores de roupa.

A diversificação de assuntos (temas) chamará a atenção dos leitores. Quando não existia jornal o Cordel fazia o papel de um jornal. Vamos ler um trecho do folheto Publicistas da Madrugada, de Nilton Manoel, 1981, Gráfica Brasil.

1
Ribeirão Preto...Onde está
a cidade onde eu nasci?
A província cheia de graça
já se perdeu por aí!
Em cada trecho um tapume
e historiadores sem ciúme
         da história que há por aqui.

2
Parece uma betoneira
nossa terrinha atual
É um reboliço confuso...
Tudo parece normal
a quem olhe indiferente
ao passado... O presente
será futuro afinal?

23
Vila Recreio, querida,
dos tempos da lamparina,
ainda o pó de suas ruas
é a mesma triste sina...
A lata a ponta de um pau
molha a rua...Num varal
seca a roupa de gente fina...

24
Terna e dura uma bisnaga
repleta de inspiração
desenha em muro sem reboco
Uma frase com emoção:
- Quem mais luta por seu dia,
vive de curta alegria
         temendo a falta do pão

Poemas antigos,nas bancas:
Publicistas da Madrugada
-A festa dos papagaios
-Mistérios do Campo Aberto
–––-
Em Ribeirão Preto, SP; 12 de março (homenagem a Rodolfo)  Dia Municipal da Literatura de Cordel (Dia de Civismo,Educação, Cultura e Cidadania)

 (Nilton  Manoel, especialista em Educação, pedagogo (administração e supervisão),contabilista, jornalista, fotografo. Pertence a rede estadual de ensino. Afiliado a Apeoesp e Udemo. Faz parte de entidades literárias.  Tem livros editados e prêmios recebidos)

Fonte:
O Autor

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 3: Moçambique e Guiné-Bissau)


3.    MOÇAMBIQUE

Em Moçambique, com um índice menor de europeus do que em Angola, com uma fixação de população branca mais instável, não deveriam ter sido criadas as condições culturais suficientes para o desenvolvimento de uma actividade literária cujo eco chegasse até aos nossos dias [30]. Nem se dá pela presença do notável poeta português Tomás António Gonzaga (1744 — 1810), degredado do Brasil para a ilha de Moçambique cerca de 1792, onde faleceria. Não obstante, a imprensa da época faz-se eco de críticas ao poder e à administração; e a literatura, através de poemas publicados de quando em quando, ensaia os primeiros passos da sua existência. Destacam-se os semanários O Africano (1877), O vigilante (1882?), Clamor Africano (1892?) que não usavam desencadear denúncias e ataques à corrupção e ao desumano tratamento dado às populações africanas, embora por vezes revelando uma perspectiva contraditória na análise global dos problemas («Contributo para a história da Imprensa em Moçambique».       Vide       Bibliografia).       Jornalistas prestigiados a partir da primeira década do século XX são os irmãos, mestiços, José e João Abasini que fundam O Africano (1908-1920) e vão continuar a sua acção política e pedagógica em O Brado Africano (1918). A estes dois nomes se junta o do seu compatriota Estácio Dias. Todavia, não há, até agora, conhecimento de haver sido publicado em Moçambique qualquer romance ou livro de poemas, antes do Uvro da dor, 1925 (contos) de João Albasini, o que não significa, de maneira nenhuma, a hipótese, ainda que remota, da existência de qualquer obra que não tenha sido ainda detectada.

Como quer que seja, para a formulação de uma correcta ideia dos valores que povoam a última parte do século XIX e a primeira do século XX, em relação a qualquer destes países, é necessário ter em conta a colaboração dada aos almanaques, com especial atenção ao Almanach de Lembranças (1851 — 1932), publicado em Iisboa, mas para onde convergiam muitos poetas africanos da língua portuguesa.

4.   GUINE-BISSAU

Conforme adiante procuraremos desenvolver, não foram criadas na Guiné-Bissau condições sócio-culturais propícias à revelação de valores literários. Basta termos presente que o primeiro jornal dessa ex-colónia, o Pró-Guiné, foi fundado em 1924. Há, no entanto, que destacar uma figura de relevo, a solicitar as atenções da investigação, o cónego Marcelino Marques de Barros (1843 — 1929) que no campo da etnografia (Literatura dos   Negros,    1900)    desenvolveu    grande    aplicação, sintonizando-se em qualidade com os especialistas portugueses coevos que, frize-se, eram de nível europeu. Para além da obra citada deixou colaboração dispersa, inclusivamente no Ahnanach LusoAjricano para 1899 (Cabo Verde), na Revista Lusitana, A Tribuna, Boletim da Sociedade de Geografia de Usboa, Anais das Missões Ultramarinas; Voz da Pátria, na qual publicou canções e contos, dois dos quais republicados por J. Leite de Vasconcelos em Contos populares e lendas, vol. 1, 1964. Finalmente parece ter deixado um manuscrito: «Contos e cantares africanos», por certo da Guiné-Bissau.
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Nota:
[30] Aqui nos cumpre esclarecer, se para tanto houver necessidade. Quando ao longo das nossas intervenções nos referimos a uma maior ou menor presença europeia ou a um maior ou menor índice de mestiçagem como fundamento de uma maior ou menor actividade cultural ou literária, é evidente que não pretendemos emprestar a estas afirmações um carácter racial, mas sim cultural e político. Os alicerces de uma literatura neo-africana do período colonial construíram-se a partir de uma burguesia europeia, europeizada ou africana. O povo, o homem africano, esse continuando analfabeto, longe das influências culturais de raiz europeia, manteve-se alheio ao processo literário. Os jornalistas, os poetas, os ficcionistas teriam forçosamente de ser recrutados nos estratos sociais de onde emergiam, normalmente, aqueles que teriam acesso à escola, à instrução, à cultura.

Continua… S. Tomé e Príncipe

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977