quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Artur Eduardo Benevides (Elegia Cearense - Soneto Inglês - Soneto de Mágoa e Esperança )

Elegia Cearense

1
Longo é o estio.
Longos os caminhos para os pés dos homens.
Longo o silêncio sobre os campos. Longo
o olhar que ama o que perdeu.
Já não vêm as auroras no bico das aves
nem se ouve a canção de amor
dos tangerinos.
A morte nos abóia. Exaustos, resistimos.
Se se acaso caímos os nossos dedos
começam a replantar a rosa da esperança.
Ai Ceará
teu nome está em nós como um sinal
de sangue, sonho e sol.
Chão de lírios e espadas flamejantes,
território que Deus arranca dos demônios,
mulher dos andarilhos, dálida da canícula,
em nós tu mil rorejas. Pousas. És canção.

2.
Para cantar-te me banho em tua memória
e ouço a voz enternecida
diante de esfinges soluçando.
Oh! ver-te apunhalada — e o sol
roubando tua frágil adolescência
e ponto em tua face o esgar
de quem se sente, súbito, perdido.
Teus pobres rios secam
os galhos perdem os frutos
as aves bicam o céu
fogem as nuvens.
Então ficamos escravizados
à tua sede austera, ao teu desejo
de um dia seres bela igual às noivas
que se casam no fim dos teus invernos.

3.
Triste é ver as crianças finando-se nos braços
de mães alucinadas que vendo-as à morte
inda cantam de amor canções do tempo antigo.
E ficas desesperada vendo os filhos
ao longo das estradas onde há pouco
trabalhadores cantavam an entardecer.
Mudas a voz, então: és cantochão
és réquiem crescendo à sombra dos degredos
és rouca como presos que murmuram
palavras dos dias em que foram
jovens e felizes.
Para cantar-te, Bem-Amada telúrica,
seria feliz se vez de vãs palavras
tivesse em minha boca chuvas e sementes.
Ai, viúva do inverno, flor violentada,
teu sol não brilha: queima. Mas um luar
renasce sempre no olhar
dos homens.
Ó grande olhar de pedra, sede e solstício:
te dessem um novo reino e nunca aceitarias!

4.
Belos são os teus frutos porque difíceis.
Em cada sepultura nasce uma rosa.
Em cada filho teu o amor é como o inverno.
Jamais tu morrerás. Não seríamos fortes
se por ti não estivéssemos em vigílias cruéis, ó mãe!
Mas se as chuvas te querem
como louco partimos
para o amanho da terra.
Os campos então ficam maduros
qual ventre de mulher,
e as bocas
— tranqüilas e felizes —
gritam
palavras de amor
que erguem
primaveras.

Soneto inglês


Esse teu ar de estrela e de mulher,
Esse jeito de flor e de mistério,
Esse lume que tens, imenso, etéreo,
Esse vasto querer que ora me quer;
Esse olhar que me fere mas não mata,
Esse sorrir de brisa matinal,
Essa imagem de verso provençal,
Esse segredo que ninguém desata;
Esse estilo de vida, esse teu dom,
Esse estado de graça e de leveza,
Essa clara verdade, essa beleza,
Esse gesto de amor em sobretom


Fazem-te grande, sendo pequenina,
Dando à mulher encanto de menina.

Soneto de mágoa e de esperança


Por que de mim te alongas ou te afastas?
Será que em ti perdi meu gesto e rosto?
As minhas horas todas já são gastas
Em sonhar-te ditosa ou sem desgosto.


És glória, luz e amor. E eu? Sol-posto.
Mas, fugindo de mim, tu me vergastas
E deixas-me ferido, e pobre, exposto
Às vinganças do tempo, iconoclastas.


Para agradar-te, finjo que sou jovem.
Busco enganar-te, a ver se te comovem
As palavras que oferto, de afeição,


A fim de que, qual dádiva, me olhes
Com toda a tua graça e não desfolhes
As pétalas da última ilusão.
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Sobre o Autor:
Artur Eduardo Benevides (Pacatuba, Ceará, 1923) é poeta, ensaísta e contista brasileiro, com mais de quarenta livros publicados.
Foi eleito, em 1985, o Príncipe dos Poetas Cearenses, título já detido pelo Padre Antônio Tomás, por Cruz Filho e por Jáder de Carvalho. Bacharel em Direito e em Letras, foi professor titular da Universidade Federal do Ceará.
É membro da Academia Cearense de Letras, tendo sido seu presidente entre 1995 e 2005); da Academia Cearense de Língua Portuguesa e da Academia Fortalezense de Letras, integrante, também, do Grupo Clã. Em 2000 foi derrotado em eleição para a Academia Brasileira de Letras pelo escritor Ivan Junqueira.
Artur Eduardo Benevides é vencedor de mais de trinta prêmios literários, destacando-se a Bienal Nestlé de Literatura, em 1988.
Para comemorar os 80 anos do poeta, em 2003, o escritor José Luís Lira escreveu o livro "O Poeta do Ceará - Artur Eduardo Benevides", com sua biografia e trechos principais de sua obra. O livro saiu com o selo da Academia Fortalezense de Letras, da qual José Lira é fundador juntamente com Matusahila Santiago e Artur Eduardo Benevides o Presidente de Honra.
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Fontes:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia
http://pt.wikipedia.org/

Cândido Meireles (Kinamuiu)

Quando o meu corpo for, amada esposa,
Matéria inerte, pede aos meus amigos
Que não lhe dêem túmulo nem lousa,
No cemitério, entre os demais jazigos.

Não porque eu tenha medo à cova escura,
Nem as famintas larvas sepulcrais,
Quando minha alma já mais leve e pura,
Para acima dos lados mundanais.

Não porque fuja as vozes doloridas,
Dos esguios ciprestes gemedores,
Onde, segundo velhas crenças idas,
Penam almas de antigos trovadores.

Não porque odeio a eterna solidade
Do campo santo, à noite, às horas mortas
Eu que pressinto a eterna claridade,
Que brilha atrás dessas sombrias portas.

Não! Amo, sim, a luz da natureza,
E, a respeito de toda a inanidade
Da vil matéria fria e sem beleza,
Quero o meu corpo em plena liberdade.

Assim, quando o letárgico momento
Cheguem, em que esta minha alma redimida,
Não for que a forma do meu pensamento,
Livre no espaço, à luz de uma outra vida...

Que levem, pois, meu corpo, e em doce calma,
À, sobre aquele bloco de granito,
Dessa Kinamuiu que o vento ensalma,
Deixem-me então fazer sob o infinito.

Deixem-no junto ao colossal madeiro,
Que o padre – cura mandou por – sagrado!
Dos ecos no voraz desfiladeiro,
A marcar mais um século tomado.

Deixem-no lá, ao sol, à chuva, ao vento.
Dividido, mudo, abandonado ao ermo...
Sem dores, sem tristezas, sem lamentos.
Meu velho e gasto corpo de astafermo..

Deixem-no lá, da lajem na aspereza,
Abandonado as mutações impuras,
Que aves do céu virão, tenho certeza,
Meu coração levar para as alturas.

Porque do poeta, o coração amado,
Deus não consente apodrecer no lodo,
Fica no espaço em luz embalsamado,
Novo astro a luzir no Imenso – todo.

E tu, Kinamuiu – eterna e linda.
Catedral de almas ritos singulares.
Guarda o corpo do vate, que se finda,
No silêncio aromal dos teus altares.

Tu, que as Eras afrontas altaneira,
Ungida à luz dos fulgos arrebóis,
Se dos meus restos a era derradeira,
Banhada assim de aromas e de sois.
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Sobre o autor:
Cândido Meireles, Poeta e prosador tauaense, Patrono da Cadeira de N. 40 da Acacemia Tauaense de Letras. Nasceu em Tauá, aos 16 de dezembro de 1895, filho do Promotor de Justiça Dr. Gervásio Meireles e de Dona Aurelina Cândido Meireles. Aos 16 anos ingressou no Seminário, de onde foi afastado, dois anos depois por motivo de doença. Concluiu Odontologia na Faculdade de Odontologia e Farmácia do Ceará em Fortaleza, na turma de 1918. Fez parte do Recreio Literário Soriano Albuquerque (1919), em cujo órgão oficial – A Conquista, escrevia constantemente. Exerceu por algum tempo, o cargo de Inspetor-chefe do Serviço Odontológico Escolar. Colaborou em quase todos os jornais e revistas de Fortaleza da Época, com trabalhos em prosa e verso. Sócio efetivo da Associação Cearense de Imprensa. Poeta consagrado foi Membro da Academia Cearense de Letras.

Fontes:

O Sertão - Jornal da Academa Tauaense de Letras. 2007. http://www.antonioviana.com.br/
Academia Tauaense de Letras. http://academiatauaense.blogspot.com/

Caio Porfírio Carneiro (O orador)

Sempre que eu passava por aquela praça lá estava ele, sozinho no palanque, gestos teatrais, falando e falando para a multidão silenciosa. Semelhante aos tantos outros que na cidade, no Estado, no País, em palanques, rádios e televisões, faziam promessas há tantos anos. E anos a fora quantos e quantos continuavam a ouvi-los.

Aquele, porém, persistia, diariamente, sob o sol ou sob a chuva, no surrado terno preto, erguendo os braços para a amplidão, gesticulando, mãos trêmulas, aos que o ouviam à frente, à direita e à esquerda. Uma ampla saia de cabeças. E ampliava a voz, quase aos gritos, aos que passavam ao largo metidos nas suas vidas.

Pelo tipo, pelos gestos, só lhe faltava uma bíblia na mão. E ele não tinha bíblia. Aquela persistência, aquele mesmo público quieto e silencioso, intrigaram-me e me despertaram a curiosidade.

Saí rompendo a multidão para aproximar-me o mais possível:

– Com licença. Com licença.

Vi-me bem próximo daquela figura hipnótica, palavras vibrantes que diferiam dos tantos outros da cidade, do Estado, do País. Fui descobrindo, em meio à chuva de perdigotos, que tudo que lhe saía da boca nada prometia desta vida e da outra. Não falava de Deus nem dos homens. Não se referia à cidade, ao Estado e ao País. Ou ao mundo. Seu olhar fuzilava, inquietava, martirizava, e suas acusações, dedo em riste, queimavam, humilhavam, feriam.

Feriram-me.

Integrei-me à multidão e, guardando o mesmo silêncio de todos, contrito, fiquei a escutá-lo, esquecido do tempo.
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Sobre o autor
Caio Porfírio Carneiro é natural de Fortaleza (1º de julho de 1928), tendo se radicado em São Paulo em 1955. Tem cultivado o conto com regularidade. Sua estréia no gênero se deu em 1961, com o elogiadíssimo Trapiá. Seguiram-se Os Meninos e o Agreste (1969), O Casarão (1975), Chuva – Os Dez Cavaleiros (1977), O Contra-Espelho (1981), Viagem sem Volta (1985), Os Dedos e os Dados (1989), A Partida e a Chegada (1995) e Maiores e Menores (2003). Seus romances são O Sal da Terra (1965) e Uma Luz no Sertão (1973). Publicou as novelas Bala de Rifle (1965), Três Caminhos, Dias sem Sol e A Oportunidade, estas em 1988. É autor também de ensaios, como Do Cantochão à Bossa Nova (ensaio sobre música popular brasileira), literatura juvenil (Profissão: esperança, Quando o Sertão Virou Mar..., Da Terra Para o Mar, do Mar Para a Terra, Cajueiro Sem Sombra), poesia (Rastro Impreciso), reminiscências (Primeira Peregrinação, Mesa de Bar, Perfis de Memoráveis). Tem recebido diversos prêmios, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1975. [2007]
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Fonte:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia

Caio Porfírio Carneiro (Um cronista na vida)

A eterna discussão se a crônica é ou não gênero literário nunca teve, para mim, maior sentido. Será literária se o talento de quem a escreveu pode levá-la à arte da escrita. A discussão surge porque, na maioria das vezes, o gênero tende ao circunstancial. Então a crônica pode refletir um simples acontecimento do dia-a-dia ou sublimar-se em pagina do melhor lavor literário. Em citação única e ligeira, para ficar nesta, lembro a crônica de Machado de Assis sobre a morte do velho Garnier, proprietário da famosa editora que levava o seu nome. Partiu-me e, ainda hoje, ao relê-la, parte o coração.

A crônica, pelo contrário, não é gênero de feitura fácil. Não são muitos os nossos bons cronistas. Numerosos são os que a praticam, mas não lhe sabem dar alma. Podem ser dadas noticias de um crime hediondo numa “crônica”, como se pode, através de uma crônica verdadeira, falar apenas de um poste.

Vem-me a relevo este curto e pálido comentário ao ler estas crônicas de Cyro de Mattos, reunidas em livro – Alma mais que tudo. Dentro da versatilidade temática própria do gênero, o autor se volta, de coração pulsante, em grande parte dos textos, às reminiscências do passado, seja da infância na terra natal, na juventude estudantil na capital do seu Estado ou na vida jornalística, no Rio de Janeiro. Mas, como todo cronista que se preza, aborda um universo de temas variados, analisa-os e dá o seu ponto de vista, se necessário. “Direis” que qualquer um procede assim. Não procede, não. O cronista verdadeiro domina o gênero, como domina um poldro bravo, e o conduz àquela dignidade, só dela, que lhe dá um todo inconsútil.

Então as crônicas, como aqui, levam o leitor a lê-las e senti-las como corrente de um elo só. Eis que há mais no cronista: sabe dizer, como dizer, e analisar com aguda sabedoria de observação, de vida e de arte literária, para além da jornalística.

E nos vem à lembrança o velho truísmo: ser simples sem ser fácil. Quaisquer destes textos são de uma leveza estilística notável. Tudo é elíptico e rápido. E nem poderia ser diferente, dada à dimensão de cada texto, todos praticamente do mesmo tamanho, por imposição provável do espaço em que foram publicados. Acontece que o autor encontra nos temas pontos nodais ou detalhes subjacentes, que trazem ao vivo riqueza não revelada deles, e os “ampliam” para além do que está escrito. Tal como a arte implícita do conto.

Como destacar os melhores trabalhos aqui reunidos? Por mais que se faça uma eleição pessoal muitos ficarão de fora. O que dizer de O Rio? Uma crônica poética? E de Quintais? Uma crônica - reminiscência? Salvador da Bahia? Uma viagem ao passado da cidade e ao próprio passado perdido do autor? Terras da Morte... O que dizer desta pagina? Haverá dimensão maior para a morte do que na curiosidade e aflição de um menino?

Para que mais citações... O livro todo nasceu do talento notável de um escritor, de um poeta do primeiro plano da poesia brasileira, de um senhor do como dizer na arte de escrever.

Cyro de Mattos dispensa apresentação. Tudo o que escreve e tudo o que publica trazem sua marca personalíssima. O seu estilo nunca sofre lesões que desnivelem a sobriedade e o ritmo cristalino da frase, sempre essencial e sem arestas.

Estes trabalhos são, em parte, um espelho da alma do autor, e em parte sua ótica de observação humana e critica do mundo que o cerca e, por extensão, do nosso próprio mundo, com alguns sinais sensíveis, sublimes em quantos desconsertos e precariedades.

Lê-se o livro de uma corrida.

Depois? Depois relê-lo, que não é obra para uma leitura só.

Fonte:
Jornal de Poesia. http://www.secrel.com.br/poesia

Dimas Macedo (1956)

Dimas Macedo (Lavras da Mangabeira, 14 de setembro de 1956) é um poeta, crítico literário e jurista brasileiro.

Professor do Faculdade de Direito de Universidade Federal do Ceará, onde obteve o título de mestre, sob a orientação do professor Paulo Bonavides.

Membro da Academia Cearense de Letras.

Integra o Conselho Editorial de vários jornais e revistas culturais: revistas Espiral e Literapia (Fortaleza), revista Literatura (Brasília) e revista Morcego Cego (Santa Catarina), entre outros. Compõe também o Conselho Editorial das Edições UFC, o conselho de publicações da Editora Códice, o Conselho Editorial das Edições Livro-Técnico e o Conselho Editorial do Museu – Arquivo da Poesia Manuscrita.

Nos idos de 1990/1991, participou do Movimento Poesia Plural e, em maio de 1995, com Inez Figueiredo, João Dummar, Beatriz Alcântara, Juarez Leitão e outros escritores cearenses, criou o Grupo Espiral de Literatura, fundando, posteriormente, com José Telles, as Edições Sobrames (2001) e, com Pedro Henrique Saraiva Leão (1998), a Revista Literapia e as Edições Poetaria.

Poemas e textos literários de sua autoria foram vertidos para o francês, o inglês e o espanhol e publicados em Portugal, Espanha, Inglaterra, Argentina e Estados Unidos. É autor também de trabalhos estampados em jornais e revistas do Ceará e do Brasil. A sua produção, quer na cultura literária ou na área da reflexão filosófica, abrange um conjunto de seis opúsculos, vinte e seis livros e mais de quatrocentos artigos editados, versando a maioria deles sobre literatura e autores de língua portuguesa.

Desenvolvendo uma intensa atividade literária, cultural e artística, que se projeta no campo editorial e na defesa da cidadania e da justiça, Dimas Macedo publicou, em 1997, pela Editora Oficina, de Fortaleza, o livro Tempo e Antítese, sobre a poesia de Pedro Henrique Saraiva Leão e, em 2002, pelo Museu da Gravura do Ceará, o livro A Face do Enigma, este último sobre a trajetória biográfica e a obra literária do grande escritor cearense José Alcides Pinto.

Consta, no seu currículo literário, parcerias com diversos músicos e artistas plásticos cearenses, entre eles André Lopez, Augusto Lima, Ronaldo Lopes, Fátima Santos, Dumar, Costa Senna, César Barreto, Luiz Carlos Prata e Nonato Luiz (no campo da virtuose musical) e Geraldo Jesuíno, Eduardo Eloi, Cláudio César, Wando Figueiredo, Mano Alencar, Fernando França e Audifax Rios (no âmbito do trabalho com a gravura e a criação editorial).

Apaixonado pelas origens históricas e pelo patrimônio cultural e humano do povo cearense, Dimas escreveu mais de uma centena de prefácios e apresentações de escritores do Ceará e do Brasil, tendo organizado, para a Coleção Alagadiço Novo, da UFC, os livros Ficção Reunida (1994), de Durval Aires, e Ensaios e Perfis (2001), de Joaryvar Macedo.

Além dos autores acima referidos, cujo o acervo continua divulgando, resgatou e publicou a obra literária dos dois principais poetas do romantismo cearense: Barbosa de Freitas e Joaquim de Sousa, sendo responsável também pelo espólio de escritores como Afonso Banhos, João Clímaco Bezerra e Caetano Ximenes Aragão.

Sobre a sua terra de berço publicou artigos na imprensa do Cariri e do Nordeste e escreveu os seguintes livros Lavrenses Ilustres (1981, 2a ed., Edições SECULT / BNB, 1996) e Lavras da Mangabeira – Roteiros e Evocações (1985), sendo autor, também, de Notas para a História de Alto Santo (1988) e Bibliografia – Roteiro para Pesquisadores (Fortaleza, 2004, 2a ed. 2007).

É detentor da Medalha do Mérito Legislativo da Câmara Municipal de Lavras da Mangabeira, da Medalha da Ciência e Cultura, da Fundação Cultural de Fortaleza, e da Medalha do Centenário de Morte de Cruz e Souza, outorgada, esta ultima, pelo Governo de Santa Catarina, sendo ainda autor do livro Marxismo e Crítica Literária, publicado em Florianópolis/SC, em 2001.

No âmbito da justiça e da cultura jurídica, é Advogado e Mestre em Direito, Professor de Direito Constitucional e Chefe do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFC e Procurador do Estado do Ceará, além de membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, disciplina na qual é especialista, sendo considerado também um dos constitucionalistas cearenses de maior destaque.

Foi Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Cultura e Desporto, Coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria do Governo, Assessor da Comissão da Reforma Administrativa, Membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e Presidente da Comissão Especial de Licitação dos Serviços de Publicidade do Governo do Estado.

Consultor da Agência Brasileira de Cooperação, junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Dimas dirigiu no Ceará o Instituto Nacional de Ação Popular e Defesa da Constituição e foi Presidente da Cooperativa de Cultura do Ceará LTDA, tendo integrado ainda a Comissão Central de Extensão da UFC e o Conselho Regional da Associação Brasileira de Recursos Hídricos.

Membro-Instituidor e Professor da Escola Superior da Advocacia e da Fundação Paulo Bonavides, tem ministrado aulas igualmente na Escola Cearense de Formação de Governantes, na Escola Superior do Ministério Público, na Escola Superior da Magistratura e na Universidade de Fortaleza – UNIFOR, em cursos de graduação e pós-graduação e sempre na área do Direito Constitucional, tendo exercido, nesta última instituição, os cargos de Chefe do Departamento de Direito e Coordenador Adjunto do Curso de Direito.

Presidente da Comissão de Direito Ambiental da Procuradoria Geral do Estado, membro da Comissão de Direitos Humanos, da Comissão de Estudos Constitucionais e Vice-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB – Ceará, o Prof. Dimas Macedo tem artigos de sua autoria publicados em revistas jurídicas especializadas, entre elas a Revista Nomos, do Curso de Mestrado em Direito da UFC; a Revista de Humanidades, do Centro de Ciências Humanas da UNIFOR; a Revista de Informação Legislativa, do Senado Federal; a Revista da Faculdade de Direito da UFC; a Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, da Editora RT; a Revista Trimestral de Direito Público, da Editora Malheiros, São Paulo; e a Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, sendo ainda autor dos livros Ensaios de Teoria do Direito (1985, 3a ed., São Paulo, Edicamp, 2003), O Discurso Constituinte/Uma Abordagem Crítica (1987, 2a ed., Casa de José de Alencar / UFC, 1997), Pesquisas de Direito Público (2001), Política e Constituição (Rio, Editora Lúmen Júris, 2003) e Filosofia e Constituição (Rio, Letra Legal Editora, 2004), onde discute, respectivamente, temas de Filosofia do Direito, Sociologia Política e Direito Constitucional.

Apesar do destaque na literatura, e do sucesso na vida social e profissional, orgulha-se DM de ter nascido e passado a infância em Lavras da Mangabeira / Ceará, nas margens do Rio Salgado, símbolo principal da sua criação literária e das suas intenções no plano da cultura. O Salgado, para ele, representa o movimento da vida e a dinâmica incessante da vida que sempre se renova.

Obras
Poesia
A Distância de Todas as Coisas (1980)
Lavoura Úmida (1990)
Estrela de Pedra (1994)
Liturgia do caos (1996)
Vozes do Silêncio (2003)
Sintaxe do Desejo (2006)

Crítica literária
Leitura e Conjuntura (1984)
A Metáfora do Sol (1989)
Ossos do Ofício (1992)
Crítica Imperfeita (2001)
Crítica Dispersa (2003)
Ensaios e Perfis (2004)
A Letra e o Discurso (2006)

Biografias
Lavrenses Ilustres (1981)
Lavras da Mangabeira: Roteiros e Evocações (1986)
Notas Para a História de Alto Santo (1988)
A Face do Enigma - José Alcides Pinto e Sua Escritura Literária (2002)

Fonte
http://pt.wikipedia.org/

Dimas Macedo (Literatura e Escritores Cearenses)

Quando falo sobre Tendências da Literatura Cearense Atual, como me sugerem os organizadores deste seminário, quero me referir a escritores vivos e à ambiência literária de Fortaleza tais como se encontram em 1997, isto é, pretendo investigar se existe entre nós uma produção literária consistente e qual o grau de inserção de referida produção literária nos quadros da literatura brasileira.

Começo por fazer um repasse histórico, partindo das primeiras manifestações. Rememoro os Oiteiros, tertúlias palacianas ao redor do Governador MANUEL INÁCIO DE SAMPAIO, como início da nossa atividade literária, para alguns; para outros, é a poesia de JUVENAL GALENO aquilo que marca os primórdios da nossa literatura. A Academia Francesa, da década de 1870, é uma instituição pioneira e importante, mas não pode ser julgada um movimento literário, ainda que dos seus quadros tenham saído dois dos principais críticos do século dezenove - ROCHA LIMA e ARARIPE JÚNIOR. O mesmo no entanto já não ocorre com o Clube Literário (1886), a Padaria Espiritual (1892) e o Centro Literário e a Academia Cearense de Letras, criados em 1894.

Cabe referir, no período do romantismo, além de JUVENAL GALENO, os nomes de JOAQUIM DE SOUSA e BARBOSA DE FREITAS, poetas hoje completamente deslembrados, com ressalvas para os esforços de SÂNZIO DE AZEVEDO em restabelecer a legitimidade da poesia de ambos. JOSÉ DE ALENCAR é um caso à parte. Sendo o nosso maior representante literário, é também o escritor cearense em cuja ficção o Ceará se vê mais bem imaginado ou idealizado, não especificamente retratado, contudo, pois tanto Iracema quanto O Sertanejo, os seus dois romances ambientados no Ceará, são calcados em pura intuição lendária, como já afirmei em outra ocasião.

O simbolismo no Ceará corre paralelo à Padaria Espiritual e o nome de maior destaque é o de LÍVIO BARRETO, autor de Dolentes (1897). A Padaria Espiritual gravita em torno de ANTÔNIO SALES, que é um dos nossos maiores poetas e o autor primoroso de Aves de Arribação. A ele, no final do século passado, juntar-se-iam os romancistas OLIVEIRA PAIVA e de ADOLFO CAMINHA, ambos com cadeiras cativas no panorama da literatura brasileira. Não falo de RODOLFO TEÓFILO, que encarnou a alma cearense, nem de FRANKLIN TÁVORA, que empalmou a tese de uma certa literatura do norte, pois sou dos que não acreditam na consistência estética das suas produções, ainda que reconheça os inegáveis méritos literários de ambos.

DOMINGOS OLÍMPIO, autor de Luzia-Homem (1903), PAPI JÚNIOR (1854-1934), CORDEIRO DE ANDRADE (1908-1943) e HERMAN LIMA (1897-1981), são quatro ficcionistas que não podem ser olvidados, em nenhuma hipótese, assim como não pode jamais ser esquecida a figura de GUSTAVO BARROSO, principalmente como contista e memorialista. Ele próprio um dos grandes escritores do Brasil durante o percurso deste século, ao lado de JOSÉ ALBANO, que considero um poeta exponencial e originalíssimo.

O que vem depois é a fase do pré-modernismo, projetando luzes na figura solitária de MÁRIO DA SILVEIRA. E bem assim a estética do parnasianismo, que produziu alguns dos mais expressivos poetas cearenses, a exemplo de OTACÍLIO DE AZEVEDO, CARLOS GONDIM, ANTÔNIO SALES, CRUZ FILHO e JÚLIO MACIEL. E as tentativas de renovação modernista de 1928/1930, ao redor de DEMÓCRITO ROCHA, JÁDER DE CARVALHO, SIDNEY NETO, JOÃO JACQUES FERREIRA LOPES, RACHEL DE QUEIROZ e FILGUEIRAS LIMA, sem esquecer o surto modernista definitivo que se instaurou no Ceará a partir da década de 1940, empalmado pelo Grupo Clã de Literatura. BRAGA MONTENEGRO é o crítico literário dessa escola. DURVAL AIRES o seu novelista. MILTON DIAS o seu cronista mais expressivo. PEDRO PAULO MONTENEGRO o seu grande teórico literário. MOREIRA CAMPOS e EDUARDO CAMPOS os seus contistas mais eminentes. FRAN MARTINS e JOÃO CLÍMACO BEZERRA são os romancistas dessa geração. É com estes dois últimos ficcionistas a que me refiro que o chamado romance cearense ganha foros de legitimidade e complementação. Os poetas do Clã foram ALUÍSIO MEDEIROS, ANTÔNIO GIRÃO BARROSO, OTACÍLIO COLARES e ARTUR EDUARDO BENEVIDES. STÊNIO LOPES, JOAQUIM ALVES, LÚCIA FERNANDES MARTINS, MOZART SORIANO ADERALDO, CLÁUDIO MARTINS e ANTÔNIO MARTINS FILHO, na condição de grandes escritores, também se filiaram a esse movimento.

Outro nome a relembrar é o do poeta IRANILDO SAMPAIO, que estréia na década de 1950 e que ainda hoje permanece em plena atividade, tendo publicado, em 1997, A Nave dos Esquecidos, seu décimo sexto livro de poemas. Já COSTA MATOS, nascido poeta ainda na década de 1940, atravessou as décadas seguintes fiel ao ideário da sua vocação, tendo recentemente (1997) estreado como romancista, sendo desta forma merecida a sua inserção nos quadros da literatura cearense atual.

O movimento concretista é do final da década de 1950. EUSÉLIO OLIVEIRA, JOSÉ ALCIDES PINTO, BARROSO GOMES, ANTÔNIO GIRÃO BARROSO e PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO são os seus máximos representantes. E aqui já estamos chegando na década de sessenta, cuja referência mais visível é a do grupo SIN de Literatura. Seus componentes, passados quase trinta anos, continuam sendo preponderantemente poetas, com exceção de PEDRO LYRA e LINHARES FILHO, que enveredaram pela crítica, pela estética e pelo ensaio literário também. HORÁCIO DÍDIMO, BARROS PINHO, ROGÉRIO BESSA, LEÃO JÚNIOR e ROBERTO PONTES, membros do SIN, fizeram opção pela poesia e dela se tornaram nomes destacados.

Talvez neste ponto da exposição coubesse um parêntese para que pudéssemos evocar o nome de JUAREZ BARROSO, morto aos 41 anos, e que depois se transformaria num dos maiores contistas do Brasil. Autor de Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal (1969) e de Joaquim Gato (1976), livros de contos, e de Doutora Isa (1978), romance, que juntos nada ficam a dever aos grandes monumentos literários brasileiros da década de 1970. Outro nome que considero importante, surgido na década de 1970, mas pertencendo a uma faixa etária bastante anterior, é o do poeta CAETANO XIMENES ARAGÃO (1927-1995), autor de uma poesia épica e de entonação marcadamente cósmica, comprometida com as exigências da modernidade literária.

O Grupo Siriará de Literatura, que eclodiu no final da década de setenta, além de um manifesto e de uma revista que morreu com o primeiro número, não deixou a meu juízo uma contribuição significativa, enquanto movimento de renovação estética e literária. Foi uma atitude muito mais do que um grupo literário com disposição de aglutinar uma proposta concreta de ação ou coisa que o valha. Mas é indiscutível também que do Siriará provém alguns dos melhores escritores cearenses da década de 1980, com raízes num período bem anterior, que remonta à criação da revista O Saco, uma das mais originárias publicações brasileiras das últimas décadas.

Com o Siriará morre também o ciclo dos grandes movimentos literários cearenses, pois as tentativas que vieram depois não se consolidaram, não passando na sua maioria de saraus ou de convivências de boa vizinhança, o que muito já representa para uma literatura que deseja buscar a sua identidade e não a encontra senão em algumas posturas pessoais, pois o elo partido é justamente a impossibilidade de uma afirmação regional de algo que só tente a se globalizar a se inserir num contexto muito maior.

Falo agora de nomes isolados, não da história da literatura cearense como um todo, mas da literatura que se pratica em Fortaleza e nos seus arredores. Vou isolar de propósito os que, embora nascidos cearenses, emigraram para outros centros culturais mais desenvolvidos, não se contaminando do pecado e dos vícios do provincianismo, uma praga à qual está sujeita boa parte de qualquer ambiência literária. A falta de uma crítica militante em Fortaleza, capaz de acompanhar a nossa produção literária, é um dos males culturais mais graves e também de difícil solução.

Não estou dizendo que desconheço a crítica literária mais jovem. Pelo contrário. Observo com interesse o embrião de uma crítica nova, ainda vacilante e descontinuada, que se excerce principalmente no Suplemento Sábado do Jornal O Povo, me parecendo oportuno destacar, entre os iniciantes, os nomes de ELEUDA DE CARVALHO e MANOEL RICARDO DE LIMA e, entre os veteranos, os nomes de LIRA NETO e FLORIANO MARTINS.

Arrisco-me agora a apontar alguns escritores em evidência no nosso cenário literário. Começo por ALCIDES PINTO, que considero um dos maiores nomes da literatura brasileira deste século. Avalio a sua condição de poeta, mas, principalmente, me interessa a sua dimensão de romancista. FRANCISCO CARVALHO costuma ser julgado como sendo o nosso grande poeta nos dias de hoje, situação com a qual plenamente concordo, ainda que considere uma temeridade esse tipo de classificação, pois o poder metafórico e a opção pelos chamados temas eternos da poesia, fazem de ARTUR EDUARDO BENEVIDES um expressivo poeta também. EDUARDO CAMPOS e JOÃO CLÍMACO BEZERRA são outros dois grandes escritores cearenses, ao lado de PATATIVA DO ASSARÉ, com toda a certeza, o mais canônico e o mais alto de todos os nossos poetas populares, ao lado, possivelmente, de JUVENAL GALENO, cuja poesia já foi absorvida pelo nosso estrato erudito.

Fora do espaço cearense, RACHEL DE QUEIROZ, CAIO PORFÍRIO CARNEIRO, MÁRIO PONTES, ROBERTO AMARAL, CLÁUDIO AGUIAR, JOYCE CAVALCANTE e GERARDO DE MELLO MOURÃO, grande expressão da poesia épica de língua portuguesa, são nomes que honram a tradição literária do Ceará, com a agravante de terem a terra de berço como leit-motiv de sua criação.

Não iria longe se elaborasse outra lista e nela posicionasse os nomes de MOACIR C. LOPES, JOSÉ ADERALDO CASTELO, ROLANDO MOREL PINTO, HOLDEMAR MENEZES, CÉSAR LEAL, HILDA GOUVEIA DE OLIVEIRA, ANA MIRANDA e HELONEIDA STUDART, escritores que também se projetaram na literatura brasileira e que igualmente confirmam o Ceará como um celeiro de veros escritores. A este rol me parece justo também acrescentar os nomes de GILSON e STELA NASCIMENTO, JOSÉ HELDER DE SOUSA e LUSTOSA DA COSTA, FRANCISCO SOBREIRA e LUCIANO BARREIRA, ELVIA BEZERRA e NATALÍCIO BARROSO, CÂNDIDO ROLIM e YEDA ESTERGILDA, DULCE MARIA VIANA e EDILSON CAMINHA e de mais uns poucos, com destaque para duas revelações cearenses, surgidas no Estado de Pernambuco - MAJELA COLARES e RONALDO CORREIA DE BRITO, poeta o primeiro e contista o segundo aqui mencionado.

Por que li praticamente tudo o que escreveram os autores que mencionei e os que vou mencionar adiante e também porque fui convidado para falar sobre o assunto que aqui se quer discutir, acho que posso e devo dar o meu testemunho e emitir a minha opinião, o que faço, aliás, com muita reserva, pois sei que no âmbito de uma província literária como a cearense existem gostos pessoais os mais variados, vaidades patológicas às vezes agressivamente cultivadas e candidatos à crítica literária que muito pouco leram, mas que se apressam em oferecer, de forma autoritária e arrogante, a sua opinião atabalhoada.

Gostaria de desprezar essas visões pessoais, por não refletirem um juízo isento e desapaixonado. SÂNZIO DE AZEVEDO, do alto da sua estatura de sábio e de pesquisador, se quisesse, poderia ser o crítico da literatura cearense atual, pois é o nosso maior historiador literário e, entre todos, o mais criterioso. Ele prefere o passado. Compreendo. Pois acho que não seria lícito lhe cobrar também o presente. Nenhum crítico, por mais que se esforce, será capaz de responder por uma certa história literária sozinho.

Por onde prossigo? Me permitam falar da figura de GILMAR DE CARVALHO, que nasceu escritor em 1973 e que na década de 1980 resolveu liquidar a sua fatura literária, optando a partir de então pela pesquisa da literatura de cordel, assunto no qual tem se tornado estudioso dos mais respeitados. Escreveu, a meu juízo, o melhor romance cearense da década de 1970 (Parabélum, 1977), que somente encontra similar, no terreno da ficção e no mesmo período, na prosa genial de JUAREZ BARROSO, no romance Recordações da Comarca (1972), de ODÁLIO CARDOSO DE ALENCAR, e no livro de contos O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro, de autoria de GERALDO MARKAN, publicado em 1979.

Os poetas que sentaram praça no Grupo SIN de Literatura, com o tempo foram assumindo posições muito pessoais. BARROS PINHO retirou-se um pouco da cena literária depois de coroar sua trajetória com os poemas de Circo Encantado (1975) e de confirmar a sua vocação de poeta com Natal do Castelo Azul (1984). LINHARES FILHO fez opção pelas formas fixas do poema, pagando tributo, inclusive, à geração de 45 e a uma certa linguagem bastante erudita e austera. ROBERTO PONTES e HORÁCIO DÍDIMO continuaram produzindo e editando uma poesia de boa qualidade, recheada de experimentos e reinvenções pessoais muito proveitosas. PEDRO LYRA se inclinou por uma certa poesia dialética e por uma poética bastante singular e audaciosa e os demais, LEÃO JÚNIOR e ROGÉRIO BESSA entre eles, preferiram continuar em silêncio, esperando talvez o fim da tempestade.

AIRTON MONTE, que estreou como contista, mais precisamente em 1979, e teve sua obra muito bem recebida pela crítica, parece ser um nome que não está muito interessado em continuar escritor, apesar da sua excelente performance, no início dos anos de 1980, com dois livros de contos muito apreciados. Optou, por último, pela crônica diária de caráter jornalístico, distanciando-se assim de CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA e de NILTO MACIEL, seus companheiros de geração e de aventura literária no terreno da curta e da longa ficção, e que já firmaram-se na literatura brasileira como escritores muito originais. Babel, o livro de contos de NILTO MACIEL, e Pedaços da História Mais Longe, o romance de CARLOS EMÍLIO, ambos publicados em 1997, confirmam entre nós e nos escaninhos da literatura brasileira, a presença de dois excelentes ficcionistas.

NILZE COSTA E SILVA é outro nome da década de 1980 que anda mais ou menos desaparecido, impedindo um julgamento acertado da sua produção ficcional. Situação, aliás, que me parece ser idêntica a de JOSÉ LEMOS MONTEIRO, que estreou e se firmou como romancista na década de oitenta e que misteriosamente desapareceu do cenário editorial e literário, isto depois da publicação dos romances A Valsa de Hiroxima (1980), A Serra do Arco-Iris (1982) e O Silêncio dos Sinos (1986).

Volto-me agora para os nomes de IRELENO PORTO BENEVIDES, autor de dois importantes livros de poemas (Construção Cotidiana, 1983, e Itinerários do Exílio e da Comunhão, 1988), e de DIOGO FONTENELE, a cujas produções poéticas me refiro no meu livro Leitura e Conjuntura (2ª edição, 1995). O meu propósito, no entanto, é seguir adiante, pois as melhores tintas são para o nome de MARLY VASCONCELOS, autora de uma obra concisa mas de indiscutível formatação estética e literária. É uma escritora a ser considerada, pois domina como poucos o universo da poesia, com a qual apareceu e se firmou na década de setenta e na seguinte e que agora tornou-se igualmente romancista de largo tirocínio. Considero Coração de Areia (1993) um romance extremamente bem realizado e esteticamente muito bem construído, afora os seus méritos no campo da literatura infanto-juvenil, habilidosa escritora que é na seara dessa modalidade de arte literária.

ANGELA GUTIÉRREZ e BEATRIZ ALCÂNTARA têm se dividido entre a poesia, a ficção e o ensaio literário, com livros publicados em cada um desses gêneros. Trata-se de duas professoras universitárias, da área específica da literatura, exigentes com o resultado da sua produção, ambas disputando um lugar entre as escritoras de sua geração, ao lado de NATÉRCIA CAMPOS, com certeza, cujo livro de contos Iluminuras (1988), é um marco da literatura não só do Ceará.

A crítica e o ensaio literário estão limitados ao espaço universitário, com uma ou outra exceção. Por esses gêneros, além de ANGELA GUTIÉRREZ e BEATRIZ ALCÂNTARA, têm passeado autores como CARLOS D'ALGE, PEDRO PAULO MONTENEGRO, LINHARES FILHO, JOSÉ LEMOS MONTEIRO, PEDRO LYRA, TEOBERTO LANDIM, F.S. NASCIMENTO, NOEMI ELISA ADERALDO, CELINA FONTENELE GARCIA, MARTA CAMPOS, VERA LÚCIA MORAES, BATISTA DE LIMA, JOSÉ LEITE DE OLIVEIRA JÚNIOR, ÍTALO GURGEL, ANA VLÁDIA MOURÃO, LOURDINHA LEITE BARBOSA e, principalmente, SÂNZIO DE AZEVEDO, o maior estudioso da literatura cearense e um dos mais prestigiados ensaístas literários do Brasil nas últimas três décadas.

A safra de poetas entre nós é imensa. Existem autores nesse campo para todos os gostos. Não vou falar dos consagrados, como FRANCISCO CARVALHO, JOSÉ ALCIDES PINTO e ARTUR EDUARDO BENEVIDES que, como disse, ao lado de JOÃO CLÍMACO BEZERRA e EDUARDO CAMPOS, formam, possivelmente, o quinteto dos maiores escritores cearenses eruditos, no campo específico da criação artística, no qual a pena equilibrada de CIRO COLARES é o nosso contraponto no terreno da crônica.

Falo de escritores de gerações recentes, especificamente de poetas, os que foram surgindo a partir da década de 1960 e conseguiram chegar até aqui. Acho que a elite desses poetas, abstraindo-se os componentes do SIN, a quem me reportei linhas acima, responde pelos nomes de PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO, LUCIANO MAIA, ADRIANO ESPÍNOLA, BATISTA DE LIMA, JUAREZ LEITÃO e CARLOS AUGUSTO VIANA. Particularmente, tenho uma admiração pessoal pela poesia de PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO e sobre ela organizei recentemente (1997) o livro intitulado Tempo e Antítese. Trata-se de um poeta antenado com a grande vertente da poesia universal deste século, a de língua inglesa, completamente abstraído da nossa atmosfera rural, da linguagem discursiva e da imitação gratuita que têm caracterizado boa parte da literatura cearense atual.

Deixei propositalmente de fora da listagem os nomes de OSWALD BARROSO e de FLORIANO MARTINS, para quem pretendo um tratamento diferenciado, assim como de fora o nome de ROSEMBERG CARIRY, cuja vocação de poeta foi totalmente sufocada pela de produtor cultural e de cineasta. GISELDA MEDEIROS e REGINA LIMAVERDE são duas poetisas que também merecem uma referência, ainda que seja de passagem, à obra literária que empreendem, a segunda das quais com assento na Academia Cearense de Letras, fazendo jus assim aos prêmios literários com que foi distinguida.

OSWALD BARROSO e FLORIANO MARTINS enveredaram por caminhos diversos, mas são nomes que julgo definitivamente consolidados, com dicção muito pessoal e remarcada por uma originalidade literária muito proveitosa. Não desconheço que OSWALD BARROSO tem se desligado muito da poesia e abraçado o teatro com dedicação e excelente reconhecimento. É, entre os escritores de sua geração, talvez, o intelectual mais arrojado e o mais dinâmico, com formação que, no geral, vai do popular ao erudito.

Já no pertinente a FLORIANO MARTINS, considerado um escritor bastante polêmico, porém muito participativo, eu o tenho como poeta de fala original e reconheço como meritório o seu trabalho de tradutor e de produtor cultural. Sei que muitos aqui não concordarão com a inclusão de FLORIANO na lista pela qual me debato, mas não posso falsificar a verdade e atender a apelos e picuinhas estranhos ao mérito da escrita. Ele já externou de público e por escrito que me considera uma ostensiva obscuridade (O Povo, 17.02.1996), ao lado de outros poetas cearenses cuja poesia certamente não admira, mas não é assim que eu o vejo, talvez porque se trate realmente de um poeta de qualificação muita positiva, sendo, ademais, um crítico literário de boa formação.

Quanto a LUCIANO MAIA, cumpre dizer que ele produz uma poesia cujas características fundantes são indiscutivelmente a épica e a tradição. É autor de uma vasta produção e que conhece como poucos a carpintaria de verso, o labirinto do vernáculo e a escritura literária como um todo. As formas fixas do poema, principalmente do soneto, são parâmetros aos quais se tem agarrado. Mas é um poeta forte, com nome feito na literatura e a quem o Ceará deve significativa revelação da sua saga e da sua rapsódia. Trata-se de um poeta bastante seduzido pelos motivos rurais, pelas nossas raízes armoriais e atávicas, com incursões pelo popular e o social.

ADRIANO ESPÍNOLA é um poeta de formação urbana, sintonizado com os apelos da pós-modernidade e com os conflitos que apontam para os novos signos da linguagem e para a fundação das tribos de uma nova babel. A cidade, a sua parafernália e os seus encantos, as insinuações do corpo e do prazer, a fragmentação e a transformação do gosto e do sentir nas relações humanas, associadas à sonoridade e à elegância de uma nova ode triunfal, tudo isso a conduzir o fluxo da lembrança e da memória pessoal que se quer restaurada, parece ser a matéria-prima da sua textura poética, uma das mais altas da literatura brasileira neste final de século.

BATISTA DE LIMA é um poeta engenhoso e sua poesia tem raízes tanto rurais quanto sociais, apesar da lírica em geral e da solidão interior serem motivações bastante proveitosas da sua escritura literária. Não sendo um poeta cerebral, é no entanto o mais cabralino dos nossos poetas e aquele que melhor sabe se voltar para a epopéia e as misérias das suas raízes telúricas. Trata-se de um escritor que se tem destacado como ensaísta também, com passeios igualmente pela ficção, julgando-se neste campo unicamente como um contador de estórias. O Pescador de Tabocal, no entanto, publicado em 1997, é um livro de contos que tem muito mais a dizer do que o autor imagina, apesar do enfoque ter sido efetivamente projetado para o enredo e não especificamente para o labirinto da escritura literária.

JUAREZ LEITÃO é épico e lírico a um só tempo. Domina com muita fluidez a metáfora e a poesia de base erótica e sensual, com grande poder de expressão, cujos motivos estão ligados à saga dos sertões cearenses e a um apelo dionisíaco muito provocante, onde o arauto de eros ressurge como a primeira das alucinações criativas. É um poeta de fala arrebatada e sedutora e de ampla fundamentação discursiva, transfigurada pela lucidez e pelo fogo sagrado da paixão, sempre a sufocar e a seduzir as vinhas amargas do silêncio. Já CARLOS AUGUSTO VIANA é um caso à parte, que há mais de quinze anos não nos permite ler a poesia que vem armazenando. Estreou com Primavera Empalhada, em 1982, e por aí ficou, nos inquietando com uma poesia marcada pelo signo da estética e de uma refinada força criativa, que o coloca, com justa razão, entre os poetas que mais renovaram a morfologia e a semântica da nossa poesia na década de 1980.

SOARES FEITOSA, um poeta que surge inesperadamente maduro para o universo literário, é um nome que muito tem sido discutido nas rodas literárias cearenses. Mais discutido do que lido, diga-se a bem da verdade. Parece que ambiciona um lugar na poesia brasileira de hoje, tamanha a avalanche de opiniões que tem colecionado em torno da sua poesia, quase todas emitidas por nomes exponenciais da nossa literatura. A sua obra, ainda em fase de elaboração, resultou num denso e substancioso livro de poemas, vindo a lume em 1997, após algumas tentativas editoriais dos seus muitos alfarrábios poéticos, feitas no geral fora dos parâmetros convencionais, sem desproveito, no entanto, para a qualidade da sua produção. É ele o Editor do Jornal de Poesia da Internet em língua portuguesa e para sua poesia tem atraído a atenção de navegadores da Internet e da literatura.

Outra novidade que surge na literatura cearense, com muito poder de convencimento e aplauso quase geral, responde pelos nomes de PEDRO SALGUEIRO e PAULO DE TARSO PARDAL, contista ambos e ensaísta o segundo. JORGE TUFIC, vindo do Amazonas e considerado um dos grandes poetas brasileiros, é a dádiva que veio se somar à nossa poesia, pois optou por Fortaleza como sua segunda e definitiva nação. Com ele, o soneto entre nós se revitalizou. E com VIRGÍLIO MAIA, nome que deixei propositadamente por último, a literatura brasileira ganha um excelente sonetista e a tradição literária brasileira é indiscutível que se fortalece também. Sendo VIRGÍLIO um dos maiores produtores culturais do Ceará, é também em contrapartida um dos escritores cearenses mais eruditos, cujos motivos da sua criação e da sua pesquisa são os valores da antropologia nordestina e os signos da heráldica e do armorial, sobressaindo-se entre nós como um dos melhores poetas dos anos de 1990, principalmente depois da edição de Palimpsesto e Outros Sonetos, publicado em 1996.

O auditório poderia agora perguntar se esqueci algum nome. Responderia que sim, pois considero impossível guardar todos os escritores cearenses na memória. RICARDO ALCÂNTARA, por exemplo, é um nome a ser considerado, medido e avaliado, de uma ou de outra maneira, assim como CARLA BIANCA é uma agradável revelação nos escaninhos da nossa poesia que, lamentavelmente, possui poucas fundações entre os novos, ficando com a ficção, possivelmente, os nossos melhores acertos, como é o caso de RICARDO KELMER, autor de O Irresistível Charme da Insanidade (1996) e de Guia Prático para Sobrevivência no Final dos Tempos (1997), ambos recheados de ficção de boa qualidade.

MARCO ANTÔNIO ROSA, autor de Reflexos (1995), AFONSO BARROSO, autor de A Roca (1996), e JOSÉ TELLES DA SILVA, autor de Poemas Estivais (1997), todos estreantes, são três nomes a serem considerados, com certeza, ao lado, possivelmente, de ALEXANDRE BARBALHO, autor de uma poesia minimalista, mas de instigante provocação estética (Passeio Público, 1996).

No entanto, entre os mais novos, sobre JORGE PIEIRO e sobre ALANO DE FREITAS eu gostaria de falar de uma forma muito especial, principalmente porque JORGE PIEIRO tem muito a ensinar aos escritores cearenses de gerações anteriores à sua. É um nome a ser considerado no âmbito da literatura cearense dos últimos dez anos, assim como ALANO DE FREITAS deve ser visto como um escritor de dicção singular, sendo, de outra parte, um dos nossos melhores artistas, pois inúmeros são os instrumentos que sabe manejar na área da cultura, tal como AUDIFAX RIOS, que é artista de refinado trato com o popular e com a ficção. AIRTON MARANHÃO, autor de A Dança da Caipora (1994), é um romancista que em poucos anos o Ceará verá soerguido e com RUY CÂMARA a longa ficção cearense poderá ganhar em breve uma surpresa e uma renovação inesperada. Espero. Assim como tenho em TÉRCIA MONTENEGRO uma escritora prestes a se revelar para o público.

Finalmente, caberia indagar o que representa o ano de 1997 para a literatura cearense. Em primeiro lugar não podemos esquecer que 1997 é o ano do centenário de morte de ADOLFO CAMINHA e da publicação da sua primeira biografia digna de confiabilidade e de respeito, com pontos altamente positivos para o curriculum de SÂNZIO DE AZEVEDO, que cada vez mais se consolida como um dos nossos maiores escritores. LINHARES FILHO traz a público O Póetico Como Humanização Em Miguel Torga, indiscutivelmente um grande momento da literatura cearense em 1997.

E se invoco a pesquisa literária de LINHARES FILHO, é porque penso também em CARLOS D'ALGE e na sua poética do ensaio, principalmente nos limites e na forma em que eu a vejo retratada em O Sal da Escrita (1997). Nesse sentido, aliás, penso que poucos ensaístas quanto D'ALGE foram tão longe utilizando a crítica e o ensaio como pretexto para a construção de uma poética e de uma forma literária individuais, em vista a demarcação de um terreno para a inserção da palavra, que nele é fundamentalmente memória, mitologia portuguesa e consciência est(ética) e literária.

Além da volta de ARTUR EDUARDO BENEVIDES e de FRANCISCO CARVALHO ao repasto do cena literária, com livros de poemas de qualidade respeitável, o ano de 1997 é sacudido pela ficção de NILTO MACIEL e de CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA, que reaparecem para confirmar duas excelentes vocações de ficcionistas. ADRIANO ESPÍNOLA e LUCIANO MAIA, por sua vez, atingem possivelmente o ápice das suas carreiras literárias, com a publicação, respectivamente, de Beira-Sol e de Rostro Hermoso, dois livros pejados de criatividade e nos quais se divisa, talvez, a ruptura de ambos com a própria estética literária que vinham elaborando.

A esses dois poetas me parece oportuno também adicionar o nome de MAJELA COLARES, cujo livro O Soldador de Palavras, São Paulo, Ateliê Editorial, vindo a público com excelente acabamento gráfico, constitui um dos melhores momentos da poesia brasileira em 1997, juntando assim a sua voz ao nome do poeta cearense CÉSAR LEAL, residente em Recife, que também em 1997 publica a sua antologia poética, intitulada Alturas, e que é uma prova, há muito já confirmada, da sua inserção no rol dos maiores poetas de língua portuguesa.

PEDRO HENRIQUE SARAIVA LEÃO, por iniciativa de DIMAS MACEDO, tem a sua obra de poeta visitada por vários escritores e ganha o primeiro livro de fôlego sobre a sua poesia, intitulado Tempo e Antítese e considerado por LIRA NETO, um dos mais experientes críticos do jornal O POVO, como um dos melhores livros publicados no Ceará em 1997, ficando com essa atitude ressalvada também a competência do organizador do referido conjunto de ensaios, como fez questão de frisar o jornalista atrás mencionado, sendo 1997 igualmente o ano de estréia de INÊS FIGUEIREDO, que aparece em público com o rótulo de poetisa madura e muito consciente do ofício que empreende, juntando assim a edição do seu livro O Poeta e a Ponte às reedições de Editor de Insônia, de JOSÉ ALCIDES PINTO, Uma Chama ao Vento, de BRAGA MONTENEGRO, e O Peso do Morto, de autoria de PEDRO SALGUEIRO.

Mas o ano de 1997 é rico também pela republicação de Rimas, de JOSÉ ALBANO, de Trigo Sem Joio, de OTACÍLIO DE AZEVEDO, de Poemas do Cárcere e Ânsia Revel, de CARLOS GONDIM, de As Verdes Léguas, de FRANCISCO CARVALHO, e da Antologia Poética, de FILGUEIRAS LIMA, sendo também o ano da estréia de ANGELA GUTIÉRREZ como poetisa e da publicação de um novo romance e de um livro de crônicas de FRAN MARTINS, um dos maiores ficcionistas do Ceará em todos os tempos.

Já sobre RODOLFO TEÓFILO, que em 1997 teve os sonetos de Ocaso publicados pela primeira vez, foram editados dois livros substanciosos: Rodolfo Teófilo / O Varão Benemérito da Pátria, de autoria de WALDIR SOMBRA, e A Política do Corpo Na Obra de Rodolfo Teófilo, da lavra do professor e escritor JOÃO ALFREDO DE SOUSA MONTENEGRO, sendo de registrar por último que ANTÔNIO MARTINS FILHO é, na condição de memorialista, um nome também a ser relembrado, pois que em 1997 publica o quarto e último volume das suas memórias de mais de meio século.

Ao Prof. MARTINS FILHO devemos também as reedições, em 1997, de Não Há Estrelas no Céu (romance) e Dois de Ouros (novela), de autoria, respectivamente, de JOÃO CLÍMACO BEZERRA e de FRAN MARTINS. Trata-se, no caso, de dois momentos riquíssimos da nossa ficção, nos quais o ciclo do algodão e a saga do cangaço atingem, indiscutivelmente, os seus melhores retratos artísticos, com pontos altamente positivos para a sociologia do romance cearense como um todo.

Fora do espaço cearense, o ano de 1997 é alentador, sobremodo, no caso de alguns escritores conterrâneos. Além dos nomes de NILTO MACIEL, ADRIANO ESPÍNOLA e CARLOS EMÍLIO CORRÊA LIMA, aqui já referidos e que ganharam projeção fora das fronteiras cearenses, cabe mencionar os nomes de ROBERTO AMARAL (Não há Noite Tão Longa), GERARDO MELLO MOURÃO (Invenção do Mar), FRANCISCO SOBREIRA (Crônica do Amor e do Ódio) e CLÁUDIO AGUIAR (Franklin Távora e o Seu Tempo), que se distinguiram empalmando alguns dos melhores momentos da literatura brasileira em 1997, com relevância, respectivamente, para o romance, a poesia, o conto e o ensaio literário de caráter biográfico e investigação erudita e criteriosa.

Finalmente, gostaria de confessar que tenho presente a impossibilidade de aludir a cada um dos escritores cearenses de per si, assim como reconheço que esqueci alguns nomes, principalmente e em certos casos porque nem tudo que esquecemos é proposital. As circunstâncias do Seminário e a limitação do tempo podem, por sua vez, serem tomados como fatores que embargaram uma melhor clareza da exposição.

Fonte:
Jornal Oboé. http://www.oboe.com.br/

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Adélia Prado (Casamento - Briga no Beco - Artefato Nipônico)

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como 'este foi difícil'
'prateou no ar dando rabanadas'
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

De Terra de Santa Cruz (1981)
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BRIGA NO BECO

Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mãos e palavras
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior,
[fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo
[ graças.
Desde então faço milagres.

De Bagagem (1976)
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ARTEFATO NIPÔNICO

A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada.

De A Faca no Peito (1988)
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Sobre a autora

Mineira Adélia Prado (1935-) faz uma poesia diferente. Seus versos situam-se no difícil território do cotidiano. Falam de ninharias domésticas, observações miúdas. Adélia vai surpreender a poesia na hora de tratar o peixe na cozinha ou no pouso da borboleta no quintal. Ela até ousa meter sua colher poética em briga de marido e mulher.

Professora em Divinópolis-MG, cidade onde nasceu e vive, Adélia publicou seu primeiro livro, Bagagem, em 1976. Consta que, três anos antes, ela enviara os originais do livro ao poeta Affonso Romano de Sant'Anna. Este repassou-os a Carlos Drummond de Andrade, pedindo uma avaliação. O mestre itabirano não só considerou os textos de alta qualidade como sugeriu sua publicação a um editor.

Outra faceta da poesia de Adélia Prado é um forte espiritualismo, no qual se misturam símbolos do catolicismo com uma discreta sensualidade. O cotidiano está sempre presente, como pano de fundo. Os três poemas transcritos ao lado ilustram bem essas características. Todos foram extraídos do volume Poesia Reunida, que enfeixa seis livros da autora.
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Fontes:
Carlos Machado. No Território dp Cotidiano. In poesia.net. www.algumapoesia.com.br , 2004
Adélia Prado. Poesia Reunida. Ed. Siciliano, 10a. ed., São Paulo, 2001

W.S.Maugham (1874-1965)

William Somerset Maugham, escritor inglês nascido em Paris em 1874 e falecido em 1965, foi talvez um dos mais populares e bem sucedidos autores do século XX. Prolífico, escreveu tanto para o teatro como para a literatura em geral, consagrando-se como um excelente contador de histórias, o que fez com que o colocassem no mesmo nível do francês Guy de Maupassant ou do seu conterrâneo Graham Green, um globetrotter tão popular e mundialmente conhecido quanto ele. Maugham foi um homem de letras do império, suas histórias se passavam tanto nos salões e encontros para o chá em Londres como numa choupana dentro de uma floresta numa remota ilha dos Mares do Sul, locais onde ele descrevia os seus personagens com grande desenvoltura.

Um contador de histórias

"Eu nunca pretendi ser algo mais do que um contador de historias. Eu me divirto contando historias e escrevi muitas delas. Para mim é um infortúnio o fato de contar uma história somente pelo motivo dela em si é uma atividade que não conta com o favor da intelligentsia. É um infortúnio que tento escutar com fortaleza".
S. Maugham - Creatures of circumstance, 1947

Em 1938, aos 64 anos de idade, universalmente consagrado pelos leitores mas não pela crítica, Maugham resolveu entregar ao seu imenso público um “resumo” das suas atividades como escritor e uma crônica do que ele pensava sobre a arte de escrever e outras observações interessantes sobre a vida cultural e literária em geral. Intitulou-o de The Summing Up (traduzido para o português por Mário Quintana como “Confissões”, Editora Globo, P.Alegre, 1951) Maugham, ainda quando jovem médico, atormentado pela gagueira, decidiu-se a ser escritor aos 18 anos de idade. Atividade para qual ele sempre sentiu-se vocacionado, nunca sendo para ele um tormento começar uma página ou encerrar uma novela, entendendo-se assim como ele facilmente tornou-se um requintado mestre da narrativa, um dos melhores da prosa inglesa contemporânea.

Filho de diplomata britânico sediado em Paris, ficando órfão quando mal alcançara os 10 anos, teve o francês como língua da infância e, mais tarde, ao enviarem-no para Heidelberg, dominou o alemão com facilidade. Em verdade ele teve que aprender tudo em inglês. Ao fazer incontáveis anotações em blocos e cadernos percebeu que precisava dedicar-se inteiramente na busca do significados das palavras que ele não entendia, passando a revirar dicionários e enciclopédias da língua inglesa com ardor, freqüentando o Museu Britânico com constância. Uma feliz combinação de fatores ajudou-o no inicio da carreira.

Novos tipos no teatro

Maugham começou escrevendo para o teatro. Logo entendeu que os dramas envolvendo os nobres e seus próximos, como era tão comum no teatro londrino naquela época de final do século XIX, já começara a entediar o novo e crescente público urbano originado da classe média. As pessoas queriam doravante ver personagens que lhes fossem mais próximos, que lhes tocassem os sentimentos mais de perto. As confusões ou sofrimentos das altas figuras e dos barões só lhes provocavam bocejo.

A essa mudança de temática, que ele, autor com faro para o sucesso, soube atender, juntou-se ainda um outro fator: quando ele ainda estudante de medicina, era obrigado a percorrer os arrabaldes soturnos de Londres para atender à sua cota de partos, tarefa que proporcionou-lhe um contato direto com a realidade das classes pobres e com um mundo extremamente diversificado de pessoas e situações, condição a que ele, rapaz de berço, descendente do patriciado britânico, jamais se veria se não lhe tivessem incumbido da missão de ser eventual parteiro do proletariado. Portanto, foi nos duros subúrbios da grande cidade que ele teve formada a sua escolaridade de autor realista, detestando o supérfluo, o adjetivo exagerado, a frase rebuscada, a permanência do rococó enfim. Além disso sentiu-se atraído pelo exotismo do mundo extra-europeu, quando por exemplo, empolgou-se com a vida de Gauguin na polinésia, retratando-a na pequena obra-prima The Moon and Six pence, 1919 (Um gosto e seis vinténs, Globo P.Alegre).

Um autor popular

Desde o principio Maugham, mesmo sendo um homem refinado, votou enorme desprezo por aquilo que então passava por alta cultura na sua época. Achou a maior parte dos escritores que circulavam no seu meio como um bando de pedantes e de entediados. A seu ver eles não tinham nenhuma abertura para o mundo das emoções e vibrações apaixonadas que girava ao redor deles. Nos livros deles, segundo ele, respirava-se “morta e pesada atmosfera”, onde as pessoas sentiam que “era indecoroso falar acima num tom acima do sussurro”. Era como se fosse escrita dentro de salas de antigos casarões, onde o autor e os seus inquilinos faziam questão de viver encerrados, inibidos, sequer abrindo os postigos para a entrada de um vento fresco ou permitindo-se dar uma ousada mirada para a paisagem que os cercava.

Haviam palavras sim, abundantes, bem colocadas, mas elas não produziam vida nem sensações: eram plantas de estufa. Isto fez com que Maugham se decidisse desde cedo trilhar o caminho de uma literatura comprometida com as coisas do mundo, simples, mundana sem ser vulgar. Atitude que lhe valeu a incompreensão e o descaso com que sua obra foi tratada pela intelligentsia e pela critica literária em geral ao longo do século XX. Mas não do público. Desde os começos, a partir do primeiro exemplar vendido da sua novela “O pecado de Lisa”, editado em 1897, claramente inspirado nas suas atividades de obstetra dos pobres, pisando com suas botinas no lo do dos slums, dos bairros miseráveis, o público nunca deixou de ter enorme consideração para com ele.

Se bem que Maugham tenha dito que bastava-lhe passar umas horas na presença de alguém, na companhia de uma pessoa de razoável interesse, para que ele conseguisse extrair material suficiente para escrever uma boa história, ele tratou desde cedo de tratar das questões do estilo e da técnica da prosa. Maugham, paradoxalmente, considerou a tão afamada Bíblia do Rei James, que fixou a estrutura do idioma inglês para todo o sempre, exerceu uma influência negativa para os escritores ingleses. A razão que ele aponta é um tanto exótica: para ele a Bíblia “ é um livro oriental” ( sic), acrescentando que “ aquelas hipérboles, aquelas metáforas sumarentas são estranhas ao nosso gênio”. Tudo isso teria contribuído para que a chã e honesta fala inglesa fosse “ sobrecarregada de ornamentos”. Viu-se, pois como alguém que procurou restaurar um inglês escrito como se fora “um telegrama imensamente longo”, desprovido de metáforas bíblicas e da moral daí decorrente.

Por isso, ou talvez por isso mesmo, pelo seu propositado afastamento da escrita com fins morais, seus críticos o apontaram como um cínico incorrigível. Foi veemente também na condenação, fosse ela resultado da negligência ou do capricho, da prosa obscura, aquela que, pretendo-se profunda, só confunde e embaraça, com sua nebulosidade estudada, o leitor desavisado. Para ele, na maioria dos casos, como ocorria com os seguidores do simbolista Guillaume Apollinaire, tais “contorções de linguagem disfarçam verdadeiros lugares-comuns”, fazendo com que somente “ os tolos descobrissem nelas um sentido oculto”. Assim, nada de estranhar-se ele considerar Voltaire, de longe, o melhor prosador da idade moderna, sendo que para ele das suas páginas as histórias fluíam com a maior naturalidade. No dizer dele “se puderdes escrever claramente, simplesmente, eufonicamente, e ainda com vivacidade, escrevereis perfeitamente: escrevereis como Voltaire”.

Entre os prosadores ingleses a sua admiração centrou-se em Thomas More, em Swift, em Dryden, em Hume, em Shelley, no dr. Johnson, devotando reiterados agradecimentos ao Dictionary of Modern English Usage de Henry Fowler que, segunde ele, “amava a simplicidade, a retidão e o bom-senso”, não aconselhando que os escritores se deixassem tiranizar pelas difíceis regras da gramática inglesa. Ao contrário, o bom prosador era um infrator nato, alguém que podia se permitir, volta e meia, a certas liberdades desde que elas dessem maior fluidez e harmoniosa continuidade ao texto escrito, atingindo a tão por ele apreciada eufonia.

O escritor comercial

Quanto aos que o criticavam por ser um escritor de sucesso, um autor de livros bem digeridos pelo mercado, Maugham reclama por tolerância. Para ele nenhum escritor sério escreve por dinheiro. Se bem que a pressão seja grande, o que realmente o move é a paixão por escrever, é a paixão pelo trabalho, a dedicação integral ao seu métier, porque em geral, o que ele recebe em troca de um livro poderia ser alcançado fazendo qualquer outra coisa. É claro que qualquer um gosta de ser lido pelo maior número de pessoas possíveis e nenhum autor aceita considerar que o seu livro não foi bem escrito ou tinha pouca coisa capaz de agradar, preferindo acreditar na ingratidão ou na ignorância do público. Dito isso, as concessões que muitas vezes um homem de letras é constrangido a fazer não significa adesão ao mercantilismo da arte. Se é um fato que muitos autores precisam ser pressionados à escrever, “precisam de espora”, não o fazem, porém, por dinheiro.

Maugham se felicitava em ser alguém que tinha a seu favor as potencialidades do mercado da língua inglesa. Graças a isso, ao dispor de um dos maiores públicos leitores do mundo, ele se tornara um homem de letras profissional, consagrando-se totalmente à escrita pela vida a fora. Somente autores de países pequenos e de idiomas poucos conhecidos, ponderou ele, é que precisavam manter uma segunda profissão, tendo que despender energias em ganhar o pão longe das amadas letras. Os que tinham o inglês como ferramenta, se bem sucedidos, estavam livres disto. Tais reclamos por indulgência, entretanto, não o livraram de que os críticos o considerassem brutal (quando ele tinha vinte anos), irreverente (ao atingir os trinta), cínico (aos quarenta), ou superficial (depois dos cinqüenta). Apesar dele mesmo considerar-se um preguiçoso, deixou copiosa obra. Ocorre que ele, disciplinado, comprometeu-se por toda a vida, logo ao levantar-se pela manhã, só dedicar-se a outras coisas do dia desde que antes escrevesse religiosamente uma só página sobre um tema qualquer. Que, segundo ele, nunca lhe faltaram. No final do ano ele sempre tinha uma maço de mais de trezentas folhas prontas para o prelo. Material suficiente para um, dois ou três livros.

Obra seleta de Somerset Maugham
Liza of Lambeth (o pecado de Lisa), 1897
Mrs. Craddock (Mrs. Craddock), 1902
A man of honour (Um homem de honra), 1903
The magician (O mágico), 1908
Penelope, 1909
Lady Frederick. 1912
Jack Straw, 1912
Mrs Dot, 1912
Of human bondage (servidão humana), 1915
The moon and sixpence ( um gosto e seis vinténs), 1919
The circle, 1921
Sadie Thompson (a chuva), 1921
The trembling of a leaf (histórias dos mares do sul), 1921
East of Suez, 1922
On chinese screen(o biombo chinês), 1922
Our betters, 1923
The painted veil (o véu pintado) , 1925
The constant wife, 1925
The casuarina tree (a casuarina), 1926
The letter (a carta), 1927
The sacred flame, 1928
The Ashenden (o agente britânico), 1928
The breadwinner, 1930
Caces and ale, 1930
First person singular, 1931
Collected plays (seis novelas), 1931-34
The narrow corner, 1932
For services rented, 1932
Collected plays, 1933
Sheppey, 1933
Ah king ( ah king), 1933
Cosmopolitans, 1936
The theatre, 1937
The summing up (confissões), 1938
Christmas holiday(férias de natal), 1939
The mixture as before, 1940
Up at the villa, 1941
Strictly personal, 1941 the hour before the dawn, 1942
The razor's edge (o fio da navalha), 1944
Then and now (maquiavel e a dama), 1946
Creatures of circumstances, 1947
Catalina (catalina), 1948
A writer's notebook (diário de um escritor), 1949
The complete short stories (29 histórias), 1951
The vagrant mood, 1952
Selected novels, 1953
Ten novels and their authors, 1954
Far and wide, 1955
Best short stories, 1957
Points of view, 1958
Looking back, 1962
Selected prefaces and introductions, 1963
Seventeen lost stories, 1969
Seventeen lost stories, 1969
A traveller in romance, 1984

Fonte:
http://educaterra.terra.com.br/

O teatro de Shakespeare

O século XVI na Inglaterra, na época do reinado de Isabel, falecida em 1603, foi o momento de ouro da dramaturgia britânica, inteiramente dominada pela personalidade artística e pelo gênio criativo de Shakespeare, exercido por ele e por seus companheiros da Companhia do Camarlengo na sua sede à beira do Rio Tâmisa, o Globe Theatre.

A construção de um teatro

Shakespeare e a Companhia do Camarlengo (mais tarde chamada The King's men) construíram um teatro - o Globe Theatre - na margem esquerda do Rio Tâmisa, no chamado Bankside, logo após a Ponte da Torre de Londres, em 1599. As sessões só ocorriam durante a temporada de verão, pois o local não era coberto. Também as suspendiam quando havia algum surto de peste, o que ocorria freqüentemente. Aliás há estudos que mostram como as temporadas e por conseqüência as peças que o bardo escrevia eram, por assim dizer, condicionadas pelos surtos pestíferos que assolavam a capital inglesa com impressionante regularidade. Então, para ganhar a vida a companhia, partindo de Londres, fazia uma turnê pelo interior. Aliás, no Hamlet (ato III, cena II), Shakespeare faz referência a esse tipo de apresentação itinerante, de teatro ambulante mostrando a chegada de um grupo de atores ao Castelo de Elsenor para uma encenação na Corte, fazendo com que a atuação deles, ainda que indiretamente, fosse decisiva na elucidação do crime que vitimou o pai do príncipe.

Forma e dimensão:

O Globe, fazendo juz ao nome, tinha a forma de um círculo - "Wooden O" - com um grande pátio interno onde cabiam de 500 a 600 pessoas que assistiam o espetáculo a preços módicos. As arquibancadas estavam divididas em três andares erguidos ao redor do palco e acolhiam os mais aquinhoados. Calcula-se que comportava mais 1.500 espectadores, perfazendo uns dois mil ao todo nos dias de casa lotada. Sua dimensão alcançava 92 metros e tinha dez de altura. O primeiro Globe não durou muito, pois foi devorado por um incêndio em 1613, três anos antes da morte de Shakespeare, durante a encenação de Henrique VIII, quando uma fagulha do canhão saltou sobre o telhado de palha. Imagina-se que Shakespeare, já retirado para Stratford-on-Avon aposentado, deveria ter voltado para auxiliar na recuperação do prédio.

O fechamento dos teatros

Em 1642, com o início da Revolução Puritana - que terminou decapitando o rei Carlos I, em 1649 - todas as casas de espetáculo foram fechadas. Os puritanos não aceitavam as representações teatrais, considerando-as pecaminosas ou heréticas. Até a morte de Cromwell em 1658, nada mais foi visto em Londres ou na Inglaterra. Somente com a restauração monárquica, com a volta dos Stuart ao poder em 1661, o rei Carlos II, determinou-se a reabertura dos espetáculos. Eles haviam ficado fechados por quase vinte anos! Mas o Globe não gozou por muito tempo a liberdade recém-conquistada, pois em 1666 um devastador incêndio arrasou com a cidade inteira, incinerando junto o belo teatro que Shakespeare ajudara à construir.

A reconstrução recente do Globe

Somente em agosto de 1996 concluiu-se a reconstrução do The Globe graças ao esforço de americano Sam Wanamaker, que, desde os anos de 1970, mobilizou amplos setores da sociedade e do empresariado londrino, obtendo os recursos para o seu reerguimento mais ou menos no mesmo local do antigo teatro, com o nome Globe Shakespeare Theatre. Passaram-se 330 anos desde sua última apresentação. Dessa forma, o espírito do bardo retorna às margens do Tâmisa, cujas águas serviram como uma interminável fonte de inspiração à sua imortal grandeza, dando vida ao corpo do novo teatro.

Fonte:
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Literatura Italiana

IDADE MÉDIA

Antes do século XIII, a língua literária da Itália era o latim que foi utilizado para redigir crônicas, poemas históricos, lendas heróicas, vidas dos santos, poemas religiosos e trabalhos didáticos e científicos. Também era utilizado o francês ou o provençal e, entre as distintas formas poéticas, a mais difundida era a canzone.

SÉCULO XIII E INÍCIO DO XIV

Os primeiros textos poéticos escritos em língua italiana foram os da Escola Siciliana, do século XIII, adepta dos cânones da poesia provençal. Pertenceram a esta escola Giacomo Pugliese e Rinaldo d'Aquino.

Quando, no século XIII, o centro da poesia mudou-se para Arezzo e Bolonha, destacaram-se os poetas Guittone d'Arezzo e Guido Guinizzelli, criador do Dolce Stil Nuovo, cultivado, também, por Guido Cavalcanti e Cino da Pistoia. Mas, sem dúvida, foi Dante Alighieri, um dos escritores universais da literatura italiana, o poeta por excelência do Trecento, século XIV. Por esta época, apareceu a poesia devocional, cultivada por São Francisco de Assis e pelo poeta franciscano Jacopone Todi.

RENASCIMENTO

O Renascimento foi marcado por uma nova leitura da literatura e da filosofia clássicas — que, pouco a pouco, foram sendo revalorizadas em toda Europa — e pela busca e descobrimento de manuscritos antigos. Na Itália, uma das figuras mais importantes foi o poeta e humanista Petrarca. Por seu turno, Boccaccio preferiu a narrativa. Poliziano é considerado o poeta e humanista mais destacado deste período. Merecem referências, também, as obras que continuaram a tradição das Gestas de Cavalaria, como as de Matteo Maria Boiardo e, entre as Pastoris, de Jacopo Sannazzaro.

No século XVI, o Renascimento chegou à consolidação plena. A língua italiana, desprezada durante séculos pelos humanistas como língua literária, alcançou uma dignidade até então negada. Pietro Bembo, Nicolau Maquiavel e o poeta Ludovico Ariosto— que representa o auge da poesia quinhentista — contribuíram, decisivamente, para colocar o idioma italiano nesta situação de privilégio. Também importante é a obra do historiador Francesco Guicciardini.

Duas obras muito difundidas, tratando do comportamento cavalheiresco, também vieram à luz no século XVI: O Cortesão (1528), escrita pelo diplomata Baldassare Castiglione, e Galateo (1558), do padre Giovanni della Casa. Por sua vez, Teófilo Folengo, parodiou o mundo da cavalaria e das letras. Junto a ele está o não menos inconformista — ainda que mais talentoso — Pietro Aretino, autor teatral e criador de libelos.

Na linha renascentista de busca do artista completo, não faltaram pintores e escultores que escreveram belos textos poéticos, narrativos e ensaísticos. Assim, temos os sonetos de Michelangelo, os tratados de Leonardo da Vinci, a interessante autobiografia de Benvenuto Cellini e as biografias de famosos pintores, escultores e arquitetos escritas pelo também pintor e arquiteto Giorgio Vasari. Estas obras constituem uma fonte de incalculável valor sobre a arte e os artistas do Renascimento.

Nesta época, também foram escritos contos e relatos breves. O autor de maior destaque desta época é Matteo Bandello.

A segunda metade do século XVI foi dominada pelo espírito da Contra-reforma que se materializou em um novo classicismo, após a difusão da Poética (Aristóteles) acompanhada por um comentário de Francesco Robortelli. Esta e outras versões, como as de Julius Caesar Scaliger e Ludovico Castelvetro (1570) contribuíram para a recuperação das unidades de espaço e tempo no teatro.

Apesar do predominante clima de repressão característico destes anos, apareceu um grande poeta lírico de imaginação transbordante: Torquato Tasso. Outro grande espírito da época foi Giordano Bruno que produziu numerosos diálogos contra o pedantismo e o autoritarismo.

O estilo predominante no século XVII — não somente na literatura mas, também, na música, arte e arquitetura — foi o Barroco. Típica deste período é a poesia de Giambattista Marino, assim como as tragédias de Federigo della Valle e os escritos do poeta, cientista e filósofo Tommaso Campanella, autor de ensaios críticos.

Por volta do final do século XVII começou a se definir um movimento cultural que rechaçava o excessivo rebuscamento estético e afetação do barroco. Os principais expoentes deste movimento reformador pertenceram à sociedade Arcádia, fundada em Roma (1690), cuja figura principal foi o poeta e dramaturgo Pietro Metastasio, sucessor de Apostolo Zeno, autor de dramas teatrais e libretos de ópera. Apostolo Zeno já havia sido um pioneiro na crítica literária. Sua influência pode ser notada nas comédias de Carlo Goldoni.

A principal figura deste período foi a do jurista Cesare Bonesana Beccaria. Entre os poetas que lutaram para criar um sentimento de orgulho nacional destaca-se Giuseppe Parini. Também merece citação o dramaturgo Vittorio Alfieri, romântico defensor da liberdade. Entre os demais artistas importantes do século encontram-se o arqueólogo e crítico literário Ludovico Antonio Muratori e o filósofo Giambattista Vico, cuja influência foi resgatada em nosso século pela obra de Benedetto Croce.

NACIONALISMO, ROMANTISMO E CLASSICISMO

A literatura do início do século XIX foi marcada pelo nacionalismo (Ressurgimento) e pelo Romantismo. A influência da Revolução Francesa e do posterior reinado de Napoleão são perceptíveis nas obras dos poetas Vincenzo Monti, Carlo Porta e do romancista Ugo Foscolo.
Giacomo Leopardi é considerado, unanimemente, como um dos poetas líricos mais importantes da literatura italiana.

Entre os escritores políticos do Ressurgimento destacam-se o patriota Giuseppe Mazzini, o estadista Camillo Benso di Cavour e o militar Giuseppe Garibaldi que formam a tríade dos pais da unificação italiana.

O nacionalismo deu lugar a duas correntes dentro da literatura do século XIX: a Regionalista e a corrente que usou como ponto de referência a luta contra o poder temporal do Papado. À esta última pertence Alessandro Manzoni.

Até a metade do século, a influência do Romantismo provocou uma violenta reação que se materializou no retorno a um Classicismo arraigado. Esta reação teve como principal representante o poeta Giosuè Carducci, Prêmio Nobel de Literatura em 1906.

A segunda metade do século XIX foi marcada pela reação, de uma parte dos autores italianos, contra os estilos Neoclássico e Romântico. Os representantes desta nova corrente defenderam o uso de uma língua comum e de um texto simples, com argumentos baseados em experiências e fenômenos observados no cotidiano. Os poetas exaltaram esta realidade, elevando-a à verdade. Desta concepção advem o nome do movimento: Verismo. Entre seus autores destacam-se Giuseppe Gioacchino Belli e o romancista Giovanni Verga.

Contrário ao Verisimo, mas influenciado por ele, o poeta Giovanni Pascoli abriu caminho para o uso do verso livre. Outro autor antagônico ao Realismo foi o poeta e romancista Antonio Fogazzaro.

Ao longo de todo o século apareceram numerosos escritores que não podem ser classificados dentro de nenhum dos movimentos da época, entre eles, Edmondo d'Amicis e Carlo Collodi. O crítico literário mais influente do século XIX foi Francesco de Sanctis.

SÉCULO XX

A literatura italiana do século XX mostra uma grande variedade de formas e temas. Grande parte reflete as experiências dos anos do fascismo. Após o final da II Guerra Mundial, o Realismo Social virou o estilo dominante até ser substituído por uma corrente introspectiva na poesia e na prosa.

Guiado pela aspiração de se tornar um artista universal, Gabriele d'Annunzio rompeu com os esquemas do Neoclassicismo, do Romantismo e do Realismo. D'Annunzio cultivou a poesia, o teatro e a narrativa, escreveu libretos de óperas e alimentou polêmicas patrióticas. Foi um destacado militar e político que, além disso, incursionou no campo da filosofia. Outra importante figura literária destes anos foi o romancista Italo Svevo.

Entre as demais personalidades literárias da virada do século podem ser citados: Guglielmo Ferrero (historiador da sociologia e destacado opositor do fascismo), o filósofo Giovanni Gentile que, ao contrário de Ferrero, foi um entusiasmado defensor deste regime, Matilde Serao (romancista de profundas análises psicológicas) e Grazia Deledda, Prêmio Nobel de Literatura em 1926.

Devido, em parte, à influência de correntes estrangeiras, desenvolveu-se, na Itália, numerosos movimentos artísticos e literários que rechaçavam a retórica e o lirismo. O mais radical e duradouro foi o Futurismo, fundado em 1909 pelo poeta Filippo Tomasso Marinetti.

Cabe citar, entre outros autores desta época, o pintor e escritor Ardengo Soffici, o filósofo e romancista Giovanni Papini, Antonio Baldini e Riccarco Bacchelli. Figura importante das três primeiras décadas do século foi o romancista e dramaturgo Luigi Pirandello, Prêmio Nobel de Literatura em 1934.

Muitos autores defenderam, abertamente, posturas contrárias ao regime fascista, entre eles Giuseppe Antonio Borghese e o romancista Ignazio Silone que sofreu bastante com a censura. O jornalista e diplomata Curzio Malaparte acabou renegando Mussolini.

Entre os autores de fama mundial encontram-se o poeta Giuseppe Ungaretti, Salvatore Quasimodo, Prêmio Nobel de Literatura em 1959 e Eugenio Montale, Prêmio Nobel de Literatura em 1975.

Poucos anos depois do final da guerra apareceu um novo tipo de realismo ligado ao cinema: o Neo-realismo. Entre as figuras literárias que aderiram a este movimento estão Carlo Levi, Elio Vittorini e Vasco Pratolini. Outras personalidades destacadas foram Mario Soldati, Cesare Pavese, Vitaliano Brancati e Giuseppe Tomasi di Lampedusa.

Entre os contemporâneos, Alberto Moravia é um dos narradores realistas mais conhecidos. Outros autores de nossa época são Dino Buzzatti, Elsa Morante, Natalia Ginzburg, Primo Levi, Umberto Eco, Italo Calvino e Leonardo Sciascia.

Fonte:
http://br.geocities.com/culturauniversalonline/

Zemaria Pinto (Sobre Poesia, Poemas & Poetas)

I - A ditadura do dicionário

Poesia versus poema.

De tão antigo, o tema pode parecer ao leitor menos atento um tanto esgotado. Nada mais enganoso. É recorrente escrever, e falar, que fulano lançou um livro de "poesias", sicrano recitou suas "poesias", fulaninha vai lançar um livro de "poesias" etc. Vá ao dicionário e constate: poesia é uma "composição poética de pequena extensão". Até quantos versos, exatamente? - poderá perguntar o leitor cioso das precisões matemáticas e/ou lingüísticas. Não sei. Mas, esqueçamos o que diz o dicionário e caminhemos um pouco por esse movediço e improvável terreno da teoria literária.

Poesia é o gênero literário, subdivisível nas categorias épica, dramática e lírica. Poesia é a experiência cósmica de um poeta, o conjunto de sua obra. Poesia pode ser também o coletivo do fazer poético em um determinado tempo ou espaço. O poema, por sua vez, é, para efeito didático, a unidade que enforma o todo da poesia: é a composição, um conjunto de versos dispostos de maneira arbitrária pelo poeta, obedecendo a cânones preestabelecidos, estando entre estes, inclusive, a desobediência a cânones preestabelecidos!

Poesia e poema são, portanto, dois animais distintos: este vive sem aquela tanto quanto esta não precisa daquele para ser. Um poema sem poesia, então? Claro, digno da lata de lixo mais próxima, mas um poema. E quantos poemas são perpetrados e quantos livros de poemas são editados sem poesia... A contrapartida define um paradoxo insofismável: a poesia é um estado do ser, é contemplação mística, é o i/logismo a serviço do ir/racional - a poesia é. Ponto.

Há uma enorme carga de poesia em Grande Sertão: Veredas, em A Paixão Segundo GH. Há poesia num quadro de Van Gogh, num filme de Herzog, num pôr-do-sol no rio Negro, num fim de tarde em São Paulo, num passo de contradança, e, com o perdão da má palavra, também se encontra poesia num sorriso de criança. Já o poema, o poema-coisa, o poema-com-poesia, traduz em palavras aquilo que o artista-poeta discerniu no ser da poesia: a poesia traduzida em música, a poesia das imagens, a poesia que inventa línguas, remove palavras e fundamenta a linguagem.

A didática do dicionário, já não tenho mais nenhuma dúvida, é um instrumento ideológico de coerção à poesia: ao tentar reduzir o geral dando-lhe a mesma definição, e, por extensão, as mesmas deformações do específico, procura, em verdade, eliminar ou esquecer o caráter arquetípico primordial da poesia - porque é através da palavra que o homem se aproxima do Ser e de si mesmo. Ignorar essa relação é frustrar todo o acúmulo de conhecimento produzido, desde Aristóteles às mais recentes discussões sobre o caráter intersemiótico da poesia.

Para o leitor cúmplice que aceita que poema e poesia são vocábulos cujos significados se interpolam, mas jamais se cruzam, ainda que sejam partes da mesma gênese grega (poesia = fazer, poema = o que se faz), cito um exemplo bem mais prosaico do reacionarismo do dicionário: ao nomear o feminino de poeta como poetisa, diz que esta é uma "mulher que faz poesias". Evidenciada a má fé (a conotação pejorativa para a palavra poetisa), proponho a adoção definitiva do substantivo poeta comum aos dois gêneros. A bênção, tia Cecília Meireles, que, depois do primeiro espanto, me iluminou.

II - Da arte de fingir

Vimos o quanto é pernicioso o uso do dicionário ao pé da letra, ignorando-se sutilezas próprias de uma linguagem mais técnica e, por isso mesmo, menos vulgar. Mas não é só o dicionário que trama contra a poesia. Quando um crítico confunde, deliberadamente, a obra de um poeta com sua biografia, vendo reflexos desta naquela, ele dá demonstrações de nada entender de nada, caindo numa armadilha secular, que pretende ver na poesia, unicamente, manifestações mentais limitadas ao "eu" do poeta.

No ensaio As Três Vozes da Poesia, T. S. Eliot, identifica-as da seguinte forma: a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém; a voz do poeta ao dirigir-se a uma platéia; a voz do poeta quando cria uma personagem dramática. Eliot, referia-se, respectivamente, à poesia lírica, à épica e à dramática. Como a minha área de interesse é essa coisa indevidamente chamada de "poesia lírica" (tema para uma outra discussão), vou-me ater unicamente, à questão da primeira voz - "a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém".

Acontece que o ensaio de Eliot, na verdade uma conferência, apresentada em 1953, não traz nenhuma novidade, uma vez que a crítica empobrecedora sempre achou que o poeta lírico fala somente de si mesmo. Isso é de um reducionismo tão estúpido, que é preciso começar explicando o próprio "caso Eliot": longe de se considerar um poeta lírico, menor, via-se, unicamente, como poeta épico e dramático, nessa ordem, o que facilitava enormemente sua visão distorcida de que todo o resto é poesia confessional.

O poeta lírico, é bem verdade, confunde o leitor desavisado ao escrever na primeira pessoa. Mas o "eu lírico" ou "eu poético", a voz emissora do poema, deve ser visto pelo crítico/leitor como uma máscara (persona) do autor. O poeta alarga sua percepção do mundo e verbaliza em valores positivos e/ou negativos tal percepção, daí resultando o poema, que vai refletir sua experiência pessoal, pois é disso que se alimenta a literatura: da realidade recriada, transmutada, transfigurada.

Poesia é, pois, ficção. Do contrário será confissão, e isso é uma tremenda bobagem, porque a ninguém interessa a dor pessoal de ninguém. (A menos que ninguém se chame Manuel Bandeira, por exemplo, que, ao individualizar sua dor, mitifica-a. Mas esse é outro papo). Poesia também é fissão, rompimento, fratura, fragmentação, reinvenção da linguagem. Equacionando, para gozo dos estruturalistas:

Poesia = (ficção + fissão) - confissão

E não é mero jogo de fonemas. Vejamos o caso extremo de Fernando Pessoa, criador de personas-poetas. Pelo conceito de Eliot, Pessoa está mais para poeta dramático que lírico, revelando-se este no interior daquele. Para mim, cada heterônimo despe/veste máscaras diferentes a cada poema. Logo, Pessoa não é apenas Caeiro, Campos, Reis ou ele-mesmo, mas muitos, muitos outros: Vivem em nós inúmeros (...)/ Tenho mais almas que uma./ Há mais eus do que eu mesmo (...). Mário de Andrade pegou isso legal, também: Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta (...). Eliot conclui seu trabalho com uma constatação genial, se não fosse óbvia: "duvido que em qualquer verdadeiro poema apenas uma voz seja audível". Menos mal, não?

O que eu quero propor, afinal, em comum acordo com o mestre britânico, é que o poeta lírico encarna, em cada poema ou grupo de poemas, uma personagem específica, que traz em si a carga de experiência do autor, mas não é ele. Para ficarmos no âmbito da literatura amazonense, quando Tenreiro Aranha escreveu, há duzentos anos, o antológico soneto da Maria Bárbara, vestiu a máscara da mulher assassinada, despedindo-se do esposo: a voz emissora era a da própria Maria Bárbara, personagem. Tenreiro Aranha, o poeta-cidadão, por outro lado, exprimia-se por ele mesmo, provavelmente, quando praticava aquele aulicismo sem-vergonha, que marca a maior parte de sua obra conhecida, e não precisava fingir que fingia sentir o que não sentia. Aliás, aquilo nem é poesia.

Estas reflexões remetem-me a uma outra falsa crença: a inspiração. É desnecessário, por tudo o que já se disse, enfatizar o caráter falacioso desse fantasma, mas é preciso dizer em alto e bom som que sem muito trabalho não se fazem poemas, não se constrói poesia. As musas não têm escolhidos: somos nós, os poetas, que as escolhemos, que as buscamos incessantemente, as assediamos através de muita leitura, pesquisa e exercício. O devaneio não é um atributo do poeta, mas sim de todo aquele que desenvolve um trabalho criador. E aqui não podemos esquecer Coleridge, para quem "a imaginação é a condição primeira de todo conhecimento".

A sinonímia poeta/profeta está presente no imaginário ocidental desde Sócrates, via Platão, para quem "é quando estão possessos e inspirados por um deus que eles recitam todos esses belos poemas". As "antenas da raça", na verdade, colocam-se à frente de seu tempo (profetas) porque usam a imaginação com mais liberdade que os demais artistas. O poeta anda nu e tem plena consciência disso, não fosse o sorriso maroto que lhe aflora aos lábios, denunciando seu estado de vigília permanente em pleno devaneio. Et tout le reste est littérature.
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Zemaria Pinto é poeta, autor de Corpoenigma e Fragmentos de Silêncio.
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Fonte:
http://br.geocities.com/culturauniversalonline/