quinta-feira, 21 de maio de 2009

Honoré de Balzac (A Comédia Humana)

(não confundir com "A Comédia Humana", de William Saroyan, de 1942)

A Comédia Humana é o título geral de oitenta e oito obras, em sua maior parte romances, novelas e contos, que retratam principalmente a ascensão da burguesia, ocorrida à época da Restauração. No Brasil, A Comédia Humana foi publicada integralmente em dezessete volumes, entre 1945 e 1953, pela Editora Globo, de Porto Alegre e reeditada entre 1989 e 1993, pela nova Editora Globo, de São Paulo, em ambas as ocasiões com orientação, introduções e notas de Paulo Rónai.

Visão geral

Uma tarefa colossal

Tudo na “A Comédia Humana” é imenso: dezessete volumes (nas edições brasileiras), oitenta e oito obras (mas planejada para ter cento e trinta e sete), mais de dez mil e seiscentas páginas (na edição da nova Editora Globo), mais de dois mil e quinhentos personagens. No entanto, Balzac não se referia a si mesmo como escritor e, sim, como historiador de costumes. Conforme Terezinha de Camargo Viana, "Balzac, ao se propor como "historiador de costumes", tem como perspectiva assinalar o processo de profundas mudanças pelas quais passa a sociedade francesa na primeira metade do século XIX, evidenciando a transição do Antigo Regime à consolidação da moderna sociedade burguesa". Para atingir este objetivo, o autor introduziu na literatura assuntos, profissões e classes que nela nunca tiveram lugar antes: o sistema de transporte interurbano na França, o processo da tipografia, o jornalismo nascente, a rotina dos cartórios e dos escritórios de advocacia, os comerciantes e suas listas de clientes e fornecedores, o sistema de descontos de letras, a confecção de perfumes, atas de concordatas, montagem de processos de falências etc., a nada Balzac se furtou, sem jamais cair no ridículo ou na monotonia. Tratou também da luta de classes (seu romance póstumo Os Camponeses contém, pela primeira vez na literatura, a palavra "comunismo"), do espiritismo, dos meandros da política, do misticismo e de temas espinhosos, como o lesbianismo. Aliás, segundo Otto Maria Carpeaux, o gênero literário romance divide-se em antes e depois de Balzac. Antes, como em Manon Lescaut, do Abade Prévost, A Princesa de Clèves, de Madame de La Fayette ou A Nova Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau, um romance seria "a relação de uma história extraordinária, 'romanesca', fora do comum. Depois, o espelho do nosso mundo, dos nossos países, das nossas cidades e ruas, das nossas casas, dos dramas que se passam em nossos apartamentos e quartos".

Do romance popular à provocação a Dante

O primeiro volume saiu em 1842, mas a essa altura quase todas as obras já haviam sido publicadas, tanto em jornais como em forma de livros. Balzac estreou nas letras na década de 1820, escrevendo subliteratura influenciada pelo romance gótico, com títulos como A Última Fada ou a Nova Lâmpada Maravilhosa, Anette e o Criminoso, João Luís ou a Enjeitada e Clotilde de Lusignan ou o Belo Judeu. Sabia que eram livros sem nenhum valor artístico, por isso assinava-os com pseudônimos como Lord R'hoone e Horace de Sainte-Aubin. Finalmente, em 1829 publicou o primeiro título que assinou com seu nome, o romance histórico A Bretanha em 1799. A partir daí, em um ritmo cada vez mais frenético, saíram até 1833, entre outros, A Pele de Onagro, Luís Lambert, Sobre Catarina de Médicis, Fisiologia do Casamento, O Coronel Chabert, Eugênia Grandet e uma grande quantidade de contos, como Uma Paixão no Deserto, O Romeiral, A Obra-Prima Ignorada, O Ilustre Gaudissart, A Estalagem Vermelha etc. Em 1834, resolve classificar todas as suas obras em três grupos: Estudos de Costumes, Estudos Filosóficos e Estudos Analíticos. Finalmente, em 1842 encontra o título definitivo de todo o conjunto: A Comédia Humana, um evidente contraponto à Divina Comédia de Dante.

A volta sistemática dos personagens

Ainda em 1834, Balzac teve a idéia, inédita na história da literatura, de fazer reaparecer seus personagens em diferentes obras, em diferentes estágios de suas vidas: aqui na juventude, ali velhos e pobres, acolá ministros ou banqueiros; aqui coadjuvantes, ali figuras centrais; felizes em um conto, infelizes em um romance; por vezes ainda ingênuos e cheios de sonhos, uns rematados crápulas em outro momento etc. Essa invenção "originalíssima e de grande alcance, cujo mérito cabe exclusivamente a Balzac", nas palavras de Paulo Rónai, repercutiu não muito favoravelmente à época, mas teve uma enorme influência sobre inúmeros escritores, entre eles Camilo Castelo Branco, Marcel Proust, William Faulkner e José Lins do Rego. Decisão tomada, Balzac pôs-se a refazer muitas de suas obras, trocando nomes e biografias de personagens, ajustando situações, datas, etc. até conseguir um todo coerente. Considerando-se que a galeria dos tipos criados pelo autor chega à casa dos milhares, é surpreendente que ele raras vezes tenha se enganado em algum pormenor físico, psicológico ou biográfico de suas criaturas. Naturalmente, nem todos os personagens participam de mais de uma obra: Oscar Husson, por exemplo, protagoniza e só aparece em Uma Estréia na Vida; César Birotteau está todo em História da Grandeza e da Decadência de César Birotteau; e assim, com inúmeros outros. Entretanto, aproximadamente seiscentos, como Eugênio de Rastignac, a Marquesa d'Espard, o doutor Bianchon, a Condessa de Restaud, arrivistas como Máximo de Trailles e Henrique de Marsay, a corista Florina, o caricaturista Bixiou, o dândi português Marquês Miguel d'Ajuda-Pinto e um longo etc. transitam por diversos livros, às vezes como personagens principais, às vezes (ou sempre) secundários, às vezes apenas entrevistos ou entreouvidos. Só Esplendores e Misérias das Cortesãs, por exemplo, conta com mais de cento e cinquenta reaparições! O fato de essa técnica transformar cada romance, novela ou conto em capítulos de um conjunto maior e único, não significa que eles não possam ser lidos separadamente, com raríssimas exceções.

Pensamento conservador, analista imparcial

Cheio de idéias, com mil planos na cabeça e atormentado por eternas dívidas, Balzac impôs-se uma rotina insana que fazia com que trabalhasse de quatorze a dezoito horas por dia. Apenas em 1834 foram publicados A Procura do Absoluto, O Pai Goriot, A Duquesa de Langeais e Um Drama à Beira-Mar; em 1835, Seráfita, A Menina dos Olhos de Ouro, Melmoth Apaziguado, O Lírio do Vale e O Contrato de Casamento. E assim, todo o conjunto que forma A Comédia Humana foi escrito em menos de vinte anos. E de que tratam todos esses livros? A rigor, Balzac fala de uma única paixão. Porém, ao contrário dos escritores até então, essa paixão não é mais o Amor, e sim o Dinheiro: os personagens se humilham, casam, traem e cometem crimes para escalar posições sociais, para manter as aparências, para adquirir poder. Amor, honra, lealdade, honestidade, tudo se subordina às novas tentações trazidas pela vida moderna pós-Revolução Francesa. Assim, é imperioso acalmar credores, resgatar letras vencidas junto a usurários, amortizar dívidas contraídas nos elegantes magazines erguidos em luxuosas galerias (os shopping centers da época), exibir chapéus, luvas e bengalas incrustadas de diamantes em passeios pelos bulevares ou ainda ser aceito nos exclusivos salões da fervilhante Paris, a capital do mundo. Carpeaux fez a síntese: "A Comédie Humaine é a "Tragédia do Dinheiro"". Balzac, não à toa considerado o criador do romance moderno, intuiu que aparência é tudo e que, dentro em pouco, todos estariam sujeitos à influência avassaladora da imprensa e da publicidade. Por outro lado, apesar de ferrenho monarquista e feroz católico, e apesar de em vários momentos colocar na boca de algum personagem suas idéias conservadoras, até mesmo reacionárias, Balzac disseca com invejável imparcialidade a ascensão da odiada burguesia, e a derrocada final da sempre bajulada nobreza, que se afogou em decadência moral e se deixou corromper por aquela nova classe social. Por isso, Vitor Hugo, em discurso proferido sobre sua tumba, afirmou que, querendo ou não, Balzac pertencia "à forte raça dos escritores revolucionários". Hegel e Marx, fãs confessos, não poderiam concordar mais.

Os grupos e subgrupos

Mesmo depois do início da publicação dos volumes da A Comédia Humana, Balzac continuava a revisar incessantemente suas obras. Além da divisão nos já citados Estudos de Costumes, Filosóficos e Analíticos, criou subdivisões, como Cenas da Vida Privada, Cenas da Vida Provinciana, Cenas da Vida Parisiense etc., num total de seis, todas subordinadas aos Estudos de Costumes. Indeciso, diversos livros foram colocados arbitrariamente pelo autor ora em uma categoria, ora em outra, mesmo porque essas divisões sempre foram muito artificiais. Ilusões Perdidas, por exemplo, apesar de fazer parte das Cenas da Vida Provinciana, caberia tranquilamente nas Cenas da Vida Parisiense; as obras arroladas em Cenas da Vida Rural poderiam perfeitamente ser colocadas entre as Cenas da Vida Provinciana; já as obras que compõem as Cenas da Vida Privada passam-se em Paris, em sua maioria, daí poderem fazer parte das Cenas da Vida Parisiense. Mas, ainda não satisfeito, Balzac criou ainda várias novas subdivisões dentro das Cenas: "Os Primos Pobres", para acomodar A Prima Bette e O Primo Pons, "Os Celibatários", "Os Parisienses na Província", "História dos Treze" etc. Pouco disso era necessário, porém demonstra mais uma vez a vontade do autor de ser o mais racional e analítico possível.

As grandes obras

Parte do que Balzac escreveu é reconhecidamente fraca (o próprio autor concordava com isso) ou ficou datada com o tempo. Entretanto, a grande maioria continua indispensável, pelo que representa de testemunho de uma época e, principalmente, pela relevância das questões levantadas, ainda atuais um século e meio depois de virem à luz. Para uma relação com algumas das narrativas mais importantes, acompanhadas de um breve comentário, bem como um quadro geral, contendo todas as obras que compõem a Comédia , ver Obras de A Comédia Humana de Balzac.

Os grandes personagens

Uma galeria imensa

Balzac povoou suas oitenta e oito obras com mais de dois mil e quinhentos personagens. Muitos são inesquecíveis: Luciano de Rubempré, o poeta ingênuo de Ilusões Perdidas; Eugênio de Rastignac, o provinciano ambicioso, que inicia sua trajetória vitoriosa em O Pai Goriot; o demoníaco e manipulador Vautrin, também apresentado na mesma obra; toda a fauna de Paris, como os dândis Máximo de Trailles e Henrique de Marsay, o caricaturista Bixiou, o doutor Bianchon, as cortesãs Ester e a Sra. Marneffe etc.; a prima Bette e o primo Pons; aristocratas decadentes como a Marquesa d'Espard e a Duquesa de Maufrigneuse; a Cibot; Seráfita, o hermafrodita; o adolescente antipático Oscar Husson; Luís Lambert, gênio atormentado; a conformada Eugênia Grandet e seu pai avarento; o Pai Goriot e o Coronel Chabert; Birotteau e seus perfumes; Gobseck, o usurário filósofo; o juiz Popinot...; a galeria é imensa. Obras foram escritas tentando relacionar todos os personagens, com suas respectivas biografias, os livros onde aparecem etc.: Dictionnaire Biographique des Personnages Fictifs de la Comédie Humaine, de Fernand Lotte (Paris, 1952), Balzac et Son Monde, de Félicien Marceau (Paris, 1955) e Répertoire de la Comédie Humaine, de Anatole Cerfberr e Jules François Christophe (Paris, 1887). A respeito deste último, Paulo Rónai conta que "um dos dois autores, Cerfberr, ficou inteiramente alucinado por essa longa convivência com as personagens saídas do cérebro de Balzac e morreu quase louco imaginando ser ele mesmo uma personagem de A Comédia".

Paris, o maior personagem

No entanto, o maior personagem d'A Comédia Humana é, sem dúvida, a cidade de Paris. Balzac situou suas obras por toda a França (Issoudun, Saché, Tours, Sancerre, Vendôme etc.) ou em outros países (Itália, Espanha, Noruega, Alemanha), contudo nada menos que quarenta e sete (mais da metade, portanto) têm Paris por cenário, total ou parcialmente; várias começam com a descrição de um aspecto da Cidade-Luz: uma rua, uma loja, uma casa, o comportamento dos parisienses etc. Balzac foi, e ainda é, o maior de todos que se aventuraram a cantar Paris. Mas, que Paris seria esta? "A Paris dos dramas escondidos, dos devotamentos desconhecidos, das ignomínias humanas despercebidas...A Paris leprosa do bairro dos estudantes, a prestigiosa do Faubourg Saint-Germain, a barulhenta dos negócios (...), onde mulheres elegantes, belas, aduladas, vão do seu amante ao agiota". Jovens de todos os continentes procuram Paris, em busca de riqueza, de fama, até (por que não?) de amor. A maioria se deixa consumir pelo fogo da cidade e morre em silenciosa solidão; outros sobrevivem de expedientes desonestos e se esquivam por furtivas vielas; outros há que desistem e voltam para suas aldeias, envergonhados e ressentidos; e há os que vencem, brilham intensamente, chegarão a ministros, porém já sem alma, presas de luxúria, ganância e cinismo. Mas essa feérica Paris, que Balzac, ele mesmo parisiense apaixonado, chama de "uma doença e até várias doenças", "deserto sem beduínos", "um instrumento que é preciso saber tocar" etc., é também a capital das idéias, do luxo e da civilização; enfim, como disse um personagem de Modesta Mignon, Paris é "um inferno que se ama".

A Comédia Humana e o Brasil

Continuamente perseguido pelos credores e escravo da monstruosa tarefa a que se propôs, Balzac sonhava com soluções milagrosas, que iriam tirá-lo do atoleiro em que se encontrava, não importa quão absurdas elas fossem. No auge do desespero, chegou a pensar em mudar-se para o Brasil! Em 1840, escreve à Condessa Hanska, sua amante: "Cheguei ao cabo de minha resignação. Creio que deixarei a França e irei levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa da sua loucura...Este é um projeto absolutamente firmado que será posto em execução ainda este inverno". Como era de se esperar, desiste de tudo no mês seguinte. Mas o autor costumava seguir a vida do Brasil pelos jornais, e acabou por colocá-lo em várias obras. Para ele, o Brasil era uma terra exótica, cheia de oportunidades e onde era possível enriquecer rapidamente. Enfim, nada de muito diferente da imagem que a Europa tinha do país e, por extensão, das Américas.

Em O Baile de Sceaux, Maximiliano de Longueville associa-se a um banqueiro e fica rico numa especulação no Brasil; Carlos Grandet, de Eugênia Grandet, parte para o tráfico de escravos, entre outras atividades igualmente recrimináveis, e também enriquece; o Marquês de Aiglemont, personagem de A Mulher de Trinta Anos, conhecia muito bem as costas dos Brasil, depois de muito trabalho e perigosas viagens que o deixaram rico. Os diamantes brasileiros também marcaram sua presença: em Gobseck, o usurário do mesmo nome reclama que a jóia está se desvalorizando porque o Brasil abarrotou a Europa com pedras menos puras que as da Índia; outro usurário, o joalheiro Elias Magus, concorda que o diamante brasileiro é mesmo inferior, em Um Contrato de Casamento. Por outro lado, Rafael de Valentin, o infeliz de A Pele de Onagro, pensou certa vez em se mudar para o Brasil; as "duras cangas do Brasil" são citadas numa frase perdida em Z. Marcas; em Um Caso Tenebroso, o olhar do personagem Michu é em certo momento comparado aos jaguares do país; Ferragus, na novela do mesmo nome, dá-se com o embaixador do Brasil.

Cite-se, ainda, o milionário Barão Henrique Montes de Montejanos, único personagem brasileiro da Comédia Humana (apesar do nome francamente espanhol), que tem papel destacado na trama de A Prima Bette; o barão é moreno, cara fechada, traja-se de acordo com a moda parisiense e usa um grande diamante na gravata...

Devido aos laços históricos e afetivos que unem o Brasil a Portugal, não se pode esquecer do abonado Marquês Miguel d'Ajuda-Pinto, personagem português cuja família possui ligações com os Braganças, e que aparece em várias obras: O Pai Goriot, Esplendores e Misérias das Cortesãs, Os Segredos da Princesa de Cadignan e Beatriz. No princípio um dos dândis mais distintos de Paris, o Marquês tem uma trajetória rica pela Comédia, casando-se, intrigando, apaixonando-se e participando de conspirações.

Presença d'A Comédia Humana

Conquanto o público sempre prestigiasse as obras de Balzac, a quase totalidade da crítica negava seu valor. Com exceção de Victor Hugo e Teófilo Gautier, eram poucas as pessoas do meio literário com quem o autor podia contar, mesmo já próximo de sua morte, em 1850. Entretanto, cem anos depois, a bibliografia balzaquiana contava seis mil títulos! Uma procura na Internet resulta em um milhão e quinhentas mil referências. Balzac é hoje universal. Sua obra começou a ser reconhecida ainda no século XIX: Dostoievski traduziu Eugênia Grandet para o russo e teria sido influenciado pelo autor em obras como o conto O Senhor Prokhártchin (1846) e o romance inacabado Niétotchka Niezvânova (1849); em Portugal, Camilo Castelo Branco escreveu um conjunto de oito narrativas a que deu o nome de Novelas do Minho, (1875-1877), inspiradas em Balzac; já Eça de Queirós idealizou as Cenas da Vida Portuguesa, ciclo de romances destinados a retratar a sociedade portuguesa após o estabelecimento do liberalismo em Portugal, sob D.Pedro IV (D. Pedro I no Brasil), dos quais vieram à luz Os Maias e A Capital; a Comédia é a precursora do chamado roman-fleuve, ou "romance-rio", como Os Rougon-Macquart (1871-1893), de Émile Zola, Jean Christophe (1904-1912), de Romain Rolland, Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927), de Marcel Proust e Os Thibault (1922)-1940), de Roger Martin du Gard. Balzac também está presente, por exemplo, na obra do escritor brasileiro José Lins do Rego, particularmente nos romances do chamado Ciclo da Cana-de-Açúcar e em William Faulkner, ficcionista estadunidense, criador do mítico Condado Yoknapatawpha, por onde circulam gerações de Compsons, Sartoris, McCaslins, Snopes etc.

O Pai Goriot, Pierrette, A Pele de Onagro, Eugênia Grandet, Uma Mulher Abandonada e muitas outras obras já foram adaptadas para o cinema ou televisão. A Prima Bete, inclusive, já foi filmada três vezes, sendo a mais recente em 1998; em 1990, Gérard Depardieu encarnou o autor em uma minissérie francesa do mesmo nome, que conta sua vida; em 2001, outra minissérie francesa, Rastignac ou os Ambiciosos ("Rastignac ou les Ambitieux", no original), trouxe para o presente as vidas de Eugênio de Rastignac, Luciano de Rubempré e outros personagens balzaquianos, conservando todas suas motivações e características psicológicas; já em Balzac e a Costureirinha Chinesa ("Xiao Cai Feng" no original), filme chinês de 2002, dois jovens são enviados a uma vila nos confins da China para serem reeducados. Lá, descobrem uma caixa cheia de livros de Balzac e outros autores e passam a lê-los para a população, enquanto se apaixonam pelos personagens balzaquianos, principalmente Úrsula Mirouet, e pela costureira do título, cujo futuro é determinado pelo comportamento das mulheres criadas por Balzac.

Com a consolidação do capitalismo e, consequentemente, da moral burguesa, para uma quantidade imensa de pessoas o Dinheiro e o que ele proporciona -- poder, ascensão social, bens de consumo -- são o principal, e muitas vezes o único, valor a considerar. Em um cenário assim, Balzac está totalmente à vontade (e discretamente vingado), pois sua obra, iniciada há quase dois séculos, continua mais pertinente que nunca.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

terça-feira, 19 de maio de 2009

Trova V

Mário de Sá-Carneiro (Dispersão)



I-PARTIDA

Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas aguas certas, eu hesito,
E detenho-me ás vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.

Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam refletir.

A minh'alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.

Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.

É subir, é subir além dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados rezar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.

É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d'irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.

É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d'alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.

Ser coluna de fumo, astro perdido,
Forçar os turbilhões aladamente,
Ser ramo de palmeira, agua nascente
E arco de ouro e chama distendido...

Asa longínqua a sacudir loucura,
Nuvem precoce de sutil vapor,
Anseia revolta de mistério e odor,
Sombra, vertigem, ascensão--Altura!

E eu dou-me todo neste fim de tarde
Á espira aérea que me eleva aos cumes.
Doido de esfinges o horizonte arde,
Mas fico ileso entre clarões e gumes!...

Miragem roxa de nimbado encanto
Sinto os meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
Sou labirinto, sou licorne e acanto.

Sei a Distancia, compreendo o Ar;
Sou chuva de ouro e sou espasmo de luz;
Sou taça de cristal lançada ao mar,
Diadema e timbre, elmo rial e cruz...
. . . . . . . . . . . . . . .

O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor--é som e aroma!
Vem-me saudades de ter sido Deus...
* * * * *

Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino é outro--é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois...


II-ESCAVAÇÃO

Numa ânsia de ter alguma coisa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.

Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente á força de sonhar...

Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
--Onde existo que não existo em mim?
. . . . . . . . . . . . . . .

Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bocas esmagadas
Tudo outro espasmo que principio ou fim...


III-INTER-SONHO

Numa incerta melodia
Toda a minh'alma se esconde.
Reminiscências de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!
. . . . . . . . . . . . . . .

Tateio... dobro... resvalo...
. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...
. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadelo tão bom...
. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as cores,
Vivo em roxo e morro em som...

IV-ÁLCOOL

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'aureola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra alem...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eteriso?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.


V-VONTADE DE DORMIR

Fios d'ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira-
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...
. . . . . . . . . . . . . . .

--Ai que saudade da morte...
. . . . . . . . . . . . . . .

Quero dormir... ancorar...
. . . . . . . . . . . . . . .

Arranquem-me esta grandeza!
--Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?...


VI-DISPERSÃO

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não tem bem-estar nem família).

O pobre moço das ansias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso tambem
Que te abismaste nas ansias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca dourada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde dourada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte--
Minha dispersão total--
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu ultimo dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e alem me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

E tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço...
. . . . . . . . . . . . . . .

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...


VII-ESTÁTUA FALSA

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minh'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu emano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...


VIII-QUASI

Um pouco mais de sol--eu era brasa,
Um pouco mais de azul--eu era alem.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho--ó dor!--quasi vivido...

Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama,
Quasi o principio e o fim--quasi a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
--Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim...--
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ansias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol--vejo-as cerradas;
E mãos d'heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
. . . . . . . . . . . . . . .

Um pouco mais de sol--e fôra brasa,
Um pouco mais de azul--e fora alem.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Paris 1913--maio 13.

IX-COMO EU NÃO POSSUO

Olho em volta de mim. Todos possuem
Um afeto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ansias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse--ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado d'alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
--Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranha-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim--ó ânsia!--eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo d'extases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me rio,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.


X-ALEM-TEDIO

Nada me expira já, nada me vive-
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim d'alma esquecida,
Dormir em paz num leito d'hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
Á força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei á dor,
Pois tudo me ruíu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silencio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


XI-RODOPIO

Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas torres de marfim.

Ascendem hélices, rastros...
Mais longe coam-me sóis;
Há promontórios, faróis,
Upam-se estátuas d'herói,
Ondeiam lanças e mastros.

Zebram-se armadas de cor,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor...

Cristais retinem de medo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.

Luas d'ouro se embebedam,
Rainhas desfolham lírios;
Contorcionam-se círios,
Enclavinham-se delírios.
Listas de som enveredam...

Virgula-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.

Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos d'anseantes...

(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas--
Um lenço, fitas, dedais...)

Há elmos, troféus, mortalhas,
Emanações fugidias,
Referências, nostalgias,
Ruínas de melodias,
Vertigens, erros e falhas.

Há vislumbres de não-ser,
Rangem, de vago, neblinas;
Fulcram-se poços e minas,
Meandros, pauis, ravinas
Que não ouso percorrer...

Há vácuos, há bolhas d'ar,
Perfumes de longes ilhas,
Amarras, lemes e quilhas--
Tantas, tantas maravilhas
Que se não podem sonhar!...


XII-A QUEDA

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixa-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço d'ouro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesouro,
Morro á mingua, de excesso.

Alteio-me na cor á força de quebranto,
Estendo os braços d'alma--e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra--em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
--Vencer ás vezes é o mesmo que tombar--
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
. . . . . . . . . . . . . . .

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

Paris 1913--maio 8.
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Fonte:
SÁ-CARNEIRO, Mario de. Dispersão. Doze poesias. Lisboa: Tipografia do Comercio, 1914

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trova IV

Fontes:
– Trovas. RJ: Ed. Plaquette, 2001.
– Imagem = http://imagensbiblicas.wordpress.com

Omar Khayyam (Rubayat)

Rubaiyat é o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. O Rubaiyat de Khayaam é composto de 120 quadras.

RUBAYAT
Omar Khayyan
1
Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um homem sincero.

2
O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.

3
Olha com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus defeitos não são menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

4
Que o teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não firas ninguém.

5
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.

6
Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti.

7
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.

8
Há muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava
os ombros lisos da bem amada.

9
Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?

10
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.

11
É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?

12
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

13
Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

14
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?

15
Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.

16
Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.

17
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.

18
Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça
e esquecer a nossa incurável ignorância.

19
Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.

20
É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.

21
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

22
Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?

23
O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.

24
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.

25
Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

26
Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.

27
Olha, um dia a alma deixará o teu corpo
e ficarás por trás do véu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto não chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irás depois?

28
Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.

29
A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criança que expirou ao nascer;
mais feliz quem não veio ao mundo.

30
Na feira que atravessas não procures amigos
ou abrigo seguro. Aceita a dor que não tem remédio
e sorri ao infortúnio; não esperes que te sorriam:
Seria tempo perdido.

31
O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão do teu cadáver.

32
Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?

33
Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro
dos dias e das noites, és o palácio triste onde mil Djenchids
sonharam com a glória e mil Bahrams com o amor,
e a cada manhã acordavam chorando.

34
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.

35
Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,
murchou a bela rosa por causa do vento sul.
Lamentaremos por ela ou por nós?
Quando morrermos, outra rosa desabrochará.

36
Se não tiveste a recompensa que merecias,
não te importes, não esperes nada;
já estava tudo nas páginas daquele livro
que o vento da eternidade vai virando ao acaso.
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Fontes:
KHAYYAM, Omar. Rubaiyat. Tradução de Alfredo Braga.eBookLibris, 2003.
Capa do Livro = http:// http://www.portaldetonando.com.br/

Omar Khayyam (18 Maio 1048 – 4 Dezembro 1131)



Omar Khayyam (Nishapur, Pérsia, 18 de maio de 1048 — 4 de dezembro de 1131), poeta, matemático e astrônomo iraniano. Seu nome completo era Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyam.

Khayyam significa, em persa, fabricante de tendas; ele adotou esse nome em memória do pai que era fabricante de tendas.

No ocidente, ficou conhecido nos países de língua Inglesa devido à tradução realizada por Edward FitzGerald de sua obra principal, o Rubaiyát, publicado em 1859. Os trabalhos de Khayyám em álgebra foram difundidos na Europa durante a Idade Média; nas ciências astronômicas, ficou conhecido por ter contribuído para a reforma do calendário Persa e numerosas tabelas astronômicas.

O pesquisador Edward B. Cowell cita, no Calcuttá Review No. 59:
Quando Malik Shah determinou a reforma do calendário Persa, Omar era um dos oito homens de ciência designados para fazê-la; o resultado foi a Era Jalali (assim chamada devido a um dos nomes do rei, Jalal-ud-din).
O cômputo realizado, cita outro eminente pesquisador, Edward Gibbon, ultrapassa a precisão do Calendário Juliano, e se aproxima da precisão do Calendário Gregoriano.

Khayyám mediu o comprimento do ano em 365,24211958156 dias. Se levarmos em conta esta medida ter sido feita em plena Idade Média e sem os avançados recursos da tecnologia atual, este valor mostra uma incrível precisão relativamente aos valores atualmente conhecidos. Atualmente sabemos que o comprimento dos dias, durante o período da vida de uma pessoa, varia após a sexta casa decimal. A precisão alcançada por Khayyám é fenomenal: para comparação, devemos citar que o comprimento do ano ao final do século XIX era de 365,242196 dias, sendo hoje de 365, 242190 dias.

Em seu livro de álgebra, Khayyám se refere a outros trabalhos seus que, por infelicidade, estão hoje perdidos. Nestes trabalhos ele discutia o Triângulo de Pascal, mas não foi o primeiro a fazê-lo: já em tempos anteriores, os Chineses o haviam feito. A álgebra de Khayyám é de natureza geométrica, tendo resolvido equações lineares e quadráticas por métodos que estão presentes na Geometria de Euclides. Entretanto, ele descobriu um método para resolução de equações cúbicas, por meio da intersecção de uma parábola com um circulo mas, pelo menos em parte, este método já havia sido descrito por outros autores como Abud al-Jud.

Khayyám contribuiu com importantes resultados no estudo das relações e razões entre raios na Geometria de Euclides, incluindo o problema de sua multiplicação. O nome Khayyám é proveniente do termo "fabricante de tendas", ofício que aprendeu com seu pai.

Neychabur, sua terra natal, situa-se 115 kms à oeste de Mashad, na província do Khorasan. Esta antiga cidade, além de ter sido a terra natal de Khayyám, foi também onde nasceu outro grande poeta Persa, o místico Attar-e Neyshabury. Neyshabur é conhecida desde a alta antiguidade como um centro mundial exportador de turquesas (Firouz-e). Omar Khayyám recebeu uma boa educação em ciências e filosofia em sua terra natal, Nayshabur, e em Balk, outra cidade do Iran.
Após se formar, seguiu para Samarkand, onde completou importante tratado em álgebra. De tal modo tornou-se conhecido que foi convidado pelo sultão Seljuq Malik-Shah para realizar as observações astronômicas citadas, e para a reforma do calendário. Khayyám foi também comissionado para construir um observatório astronômico na cidade de Esfahan em colaboração com outros astrônomos. Após a morte de seu patrono em 1092, realizou uma peregrinação a Meca. Retornando a Neyshapur, passou a ensinar e dar aulas na corte de tempos em tempos, realizando predições astronômicas e astrológicas.

Entre os campos do conhecimento por ele dominado achavam-se a filosofia, a matemática, astronomia, jurisprudência, história e medicina. De sua prosa, infelizmente sobreviveu muito pouco; de seus trabalhos restam apenas alguns sobre metafísica e sobre os teoremas de Euclides. Khayyám destacou-se por seu extraodinário senso poético, expresso no O Rubaiyát. O lado poético do Persa, desde que foi redescoberto por Edward FitzGerald por volta de 1859, é o mais conhecido hoje em dia, tendo sido objeto de inspiração para muitos poetas de nossa época, dentre os quais Jorge Luiz Borges e Fernando Pessoa. Ao trabalhar com conceitos relacionados às profundezas da alma e da psique humanas, Khayyám escreveu as mais belas páginas da literatura universal.

A filosofia de Omar Khayyám impressiona-nos até hoje, lembrando-nos de Epicuro, sendo no entanto profundamente Persa em sua audácia e resignação. A poesia de Khayyám incorpora opiniões filosóficas que sobrevivem até os nossos dias, e dizem respeito a ontologia, a conceitos universais, ao livre arbítrio, à predestinação e às obrigações morais. Também nela se percebem claras referências às relações do ser humano para com o Criador e deste para com o Homem, em uma reciprocidade de responsabilidades e cuidados. Segundo E. FitzGerald, é interessante notar que o poeta, assim como outros proeminentes pensadores Islâmicos, embora tenha sofrido influências da filosofia Grega, especialmente Aristóteles, não absorveu os aspectos mais abstratos daquele modo de pensar. Khayyám preferiu expressar-se mediante figuras de uma retórica epicureana que, embora audaciosa para o seu tempo, o fez tornar-se obscuro em vida e esquecido, anos após sua morte, em sua própria terra. Concordou com a existência de Deus mas se opôs à noção de que cada acontecimento e fenômeno particular era o resultado de intervenção divina. Em vez disso ele apoiou a visão que leis da natureza explicam todos fenômenos particulares da vida observada.

Como poeta é conhecido pelos Rubaiyat (em português, "quadras" ou "quartetos"), que ficariam famosos no Ocidente a partir da tradução de Edward Fitzgerald, em 1839.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://www.somatematica.com.br/biograf/omar.php

Zélia Sell (Lançamento do livro Altdeutschen - Alemães antigos de 1829)

(Clique sobre a imagem para visualização ampliada)
A profª. Zélia Maria Sell, é jornalista e radialista de Curitiba, e apresenta o programa Nossa História na rádio educativa do governo paranaense e é sócia do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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A Imigração dos Alemães para o Paraná

Embora menos numerosos, o alemães também marcaram forte presença no Paraná. Em Rio Negro, onde existia um pequeno povoado com o nome de “Capela da Estrada da Mata” com 108 moradores em 1828, localizaram-se famílias alemãs, que teriam embarcado no veleiro alemão Charlote Louise em 30 de junho de 1828, portanto de conformidade com os planos do Governo Imperial em atrair imigrantes europeus ao nosso país. Apesar de terem aportado no Rio de Janeiro em 2 de outubro, somente em janeiro de 1829 chegaram em Antonina, e seu destino foi alcançado em 6 de fevereiro de 1829. Foi o início de uma história de lutas, desafios e vitórias.

Houve duas remessas de colonos alemães para Rio Negro, a pedido do Barão de Antonina que, para garantir a subsistência própria, tiveram de derrubar as matas, deslocar terras para revolvê-la e plantar o cereal necessário à vida.

Em 1878, alemães de origem russa vindos da região do Rio Volga, estabeleceram-se nos Campos Gerais, perto das atuais cidades de Ponta Grossa e Lapa. Neste século, colonos vindos de Santa Catarina fundaram a Colônia de Witmarsum, no município de Palmeira, suábios da região do Rio Danúbio criaram Entre Rios, em Guarapuava, e descendentes de imigrantes ocuparam a região de Cambé e Rolândia, no Norte do estado.

Para conseguir que os imigrantes alemães viessem para a região, o Governo Imperial se comprometeu a ajudá-los, de diversas formas, na fase de instalação da colônia, ele prometeu ajuda com as ferramentas e sementes, com prazos de grandes de pagamento das dívidas que fossem contraídas, e também os ajudavam com pagamentos diários de cerca de 160 réis por dia. Mas o Governo Imperial não considerou e também não cumpriu as poucas das promessas feitas aos imigrantes, os alemães arrancavam seu sustento das terras que geralmente erram pouco férteis. Os alemães uniam-se em grupos para preservar as culturas e tradições de seu país de origem.

Causas da imigração

A Imigração, no início do século XIX, passava por novos desenvolvimentos econômicos: a industrialização teve um grande impulso, necessitando de mão-de-obra especializada, o que causou a ruína de muitos artesãos e trabalhadores da indústria doméstica. Sem poderem desenvolver suas atividades artesanais, esses trabalhadores livres começaram a formar um exército de mão-de-obra (barata) assalariada para a indústria que estava nascendo.

Com os novos maquinários, também houve o aumento de produtividade no campo junto à diminuição de mão-de-obra, causando o desemprego de camponeses. Como a Alemanha passava por uma desintegração de sua estrutura feudal, muitos camponeses que eram apenas servos ficaram sem o trabalho e sem o direito de morar nas terras, ao mesmo tempo em que a população aumentava. Sem a terra para viver, migravam para as cidades e somavam ao número de proletariados.

A imigração também não acontecia somente por insatisfação social com as novas perspectivas do século XIX. Nessas mudanças econômicas que agitavam o continente europeu, a indústria desenvolveu as cidades e causou o despovoamento dos campos. À medida que a riqueza aumentava, a saúde e o acesso a novos gêneros alimentícios melhoravam, e a população aumentava. Então a princípio, os governos europeus incentivavam e encorajavam a emigração, como válvula de controle do aumento da população. Com a introdução da máquina a vapor e inovações como o transatlântico com propulsão a hélice, milhões de pessoas se movimentavam entre os continentes, em uma emigração que não obedecia a nenhum planejamento, dependendo somente de decisões pessoais, entre elas a insatisfação, o medo, ou o desejo de uma vida melhor.

O governo alemão também encorajava grupos de empreendedores a conhecer novas terras para conseguir mercado para os produtos alemães. Para algumas colônias, chegou-se a fazer o planejamento, e a contratação de administradores e profissionais liberais para a formação das colônias, que vinham para o Brasil e formavam sua vida aqui. Embora desejadas, as relações comerciais entre as colônias alemãs e sua terra de origem foram modestas, muitas vezes restando somente aos colonos a identificação cultural com a terra de origem, pois não mais tinham contato com ela.

Os alemães que imigraram para o Brasil eram normalmente camponeses insatisfeitos com a perda de suas terras, ex-artesãos, trabalhadores livres e empreendedores desejando exercer livremente suas atividades, perseguidos políticos, pessoas que perderam tudo e estavam em dificuldades, pessoas que eram “contratadas” através de incentivos para administrarem as colônias ou pessoas que eram contratadas pelo governo brasileiro para trabalhos de níveis intelectuais ou participações em combates.

Fontes:
– Valter Martis de Toledo (e-mail sobre o lançamento)
http://www.jusbrasil.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/7tipos/alemasul.html
http://www.alep.pr.gov.br/
http://bloggeografiaolavo.blogspot.com/2007/12/imigrao-alem-no-sul-do-brasil.html
http://www.clickriomafra.com.br/rionegro/informacoes/index.asp
– Imagem dos camponeses alemães = http:// http://www.passeiweb.com/

domingo, 17 de maio de 2009

Falecimento de Mario Benedetti

O escritor uruguaio Mario Benedetti morreu hoje, domingo, 17, em Montevidéu aos 88 anos, informaram à Agência Efe fontes ligadas à família do autor. Benedetti, que tinha um estado de saúde bastante delicado, estava em sua casa, na capital uruguaia, quando morreu.
No ano passado, o escritor foi hospitalizado quatro vezes em Montevidéu devido a diversos problemas físicos. A primeira vez foi entre janeiro e fevereiro de 2008, após sofrer uma enterocolite que fez com que ficasse desidratado. Já em março ele foi internado com problemas respiratórios, enquanto a terceira vez se deu em maio do ano passado por causa de um quadro clínico instável geral.

Após a última vez em que Benedetti foi hospitalizado, de 24 de abril até 6 de maio, o escritor recebeu alta e voltou para casa, após 12 dias internado pelo agravamento de uma doença intestinal crônica.

Benedetti escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema. Ele já recebeu os prêmios Ibero-americano José Martí (2001) e Internacional Menéndez Pelayo (2005).

A última obra publicada, o poemário "Testigo de uno mismo", foi apresentada em agosto do ano passado.

Antes da última entrada no hospital, Benedetti estava trabalhando em um novo livro de poesia cujo título provisório é "Biografía para encontrarme".

Já há algum tempo o famoso escritor não se apresentava em público e concedia poucas entrevistas à imprensa, mas continuava trabalhando em suas obras diretamente de Montevidéu.

No ano passado, publicou "Testemunha de um mesmo".

Sua carreira literária começou em 1949 e chegou a fama sete anos depois ao publicar "Poemas de escritório", sobre a rotina de trabalho. Desde 1992, tem lançado quase uma obra por ano.

Fonte:
Estadao. Caderno 2. http://www.estadao.com.br/

Mario Benedetti (14 Setembro 1920 – 17 Maio 2009)



14 de Setembro de 1920 (Paso de Los Toros, Uruguai) – 17 de Maio de 2009 (Montevidéo, Uruguai)

Mario Benedetti foi um poeta, escritor e ensaísta uruguaio. Integrante da Geração de 45, a qual pertencem também Idea Vilariño e Juan Carlos Onetti, entre outros. Considerado um dos principais autores uruguaios, ele iniciou a carreira literária em 1949 e ficou famoso em 1956, ao publicar "Poemas de Oficina", uma de suas obras mais conhecidas. Benedetti escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema.

Filho de Brenno Benedetti e Matilde Farugia, Mario Benedetti nasceu em 14 de Setembro de 1920, em Paso de Los Toros, Tacuarembó, Uruguai.

Aos quatro anos de idade sua família muda-se para Montevidéu. Inicia seus estudos no Celógio Alemão de Montevidéu, onde fica até 1933. Em 1934 ingressa na Escuela Raumsólica de Logosofía. Permanece apenas um ano e em seguida parte para o Liceu Miranda. Mas por problemas financeiros, acaba por seguir seus estudos de maneira auto-didata. Desde os quatorze anos trabalha na empresa Will L. Smith S.A., da Argentina.

Em 1938 muda-se para Buenos Aires, Argentina, onde permanece até 1941.

Em 1945 passa a integrar a equipe de redação do semanário Marcha, de Montevidéu - onde permaneceu até 1974, ano em que o semanário é fechado pelo governo de Juan María Bordaberry. Em 1953 publica Quién De Nosostros. Em 1954 é nomeado diretor literário do semanário.

Em 1946 casa-se com Luz López Alegre. Em 1948 dirige a revista literária Marginalia e publica o volume de ensaios Peripecias y Novela.

Em 1949 torna-se membro do conselho de redação da revista literária Número, uma das revistas mais destacadas na época. Participa ativamente no movimento contra o Tratado Militar com os EUA, sua primeira ação como militante. Ainda nesse ano, ganha o Prêmio do Ministério de Instrução Pública, por sua primeira antologia de contos, Esta Mañana.

Em 1960 publica La Tregua. Romance levado às telas de cinema pelo diretor Sergio Rénan. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1974, perdendo a estatueta para Amarcord, do italiano Fellini.

Em 1964 trabalha como crítico de teatro e co-diretor da página literária semanal Al Pie de Las Letras, do diário La Mañana. Colabora como humorista na revista Peloduro. Escreve crítica de cinema na Tribuna Popular.

De 1968 a 1971 foi diretor do Centro de Pesquisas Literárias da Casa de las Américas, de Havana, Cuba, o qual foi membro fundador.

Em 1971 participa ativamente da vida política uruguaia, como membro do Movimiento 26 de Marzo. É nomeado diretor do Departamento de Literatura Hispanoamericana na Faculdade de Humanidades e Ciencias da Universidade da República, de Montevidéu.

Sob o Golpe de Estado de 27 de Junho de 1973, Mario Benedetti renuncia ao cargo na Universidade. Por suas posições políticas, deve deixar o Uruguai, partindo para o exílio em Buenos Aires, Argentina. Posteriormente, exila-se no Peru, onde foi detido e deportado, indo imediatamente, em 1976, para Cuba.

Volta ao Uruguai em 1983, inciando o autodenominado período de desexílio, motivo de muitas obras. Em 1986 recebe o Prêmio Jristo Botev da Bulgária, por sua obra poética e ensaística.

Desde os anos 50 até hoje a obra de Mario Benedetti foi contemplada com muitos prêmios e homenagens, dentre eles o título de Doutor Honoris Causa, em 1997, pela Universidade de Alicante, Espanha.

Depois do falecimento de sua tão estimada esposa Luz López, em Abril de 2006, vítima de Alzheimer, Mario Benedetti se mudou definitivamente para sua residência no bairro Central de Montevidéu. Em função dessa mudança, dôou parte de sua biblioteca pessoal ao Centro de Estudos IberoAmericanos Mario Benedetti da Universidade de Alicante, Espanha.

Seus livros foram traduzidos para mais 20 idiomas e é considerado um autor do primeiro plano da literatura latino-americana contemporânea.

Em 2008, o escritor foi hospitalizado quatro vezes em Montevidéu devido a diversos problemas físicos.

Morreu aos 88 anos, no dia [17 de Maio de 2009] em Montevidéu. O autor tinha um estado de saúde bastante delicado e estava em sua casa, na capital uruguaia, quando morreu. A primeira vez foi entre janeiro e fevereiro de 2008, após sofrer uma enterocolite que fez com que ficasse desidratado. Já em março ele foi internado com problemas respiratórios, enquanto a terceira vez se deu em maio do ano passado por causa de um quadro clínico instável geral. Após a última vez em que Benedetti foi hospitalizado, de 24 de abril até 6 de maio, o escritor recebeu alta e voltou para casa, após 12 dias internado pelo agravamento de uma doença intestinal crônica.

A última obra publicada, o poemário "Testigo de Uno Mismo", foi apresentada em agosto de 2008. Antes da última entrada no hospital, Benedetti estava trabalhando em um novo livro de poesia cujo título provisório é "Biografía para Encontrarme".

Prêmios
Recebeu os prêmios Ibero-americano José Martí (2001) e Internacional Menéndez Pelayo (2005).

Obras

Conto
Esta Manhã e Outros Contos, 1949.
Montevideanos, 1959.
Datos para el viudo, 1967.
A Morte e Outras Surpresas, 1968.
Con y sin nostalgia, 1977.
Geografías, 1984.
Recuerdos olvidados, 1988.
Despistes y franquezas, 1989.
Buzón de tiempo, 1999.
El porvenir de mi pasado, 2003.
El otro yo

Drama
El reportaje, 1958.
Ida y vuelta, 1963.
Pedro y el Capitán, 1979.

Novela
Quem De Nós, 1953.
A Trégua, 1960.
Gracias Por El fuego, 1965.
El cumpleaños de Juan Ángel, 1971.
Primavera con una esquina rota, 1982.
A Borra do Café, 1992.
Andamios, 1996.

Poesia
La víspera indeleble, 1945.
Sólo mientras tanto, 1950.
Te quiero, 1956.
Poemas de la oficina, 1956.
Poemas del hoyporhoy, 1961.
Inventario uno, 1963.
Noción de patria, 1963.
Próximo prójimo, 1965.
Contra los puentes levadizos, 1966.
A ras de sueño, 1967.
Quemar las naves, 1969.
Letras de emergencia, 1973.
Poemas de otros, 1974.
La casa y el ladrillo, 1977.
Cotidianas, 1979.
Viento del exilio, 1981.
Preguntas al azar, 1986.
Yesterday y mañana, 1987.
Canciones del más acá, 1988.
Las soledades de Babel, 1991.
Inventario dos, 1994.
El amor, las mujeres y la vida, 1995.
El olvido está lleno de memoria, 1995.
La vida ese paréntesis, 1998.
Rincón de Haikus, 1999.
El mundo que respiro, 2001.
Insomnios y duermevelas, 2002.
Inventario tres, 2003.
Existir todavía, 2003.
Defensa propia. 2004.
Memoria y esperanza, 2004.
Adioses y bienvenidas, 2005.
Canciones del que no canta, 2006.

Ensaio
Peripecia y novela, 1946.
Marcel Proust y otros ensayos, 1951.
El país de la cola de paja, 1960.
Literatura uruguaya del siglo XX. 1963.
Letras del continente mestizo, 1967.
El escritor latinoamericano y la revolución posible, 1974.
Notas sobre algunas formas subsidiarias de la penetración cultural, 1979.
El desexilio y otras conjeturas, 1984.
Cultura entre dos fuegos, 1986.
Subdesarrollo y letras de osadía, 1987.
La cultura, ese blanco móvil, 1989.
La realidad y la palabra, 1991.
Perplejidades de fin de siglo, 1993.
El ejercicio del criterio, 1995.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

Mário Benedetti (Teia de Poemas)



GARRAFA AO MAR

O mar um acaso
Vicente Huidobro

Ponho estes seis versos em minha
garrafa ao ma
com o desígnio secreto de que
algum dia
chegue a uma praia quase deserta
e uma criança a encontre e a
destampe
e no lugar de versos extraia
pedrinhas
e socorros e alertas e caracóis.
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O MAR VEM DO MAR

O mar vem do mar
morre nascendo
simulacro de deus
baba do céu

vem do mar o mar
mar de si mesmo
deserto sem memória
e sem esquecimento

o mar chega ao mar
mas à noite
as ressacas não retornam
para o horizonte
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VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA DE HERÁCLITO

Não é só o rio que não se repete

tampouco se repetem
a chuva o fogo o vento
as dunas o crepúsculo

não é só o rio
sugeriu o fulano

portanto
nada pode

uma pessoa qualquer
ser contemplado duas vezes
em teus olhos
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LIBERTAÇÃO DAS POMBAS

Soltar uma pomba
nem sempre é algo fácil
de imaginar

a pomba é a chave
de tantos sonhos
artesanais

se alguém diz pomba
pensa espírito santo
pensa paz

por isso
soltar uma pomba
é sempre algo difícil
de imaginar

quiçá exista apenas
uma maneira de fazê-lo

soltar realmente
uma pomba
====================

TEORIA DOS CONJUNTOS

Cada corpo tem
sua harmonia e
sua desarmonia

em alguns casos
a soma das harmonias
pode ser quase
enjoativa

em outros
o conjunto
de desarmonias
produz algo melhor
do que a beleza
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SOBREVIVENTES

Quando em um acidente
uma explosão
um terremoto
um atentado
salvam-se quatro ou cinco
cremos
insensatos
que derrotamos a morte

mas a morte nunca
se impacienta
pois, com certeza
sabe melhor do que ninguém
que os sobreviventes
também morrem

Trova III

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Fontes:
Pintura (Salvador Dali)
Trova (Clube da Simpatia de Portugal)

Alfonso Reyes (Poesias Avulsas)


SOL DE MONTERREY

Não há dúvida: em menino
o sol me perseguia
andava atrás de mim
como cãozinho dengoso;
despenteado e doce,
claro e amarelo:
esse sol dorminhoco
que segue os meninos.
(O fogo de maio
me armou cavaleiro
eu era o Menino Andante
e o sol, meu escudeiro.)

Todo céu era de anil,
toda casa, de ouro.
Quanto sol entrava
nos meus olhos!
Mar adentro pela frente,
aonde quer que eu vá,
ainda que haja nuvens fechadas,
oh quanto pesa o sol!
Oh quanto dentro me dói,
essa cisterna de sol
que viaja comigo!
Eu não conheci na minha infância
sombra, somente assoalho. -
Cada janela era sol,
cada quarto eram janelas.
Os corredores retesavam
arcos de luz pela casa.
Nas árvores ardiam
as brasas das laranjas
e a horta em lume vivo
se dourava.

Os pavões reais eram
parentes do sol. A garça
começava a arder
a cada passo que dava.
E a mim o sol me despia
para grudar-se comigo,
despenteado e doce,
claro e amarelo
esse sol dorminhoco
que segue os meninos.

Quando saí de casa
de bengala e de terno,
disse a meu coração:
- Já levas o sol no momento! -
É tesouro - e não se acaba:
não se me acaba - e o gasto.
Trago dentro tanto sol
que já tanto sol me cansa. -
Eu não conheci na minha infância
sombra, somente assoalho.
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A.

Tardes assim, já as respirei acaso?
Cabelos soltos, úmidos do banho:
Cheiro de granja, frescor de garganta,
Primavera toda ela flor e água.

Abriu-se a reixa e fomos a cavalo.
O céu era canção, carícia o campo,
E a promessa de chuva andava viva
E alegremente pelos altos cumes.

Tremia cada folha e era bem minha,
E tu também, de medo sacudida
Entre pressentimentos e relâmpagos.

Pulsavam entre nuvens as estrelas,
E o palpitar da terra nos chegava
Pelo tranco ligeiro do cavalo.
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Fontes:

Alfonso Reyes (17 Maio 1889 – Agosto 1959)


Alfonso Reyes nasceu em Monterrey (Estado de Nuevo Leon, México), em 17 de maio de 1889, era o filho do general Bernardo Reyes e Sra. Aurelia Ochoa Reyes. Fez seus primeiros estudos em escolas particulares, em Monterrey, no Liceu Francês de México, o Colégio Civil de Nuevo León, na Escola Nacional Preparatória e na Faculdade de Direito do México, onde obteve o título de advogado a 16 de julho de 1913.

Em 1909 ele fundou, com outros escritores mexicanos o "Ateneo de la Juventud". Lá, junto com Pedro Henríquez Ureña, Antonio Caso e José Vasconcelos se organizaram para ler os clássicos gregos. Em 1910 ele publicou seu primeiro livro "Questões Estéticas." Em Agosto de 1912, foi nomeado secretário da Escola Nacional de Estudos Avançados, que professavam a cadeira de "História da Língua Espanhola e Literatura", de abril a junho de 1913. Dia 17 deste mês foi nomeado segundo secretário da Missão Diplomática da França no México, que ocupou até outubro de 1914. Exilado em Espanha (1914-1924), após a morte do seu pai, general Bernardo Reyes, estudou na escola Menéndez Pidal e depois a estética de Benedeto Croce. Mais tarde publicou vários ensaios sobre a poesia do ciclo de ouro espanhol, incluindo: "Barroco" e "Góngora", além de ter sido um dos primeiros escritores a estudar Irmã Juana Inês de la Cruz. Desta época são "Cartones Madrid" (1917), o seu curto, mas magistral livro, "Visão de Anahuac" (1917), "O suicídio" (1917) e "O Caçador" (1921).

Em Espanha, foi dedicado à literatura e jornalismo, trabalhou no Centro de Estudos Históricos de Madrid sob a direção de Don Ramón Menéndez Pidal. Em 1919 ele foi nomeado secretário da comissão mexicana Francisco del Paso y Troncoso, também fez este ano a prosificação do poema Meu Cid. Em junho de 1920, foi nomeado segundo secretário da Missão Diplomática da Espanha, no México. Desde então e até fevereiro de 1939, quando ele retornou definitivamente para o México, ele ocupou vários cargos no serviço diplomático, Encarregado de Negócios em Espanha (1922-1924), Ministro da França (1924-1927), Embaixador da Argentina (1927-1930 e 1936-1937) e Brasil (1930-1936). Em Abril de 1939 foi o presidente da Casa de Espanha, no México, que mais tarde tornou-se no Colegio de México, e catedrático fundador do Colégio Nacional. Em 1945 ele ganhou o Prêmio Nacional de Literatura, no México. De 1924 para 1939 se tornou uma figura-chave da Espanha continental, como atesta o próprio Borges.

Sua obra clássica com o mundo não se limita a erudição, é mais uma reinvenção de metáforas poéticas, e mesmo políticas que definem novas perspectivas para articular a realidade do México, como o seu "Discurso de Virgílio" (1931). Em "Ifigenia cruel" (1924), poema dramático, no estilo do cinema clássico, o mito contado por Eurípedes se reinventa e se transforma em uma reflexão sobre a identidade e o passado, uma alegoria de sua própria vida pessoal e também a do México diante de sua própria revolução. O poeta faleceu em agosto de 1959.

(tradução do espanhol por José Feldman)
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Reyes no Brasil

As décadas de 20 e 30 foram conturbadas em toda a América Latina. Os países da região passaram por conflituosos processos de afirmação de suas respectivas identidades nacionais, com farta produção cultural e delicados momentos políticos. O escritor, jornalista e diplomata mexicano Alfonso Reyes é uma personalidade emblemática desse período latino-americano, que viveu ativamente os dilemas de uma época tanto em seu país de origem quanto no Brasil e na Argentina, onde se estabeleceu em função da atividade diplomática.

Reyes foi uma testemunha privilegiada de um momento cultural singular nos países latinos (americanos e europeus). Ele é uma personalidade de suma importância para a integração cultural entre os países da América e as relações políticas entre as diversas nações

A estada de Reyes no Brasil fez parte de um processo até então inédito de aproximação entre Brasil e México, num período em que fatores como a distância geográfica, as dificuldades econômicas e o próprio isolamento político-cultural dificultavam o intercâmbio entre os países da região. Nesses anos, a ação diplomática constituía muitas vezes a única possibilidade de aproximação.

Reyes manteve também uma relação próxima com os pintores Emiliano Di Cavalcanti e Cícero Dias, e com os escritores Graça Aranha, Aníbal Machado, Murilo Mendes, Ribeiro Couto e Alceu Amoroso Lima. A proximidade com a elite cultural do país rendeu ao escritor a condecoração da “Grande Cruz do Cruzeiro do Sul”, honraria máxima concedida pelo governo brasileiro a um estrangeiro.

Em 1927, quando passou pelo Rio de Janeiro rumo a Buenos Aires, Alfonso Reyes deixou-se seduzir por sua exuberante paisagem. Numa carta ao jovem poeta Carlos Pellicer, que havia estado no País como membro da comitiva de José Vasconcelos, cinco anos antes, Reyes se refere aos seus versos, nos quais as marcas do Brasil são memoráveis.

No Rio de Janeiro Reyes não pôde encontrar — nem apreciar — o peso simbólico de uma arquitetura rica e diversificada, como a da Cidade do México, que refletisse o passar do tempo exatamente como o domínio da Geografia pela História e a preservação da História como prova de tal domínio. Durante seus primeiros tempos de Brasil, em vez de expressar o mesmo entusiasmo de Vasconcelos, Alfonso Reyes foi parco e reticente em suas impressões. Recém chegado da efervescente Buenos Aires, onde havia sido embaixador, e depois de haver vivido muitos anos na Europa, o mexicano teve que se adaptar ao País, e só quando se acostumou ao seu novo ambiente é que pôde ir paulatinamente se envolvendo em aspectos mais profundos da cultura brasileira.

Alfonso Reyes desembarcou no Rio de Janeiro no dia 16 de março de 1930 para assumir o posto de embaixador plenipotenciário do México no Brasil. É interessante analisar a relação de Reyes com o Brasil, pois a partir dela podemos refletir sobre essa espécie de choque ou oposição entre elementos em certa maneira díspares — as forças da natureza e a ação da cultura, o desfrute e o trabalho, o êxtase e a reflexão crítica — que o escritor parece haver sentido.

Reyes sempre procurou inserir-se em sua vida cultural. Em primeiro lugar, dedicou-se a um novo tipo de exercício intelectual: analisar a cultura ibérica em suas duas manifestações lingüísticas —o português e o espanhol— e analisá-la considerando a sua bifurcação inevitável no que se poderia definir como duas Américas distintas, a hispânica e a portuguesa (parentes, mas não irmãs). No que se refere ao primeiro tema, o das línguas, Reyes manifestou um profundo interesse na sua discussão.

Quanto ao segundo tema, o das duas Américas, é necessário considerar o trabalho paciente e tenaz de aproximação que o embaixador soube realizar. Para desempenhar muitas de suas funções diplomáticas, Reyes teve que mergulhar na cultura brasileira, que era nova e desconhecida para ele. Isso significou, entre outras coisas, que teve que buscar compreender e ter paciência para descobrir quais eram os monumentos de cultura dentro de uma paisagem cuja exuberância natural não guardava grandes edifícios que preservassem a tradição ibérica e tampouco escondia ruínas de imponentes civilizações passadas. A constatação de que realmente havia vida intelectual no Brasil e de que a suposta oposição entre vida inteligente e prazer contemplativo podia transformar-se em convivência criadora parece tê-lo tirado, pelo menos em parte, de seu pessimismo inicial.

Como diplomata e escritor, Reyes tinha que se dedicar à interlocução. Se no começo sentia que não havia ninguém que valesse a pena conhecer, aprendeu a construir uma vida intelectual e social importante, da qual participavam não só brasileiros como estrangeiros. À medida que se envolvia nas atividades culturais e políticas do País, Reyes se deu conta de que seu panorama cultural e político era muito mais complexo do que havia pensado e que, por trás do que parecia uma falta de interesse com relação ao exterior, havia um importante movimento nacional de produção cultural e artística. Mais que isso, havia uma preocupação generalizada entre os intelectuais e artistas com os quais passou a conviver em compreender e explicar seu próprio país, o povo brasileiro e sua cultura.

À parte sua intervenção em missões diplomáticas proeminentes, a participação de Reyes na vida cultural e política da capital brasileira foi efetivamente prolífica. O embaixador esteve presente em uma série de eventos culturais importantes junto à comunidade intelectual brasileira e soube contribuir para estimular a discussão de políticas de aproximação entre o Brasil e os países hispano-americanos. Nesse sentido, é importante destacar que Reyes se relacionou com intelectuais, jornalistas, professores e estudantes vinculados a organizações, grupos e partidos políticos dos mais variados matizes ideológicos.

Em 1933, por exemplo, o então estudante Carlos Lacerda (futuro opositor de Vargas, de Kubitschek, e um dos principais articuladores civis do golpe militar de 31 de março de 1964) convidou-o com insistência a dar conferências na associação de estudantes de que participava. A associação planejava nada mais nada menos que criar uma nova base espiritual capaz de apoiar e desenvolver outras concepções dos problemas do País. Lacerda sugeria que Reyes falasse sobre o México e completava o seu convite anunciando: "Isso é um começo. Para continuar, precisamos de auxílio. Esse auxílio é, por exemplo, a sua palavra sempre esperada e sempre aceita e admirada".

Um ano antes, em 1932, a poeta Cecília Meireles, integrante de um grupo de professores preocupados com a renovação educacional do País, foi enfática em sua admiração por Reyes. Segundo ela, o Brasil precisava estabelecer um intercâmbio espiritual e expandir suas relações com os povos do continente. Sua juventude buscava o universalismo e, para alcançá-lo, necessitava de um guia. Este guia era Alfonso Reyes.

É importante destacar que o campo de interesses do embaixador mexicano era suficientemente amplo para abrigar amigavelmente jovens como Lacerda e poetas como Manuel Bandeira e Ribeiro Couto que, a exemplo de Cecília Meireles, sentiam-se ligados ao mexicano não apenas pelo seu trabalho com as palavras, mas também pelo interesse por temas literários e culturais relacionados à América Latina. A consulta à correspondência do autor comprova que a questão do intercâmbio cultural foi tema constante em suas cartas a Bandeira e a Couto.

Reyes investiu muito trabalho e tempo nas tarefas de difusão e conseguiu um resultado importante nesse campo, com a edição de seu correio literário Monterrey. Com essa publicação, além de divulgar aspectos da literatura e da cultura mexicanas entre os brasileiros, pôde tornar públicas suas próprias preocupações intelectuais e literárias. Em Monterrey, os temas mexicanos se faziam acompanhar pela análise de questões referentes à América Latina e a temas e autores relacionados à literatura ocidental.

A ausência do Brasil em sua publicação poderia servir para relativizar a imagem que se costuma associar a Alfonso Reyes como o construtor de uma sólida ponte cultural e literária entre o México e o Brasil. Nesse sentido, se é certo que o diplomata se preocupou em consolidar uma imagem positiva da cultura mexicana entre os brasileiros, e o intelectual, em estabelecer um círculo importante, conformado por muitas personalidades de peso no mundo da cultura e das artes, pareceria que o escritor se esqueceu de refletir sobre a produção literária brasileira e de oferecer sua pequena publicação às tarefas de intercâmbio. Penso que é necessário analisar a relação de Reyes com o Brasil, considerando que ela se plasmou de maneiras distintas, devido exatamente ao exercício de cada um dos papéis que teve que desempenhar no País: diplomata, intelectual e literato (crítico e escritor). Assim, poderíamos entender por que, paralelamente ao cumprimento de suas tarefas diplomáticas, Reyes pôde cultivar em Monterrey um espaço particular, destinado aos seus interesses culturais e à reflexão de temas especificamente relacionados à sua própria trajetória literária. Por isso, difundiu sua revista entre os brasileiros, mas não falou sobre eles.

Vivendo a dicotomia permanente de ser um escritor dedicado à política, com o passar do tempo Reyes teve que defender sua posição entre os protagonistas do mundo literário mexicano, ainda que a distância. O projeto de regressar ao México depois da carreira diplomática explica, de certa forma, por que Reyes decidiu não incluir em sua revista a discussão de questões que não estivessem intimamente relacionadas com o México, ou, quando muito, com a América Hispânica. Vários anos depois de Vasconcelos haver defendido políticas de integração cultural para a América Latina, Reyes decidiu não ultrapassar as fronteiras lingüísticas e culturais entre o México e o Brasil em seu veículo editorial. Diplomata de prestígio, interlocutor atento e difusor cultural competente, Reyes soube separar todos esses interesses e pôde fazer de Monterrey uma espécie de passaporte intelectual de regresso ao seu país.

Isso não quer dizer, porém, que o Brasil não haja influenciado sua produção especificamente literária. Ao contrário, as marcas do Brasil se registraram de maneira rica e incisiva na obra que escreveu durante sua permanência no País. Poderíamos dividi-la, grosso modo, em crônicas de circunstância e pequenas ficções, algumas dispersas e outras reunidas em História natural das laranjeiras e em Quince presencias, além de vários poemas reunidos pelo autor em sua Constancia poética.

É importante observar que o autor foi incorporando aos seus poemas brasileiros os elementos embriagantes da paisagem tropical e uma certa imagem de sensualidade e erotismo, mesclada a temas populares e folclóricos. Talvez a fusão de todos estes elementos expresse mais sua experiência de vida no Brasil que a própria evolução de sua produção literária. No entanto, estes poemas "brasileiros" contribuem indubitavelmente para dar cor e sabor ao seu disciplinado labor poético.

Em 1934, Reyes foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, o escritor declarou o profundo carinho que o unia ao país: “Amo o Brasil com firme afeto, além, muito além das relações que afortunadamente unem nossos dois Estados”.

Reconhecido americanista, Reyes realizou no Brasil conferências importantes. De sua produção desses anos caberia destacar pelo menos quatro volumes de prosa e poesia: ‘Testimonio de Juan Peña’, ‘Tren de ondas’, ‘Romances del Río de Enero’ e ‘Minuta’, assim como as páginas agrupadas sob o título de ‘História natural das Laranjeiras’

Em 1938, Reyes voltou definitivamente ao México. A partir da reintegração à terra que abandonara havia mais de vinte anos, seus contatos com o Brasil se limitariam às cartas —cada vez mais escassas, para tristeza de Reyes— e à publicação (e republicação) em jornais, livros e revistas mexicanos, dos textos que escreveu sobre a cultura, a economia, a história e o cotidiano do Brasil.

Fontes:
http://www.umacoisaeoutra.com.br/literatura/hispanicos.htm
http://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=33488
http://www.antoniomiranda.com.br/
– Revista Brasileira de História. São Paulo: USP. v.23 n.45, julho 2003

Jien (17 Maio 1155 – 28 Outubro 1225)

(tradução: José Feldman)

Jien (17 de maio de 1155, em Kyoto –28 de outubro de 1225 em Omi (agora Shiga)) poeta japonês, historiador, e monge budista .

Jien nasceu na família de Fujiwara de aristocratas poderosos. Ele se juntou cedo a um monastério budista da seita de Tendai, primeiro levando o nome budista Dokaie, e mudando depois a Jien.

Ele começou a estudar e escrever história japonesa, o seu propósito era iluminar as pessoas que acham difícil de entender as vicissitudes de vida. Sua obra-prima, completada cerca de 1220, era humildemente intitulada, Gukanshô que traduz como Apontamentos de um Bobo. Nisto ele tentou analisar os fatos de história japonesa.

O Gukanshô tinha uma visão pessimista do Período Feudal, e alegou que era um período de declínio religioso e via a desintegração da civilização. Jien sustentou que mudanças na estrutura feudal eram necessárias e defendeu o direito do Poder Shogun .

Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Jien