segunda-feira, 7 de julho de 2008

Hélio Pólvora (Os Dez Mandamentos do Conto)

Uma poética do Conto Literário
O grande contista uruguaio-argentino Horacio Quiroga, autor de Cuentos de la selva, El desierto e Los desterrados, entre outros livros, elaborou em Buenos Aires, 1927, o Decálogo do Perfeito Contista — ou seja, seus mandamentos sobre a arte da história curta. O contista gaúcho Sérgio Faraco submeteu o decálogo a alguns contistas brasileiros, entre eles Hélio Pólvora, que emitiu os seguintes pareceres:

I

Crê num mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Tchékhov — como na própria divindade.

Creio em Edgar Poe, que estudou a estrutura da história curta e para ela cunhou o tributo de “singular efeito único”. Poe foi o mestre do gothic appeal — e convenhamos que o leitor gosta de mistérios, sejam os do sobrenatural, sejam os da personalidade. Não creio mais em Maupassant, porque concordo com Sherwood Anderson: não há, na vida, histórias seqüenciadas; há “instantes” que devem atuar como epifanias. O conto maupassantiano tem início, miolo e fim bem elaborados, numa fusão episódica que se sobrepõe a acontecimentos normais da vida. Não divinizo Rudyard Kipling apenas por causa da sobrecarga de exotismo Mas creio no todo-poderoso Anton Pavlovitch Tchékhov, Senhor do Conto, do qual retirou o arcabouço clássico para que pudesse espelhar a vida baça. E creio, também, em Machado de Assis, que escreveu contos funéreos à maneira de Poe, contos anedóticos à feição de Maupassant e contos modernos, tchekhovianos, nos quais os silêncios eloqüentes valem por todo um manual de ambigüidade e apelo à cumplicidade de quem o lê.

II

Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguiste sem que tu mesmo o saibas.

Sim, olhemos sempre para o alto, para as distâncias. Mas o conto, tal como a Casa Celestial dos crentes, tem várias mansões e muitos são os caminhos até elas, segundo o ponto de vista (viewpoint) do autor. Os mestres devem ser tomados como referência, não como ídolos onipotentes e inalcançáveis. Dentro de cada contista que se sente maduro ou em vias de amadurecer há, pelo menos, um facho a guiá-lo na noite escura da criação. Quando esse facho crescer a ponto de se transformar em tocha olímpica, então as cordilheiras e os cumes das cordilheiras estarão a seus pés. Para isso não bastam as musas: Hemingway falou em dez por-cento de inspiração e noventa por-cento de transpiração.

III

Resiste tanto quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência.

Nesta nossa modernidade, ou pós-modernidade, como queiram, predominam temas recorrentes: a literatura de ficção está sempre a reescrever-se. Mas não se trata de remake, porque serão sempre o temperamento e a formação do autor, com o seu ponto de vista, que farão do tema assemelhado um relato novo e original. Quiroga tem razão: há que confiar no desenvolvimento da personalidade. “Meu amigo, façamos contos”, disse Diderot, citado por Machado de Assis como epígrafe a Várias Histórias. “O tempo passa e o conto se completa sem disso darmos conta”. Jorge Luís Borges disse que “o conto, por sua índole sucessiva, corresponde intimamente a nosso ser que se desenvolve no tempo”. Verdade: no conto nada se perde, tudo se completa e se transforma. O conto é para quem o escreve — e quem o lê — meio de busca e averiguação. Brota bem de dentro do autor, tanto quanto o poema. O conto é a maneira de o autor-narrador conviver com os seus conflitos básicos. Por isso o conto há de aprimorar-se, ou simplesmente mudar, na medida em que o autor-narrador muda de conceito, ponto de vista e insight. O conto, ainda que acabado, estará sempre a pulsar, a germinar e a fermentar nos misteriosos meandros das entrelinhas.

IV

Nutre uma fé cega não na tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração.

Reconheço que é preciso acreditar, embora de desilusão em desilusão estejamos a perder as velhas crenças. Mas a fé no conto literário prevalece nos contistas ardorosos. Estes vêem no conto um enigma, uma esfinge a decifrar — ou então um espelho em que refletir e identificar a própria personalidade. Sem o ardor dessa identidade amorosa, caminha-se com mais vagar e tropeços. E, como disse o poeta António Machado, “el camino se hace al andar”. O contista William Saroyan fez praça de franqueza: quando tivermos fome, devemos comer com vontade, quando sentirmos raiva, devemos estrebuchar de cólera. E, analogamente, quando estivermos a escrever um conto, entreguemo-nos a ele de corpo e alma. Mesmo porque, conforme lembrou Saroyan, “cedo morreremos”. E disse mais: “Do not pay any attention to the tales other people make, I wrote. They make them for their own protection, and to hell with them. (...) Forget Edgar Allan Poe and O. Henry and write the kind of stories you felt like writing. Forget everbody who ever wrote anything”. Palavras da introdução a The Daring Young Man on the Flying Trapeze.

V

Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.

Há quem comece um conto cegamente, guiado pelo instinto, por uma luz bruxuleante de vaga-lume. Pelo visto, Quiroga não acreditava na intuição. E há, paralelamente, os que estruturam o conto na cabeça, deixando-o sazonar até o instante de deitá-lo no papel em branco. Eu procedi assim com “O Grito da Perdiz”, que ficou germinando uns dez anos, acreditem. São atitudes, jeitos, temperamentos. Quanto à importância do início e do fim, ela foi salientada por Tchékhov, para quem a nota inicial deveria retornar, como mesmo timbre ou timbre parecido, no fecho. Não me refiro àquele final de impacto, maupassantiano, senão a uma impressão ou estado de ânimo, ou pressentido instante revelador, que deveria abrir e fechar-se como um leque, definindo-se em toda a plenitude da onda, ou de um impulso único.

VI

Se queres expressar com exatidão essa circunstância – “Desde o rio soprava um vento frio” — não há na língua dos homens mais palavras do que estas para expressá-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupes em avaliar se são consoantes ou dissonantes.

São os instantes, as emoções, as circunstâncias que ditam as palavras. Há palavras (ou seja: formas de dizer) peculiares ao que se deseja exprimir. São únicas, insubstituíveis. Infelizmente, há momentos em que o ficcionista, errando no labirinto, defronta o indizível. Impõe-se, nesse caso, a arte da sugestão, com a qual seria possível, de acordo com Stevenson, transformar um jornal diário em nova Ilíada. A ambivalência é a maior conquista do ficcionismo moderno. Lutemos, pois, com as palavras, que nem sempre a luta será vã. Mas, ao contrário do que recomendou Quiroga, convém que nos preocupemos com o ritmo, a musicalidade da prosa. Devemos ter ouvidos abertos, afiados. A lição é de Flaubert: na solidão de Croisset, ele cantava as sentenças e ia torneando a prosa, livrando-as de nós e rugosidades. Frases sem o fluxo da música interior são típicas de prosadores surdos.

VII

Não adjetives sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas a pendurar num substantivo débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso achá-lo.

Nada tenho contra o adjetivo. Sem ele, o que seria da prosa gostosa de Eça de Queiroz? Certas categorias gramaticais parecem apegadas a determinados prosadores. Que seria de Monteiro Lobato se lhe retirássemos a força verbo-motora? O adjetivo faz parte intrínseca da prosa retórica, como, por exemplo, a de William Faulkner, que é um dos grandes ficcionistas atuais. Logo, defenda-se o adjetivo, que não é tão ornamental quanto parece: quando bem empregado, tem a sua carga imagética necessária. Nem sempre, mestre Horacio Quiroga, o substantivo é capaz de vibrar sozinho: requer um fundo musical, um acompanhamento de violino ou violoncelo. Quando se fala em escritor adjetivoso, condena-se o mau prosador, aquele prosador artificial e artificioso, que agita águas rasas para parecer profundo. Em mãos do escritor consciente, artesão, carpinteiro, engenheiro e arquiteto de palavras, o adjetivo é argamassa, é adorno sem exagero. Quem tem medo do adjetivo? Tchékhov e Machado dois artistas reticentes, não o temeram.

VIII

Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o final, sem atentar senão para o caminho que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abuses do leitor . Um conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade absoluta, ainda que não o seja.

De quando em quando os personagens se afirmam por conta própria, com um impulso interior de que não suspeitávamos. E, em vez de dar-nos as mãos, nos puxam sem cerimônia pelo braço, arrastam-nos para suas aventuras ou desventuras, seus abismos ou suas planícies rasas. Além disso, conforme já observado, não se abre o caminho inteiro, de ponta a ponta: ele se desdobra na medida em que caminhamos, em que o nosso roteiro prossegue. Quiroga pretende ater-se, naturalmente, ao essencial, ao fulcro, ao ponto ou turning point do relato. Quanto a esse aspecto, de acordo: desvios resultam cansativos. Convém atentar que o conto tem desenvolvimento unicelular, ao contrário do romance, que admite afluentes. Se um conto apresenta subplots, então se desviou para a novela, que, com as suas sobreposições, não passa de um romance curto. O conto independe de extensão: poderá completar-se nas densas “duas polegadas quadradas” de Samuel Rawet ou no latifúndio de Grande Sertão: Veredas. Decerto, Quiroga elaborou o Decálogo tomando por modelo o conto clássico ou imediatamente pós-clássico. De lá para cá, algumas regras foram atiradas pela janela, conforme o conselho de Saroyan.

IX

Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal como a viveste, chegaste, na arte, à metade do caminho.

Perfeito, mestre. A emoção, enquanto se escreve, é má conselheira. Não podemos sufocá-la de todo, porque o escritor mergulha na água limpa ou na lama do que escreve, e se conjuga, e se transmite. Mas, deve-se contê-la, sufocá-la o mais possível. Uma vez escrevi um conto em estado de sofreada exaltação, depois o reli e vi que era bom, e deixei a emoção transbordar; ela me inundou, saí pelas ruas em estado de êxtase e comunhão. Mas seria atitude prudente, uma vez concluído o conto, ou considerado acabado, guardá-lo na gaveta durante algum tempo. A gaveta funcionaria como refrigerador. Louise Bogess, americana que escreveu sobre a arte do conto literário, recomendava essa atitude: esfriar o conto, o que significa esfriar a emoção. Graciliano Ramos, depois de concluído Caetés, levou anos cortando uma palavra aqui, outra ali, fazendo substituições. Escrever, para Hemingway, consistia em cortar palavras. Para outros, menos áticos e mais retóricos, significa acrescentar. Joseph Conrad, um dos pais da prosa moderna, advertiu que era preciso esgotar o assunto, sorvê-lo como se extrai o suco da cana-de-açúcar, deixar o bagaço do assunto. Não há regras definitivas, há temperamentos que elaboram regras próprias. Em vez de “assunto” eu deveria dizer “tema” (theme), para sinalizar aquilo que a personagem principal capta e absorve em conseqüência do andamento do conto.

X

Ao escrever, não penses em teus amigos, nem na impressão que tua historia causará. Conta, como se teu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de teus personagens, e como se tu fosses um deles, pois somente assim obtém-se a vida num conto.

Uma lição valiosa. Literatura de peso se faz em silêncio. Os outros — sejam amigos, sejam, competidores ferrenhos — devem servir de emulação positiva. Escreve sem pensar no que será amanha o teu escrito, se ele terá passaporte para a eternidade ou morrerá despercebido. Os livros fazem seu próprio destino, como observou Terenciano Mauro. Escreve para desabafar, movido por necessidade interior; para calar por algum tempo os teus fantasmas, para consolar-se, para purgar. Os humildes escrevem assim, para se acalmar e se conhecer, sem pensar na glória do tipo pedestal. A verdadeira glória está na escrita, está na capacidade de quem escreve e no que ficou dito. Escreve também sem pensar na crítica. Afinal, para que serve a crítica? Em geral, ela é burra ou caprichosa, ou preconceituosa. A crítica ensinou alguém a escrever bem? Escreve, pois — porque entre os teus valores é na tua escrita que mais confias, e por ela serás absolvido.

Fonte:
Recolhido de Itinerários do Conto. Interfaces críticas e teóricas da moderna Short Story. Editus – Editora da Universidade stadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, 2002, 252 p.
http://www.jornaldecontos.com/

http://www.thebest.blog.br/ (imagem)

4ª Semana do Escritor de Sorocaba está com inscrições abertas

O evento que será realizado de 22 a 27 na Fundec prossegue até o dia 18, as inscrições para autores que desejem divulgar suas obras durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba, evento que será realizado de 22 a 27 deste mês na Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba (Fundec).

Organizada pelo escritor Douglas Lara, com o apoio do Gabinete de Leitura Sorocabano, da confraria Teia dos Amigos, e da Editora Ottoni, a Semana consiste numa oportunidade para que escritores, principalmente os iniciantes, divulguem seus trabalhos. Da mesma forma, a mostra garante maior visibilidade às produções literárias locais.

A semana literária reunirá dezenas de autores independentes, editoras e livrarias, com sessões de autógrafos, lançamentos e palestras. Como acontece em todos os anos, haverá, no dia 24, o lançamento da coletânea Roda Mundo 2008, junto com a primeira antologia infanto-juvenil, Rodamundinho 2008. Para participar, o interessado recolhe uma taxa de R$ 50 por título publicado; em caso de lançamento, o valor é de R$ 100. Coletâneas com dez ou mais participantes, contribuem com R$ 200.

A programação ainda não foi fechada, mas os organizadores, reservaram o dia 25, sexta-feira, para que profissionais da imprensa promovam seus trabalhos. Nesse dia, participa da noite de autógrafos, o jornalista do Cruzeiro do Sul, José Antônio Rosa, autor de O Livro de Salomão, projeto aprovado pela Linc, que conta as histórias do radialista, comunicador e proprietário do Sistema Vanguarda de Comunicação e da Tv Sorocaba, Salomão Pavlovsky.

Pretendemos abrir espaço para que os jornalistas que possuam obras publicadas, ou que estejam por ser lançadas, o façam durante a Semana. Essa interação é muito importante, comentou Douglas Lara. A representante da confraria Teia dos Amigos, Sonia Maria Grando Orsiolli, também destacou o potencial do evento que já faz parte do calendário cultural da cidade. Temos a certeza de que a semana não só repetirá, como deverá alcançar um sucesso ainda maior nesta edição.

Para participar, os interessados podem manter contato com escritor Douglas Lara, pelo telefone (15) 3227-2305, ou pelo e-mail douglara@uol.com.br .

A Semana do Escritor de Sorocaba será realizada de terça-feira a sábado, das 14h às 22h, e no domingo, das 10h às 18h com entrada gratuita.

A Fundec fica na Rua Brigadeiro Tobias, 73.
A Fundec tem sua sede no antigo Teatro São Rafael, construído em 1844, em pleno coração da cidade, já serviu de abrigo à Prefeitura Municipal de 1935 a 1980 e à Câmara Municipal de 1982 a 1999. Restaurado e modernizado, o prédio conta com auditório e espaço para as mais variadas mostras artísticas.

Outras informações podem ser obtidas pelo telefone (15) 3233-2220.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece
Notícia publicada na edição de 06/07/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 5 do caderno B,
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=42&id=100437

Sarau Literário no XV Festival de Artes de Itu

Sarau Literário Leva Poesia e Música ao Festival de Artes

Um dos primeiros eventos do XV Festival de Artes de Itu será o Sarau Literário e Musical, que acontecerá no dia 12 de julho próximo, às 16 horas, na Biblioteca Comunitária "Prof. Waldir de Souza Lima". Haverá poesia, prosa, música e performances, inclusive com a interação do público.

Participarão cerca de oito poetas e músicos da capital, entre eles João Rosalvo; Paulo Almeida; Rui Mascarenhas, poeta e autor do livro MEIOHOMEM; Ivan Antunes, poeta do grupo Vacamarela e agitador cultural responsável pelo projeto "as treze visões do largo treze de maio"; Carlos Galdino, poeta que domina a literatura de cordel; e Vinícius Leite, músico.

SARAU LITERÁRIO E MUSICAL
Data: 12/07/2008
Horário: 16 horas
Local: Biblioteca Comunitária "Prof. Waldir de Souza Lima"
Endereço: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu.
Contatos: (11) 7599.7848 - Nathalia; (11) 8445-6122 - Renato

Fonte:
E-mail enviado pela Biblioteca Comunitária "Prof. Waldir de Souza Lima"

domingo, 6 de julho de 2008

Hélio Pólvora (1928)

Hélio Pólvora costuma identificar-se como "um pobre homem de Itabuna", parodiando Eça. Diz também que saiu do "ventre dos cacuais". Itabuna é cidade do sul da Bahia, centro comercial da Região Cacueira.

Pólvora aprendeu as primeiras letras com a mãe, decifrando manchetes de jornais. Mais adiante leu a pequena biblioteca familiar, fez o curso primário na cidade e o secundário, a partir de 1942, em Salvador, Bahia.

Voltou à sua aldeia em 1947, praticou jornalismo em Voz de Itabuna, um semanário, e a 16 de Janeiro de 1953 chegava ao Rio de Janeiro – cinco dias antes da morte de Graciliano Ramos, com quem pretendia conversar.

Passou por quase todas as redações cariocas, assinou rodapés de crítica literária e iniciou-se na prosa de ficção.

Alguns livros: Os Galos da Aurora (1950), Estranhos e Assustados (1966), Noites Vivas (1971), Massacre no Km 13 (1978), O Grito da Perdiz (1982), Mar de Azov (1986) e Xerazade (1990) – todos eles de histórias curtas e novelas.

Retornou à Bahia após 32 anos.

Ainda faz jornalismo em Salvador e atualmente preside a Fundação Cultural de Ilhéus.

É ainda coordenador do "site" Jornal de Contos (http://www.e-net.com.br/contos/).

Também ganha o pão como cronista e tradutor.

Fonte:
http://www.vidaslusofonas.pt/

Hélio Pólvora (Enlutada estará Helena)

Primos estranhos. Deles, pelos pais, Helena ouvia falar vagamente: notícias miúdas, observações, críticas. Percebeu, enquanto crescia, que os primos eram rejeitados. Mais adiante, madura, inferiu que a rejeição, se houvera, como de fato parecia, fora mútua. Os primos não os queriam, a eles, Oliveira, nem eles, os Oliveira, davam maior importância aos primos.

Nem todos podem inspirar amor, pensou mais tarde. Do contrário, o mundo seria um palco de extremadas ligações perigosas. Mas o amor comporta facetas, graus de intensidade que formam estágios e definem, então, o limite do afeto. Amizade, por exemplo, é um antecedente do amor. Se não se transforma em sentimento mais forte, em paixão, em apego, é apenas amizade. Amigos se gostam, uns mais, outros menos — mas, se gostam, são necessários. Amigos se procuram, se consultam. Amigos se visitam.

No entanto, os primos não visitavam nem eram visitados. Moravam ali perto, em lugar que os Oliveira fingiam conhecer, e até diziam conhecer o caminho, chegarem lá sem erro. Por que, então, se eram parentes, ramos do mesmo tronco, andavam distantes, mal se cumprimentavam? Os dias eram monótonos. Escorriam morosos, como lesmas, e deixavam, como as lesmas, um sulco gosmento, de tédio, de horas perdidas para os êxtases. Conviver com os primos seria bom. Talvez deles partisse a sugestão, o aviso, o conselho de que, afinal, se necessita na vida. Quem sabe um deles seria capaz, mesmo por acaso, inadvertidamente, de dizer as palavras mágicas, que não apenas confortam, mas fazem das fezes do coração o bálsamo do consolo, o elixir da alegria?

Numerosas vezes interrogou a mãe sobre os primos. Quem eram, onde viviam, do que viviam. Sentia uma curiosidade grande, tinha um interesse fundo pelos outros, a ponto de escrutinar vidas e tornar-se indiscreta. Mais tarde verificou que, nessa ânsia de ver os outros por dentro, ela pretendia apenas justificar-se. Examinando-lhes de perto os atos, ouvindo-lhes a fala, vendo como se vestiam e os seus modos em sociedade, se convenceria de que era normal, era como os outros. Suas falhas eram iguais às deles, não havia necessidade de arrependimento, de meter dores na consciência. Era uma explicação, e parece que correta, porque Helena fora criada na mais fechada solidão, recolhida em si mesma como a ostra na concha, e se sentia muitas vezes diferente, para não dizer anormal. Aquele seu pendor para isolar-se, para se entreter apenas consigo, seriam normais na juventude, que quer estar sempre alegre e, na busca permanente da alegria, pratica asneiras, dá mostras de juízo fraco?

No alpendre da casa, em tardes mornas, com a vida a pingar espaçadamente de invisíveis bicas, Helena tentava atiçar a mãe acerca dos primos. Se cansada, e, portanto, de mau humor, a mãe respondia com muxoxos que nada exprimiam. Se alegre por algum motivo que nem sempre sobejava, a mãe enfiava-lhe dedos vagarosos no couro cabeludo e, enquanto coçava, a provocar uma dormência que os desmaios da tarde acentuavam, a mãe lhe passava dados soltos, desconexos, que não chegavam a formar um retrato satisfatório dos primos.

— Eu nem sei os nomes deles — dizia-lhe a mãe.— Conheço de vista somente um.
— E não perguntou o nome?
— Não, porque já me tinham dito que era João.

Pausa para uma reflexão.

—Todos o chamam Joãozinho. É engraçado.
— O quê, mãe?
— O nome carinhoso, o diminutivo, pois não? O Joãozinho é alto e branco, esbelto, de elegante porte, e tem o rosto azulado. Sem dúvida acabara de fazer a barba, a navalha, quando o vi.
— Conversaram?
— Muito pouco. Eu ia pagar uma visita à comadre Zulmira. Perto da fonte, ele surgiu na dobra do caminho. Quando me viu, tirou respeitosamente o chapéu. Um chapéu preto, de boa qualidade. Talvez de feltro, com uma banda larga, cor de vinho. Afastou-se para um lado, deixou-me o caminho livre. Um cavalheiro, não acha?
— Sim. Um personagem de romance. E depois?
— Nada.
— Não se falaram?
— Eu disse: “Boa-tarde, primo. Como passa?” Ele disse que estava bem. Eu então perguntei pela família. Ele respondeu que todos ótimos. Me olhou sério, pôs o chapéu, levou a mão à borda e foi-se.

Os dedos da mãe pararam, ela de repente riu-se.

— Ele estava descalço — disse ela.
— É mesmo?
— Terno preto, camisa de seda preta, chapéu de feltro preto. Todo alinhado. E sem sapatos.

Em outras conversas com a mãe e o pai, Helena recolheu outros dados sobre os primos distantes. Nunca ficou sabendo ao certo, porém, se eram três ou quatro. Todos eles altos, brancos, trajados de preto. Via-se as veias azuladas sob a pele branca das canelas. Perguntou ao pai porque não vinham visitá-los. Caprichos, disse o pai. Mania, entende? Mas, nesse caso, por que não tomar a iniciativa, por que não ir vê-los, numa dessas tardes modorrentas de domingo, quando nada ou quase nada se tem a fazer, salvo olhar os matos e medir a aproximação da tarde, e fitar as pessoas e fazer trejeitos com os beiços?

— Ir sem ser convidado? — disse o pai.
— Por que não?
— Primeiro conversar com eles, oferecer um cafezinho. Não lhe parece?

Não sabia o que seria melhor. E começava a se angustiar, porque a solidão pesava, havia os primos, eram quatro, e apesar de estranhos, e apesar de andarem de luto (a propósito: ia perguntar à mãe por que o luto pesado e contínuo), podiam fazer-lhe companhia, ouvir discos na velha vitrola de dar corda, apresentar as pessoas da família, que trocariam entre si receitas de bolos e geléias. Na véspera do seu décimo-segundo aniversário, o pai perguntou-lhe o que queria de presente, se mais um livro da Biblioteca das Moças.

— Eu queria conhecer os primos.

O pai e a mãe trocaram olhares carregados.

— Tudo tem seu tempo certo — disse o pai. — A Bíblia diz que há tempo de arar e semear, de plantar e colher.

Logo no dia do aniversário, como se para estragar a pouca alegria trazida pela data, a vaca parida chifrou-lhe a mãe de vestido colorido na pastagem. Atirada contra uma pedra, a mãe fraturou a bacia e levou três meses imobilizada, de cama. Quando a mãe era levada para casa, em pranto, nos braços do pai, a cancela bateu e um viandante avançou pelo caminho. Era um dos primos. Alto, chapéu preto, todo de negro. Mas descalço, com os pés brancos enlameados. O primo enlutado tirou o chapéu para os cumprimentos, parou um instante.

— Coisa grave? — indagou.
— Ainda não sabemos direito — disse o pai. — Foi chifrada por uma vaca doida e acho que fraturou algum osso.
— Espero melhoras — disse o primo, afastando-se com um meneio do chapéu de feltro.
— Entre para um café — chamou o pai.
— Fica para a volta — prometeu o primo enlutado.

Helena via o primo, um dos três ou quatro, pela primeira vez, e ele lhe pareceu severo, de atitudes formais. Se estivesse calçado, e não de pés nus, sujos de lodo dos caminhos, o teriam na conta de homem de bem e de posses, ou, como se dizia nos romances, cavalheiro e gentil-homem. Ainda assim, o rosto de linhas harmoniosas, as feições finas, as palavras bem medidas e pesadas, tudo indicava um lastro de boas maneiras que somente se adquire com alguma educação familiar.

O vulto do primo, no seu terno de seda preta, coroado pelo chapéu de feltro também negro, desapareceu na estrada além. Para onde ia? O que buscava? Helena queria pensar nisso mais a fundo, meditar possibilidades, mas havia a mãe que, posta na cama, buscava entre gemidos a melhor posição com que repousar, enquanto não vinha médico da cidade.

Do tempo escorreram areias, imperceptivelmente, nas também invisíveis ampulhetas, e água escorreu, esta de forma audível e até rumorosa, sobre o leito movediço dos rios e córregos, e de súbito ela tinha dezoito anos, e caminhava, quase corria, com o seu cão, para casa, embrulhada nas sombras do entardecer, quando estacou, guiada por um sexto sentido, diante de uma cobra que, erguida sobre a cauda, no meio do caminho, tinha a boca escancarada e mexia com a língua bífida. Parou de chofre rente à cobra, na exata altura da cabeça da cobra, que era um jaracuçu danado, e se fitaram, ela e a serpente peçonhenta, durante talvez um minuto, e imóvel olhava-os o cão, na expectativa do desfecho daquela cena, envoltos Helena e a cobra num silêncio que parecia conspiração, conluio edênico — e adiante do cão, como que esperando licença para passar, de olhar neutro e olhos sem lume, um dos primos, qual deles não sabia dizer. E foi este o seu primeiro encontro a sós com um dos primos arredios que se vestiam de luto.

Mas, por que o luto permanente, por quê?

— Talvez seja a cultura da morte — explicou-lhe o pai.

Helena não entendeu.

— Vivemos no país dos óbitos, e, nele, numa região de alta densidade obituária — prosseguiu o pai. — Se a criança escapa da disenteria e de moléstias infecto-contagiosas, a fome e a exposição aos ventos gelados podem levá-la à tuberculose. Se consegue safar-se e fazer-se adulta, vêm as vicissitudes do trabalho, entre elas as picadas de cobras, os acidentes. Morre-se muito nestas nossas bandas.

Entendeu, então, o que o pai dizia.

— Vai ver — completou o pai, olhando-a dentro dos olhos — que a família dos primos é grande. Quando o luto pela desgraça de um está findando, morre outro, e o luto continua. O crime governa o país, morre gente como formiga.
— Ou então fizeram promessa de luto cerrado no funeral do avô, ou do pai, ou da mãe.
— É possível — disse o pai. — Quem conhece os desígnios dos outros? Mal conhecemos os nossos. O mais comum é sermos surpreendidos pelo que fazemos num repente.

No mar, quando perdeu pé, Helena sentiu-se flutuar e engoliu a primeira golfada (a cena ainda ardia na memória como uma água-viva). Sua vida, o que fora até então o seu projeto de vida (trechos dos caminhos interrompidos por urzes ou pedras, ora secos, ora com lodaçais, e em rumos opostos, caminhos que não prosseguiam), passou-lhe em veloz sucessão de imagens — um filme solto na manivela. E encontrou-se estendida no chão, acabara de cair da borda de uma pedreira, todo o corpo lhe doía e a cabeça era uma cabaça oca em que zumbiam enxames de insetos, todas as vespas enfurecidas do verão. Fechou os olhos. Tinha quase cinqüenta anos. Não ia levantar-se já. Devagar, tentou movimentar uma perna. Movia-se. Experimentou a outra. Sã. Virou-se de leve para um lado. As costas doeram, mas resvalaram no chão pedregoso. Mexeu-se também para o outro lado. Os ossos pareciam no lugar. Conseguiria erguer-se? Primeiro, sentou-se com sacrifício. O arvoredo subia e descia, obra de sua visão entontecida. Em baixo, no caminho que descia a serra, passava um homem de preto, de pés no chão. Não a viu, nem ela, que estava sentada e zonzo, o chamou, porque sabia que, na próxima meia hora, pelo menos, não articularia palavra. Agora bracejava no mar, que insistia em puxá-la da praia. O filme de sua vida, um pequeno percurso acidentado, árvores retorcidas na paisagem baça, avançava enlouquecido na manivela em disparada. E Helena se viu, a seguir, numa rua de sua cidade, era sábado, dia de feira, comércio ativo. Ia pela calçada, absorta, quando um sujeito baixo e troncudo, avermelhado pela aguardente, puxou-a pela gola da blusa, encostou-a na porta ainda fechada de uma loja, sacou um revólver niquelado, encostou-lhe o cano na boca e disse: ”Puta”. Não respondeu. O sujeito empurrou mais o cano do revólver. “Puta, puta escrachada”, gritou. E continuou a gritar aqueles nomes até que ela, enfadada, desviasse com o braço o cano da arma e, sem nada dizer, se afastasse em passo normal. Na calçada, apreciando a cena, estava um dos enlutados primos, atento, a mão parada no ar, o fósforo aceso entre os dedos, esquecido de acender o cigarro. Veio outra golfada, que parecia a última. A cabeça da cobra estava imobilizada, a cena era de encantamento, de hipnotismo. Mas não, o mar não a queria por enquanto, o seu corpo branco estaria destinado a apodrecer em terra, coberto de terra. Sentiu um impulso para cima, bracejou outra vez, os pés tocaram em areia fugidia, flutuou e uma onda a fez avançar, tocou areia firme. O corpo moído pela queda tinha os ossos no lugar. Pela praia, com uma corda de robaletes, passava um pescador vestido de preto, os pés brancos afundando na areia fofa. Helena não o olhou. O primo? Um dos primos.

Que era a vida? Uma trégua da consciência entre dois golfos de escuridão, o ser e o não ser, o primeiro nada absoluto que, livrando-se da ousadia de o terem gerado e afadigado, ruma para o nada derradeiro. Helena pensava assim, na vida adulta, e assim continuaria a pregar, ao menos para si mesma, porque fazia questão de perder-se sozinha no seu desânimo existencial, mas havia os primos, aqueles três discretos primos trajados de preto, que, vez por outra, lhe surgiam no caminho. Apareciam sempre como por acaso, e nada queriam, às vezes nada inquiriam, em outras ocasiões sequer a olhavam, sequer lhe admiravam seios e quadris com olhos cobiçosos. Apenas atestavam, os primos, a sua muda e inexorável presença, como se estampas coladas a uma página de sua vida — bem parecidos, vestidos de seda negra, vestais desencaminhadas de seu templo.

Helena queria os primos. Só em vê-los, naquelas poucas vezes, já lhes tinha afeto, como se à mesma família pertencesse e com eles dividisse o enlutado culto a uma tristeza desejada, buscada e assumida. E se eu me vestisse também de luto?, ela pensou por fim. Talvez os atraísse então. Talvez os primos, sentindo nela um igual, um parente, quem sabe uma irmã, se aproximassem e lhe oferecessem uma flor, ou lhe pedissem um copo com água fresca. Sim, poderiam ser amigos, os primos, e ela precisava de amigos — ela que jamais os tivera, apesar da sua ânsia por longas conversas alentadoras; ela que sentia nas amizades o prenúncio de um possível amor.

Estava órfã. Órfã de pai e mãe, e em idade avançada, e se lhe perguntassem o que fizera da vida, diria certamente que a perdera, ou dela se esquecera na medida em que se limitara a viver. Os pais lhe faziam falta. Não davam sombra larga, mas eram referências, pontos luminosos na noite escura. Tais pontos de luz atraíam, como a dizer que, se os buscasse, se até eles ela se deixasse guiar, talvez lhes revelasse uma casa, o lume aceso, a mesa posta, o encontro de quem reconhecemos apenas com o olhar, sem necessidade de fala.

Um dia, afinal, Helena vestiu-se de luto. Ou então, inerte, consentiu que a vestissem de luto. Tinha amanhecido e chovia. Ela amanheceu conformada e serena. A chuva caía em bagas e o mundo estava opaco, lutulento. Falava-se em voz baixa, talvez alguém, chorasse. Pés nus soaram no chão de tábuas.

Eram os primos.

Os três, no mesmo terno que, de tão lavado e passado, embranquecia. Chegaram — e pela primeira vez, sorriram.

Os pés traziam crostas de lama dos caminhos. Que caminhos? Por onde andavam, assim tão incansáveis, tão determinados?

Tiraram o chapéu para o cumprimento cerimonioso, inclinaram-se. Cavalheiros. Gentis-homens. Fidalgos. Agora Helena tinha companhia — e, quem sabe, o desejado e protelado amor.

Fonte
Contos da Noite Fechada, 2004
Disponível no Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/JPOESIA/

Hélio Pólvora (Do Outro Lado do Rio)

— Ei, senhor.

Sentado na popa de sua canoa, um remador fazia-me sinais há algum tempo.

— Ei.
— Quer atravessar?
— Não sei ainda. Mais tarde.
— O outro lado do rio é bonito.
— É bonito ou está bonito?

Ele não entendeu, ou então não quis estabelecer diferença. Para que? Miudezas. Olhava-me com ar absorto e com a paciência de quem lida com viajantes indecisos. Vi que uma barba rala e alourada cobria-lhe o rosto, e que tinha o nariz curvo. A cabeça encoberta por um chapéu de palha mostrava apenas a sombra dos olhos. Visto de perfil, parecia velho, mas ainda robusto, e com um jeito afiado de ave de rapina pousada num galho.

Continuei a olhar o rio, que parecia estancado, sem correnteza, mas movimentava de leve as águas, de forma a escorrer de forma quase imperceptível. A água não estava escura ou baça, nem clara. Parecia água nova, trazida das cabeceiras onde decerto chovera. Mas não estava barrenta. Mesmo sem transparência, transmitia uma superfície de espelho.

— Está assim há dias — disse o remador.
— O quê?
— A água do rio. Costuma ser clara, fina. Choveu, o leito subiu e a correnteza parou.
— O senhor é canoeiro há muito tempo?
— Desde menino.

Puxou mais o chapéu sobre os olhos, como a proteger-se de uma luz cegante, e recordou que, antes da ponte, a travessia era feita em canoas chamadas besouros. Alongadas, com duas tábuas atravessadas à guisa de bancos, algumas tinham motor de popa. O motor chiava, por isso deram-lhes o nome de besouros. Atravessava-se o rio recebendo na roupa salpicos de água. Às vezes a superfície do rio rolava grossa, como um tapete sujo a distender-se, e nesse caso as canoas oscilavam, emborcavam. Quem não soubesse nadar, afogava-se.

— O senhor socorreu algum viajante?
— Não fui feito para essas coisas — respondeu em tom seco.

O sol voltara a luzir por entre gotículas da água suspensas. Um arco-íris foi-se delineando do outro lado do rio, ao longo da encosta verdejante que cobria o litoral. Em baixo, numa enseada indistinta, os pilares da ponte. Não se via movimento na ponte, talvez por causa da distância. Apurei os olhos. Nada, sequer um vulto, nenhum automóvel.

— Ninguém atravessa pela ponte? — arrisquei.
— É uma travessia muito direta, que depende da vontade de cada um. No fundo, meu senhor, ninguém gosta de atravessar.

Não entendi então porque as autoridades mandaram construir a ponte, e porque, havendo ponte, canoas e barqueiros ainda aguardassem viajantes fortuitos.

— Há dois caminhos — o remador voltou a falar, como se me adivinhasse os pensamentos. — As pessoas preferem vir para cá, como se não esperassem encontrar este cais antigo, estas canoas, esta solidão. Chegam e, então, já que aqui se encontram, atravessam. O caminho da ponte é uma escolha deliberada, como eu já lhe disse.

Cala-se, olha o marulhar das águas no casco da canoa. O sol aumenta de intensidade, vejo que o arco-íris do outro lado se vai dissipando. Mas a água nada reflete, é um espelho embaciado.

— Deve ser bonito do outro lado — eu digo.

O remador se agita, seus olhos faíscam sob a aba do chapéu.

— Pode ter certeza, senhor. É um espetáculo.
Um espetáculo. Fico a saborear esta palavra, como quem a mastiga. E, estendendo a vista até o outro lado, encho os olhos com uma encosta ligeiramente escarpada. Está verde, varrida pelo sol, e brilha, brilha como se fosse um vitral do qual se coassem muitas cores, as cores do arco-íris, o verde e o amarelo em predomínio. Um bosque extenso e profundo, sem clareiras, de árvores irmanadas que devem formar uma alfombra com a sua copa generosa. No chão, naturalmente folhas secas, imagino que folhas outonais, ferrugentas, a formarem tapete macio. Olhos d´água, troncos secos que se oferecem como bancos, pedras limosas em que descansar os olhos, lagos de água límpida. E suponho que frutos. O vento espalha a fragrância de suas polpas, o odor de seus líquidos. É, o remador tem razão, deve ser convidativo o outro lado. Deve ser bom.
— Muitos viajantes não voltam para o continente — diz o remador. — Preferem ficar naquela ilha comprida. Alguns pedem que eu espere, querem dar um passeio pelas praias desertas e limpas, querem sentir o perfume das trilhas, saber se vão dar em uma aldeia. Outros mais decididos vão logo dizendo, antes que eu encoste a canoa: ”Não me espere, remador. Eu vou ficar”. Estou acostumado a todas as reações. Sou observador, entende?

Sei que é. Ele se antecipa aos meus pensamentos, adivinha o desenrolar lento das minhas idéias. Um interlocutor desses, eu penso, é um bem na vida. Em geral não nos ouvem. As pessoas fingem escutar, mas em verdade escutam a si próprias, e o fazem por educação, a pensar no que vão dizer, no que desejam ouvir, ou no que pretendem induzir o outro a dizer para que tenham afinal a confirmação da resposta. Ah, é preciso saber escutar, é preciso saber ter ouvidos e fazer com que eles se apurem para ouvir nos momentos certos. Aquele remador tem o instinto da conversa mútua, do diálogo. Com ele o monólogo da vida cessaria, a trituração interior que gera angústias se desfaria em pó com que aspergir e esconjurar todos os nossos espaços vagos.

— A ilha tem nome?
— Não. É apenas o Outro Lado.
— O Outro Lado?
— Sim, senhor. O Outro Lado do Rio.

Duas touceiras de erva sumarenta, muito verde, desciam pelo rio, vagarosas. Sem correnteza levariam horas a chegar a alguma praia, porque os rios sempre despejam suas águas no mar, em outro rio ou num lago. Há sempre uma praia, haverá sempre uma margem em que naufragar ou secar ao sol.

— Baronesas — diz o barqueiro.
— Têm um ar distinto.
— E cobras dentro das touceiras — prossegue o barqueiro. Vira-se, dá uma cusparada no rio. A voz trai um tom de desgosto. Olha as baronesas arrancadas de barrancos, rio acima, na estação das chuvas, e completa: — Vai ser uma longa viagem.
— A não ser que vente — eu digo.
— É, a menos que venha vento forte.
— Acha que vai ventar?
— Não. Hoje o dia escurece cedo, mas sem chuva e sem vento.
— Tem certeza?
— Tenho. É a experiência. O cheiro do vento a gente pega no ar.

Dou alguns passos pela margem de terra nua, sem ervas, com pedregulhos. Ninguém mais, somente eu e o canoeiro, que, com sua calma, parece estar ali à minha espera. Melhor, à minha disposição. O tempo não o incomoda, é como se ele tivesse todo o tempo de uma vida galática, de uma eternidade. Não sou dado a enigmas, mas de súbito me vem a impressão de que marcamos um encontro ali naquela margem deserta, e que ele está ali com a sua canoa para me prestar um serviço, para levar-me à outra margem. Mas como saberia que eu, nas minhas andanças às vezes sem rumo, contemplativo, imerso em meditações, iria dar ali, naquele antigo cais de um tempo em que havia uma chusma de canoeiros e viajantes ávidos por escarpas verdes do outro lado do rio turvo?

— Está com medo? —pergunta o canoeiro.
— Medo? De que? De quem?
— Não sei. Talvez medo do senhor mesmo. Ou de mim.
— O senhor não me fez mal.
— Nem farei. Estou aqui somente para levá-lo, se quiser atravessar. Se sentir que chegou a sua hora de atravessar.
— Como vou saber? Nunca tenho certeza de nada. Certeza somente a de estar vivo
— Ainda bem. Tem pelo menos esta, que explica o medo.
— Como assim?
— O senhor sabe que está vivo e isso lhe dá medo. Estar vivo é bom, mas o bem não dura. Nada na vida está em repouso permanente, nem mesmo as pedras, que um dia se transformam em pó.
— E qual seria o estado perfeito, o bem-estar supremo?
— O não-ser. Aquela noite escura, de uma escuridão total, sem desejos, sem necessidades.
— Uhm... Alguém já disse isso com outras palavras. Creio que foi Schopenhauer, um filósofo pessimista. Não se deve temer o não-ser, porque dele viemos. Ao existir, vemos então que o não-ser tem suas vantagens. Estar vivo é um problema. A vida seria, nesse caso, o medo crescente de algo melhor. Estou certo?
— Para mim, está. O maior sinal de cultura consiste em perder o medo. É preciso atravessar, atravessar sempre.

Começo a examinar melhor o remador. Humilde, mal vestido, pés no chão, e, no entanto, idéias profundas. Quem o teria ensinado a filosofar? Quem o teria aproximado de mistérios?

Do outro lado do rio o litoral escarpado adquire uma tonalidade enfermiça de poente. Cores desmaiadas, com a luminosidade mortiça de velas. Mas seriam muitas velas juntas, e todas acesas, e por isso ali não se fazia noite, a luz resistia às trevas, tangia a noite, que já começava a tombar, para o lado de cá, onde estávamos o remador e eu. E a noite, desdobrando a sua capa sobre o rio, enlutava definitivamente os restos de um dia a apagar-se.

O remador protege o pescoço com a gola aberta do casaco. Dou um passo hesitante, talvez movido pela necessidade de fazer um movimento, na direção da canoa. Ainda não sei se vou atravessar o rio.

— Resolveu atravessar ? — pergunta o remador, com um, sorriso que me parece irônico.
— Acho que sim. Afinal, do outro lado há luz.
— Os poentes são sempre longos na Ilha do Outro Lado.

Sento-me na tábua do meio da canoa. O remador entra na água rasa e dirige-se à margem. Com certeza vai impelir a canoa para longe da areia, para o fundo, antes de tomar do remo e iniciar a travessia.

A noite cai depressa, como se alguém no alto soltasse as dobras de uma cortina escura. A canoa oscila, a água bate nos costados e na proa, em baques fofos, um vento morno, com um toque de frio, me percorre o corpo, deixa uma sensação de carícia. As mãos coçam. Estão ocupadas com o remo, na verdade empunham o remo, sou eu, afinal, quem rema nesta canoa — o único a remar. O canoeiro ficou em terra, seu perfil recurvo absorvido pelo silêncio, pelas trevas.

Eu remo de coração leve para o âmago da noite ou para o facho de luz, não sei bem. A luz que me parecia brotar da Ilha do Outro Lado brilha agora no antigo cais onde embarquei. E as trevas do velho cais caem sobre a Ilha, lhe acentuam a silhueta esguia.

Para onde vou? Perdi a minha última certeza. Sei apenas que é preciso remar. Devo estar no meio do rio, o medo vem de novo e me sufoca o peito. Ignoro qual a margem certa, não sei mais como voltar nem aonde ir. Estou remando para a noite definitiva ou para o lívido alvorecer?

Fonte
Contos da Noite Fechada, 2004
Disponível no Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/JPOESIA/

Palavras Idiomáticas Utilizadas no Ceará

ABESTADO Bobo. Após ouvir uma história incrível mas verdadeira, por exemplo, você comenta: "Tô abestado!".
ABIROBADO: atroiado, estabanado
ABIUDA: Intrometida
ABUFELAR: se atracar com alguém
ACABANADO: Adj. Quem tem as orelhas descidas, caídas.
ACATRUZAR: v. Perseguir com insistência, chatear, importunar.
ACOLOIADO:juntos,coesos,unidos em algo...
ACUNHAR: correr, fugir
AFOLOSADO: arrebentado, arregaçado
AGORA TOROU DENTRO: significa "a coisa tá feia"
ALFENIM: doce feito de mel de engenho
ALGAROBA: farsa, mentira (é de algaroba)
ALTIAR: levantar
ALUÁ: suco feito da casca do abacaxi deixada em imersa em água por alguns dias
ALUIR: despertar para alguma coisa, se alertar
AMOFINAR: ficar magro, triste e moribundo
AMOLEGAR: apertar com as mãos
AMUNDIÇADO: deseducado, pessoa que não tem boas maneiras
APERREADO Nervoso, apressado
APERREIO: sufoco
APIAR: prender as pernas de um bode, boi ou jumento com corda para limitar sua movimentação
APOCADO: calado
APURRINHADO Irritado
ARACA: confusão
ARENGAR: pertubar
ARIADO: perdido, sem saber em que lugar está
ARIAR: polir a panela até ela ficar com brilho
ARIGÓ: bobo, mané
ARMADOR: peça parecida com um gancho fixada na parede para sustentar rede de dormir
ARREADOR: tipo de chicote para fazer o boi andar também usado para dar um corretivo em crianças travessas
ARREGAÇADO: virado pelo avesso, afolosado
ARRIÉGUA: Expressão de espanto, indignação ou descrença.
ARROXAR O NÓ: apressar-se, fazer mais depressa
ASSUNGAR: correr em disparada
ATINHAR: encher o saco, torrar o juízo, azucrinar
ATROIADO: doido, tronxo
AVEXADO Apressado
AVIA AÍ: ande logo
AVIA! Se apressa. "Avia, menino, vai tomar café!"
BABATANDO: lesando, patinando, sem sair do lugar
BABUJO OU BABUJE: relva que nasce no solo sertanejo logo após as primeiras chuvas do inverno.
BACURIM: leitão, porco pequeno
BAIXA-DA-ÉGUA: lugar longe
BALSEIRO: monte de capim misturado com lenha, etc.
BANDIDO: alma sebosa
BARBATÃO: diz-se do boi criado solto, garrote selvagem
BASCÚI: um monte de lixo, cacarécos
BATER CATOLÉ: falhar
BATORÉ: mulher baixa,feia e homem deformado e baixo
BEBOMÓVEL: carrinho de mão
BERDUÉGUA: tipo de gramínea que nasce quando chove
BERUÁ: tolo, arigó
BICORADA: dar uma bicorada: beber um gole de cachaça
BIGU: carona na traseira de veículos como trem e caminhão
BILA: o mesmo que bola de gude
BIMBÓCO: lugar longínguo, afastado. (Ex.: Naquele bimbóco de serra)
BIRITEIRO: cachaceiro,alcolatra.
BIRÓSCA: lugar depreciado, pobre
BONECO: botar boneco é fazer bagunça, ribuliço, chafurdo
BORÓ: cigarro de palha
BOTAR BONECO: Criar dificuldades, reclamar
BRÓCA: queimada para limpeza da terra
BRÔCO: pessoa ignorante, rude
BRUGUELO: filhote de passarinho ainda no ninho
BUFA DE PADRE: cogumelo
BURREGO: cordeiro recém-nascido
CABÔCO Homem. Em Mundaú há um estabelecimento chamado "Pousada do Cabôco Sonhadó"
CAIBÁ: o mesmo que caibro (de madeira)
CAIXA D'ÁGUA: s.m. Bêbado, viciado no álcool, alcoólatra, bebarrão.
CALANGADA:Porrada, murro
CALIBRADO: bêbado, zoado
CANGALHA: artefato usado nas mulas para carregar bagagem e outras cousas
CANGAPÉ: golpe de capoeira
CANGATI: tipo de peixe pequeno e feinho, mulher feinha
CAPIONGO: cabisbaixo, triste
CAPOEIRA: tipo de relevo em ladeira ou o lado de uma elevação geográfica (monte)
CARÃO: repreensão, ralhar
CARRAPICHO: tipo de espinhos existente em mata baixa
CASAMENTO DA RAPOSA Fenômeno meteorológico bastante comum no Ceará, no qual chove e faz sol ao mesmo tempo
CASSACO: tipo de roedor (muitos chamam de gambá do sertão)
CATABIM: solavanco ocasionado por um buraco na estrada
CATITA: rato, camundongo
CATOTA: meleca, catareca tirada do nariz
CATRAERO Cafona, brega
CAXINGAR: mancar, com dificuldade para andar
CELULAR = garrafa plástica de cachaça 480 ml/ meiota
CEZÃO: enxaqueca, depressão, estado febril
CHAPISCAR: fazer o pré-reboco da parede com argamassa de cimento e cascalho
CHIBANCA: ferramenta de uso agrícola parecida com a enxada
CHIBATADO: diz-se de quem anda chutado, ou seja trafega em alta velocidade
CHOKITO: defunto
CHUTADO: lotado (em altíssima velocidade)
CIBITO: Tipo de pássaro encontrado no Sertão, cibito baleado (pessoa muito magra, raquítica)
COIVARA: Tipo de tecnica de queimada que consiste em juntar as plantas cortadas do resultado de uma limpa em montes e tocar fogo. (Esse metodo é menos agressivo e menos perigoso que o tradicional)
COLOIO: ajuntamento de pessoas
COMÉDIA: pode ser qualquer programacao divertida
CORISCO: raio
COTOVIA Prostituta.
COXIA Meio Fio.
COXINHA: Pessoa falsa, hipócrita. (Hoje nacionalmente conhecido graças ao Programa "Nas Garras da Patrulha", de produção local, mas exibido em toda parte, via parabólica...)
CROQUE: cascudo
CUIA (OU COITÉ): recipiente feito dividindo uma cabaça em duas bandas, usado para carregar água, tomar banho etc; BANHO DE CUIA: o mesmo que chapéu (no futebol); CUIA DOS INFERNOS: lugar ermo que nem Deus sabe onde fica
CUMARU DE CHEIRO: casca de árvore usada para espantar insetos
CURRULEPO: pesqueiro, tapa na cabeça/pescoço
CURUBA: infecção na pele
CURURÚ: sapo
CUVIÔCO: morada pequena e apertada, casa de pombo, buraco
DAR A PELOURA: dar escândalo, passar mal, descontrolar-se
DAR PITACO Emitir opinião
DAR UM GRAU OU UMA GUARIBADA: ajeitar, arrumar
DE VERA: de verdade, valendo
DESABAR: Ir, dar o fora (Ex.: Desaba daqui mulher!!!)
DESARNAR: desenvolver, progredir
DESFAZER: diz quando uma pessoa começa a humilhar ou desprezar a outra
DESINCHAVIDO: sem graça
DESTOCAR: limpar um terreno com chibanca ou enxada
DEZONERAR: apodrecer
EMBIOCAR (OU IMBIOCAR): entrar lá pra dentro
EMPALHAR Atrapalhar
EMPEREIRAR: parar o crescimento
ENGEMBRADO: entortado ou amassado
ENGAZOPAR: v. enganar, tapear, embair, ludibriar, mistificar, engabelar.
ENGILHADO: diz-se do tecido que está todo cheio de dobras, ou pele ressecada
ENTOJADA: mau humorada
ENTRAMELADO (OU INTRAMELADO): diz-se de um dente que cresce em cima de outro
ENTREVADO: enferrujado
ENXUÍ: tipo de colméia
ESCACAVINHAR: remexer, cavar remexendo
ESCAMBICHADO: o mesmo que estrupiado
ESCANGOTADO: no limite do medidor (de velocidade, etc)
ESCARRAR: falar mau de alguem
ESPINHO DE CIGANO: tipo de erva daninha comum no sertão
ESPOJAR: diz-se quando o animal (cachorro, jumento, etc) deita ou cisca no chão
ESQUIPAR: fugir, esquivar-se
ESTRIBADO: com muita grana
ESTURRO: grito do leão
EXTRUIR: desperdiçar, jogar comida fora,
FARNIZIM: perturbação no juízo
FILHÓIS: tipo de pão feito com farinha de mandioca, também chamado de péta
FRESCAR: Tratar com deboxe, brincar, tratar com humor.
FUBICA: peba, fraco
FULERAGE: Ordinário, pode ser também pessoa muito irreverente, brincalhão, depende do sentido da frase.
FUNARÉ (OU FUNARÉU): confusão dos diabos, grande agitação
GAITADA: gargalhada
GALALAU: pessoa alta, vara de tirar coco
GARAJAL: proteção feita com grades para proteção de árvores em praças, jardins, etc.
GASGUITO: pessoa que tem a voz muito desafinada
GAZO: albino
GIA: rã
GIRADOR Rotatória. Ao pedir instruções à Policia Rodoviária com certeza vai ouvir algo assim:"Siga tantos quilômetros e no girador vire à direita".
GUREJAR: diz-se do animal que está sentido o cheiro da comida e fica com água na boca
IMBIOCA: entra
IMPALHÁ: atrasar (as vezes 'impaiá')
IMPINJAR: provocar, tirar a pagode, implicar com alguém
IMPINJEM: marcas vermelhas no corpo
INCANDIAR: ofuscar, iluminar
INFERNO DA PEDRA: lugar mais longe que você possa imaginar
INHACA: cheiro de cigarro ou outro fedor que impregna o ambiente
INTRANÇAR: ficar transitando no meio das pessoas
ISPILICUTE Adjetivo para qualificar crianças bonitinhas. Palavra derivada da expressão "Is pretty cute", utilizada pelos soldados norte americanos que durante alguns anos instalaram-se no Ceará.
JABOBÊU: coisa enorme, absurdamente grande ou pesada
JUREMA: planta típica do semi-árido que proporciona boa lenha
LASCA-PEITO: cigarro de fumo brabo
LOMBRA: drogado
LUNDÚN: de mau humor
LUXENTO: adj. Exigente para comidas.
MAÇADA: demora
MAH:É praticamente um ponto final.Quase sempre é citado no final das frases.É uma forma mais curta de Macho.
MALINO: buliçoso
MANCHÃO:remendo interno em pneus.
MARIOLA: tipo de doce de banana.
MARMOTAS: espalhafato
MARRÃ: ovelha
MEROL = bebida alcoólica
MIOLO DE POTE = conversa fiada/ papo de bêbado
MÔCO: surdo
MÓCÓ: tipo de roedor (hamster), pessoa boba
MÓI: inicialmente era molho (coletivo de chaves) depois virou coletivo de qualquer coisa: mói de coentro, mói de cebola, mói de mulher
MOJADA: grávida
MONDRONGO: caroço
MÔXO: diz-se do boi que tem os chifes atrofiados
MUCIÇO (A): macio(a), carne muciça (carne macia)
MUGUNZÁ, MUCUNZÁ OU MACUNZÁ: comida típica da região feita com feijão, milho e carne de porco.
MURRAÇA: fedor de cachorro molhado ou pessoa imunda
MUZENGA: coisa imprestável(Ex.: Ô muzenga!!!)
NARGADINHA: dose (de leite, café, cachaça, etc)
Ô CORRA LINDA, MAH: = oh coisa linda, macho.
OITÃO: parte anterior da casa, alpendre
PAI D'ÉGUA: legal demais
PANTIM: movimento brusco ou suspeito
PAPÔCO: estouro, explosão
PAPUDIM = pinguço (com barriga inchada característica)
PARAPEITO: parede baixa
PASTORAR Tomar conta do carro.
PÉA: pelanca da carne
PEBA: Objeto de péssima qualidade.
PÉBA: tipo de tatu (tatu-péba), coisa que não presta ou é de má qualidade
PEITICA: ave do nordeste, pode ser desejar o mal, fazer macumba
PELEJA: o mesmo que lida, trabalho,
PIAU: tipo de peixe
PIOLA: ponta de cigarro
PIRROTOTINHA: pequena
PISA: surra, pêia, sova, corretivo
PITACO: palpite, conselho, opinião
POTÓ: inseto muito comum que solta um odor desagrádavel
PUIM: resíduo do beneficiamento do arroz ou do milho
QUENGO: cabeca
QUEIMA RAPARIGAL Vai com tudo
RADIÊ: cinta de amarração de ferro e argamassa
REBOLAR NO MATO: Atirar alguma coisa fora, se desfazer de algo.
REVESTRÉZ: de ponta cabeça, de virada
RIPUNAR: rejeitar (comida)
RUBACÃO: baião de dois
RUMA: monte (de gente, de bicho, etc)
SAPECAR: jogar longe, arremessar, ou queimar na brasa
SUGESTA: medo repentino
TÁ DE LUNDUM Está chateado, de mau humor
TABA DO QUEIXO : região compreendida entre o maxilar inferior e o pé da orelha
TALAGADA : dose de cachaça
TAMPA DE CRUSH : é um cara filé, de quem todos gostam
TARECO : bolacha
TEM É ZÉ: é dificil
TERETÊITÊI: conversa vai, conversa vem, bláblábla´
TERTULHA : festa
TETÉU : pessoa que fica acordada durante a noite (em ref. à ave de mesmo nome)
TIBUNGAR: mergulhar, pular dentro d'água
TIRINETE : rojão doido, ritmo forte
TITELA: costelas da galinha (mas pode ser de gente)
TIÚ: também conhecido por téjo é um tipo de lagarto
TORÉCO: boi pequeno
TORREÃO: nuvem de chuva do tipo cúmulus
TRANCILIM: brincadeira de rua em que se usam elásticos esticados pelas pernas das meninas
TRISCAR: tocar de leve
TRONXO: torto
UNHA-DE-GATO:tipo de vegetação rasteira nativa do nordeste do brasil.
VAQUETA: tipo de fita feita de couro de boi para ser usado entre o pneu e o aro da bicicleta para não furar com espinho
VIXE: ave maria, eita ZÉ RUELA:Panaca,tolo
ZURUÓ : bêbado demais


Fontes:
http://www.futepoca.com.br/2008/02/o-bom-da-bebida-o-boneco.html
http://forum.paodemugen.com.br/
http://www.ceara.com/dicionario.htm
http://www.vadiando.com (imagem)

sábado, 5 de julho de 2008

Errata

Favor corrigir as postagens de Abel Fernandes de 20 de junho de 2008. O endereço de seu blog foi digitado errado. Constava http://www.abelfernandes.blogspot.com/, quando o correto é sem o www. no início, sendo http://abelfernandes.blogspot.com/
Obrigado,
José Feldman

Vãnia Souza Ennes (Os trovadores passam, as Trovas ficam)

A palavra, matéria prima e vital do trovador, manifesta-se diante da capacidade de escrever construtivamente e desponta para escancarar os mistérios que nascem no fundo de um coração poetizado. O poder mágico do trovador é inventar, pensar coisas belas, abrir a porta dos sonhos, eternizar momentos, filosofar, demonstrar humor, aproximar o tempo, chorar num ombro amigo, interagir com a espiritualidade; é ser forte na capacidade de atuar em assuntos do passado, do presente e do futuro. Assim sendo, a mente do trovador reveste-se de especial colorido quando põe seus neurônios para agir e, imediatamente, transferir os sentimentos para o papel. A Trova é força indiscutível da sensibilidade interior de cada poeta e exterioriza-se em valiosas mensagens no momento em que se torna pública, no intuito de suavizar as adversidades da vida, amenizar as durezas da existência e melhorar os caminhos da humanidade. O ato de escrever Trovas é algo fascinante e, seguramente, não vai acabar em inércia capaz de fazer cães e gatos roncarem de tanto sono, porque ela é clara, transmite bons fluídos, renova e reinventa sentimentos! Descobrir as táticas de escrever trovas é um ato de conhecimento, que significa perceber as forças das relações entre o mundo da natureza e o mundo dos homens, o mundo real e o imaginário. E, ato de sabedoria, ao conduzir o homem a uma abertura de horizontes mentais que se dá pela criatividade do conjunto de palavras que seleciona, para formar seu acervo trovadoresco. Enfim, a trova quando rica em sabedoria, nobre na mensagem e estética na beleza, é capaz de emocionar pela magia e continua viva, mesmo após a partida do trovador para o mundo celeste!

Portanto, a Trova eterna eterniza o trovador!

Fonte:
Vânia Souza Ennes – Presidente Estadual da UBT do Paraná
Boletim Nacional da União Brasileira de Trovadores, julho 2008. n. 480.

Erico Veríssimo (Caminhos Cruzados)

É sábado, o professor Clarimundo Roxo, solteirão, solitário, de 48 anos, desperta às cinco e meia da manhã para começar o dia dando aulas. Sua preocupação é com o tempo, sabe que o conceito sobre este é algo diferente daquilo que pensa a viúva Mendonça ou o sapateiro Fiorello. Contudo, a escravidão ao tempo é algo marcante.

Clarimundo vive sob o tique-taque do relógio. Sente culpa quando se atrasa alguns minutos para as aulas. Pensa no livro que ainda escreverá. Será de cunho científico, nele pretende colocar toda sua cultura e algumas gotas de fantasia. O protagonista escolhido é um homem lá da estrela de Sírio. Com um telescópio mágico, olhará a terra e descobrirá a verdade das coisas. Prepara o café e se senta para os costumeiros 40 minutos de leitura.

Às sete da manhã, quem desperta é Honorato Madeira, lembrando-se, também, de chamar a mulher, Virgínia. Ela desperta, mas se entrega aos pensamentos. Relembra que tem um filho de 22 anos e um marido obeso, sem graça, que sempre faz as mesmas coisas, o que lhe causa desgosto. Ele reclama da ida, à noite, ao baile do Metrópole; bem poderia ficar em casa descansando do trabalho.

O filho, Noel, já está tomando café e recordando os dias de infância, quando a negra Angélica lhe preparava para ir à escola e levava-o à terceira esquina, onde se encontrava com a menina Fernanda, sempre limpa, bem arrumada e alegre, num contraste flagrante com seu estilo taciturno. Volta ao presente, recorda que teve uma infância recheada de histórias fantásticas, contadas por Angélica.

Nunca correu descalço pelas ruas ao sol. Seu mundo era dos livros, dos soldadinhos de chumbo e a parede do quarto dos brinquedos limitava seu mundo. Este cai com a morte da negra Angélica, quando Noel tinha 15 anos.

Sua primeira experiência sexual foi repugnante, viscosa e violenta. Noel sabe que o horário de refeição em sua casa é o momento menos cordial, de raros diálogos. A mãe reclama de tudo: da roupa, do marido, das criadas. Diz que já devia estar trabalhando. Não está estudando Direito? O melhor de sua vida era a amizade com Fernanda, a amiga de infância.

Em outro canto da cidade, Salustiano Rosa acorda às 9 horas com o sol batendo em cheio em seu rosto. Dorme ao lado de uma moça loura, Cacilda, que encontrou na noite anterior. Pede-lhe que saia logo do seu prédio, sem ser vista. Veste-se e sai feliz, logo após a moça.

Às onze horas, em outro lugar, Chinita pensa em Salustiano. Recorda-se do rapaz tocando-lhe os bicos do seio por cima do vestido e acha a sensação deliciosa. Hoje à noite, vai encontrá-lo no chá dançante do Metrópole. Ela está na casa do pai, Cel. José Maria Pedrosa, onde decoradores embelezam tudo com enfeites dourados e pintura na parede. D.Maria Luísa, a esposa, teme pelos gastos, mas o marido quer que a vivenda dos Moinhos de Vento seja o melhor palacete do bairro. A festa de inauguração será na terça-feira e Chinita redigirá os convites.

D. Maria Luísa conserva sempre o ar de vítima, eternamente triste e preocupada. A riqueza do Cel. veio com a sorte tirada num bilhete de loteria, comprado com trezentos mil-réis. A mulher chorou à tarde inteira, quando soube da despesa com aquele pedaço de papel. Souberam da sorte, na véspera de Natal. Pedrosa e os filhos ficaram radiantes, apenas D. Maria Luísa estava triste, brigando por seu rico dinheiro, defendendo-o dos pedintes. O marido resolve se mudar para Porto Alegre e todos da cidade de Jacarecanga vêm dizer adeus à esposa desconsolada, sempre saudosa da vida simples de Jacarecanga.

Fernanda mora na Travessa das Acácias. Ela descansa, enquanto espera a hora de ir para o trabalho. Vai pensando na vida dura que tem levado, na morte do pai. A mãe, D.Eudóxia, lhe chama à realidade, lembrando-lhe que não deve dormir. A senhora é extremamente pessimista, crendo que tudo vai dar errado. A filha evita dar muita atenção à mãe, prefere pensar em Noel e chamar o irmão, Pedrinho para o trabalho.

Outro morador da Travessa é João Benévolo, leitor dos Três Mosqueteiros. Gosta tanto da leitura que se deixa transportar para a Paris de 1626, quando deixa de ser o fraco Benévolo, tornando-se ágil e ousado. Sua mulher, Laurentina, fica furiosa com a distração do marido. Quer saber se ele não vai procurar emprego; é 1 hora da tarde e lá está ele lendo, já está desempregado há 6 meses! As contas estão atrasadas, a costura que faz para fora pouco ajuda, não dá nem para o aluguel. Eles têm um filho, Napoleão, magro, que chora por qualquer coisa.

Da janela da casa, João e a esposa vêem um carro luxuoso estacionar e de dentro dele sai D.Dodó, Doralice Leitão Leiria, esposa do comerciante Teotônio Leitão Leiria, proprietário do Bazar Continental, onde Benévolo trabalhou. A senhora vem visitar Maximiliano, seu empregado que está atacado pela tuberculose. Deixa algum dinheiro, prometendo transferi-lo para um hospital. Parte feliz, certa de que tem seu lugar garantido no céu.

Honorato e Noel já saíram. Aliviada, Virgínia desce para o chá, aborrecida porque tudo lhe lembra o marido e o filho. Trata mal as empregadas, fica aborrecida com a juventude de Querubina, grita, ralha, humilha a empregada.

Teotônio Leitão Leiria despede o motorista e segue a pé, para se encontrar com a moça dos olhos verdes, Cacilda, que mora na Travessa das Acácias. Teme ser reconhecido, vai cheio de culpa, porque pensa na caridosa esposa, Dodó. Cacilda não apareceu ainda e Leitão fica temeroso, pedindo explicações à viúva Mendonça pela demora. Cacilda chega e entrega-se a Teotônio, pensando no belo rapaz que amou na noite anterior.

A volta de Teotônio Leiria para casa repõe a rotina doméstica nos trilhos. A esposa aguarda o querido marido para o baile no Metrópole, preparado por ela, para a comemoração das Damas Piedosas. Depois vai ao quarto da filha, Vera, e pede-lhe para não ler o tipo de livro que anda lendo: A Questão Sexual, de Forel.

No salão do Metrópole, Salustiano encontra Chinita e a aperta, com certa violência, contra o peito, convidando-a para darem uma volta lá fora. Dr. Armênio espera que Vera compreenda o sentimento que lhe devota, mas a moça está interessada mesmo é em Chinita. Honorato Madeira está louco para voltar para casa, mas tem que esperar a decisão da esposa.

O professor Clarimundo ouve batidas em sua porta. Trata-se da viúva Mendonça, que vem reclamar a falta de pagamento do aluguel por Benóvolo, desempregado há alguns meses. Conta que, toda noite, um sujeito mal encarado vem visitar a esposa de Benévolo. Faz várias reclamações e vai embora.

Enquanto isso, às 11 horas da noite, Laurentina, está diante de Ponciano, o visitante mal-encarado, mencionado pela viúva. Em outros tempos, era o candidato preferido das tias de Laurentina, com quem a moça morava. Elas queriam vê-la casada com o moço. Mas João Benévolo apareceu, Ponciano se afastou. Após 10 anos, reaparece e se põe diante dela, todas as noites, esperando um instante de fraqueza da mulher para pedir-lhe que abandone o marido e o siga. Ela já compreendeu seu objetivo, mas não tem ânimo para falar. O visitante pede que fique com 20 mil-réis e os deixa sobre a mesa, sonhando com o dia em que terá Laurentina nos braços.

Na casa de Honorato, a esposa Virgínia desperta, decide tomar umas pílulas rejuvenescedoras. Olha-se no espelho e vê, lá do outro lado, Virgínia Matos Madeira, mulher de 45 anos, cabelos meio grisalhos, queixo duplo e princípio de rugas, tão diferente daquela que sente ser. Recorda-se de sua empregada já falecida, Angélica. Ela criou Noel e dirigiu a casa até a morte. Quando o Capitão Brutus começou a fazer-lhe galanteios e aparecer diante de sua janela, Angélica ameaçou contar o fato a Honorato. O tempo passou, o capitão foi transferido e Virgínia continuou levando a vida.

O palacete dos Pedrosa continua sendo preparado para a inauguração. Chinita se comporta como uma estrela de Hollywood e o pai paga-lhe todos os luxos que tanto desgostam a mãe, a triste e desconsolada, Maria Luísa. O filho, João Manuel, não leva vida diferente. Às vezes, não dorme em casa ou então só retorna de madrugada, para dormir até o meio da tarde. A família está se acabando, para D. Maria Luísa. Onde irá parar tudo aquilo? O luxo da casa, a mobília, os gastos desnecessários assustam a dona da casa que prefere ser uma estranha e não participar dos desmandos. Assim, se voltar à pobreza não sentirá a diferença.

É domingo. Clarimundo está de novo na janela de sua casa, pensando em como será o livro que vai escrever. Qualquer dia irá começá-lo pelo prefácio. Vê Fernanda e seu irmão, Pedrinho, sentados para o almoço. A moça avisa a mãe que irá a Ipanema para se encontrar com Noel. Fernanda deseja modificá-lo. Pensa no duro que dá no escritório do Senhor Leitão Leiria, na luta com o fatalismo da mãe, enquanto o rapaz só pensa em literatura, em escrever livros, sem nada fazer para tornar o projeto realidade.

Mais tarde, Pedrinho está no quarto de Cacilda, relutando em deixá-la. Ela diz que ele deve sair logo, pois tem visitas a receber. O rapaz anda perdidamente apaixonado por ela. Não consegue trabalhar, só vê sua figura o tempo todo. Lamenta o tipo de vida que a moça leva. Sonha em lhe dar um colar muito bonito que viu na Sloper. Cacilda fica aborrecida com as constantes visitas do rapazinho, mas não tem coragem para magoá-lo.

É segunda-feira, na casa de Benévolo a pobreza é gritante. Almoçam pouco, o filho chora de dor no estômago, a mãe lhe dá elixir paregórico. Benévolo sonha, lendo o livro, comprado com parte do dinheiro deixado por Ponciano. Quando a esposa o irrita ou alguma coisa o aborrece, Benévolo assobia o Carnaval de Veneza. É o que faz, ao ouvir Laurentina lhe mandar procurar emprego.

Na casa de Chinita, o vai-e-vém é constante. Todos estão envolvidos com a preparação para a festa inaugural, exceto D.Maria Luísa. Vera beija Chinita, loucamente, no quarto e a moça se entrega às carícias da amiga. Depois, descem para o chá.

Noel, trancado em seu quarto, tenta escrever seu romance, segundo o desafio de Fernanda. Enquanto isso, João Benévolo vai ao escritório de Leitão Leiria, tentando ser recontratado. Fernanda o recebe e diz que vai falar com o patrão. Leiria lhe dá uma carta de recomendação, encaminhando-o a um amigo, dono de uma fábrica de mosaicos. Assim que Benévolo se despede, Leiria telefona para a fábrica e pede desculpas por ter envolvido o amigo naquele problema, mas foi forçado, pede-lhe para não se preocupar com o desempregado.

Virgínia está em sua janela, esperando por um novo galanteador: Alcides, postado do outro lado da calçada, e vem cortejá-la todos os dias. A cada ruído, no interior da casa ou barulho do bonde, sobressalta-se, deliciada por tudo estar ocorrendo como no tempo de moça.

Terça-feira, festa no palacete do Cel.Pedrosa. A orquestra toca no hall. Há doces e salgados sobre as mesas. O proprietário está felicíssimo, vem-lhe à lembrança a imagem do amigo de Jacarecanga, o Madruga, com quem fazia apostas e resmungava. Fica imaginando a cara do amigo, se pudesse ver todo seu sucesso. Toda vez que algo extraordinário lhe acontece sempre pensa na cara do amigo. Salu dança agarrado com Chinita, que sonha que a festa é na casa de Joan Crawford. O namorado lhe diz frases cheias de insinuações e a convida para ir até o parque. Num recanto oculto, junto à piscina, Salu derruba Chinita, entregue definitivamente às suas carícias.

Chove forte. Salu desperta, o corpo dói, a cabeça está zonza. Logo recorda da noite com Chinita, da pergunta da moça sobre seu interesse por ela. Vai ao telefone e em surdina, Chinita marca um novo encontro. Está chocada, aturdida com o acontecimento da noite anterior.Teme ficar grávida e ao mesmo tempo, sente vontade de ficar para sempre com Salustiano.

Leiria fica enciumado com a festa dada pelo novo rico, Cel. Pedrosa. Pensa numa forma de derrotá-lo sem levantar a menor suspeita. Talvez, uma carta anônima resolva o problema. Recorda-se que o Monsenhor Gross lhe pediu emprego para uma moça, decide despedir Fernanda.

Pedrosa está com a amante, Nanette Thibault que lhe pede um automóvel de presente, enquanto, sete andares acima, a filha, Chinita faz amor com Salu. Virgínia, desgostosa com a vida de casada, espera na janela por Alcides, mas ele não aparece. D. Maria Luísa recebe uma carta anônima, dizendo que o marido, Cel.Pedrosa, tem uma amante no Edifício Colombo. Ela analisa toda sua vida até ali; o filho vive entre prostitutas e bebidas, a filha parece ter perdido o respeito, solta pela cidade e, agora, o marido tem uma amante.

Quarta-feira, 6 horas da manhã, Clarimundo lê Einstein, enquanto Maximiliano, o tuberculoso, morre sob os olhos da mulher, filhos e vizinhos. Chinita só pensa em Salu e João Benévolo vaga pela rua, sentindo fome e frio; o dinheiro acabou, não há alimento em casa. Cai de fraqueza com o estômago doendo. O carro da assistência o apanha e o coloca numa ambulância.

Laurentina chorou o dia inteiro, esperando pelo marido. Os vizinhos dão o que comer a ela e ao filho. Ponciano já está ali sentado, olhando-a e dizendo que nada aconteceu a Benévolo, ele é que não presta mesmo. Laurentina chora. Recorda-lhe que a avisou. Por que não vem morar com ele?

Laurentina sabia, há muito, que o convite ia ser feito, mas o que responder, não tem coragem nem para se revoltar.O homem continua insistindo, mostra-lhe a carteira cheia de dinheiro, afirmando que tudo será dela. Pode esperar mais um pouco, afinal, diz Ponciano, já esperou por ela há dez anos.

Virgínia já está na janela, mas sabe que Alcides não vai passar. Apanha o jornal e tem um sobressalto, o retrato do rapaz está ali, estampado no jornal, morto por um marido enciumado.

Noel, finalmente, consegue fazer Fernanda entender que está apaixonado por ela. Não precisou dizer tudo claramente, mas a moça, como sempre, adivinhou o sentimento do amigo. D.Dodó comemora feliz seu aniversário e a filha Vera, indiferente não consegue tirar Chinita do pensamento. Telefona para a casa da amiga, D.Maria Luísa lhe diz que a filha saiu há 2 horas atrás para ir visitá-la. Vera desliga e D. Maria fica pensando que o marido está com a amante e a filha?

Clarimundo chega em casa, depois de dar aulas, e resolve aproveitar o silêncio da noite para começar a escrever o livro que pretende sobre o homem da estrela de Sírio. Na introdução coloca que, após observar de sua janela a vizinhança, resolveu escrever sobre um observador, colocado num ângulo especial que, certamente, terá uma visão diferente do mundo; termina, dizendo: 'Pois eu te vou contar, leitor amigo, o que meu observador de Sírio viu na Terra'. De repente lembra-se da chaleira fervendo, levanta-se para fazer o café.

Fontes:
http://www.algosobre.com.br
http://minerva.ufpel.edu.br (imagem)

Roberto Bittencourt Martins (Ibiamoré)

Ibiamoré, o trem fantasma, composta por um conjunto que envolve mitos e a história rio-grandense. O cenário é Ibiamoré, cidade que se localiza na fronteira do Brasil com o Uruguai e a Argentina. De lá o trem parte, sem respeitar fronteiras, passando por onze estações. Durante o percurso do trem fantasma, entram em cena muitas personagens, e vários narradores: heróis, índios, jesuítas, espanhóis, portugueses, imigrantes, mulatos, mestiços, estrangeiros. O conjunto de mitos termina com a da criação do Universo e do homem sob a ótica sulista. Já a História lembra os episódios que iniciam com a guerra jesuítica até a construção das primeiras estradas de ferro no final do século XIX.

'Entrou num trem cheio de passageiros, mas ninguém parecia vê-lo; procurava um lugar vago e não encontrava nenhum. Descobriu, já aflito, apenas uma cadeira no fundo. Sentou-se e, só então, pôde olhar com mais vagar para seus companheiros de viagem. Surpreendeu-se que estivessem todos de olhos fechados, adormecidos, mesmo com o trem parado. Somente quando o trem começou a andar é que lhe veio a idéia horrível de que todos estavam mortos. Quis gritar para que parassem o trem, queria sair - mas não conseguiu mover os lábios para falar'.

Este sonho dá o tom no romance Ibiamoré de Roberto Bittencourt Martins. No centro da trama encontramos a lenda do Trem Fantasma, localizada na fronteira sul do Brasil, entre o Rio Grande e as repúblicas platinas. Cada um dos capítulos corresponde a uma das onze estações imaginárias da Viação Férrea. Por trás da lenda está a irrupção da máquina no espaço virgem do campo.

O ideal pastoral foi utilizado para definir o significado do Novo Mundo desde o seu descobrimento. Os primeiros cronistas lançaram mão das imagens de Virgílio para descrever uma natureza selvagem e inóspita. Com o advento da industrialização, o idílio decai: o apito estrídulo da locomotiva irrompe na paz dos campos e os cantos dos pássaros, o mugido das vacas e o relinchar dos cavalos cedem lugar ao silvo do trem, emblema do progresso.

A interrupção da máquina no jardim aponta, no caso do Brasil, para o fim do Império [1870-1888], época em que as primeiras locomotivas corriam pelos trilhos recém-construídos. Em Ibiamoré encontramos, porém, um tempo histórico anterior: aparecem as figuras fundadoras do Rio Grande do Sul - Afonso Inácio, o capitão-menino, representante do português açoriano, o índio Teireté protestando contra a violência das guerras guaraníticas [1753-1756] e Frei Esteban Cruz, o padre jesuíta espanhol, difusor das letras e pai espiritual da lenda do Trem. Ao longo das narrações dos vários cronistas, Frei Esteban acaba por incorporar-se à lenda como padre sacrílego expiando suas culpas no fatídico trem.

O romance foi publicado em 1981. O livro, no seu duplo significado, mostra o progresso, representado pela idéia do trem e, ao mesmo tempo, denuncia a ruptura dos valores cultivados pelo gaúcho.

Fontes:
http://www.algosobre.com.br
http://www.dicadeteatro.com.br (imagem)

Lindolf Bell (O Código das Águas)

É a partir de Lindolf Bell que a poesia catarinense recupera o teor de originalidade, legado por Cruz e Souza, e passa a sugerir algo novo. Não dita normas para o fazer literário, não restringe o campo de ação do poeta. Mas amplia, posto que, opondo-se a algumas teorias estéticas das vanguardas de 50 e 60, pressupõe a permanência do vínculo entre o poeta e o seu poema. Exigindo do poeta a divulgação direta com o público, tornando-se um intermediário vivo entre o poema e o seu consumidor, a poesia realimenta-se de suas atribuições originais de laudos e desempenho social.

Sendo essa sua orientação básica, a Catequese Poética, liderada por Lindolf Bell, possibilita a agregação de poetas das mais variadas tendências, num convívio sem conflitos estéticos.

Daí o uso de ingredientes que favorecem os efeitos acústicos e o ritmo, como a repetição e a reiteração. O convite à participação do público não se dá somente ao nível fônico e visual, mas igualmente, na sugestão contida na matéria tematizada.

Em Código das Águas afirma-se a trajetória desempenhada pelo poeta enquanto peregrino em busca da poesia ideal. A palavra, aí, é o instrumento capaz de apreender a essência do universo criado. O código das águas reelabora o ideário estético de Lindolf Bell, que tem a ver unicamente com o fluir irredutível, ininterrupto e inclassificável de sua poesia - águas - insubmissa a códigos, exceto o das águas, cuja, codificação nega a si mesmo, exigindo-se a mutabilidade, o dinamismo constante.

ANÁLISE DA OBRA:

O Código das Águas é uma poesia que celebra o refazer-se, a mudança, a transição e o caráter transitório de tudo pela 'palavra/ quem em breve/ será a palavra dentro em breve./ A palavra/ que se reveste de linho real/ na linha real da vida:/ enfermidade, / efemeridade'. O título da obra fala de uma impossibilidade, uma contradição: suas águas são aquelas do rio heraclitiano, puro movimento, irrepetíveis.

Portanto, impossíveis de serem codificadas, pois um código é sempre forma, constância, conjunto de regras e padrões estáveis.

Lembremos que, em seus primeiros livros, Bell, como retrata o prof. do curso Geração, apresentava-se como poeta que denunciava a perda de laços de fraternidade e de densidade humanística em nossa sociedade.

Uma característica deste livro em contraste com os dois anteriores, é a sua descontinuidade aparente. As Annamarias e As Vivências Elementares são quase um poema só, divido em partes, algo como variações sobre o mesmo tema. Aqui, não: temos partes bem distintas, coexistindo poemas, enfermidade, efemeridade, com outros lineares e despojados, parecendo até uma abdicação do uso de determinados recursos poéticos. E outros, ainda, que se caracterizam pela brevidade e concisão, como na série Minifúndios.

Ou seja, onde seus dois livros anteriores têm uma estrutura fechada, quase com começo, meio e fim, desta vez temos uma obra que, mesmo conservando sua unidade, também apresenta algo de incluso e aberto - justamente por registrar uma passagem, um processo de transformação.

O Código das Águas é poesia em movimento e este movimento é ultrapassar-se, ir além. E, principalmente, ir mais fundo.

Alguns textos remetem igualmente ao não mais existente e ao imemorial, como o Inseto de Lagoa Santa, ou o índio do veemente Poema para o Índio Xokleng, que 'emudeceu entre castanhas, bagas e conchas/ de seus colares de festa'.

A linguagem para falar do imemorial e do anterior à memória também é outra: requer uma palavra anterior à palavra. Este é um tema constante, que atravessa o livro:
'Não é a palavra fácil/ que procuro./ .../ Procuro a palavra fóssil./ A palavra antes da palavra./ .../ Esta que me antecede / e se antecede na aurora/ e na origem do homem'. Por isso, 'procuro desenhos/ dentro da palavra./.../Sinais, vendavais,silêncios./ Na palavra enigmam restos, rastros de animais,/ minerais da insensatez'. Não mais 'mero esboço de um desenho inacabado de homem,/ inadequado, por certo, na forma de chegar e falar / das coisas do mundo e de mim'.

Busca-se, portanto, a escrita primordial, rastro e inscrição e ao mesmo tempo, movimento: 'Entendi a escrita minha
ao entender a escrita da andorinha',
pois 'tudo que penso
pouco mais dura que a escrita,
a da raiz, a da marca do pé na terra,
que mino, rumino,
e que me habita'.

Há passagens que são verdadeiras profissões de fé ou declarações de princípios poéticos, que, na sua visão da escrita, como se despojar e deixar de ser, aproximam-se do que Elliot diz nos Quatro Quartetos:
'Para possuíres o que não possuís
Deves seguir pelo caminho da despossessão.
Para chegares ao que não és
Deves seguir pelo caminho onde não estás.
E o que não sabes é a única coisa que sabes
E o que possuis é o que não possuis
E onde estás é onde não estás'.

A trajetória de Bell é um caminho na direção de um território insondável,
' a face inversa da luz
onde me extravio
e não cessarei jamais.
Pois menor que meu sonho
não posso ser'.

Isto implica viver o 'Desterro.
Desterra.
ali se resume a vida.
e nada é em vão.
Ainda que pareça o contrário'.

Percebe-se, lendo O Código das Águas, como Lindolf Bell sabe que o caminho da poesia é um caminho da perda, percorrendo o avesso e a negação da realidade instituída e aceita. Tudo isso faz que acompanhemos com enorme interesse o prosseguimento de sua obra poética, os ganhos obtidos percorrendo o caminho da perda e da despossessão.

Textos selecionados:

XIX

Onde a morte se fere de si mesma
Onde a morte morre
Onde o corpo se inscreve
Nas linhas sinuosas da alegria

Ali meu coração bate
Sem falas guaranis
Nem pampas latifúndios

Meu coração
Não passa de um minifúndio
E minha linguagem
Chama-se viver

DESTERRO
I

Aqui estou
Em pleno século XX
Desterrado por Platão.
Dentro do círculo da vida
Nõa mais aberto
Que um não.

Que faço neste tempo
Entre terra e céu de ironia?
Em coração caracol
E tempo de uvas verdes?

Faço um poema.
Me desfaço.
Me desfaço como um laço
De uma caixa de presentes vazia.

Enquanto me desfaço no poema
Afino o sentimento do mundo:
Desterro se faz de nenhum lugar.
E só se faz de saudade.

POEMA MATEMÁTICO

Me somo
E fico um
Me multiplico
E permaneço um.

Me divido.
E continuo um.

Me diminuo.
E resto um.

Me escrevo
E sou nenhum.

ASA DA PRIMEIRA IDADE

Longe de mim
Como a mais distante estrela.
Próxima de mim
Em meus olhos [e coração]
Que me permitem vê-la.

Pouco sobra da vaidade,
Da divisão dos tempos,
Da distribuição de afetos.

Ensina-me sobra, sombra, terra,
Aonde me perdi.
Ensina-me do orvalho
Que umedece o sonho de perfeição
Que não esqueci.

A minha aldeia chama-se:
Ninho de liberdade.
Mas onde terá ficado a asa
Da primeira idade?

Fontes:
http://www.algosobre.com.br
http://i.s8.com.br (imagem)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Luiz Fernando Emediato (Os Herdeiros do Nada)

Estão aí pelas ruas,
tristes e solitários poetas
da sarjeta

Em 1977, um ano antes de abandonar Minas Gerais em troca da cidadania paulistana, conheci na avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, um músico de rua que se chamava Casquinha. O povo o tinha como mendigo, mas ele fazia questão de esclarecer que não pedia e jamais pediria esmolas: tocava sua flauta. Quem quisesse pagar pelo espetáculo era só deixar cair algumas moedas no seu velho e furado chapéu. Gordo, meio cego, diabético e neurótico, Casquinha só desaparecia do seu conhecido ponto na avenida quando a Saúde Pública o recolhia à força.

Tocava bem, e não eram poucos os que ficavam ali admirando-o, e quando parava explodiam aplausos. Um diretor de teatro deu-lhe emprego: de terça a domingo tocava flauta num canto do palco, enquanto se desenrolava, ao longo de duas horas, uma tragédia doméstica envolvendo duas mulheres que se odiavam.

Atração especial, Casquinha tornou-se famoso na imprensa e acabou se apresentando nos programas do Chacrinha e do Sílvio Santos, como uma curiosidade. Quis então ser artista, mas riram dele e o expulsaram do estúdio.

Pobre Casquinha. Em 1979, já vivendo em São Paulo, encontrei-o na praça Patriarca, cego de um olho, cada vez mais gordo, doente.

Não me reconheceu. Voz fraca, quase surdo, já não tocava tão bem. Recusava-se ainda a ser chamado de mendigo, mas era o que era. Poucos paravam, agora, para admirar-lhe a arte, que ele procurava sofisticar tocando também um tambor, com os pés, enquanto agitava chocalhos amarrados nos cotovelos. No alto da cabeça, prendera uma latinha com grãos de milho. E, enquanto soprava a flauta, fumava. Pobre coitado. Pobre Casquinha. Decadente, enquanto músico, procurava chamar a atenção fazendo malabarismos. Assim se apresentou num programa de calouros. Foi vaiado. Estava no fim.

Frágil e ingênuo Casquinha. Eu o vi uma vez mais, nem me lembro quando. Depois sumiu. Pode ter morrido por aí, numa noite gelada, talvez tenha sido enterrado como indigente – quem sabe? Quando vou a Belo Horizonte, ando pela avenida Afonso Pena, e quando ouço som de flauta corro para ver se o encontro. Inútil: outros Casquinhas, menos criativos, mas da mesma forma desgraçados, deserdados, espalham-se por ali, recolhendo migalhas.

Um dia, passeando pelo centro da cidade, vi diante do Mappin uma criancinha gorda, cega e suja. Sentava-se no chão, de pernas abertas, olhinhos fechados, e movia-se de um lado para o outro ao som da música que extraía, serenamente – mas com que tristeza, meu Deus! – de um pequeno acordeon. Como se parecia com o velho Casquinha! Devia ter uns onze ou doze anos, mas o rosto sofrido aparentava mais. Enquanto tocava, entretanto, parecia fora do mundo, em êxtase.

E ninguém parava para ouvi-lo.

Por todos os lados havia mendigos, alguns também vendendo dignamente sua música barata, mas a maioria só encostada por ali, exibindo sua miséria, seus lamentos, sua ferida, sua inevitável solidão. No meio deles, alguns loucos e alguns – poucos – mendigos falsos, tentando arrancar dinheiro de cidadãos ingênuos.

A repórter Alba Carvalho entrevistou um desses mendigos, ali mesmo no centro. – e a história, terrível, cortava o coração. Era – tinha sido – um jornalista. Um jornalista mineiro, culto, 45 anos. Afirmava ter trabalhado nos Diários Associados, mas estava, naquele instante, relegado à mais subumana condição: a de pedinte.

Voz firme, olhar duro e acusador, ele enfrentou a câmara, suportando dignamente a condição de entrevistado, ele que um dia fora entrevistador.

Eram ainda os tempos da Velha República. Chegou a Nova, com tanta esperança, e eu me perguntei: onde andará Casquinha? Estará morto, toca flauta em Belo Horizonte, em Itaquera, Fortaleza, Manaus? Aquele colega caído em desgraça, terá recuperado sua dignidade? O menino cego do Mappin, que futuro o aguarda? Eu pergunto e ninguém responde. Nas praças e ruas e campos deste país tão grande e tão rico, homens frágeis e outros, que foram fortes, dividem com as crianças abandonadas o mesmo e triste destino dos deserdados.

Pois tudo continua igual.
24-04-2008
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Sobre o autor
Luiz Fernando Emediato
Jornalista e escritor vencedor de vários prêmios literários, e dos prêmios Esso de Jornalismo e Rei de Espanha de Jornalismo Internacional. Criador do Caderno 2 de O Estado de S. Paulo e responsável pela introdução do "âncora" na televisão brasileira. Autor de "Trevas no Paraíso", "Geração Abandonada", entre outros livros. É editor da Geração Editorial.
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Fonte
Crônica retirada do livro A grande ilusão públicado em 1992
http://www.geracaobooks.com.br/colunistas/colunista.php?id=448