quinta-feira, 21 de agosto de 2008

João Carlos Taveira:(Seleção de Poemas)

(id: MCCXII)

SONATA nº. 44, em mim menor

Tenho nas mãos um vazio,
no peito, mudo, um gemido,
que são as marcas de estio,
de tempo em mim construído.
Traço por traço me lavra,
nervura que já não vibra,
mas teço, fibra por fibra,
dentro da carne, a palavra.

Trago nas mãos, transversal,
ríspida flauta de vento,
em cujas notas, de sal,
construo o meu instrumento.


IMPROVISO PARA FLAUTA E PIANO
Para Ariadne Paixão

Que lábios me sustêm,
em lúcida harmonia
de arpejos e arrepios,
se a voz, em mim, é muda?

Em suave tessitura,
desvelo meus anseios,
sou frágil instrumento,
no vento, sem memória.

Que música desfaz,
no seio do mistério,
o nó da melodia,
o grito na garganta?

Me basto nos martelos,
nos fios invisíveis,
que tecem nas entranhas
meu corpo em oferenda.

BASTIDOR

Fico-me aqui: sozinho, só,
so(l)zinho de tão pouca luz,
que a sombra do meu dia é pus
dentro da vida — eterna mó.

Moída a carne, os ossos nus,
os olhos viram cinza e pó;
só sobra, a cisma sobre o dó
que faz em mim ponto de cruz.

Fico-me só: mas não perdido,
tecendo sonho em vão tecido,
pois que não sou o ser que lavra.

Além de mim, um outro tece
a mesma voz e a mesma prece,
das quais me faço na palavra.

A DUPLA FACE

Dentro do verso,
meu universo:
tudo é possível
e tudo é nada.

Dentro de mim,
dor e cetim:
minha loucura,
meu alicerce.

Sou e não sou,
ao mesmo tempo,
voz e luxúria.

Não basta ao vento
a sua fúria?
Basto-me louco.


IMPROVISO PARA VIOLONCELO

Grave e suave
o ritmo vai
serpenteando
pelo papel
nas rotas notas
de uma canção.

Cresce dos dedos
o acorde torto
e em sonolência
imita o vôo
já sincopado
dentro do pássaro.

Pausa e silêncio
na partitura:
é a voz de um anjo
talvez arcanjo
a brotar trôpega
junto da música.

DESCONCERTO

Ouço tua voz
ao telefone,
na noite insone,
na noite celular.

Áspera música
(cujas notas sangram)
flui de mim, sem mim,
enquanto falas.

Ainda guardas, vivo,
teu dissabor
na dor, na cor,
na pétala da fala.

Entretanto, canto
como aprendiz
o que não fiz
para os teus ouvidos.


ÍNTIMA CANTIGA

Num verso terso
desteço a infância:
do útero ao berço
— em ressonância
de sonho e fome —
refaço o laço
na voz do pássaro
que em mim ressoa
além do nome.

Num verso terso
canto e descanto
secretas fibras
de uma cantiga.

Guardo comigo
frementes sons
de asas, palavras:
ínvias palavras.


BERCEUSE

Para Morgana

Dorme, menina
dos olhos de água,
claros como a lua,
lisos como o mar
sem tormento.

Dorme, minha filha,
o sono do esquecimento,
nas vagas do sangue
sem códigos,
sem nome.

Filha minha,
carne da minha carne,
dorme e esquece
os vestígios do dia,
os sonhos interrompidos
e a sede do teu sorriso
que a noite
plantou em mim.


TESTAMENTO
Para Anderson Braga Horta

Deixa o teu silêncio
e o que restar da voz
impregnados
nos objetos, nas exigências,
nos versos inconclusos
de algum poema.

Deixa – e não te queixes –
amores unilaterais mas puros
para os teus pósteros
rivais
nesta congênere aventura.

Deixa teus livros,
quadros na parede,
os discos de Beethoven,
todos as óperas, inclusive “Aída”:
a tua predileta.

Deixa o teu amor
à música de Mozart,
aos filmes de Carlitos,
ao corpo de Sofia Loren...

Deixa os teus papéis
e até a folha branca
em que não se fixou
a face da palavra
necessária.


TERESA

Quando viste Teresa
pela primeira vez
foi como se a conhecesses
de longo, longo tempo.

Hoje, depois de tanto tempo,
toda vez que vês Teresa
é como se fosse
a primeira vez.


HAICAI

A lua caiu
no chão áspero da rua.
E eu catando estrelas.


NAVIO FANTASMA

Brusca, a barca trafega
nas trevas da existência.
Sem trégua, o timoneiro
avança. E, na dormência

de músculos e artérias,
atinge o magma, o centro
do abismo de existir,
fora de si e dentro.

As velas retorcidas,
a que ventos sucumbes,
nos vendavais da dor,
ao gozo e seus vislumbres?

Há tantos sóis e luas
na árdua travessia
Melhor não fora o porto
que a vida oferecia?

A vida não deságua
em lisos acalantos.
E não floresce a pedra
nas águas de seus prantos?

Ó velas desfraldadas,
de que sonhos se nutrem
a ânsia dos navios,
a fome dos abutres?
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Ronaldo Costa Fernandes (A arquitetura poética de Taveira)

(id: MCCXI)

A poesia de João Carlos Taveira se funda sobre os eixos da musicalidade, ritmo, essência do ser, fugacidade amorosa, o ser negado, o poema como arquitetura do humanismo poético. Como em Drummond, apesar do homem mutilado (“tempo de homens partidos”), existe a tentativa de alcançar o outro e o ser solidário — Taveira acredita na vida. Essa afirmação poderia soar tautológica, se não houvesse poetas disfóricos em relação à vida. Contudo, sua poesia, em diversos momentos, oscila entre a existência e a não-existência (ser ou não-ser). Nesse último caso, estão os divórcios da alma e a intolerância, os amores fraturados e o sentimento de incompletude da realização do homem contemporâneo; no outro lado, há expectativa de mudança e busca de paz interior, de acreditar na transformação do outro. Uma poesia que se funda na transitoriedade, mas que se ancora também na permanência de valores eternos e únicos: a irmandade, o amor fraterno, a construção do homem em sua plenitude e a posse de sua capacidade de discernimento.

Para criar o primeiro dos elementos, a musicalidade, Taveira (declaradamente melômano, conhecedor de ópera e música erudita) apresenta-a não nas formas de rima convencional, mas na construção através de rimas toantes, como em João Cabral de Melo Neto. Cuidadoso, operoso, ergue, milimetricamente, sua catedral poética, não se descuidando de cada elemento sonoro do verso. As quadras em versos de quatro sílabas do poema inicial de Arquitetura do homem mostram o poeta Taveira mais viçoso e singular, ali onde se individualiza nos versos curtos, medidos, contidos, de alta contenção lingüística, explorando ao máximo a polissemia das palavras. Os versos iniciais de cada parte deste poema (a vida é áspera, breve, sonho, fardo) são propositalmente lugares-comuns. O poeta vai, com mestria e artesanato, desconstruindo a frase-feita. No poema “Arquitetura do homem”, está a marca da vida que fragiliza o pobre corpo e a mente do homem: marca de fórceps, condição de quase pedra, o abismo que circunda o corpo frágil, fria lâmina, superfície de desapego, precipícios e abismos, não há segurança e o gesto é inútil. E assim segue ele nesse magistral poema enumerando outras passagens do homem pela terra e suas circunstâncias: a alma (sempre à mercê dos ventos), o tempo (inefável labor na construção da vida). Logo, nesse primeiro poema —o que também vale para os demais—, a musicalidade não tem um fim em si próprio. Ritmo e música se unem para erigir algo maior: o conteúdo do poema, sem o que o fazer poético seria mera estatuária oca e frágil como a construção em gesso.

A permanência do mar como metáfora —a vida como travessia— está presente não apenas em um poema, “Navio fantasma”, mas perpassa toda a poesia de Taveira, que, como já foi dito, entende a fugacidade do tempo e essa perda que poderá ser revertida caso haja beleza e poesia. Taveira acredita na ação redentora do fazer poético ou na maneira de ver a vida de forma poética. Logo, poesia é algo visceral, necessário, sobrepõe-se às idéias de morte, degradação, desumanidade e artificialismo das relações humanas frias e impessoais. A travessia humana é perigosa, cheia de abismo, sem trégua a barca-vida trafega, as velas são retorcidas e tudo parece conspirar contra a humanidade da vida.

Há infâncias, argonautas do sonho, o rememorar e a busca do conhecimento interior (outra viagem marítima, desta vez pelo mar revoltoso do inconsciente e do passado), a aparente desesperança na raça humana (“em que estrela ou vela / de cetim / a vida se minimizou?”), a máquina da meninice (“a máquina voltou / a rodar. / Está girando / nas cordas da meninice / novos piões, / precipícios”).

Na segunda parte, o poeta envereda pela exposição de sua poética. Ama o metro e a música, em “Profissão de fé”. É a reafirmação do que já apontamos em Taveira, o uso expressivo da musicalidade, o elogio e o uso do ritmo como construto fundamental de sua arquitetura poética. “Buscar e amar o som”, afirma o poeta. “O poema —esse abismo / sem face— há de surgir / na forma clara e exata / das impressões concretas.” A poesia de Taveira traz a idéia de abismo, ao mesmo tempo a salvação através do amor, da solidariedade drummondiana e da crença no homem e na poesia. Desta forma, a poesia torna-se matéria não apenas estética, mas essencial ao existir, ao persistir na existência transcendental. A bela construção (e exata, como quer o autor) da metáfora de que “as ilhas nascem, por certo, / do apelo que vem da terra” pode-se ler como processo criativo da palavra poética se formando e pode-se interpretar também como uma forma de o poema servir de intercâmbio social, de apelo do inconsciente, do profundo, de o eu mais escondido vir à tona em forma concreta e para chamar atenção à sua existência, a existência interior que por fim aflorou.

A presença recorrente da dúvida existencial e da negação da existência (o não-ser) reincide no poema “Teorema”, construído sobre o pilar da desconstrução: o ódio se contrapõe à alegria, está criada a dialética entre o viver em pleno sentido, a exaltação do belo e do prazer em confronto com a angústia, os castigos, os chicotes e as cicatrizes na alma. A oposição não encontra, contudo, síntese ou consolo que alivie a carga de existir. Basta observar o quinteto final:

(Um homem —sem mágoas, sem nódoas—
pode perseverar sobre o menino.
Mas haverá vitória —ou prêmio de consolação—
sobre seu inventário de angústias,
sobre seus anseios de libertação?)


A ironia —dissimulada ou velada— é outra constante. Em “Toada gregoriana”, por exemplo, o poeta a exerce plenamente. Aqui e ali, há de se ler com atenção, a fim de que uma afirmação não seja sua negação. Ou uma negação não seja a afirmação do seu contrário. No poema “Cantata para baixo profundo”, o poeta exerce outra vez a verve do sarcasmo. Contudo, mais do que a ironia, nos poemas com título e evocação musical está presente o verso geralmente curto, musical, de onde Taveira melhor exercita sua poética.

Na quarta parte (“De novo a música e as incertezas”), o poeta condensa e transfigura o real numa mágica exemplar de concisão, ritmo e pluralidade de significação: “Não vês além / do grave acento: / pérgola e pérola / do teu invento”, desfecho do poema “Toccata”. E assim em outras composições, como “Adágio para oboé” (belo poema), “Berceuse”, “Cavatina”.

Nos sonetos finais de cunho lírico-amoroso, um verso resume a atitude poética do bardo: “Quero prender-te, amada, no meu verso.” A tentativa é de reter amor fugaz (“tom fugace”), sensualidade, o objeto amoroso, muitas vezes confundido com corça, olhar de seda, mar, bailarina. Ainda, nos sonetos, o poeta investe em tons camonianos na idealidade do ser amado ou a ser possuído/desejado. Ou ingressa verticalmente na fusão de soneto de amor com fundo existencial, como no “Soneto de insensatez”.

É João Carlos Taveira um exímio artesão da palavra poética, reinventando a tradição sem perda da contemporaneidade. Verso musical, sonoro, rítmico, construído a partir da uma conjunção feliz de tema e expressão poética. Valeu a pena esperar tanto tempo para que João Carlos Taveira retornasse à cena editorial com novo conjunto de versos. Impressos, todos os poemas passam a ter vida própria, distante do autor. Que tenha vida longa a poesia sutil, existencial e inquietante de Taveira, para gosto de seus leitores. E que sirva para colocar mais um cadinho especial no já extenso caminho da poesia brasileira.
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* Ronaldo Costa Fernandes, poeta e romancista, autor de vários livros, é ganhador dos Prêmios Guimarães Rosa e Casa de Las Américas, entre outros.
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Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte IX)

(id: MCCIX)

Outros não chegaram a publicar livro de contos, salvo engano, como os que se seguem:

Gerardo Cristiano de Sousa, natural de Morrinhos, participou do Grupo Cajuveni. Participou de Multicontos, com “Quermesse”.

Hugo Barros da Costa (“potiguar nas origens, cearense naturalizado”) compareceu ao O Saco n.º. 2 com “A Entrega”.

João Bosco Sobreira Bezerra nasceu em Canindé (1947). Formou-se em Medicina, em João Pessoa, Paraíba. Correspondente da revista O Saco, naquele Estado. Poeta e contista. Participou de Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, 1977, com “O Chapéu”.

João Teixeira apresentou o “O Fosso” em O Saco n.º 6.

Joaquim José da Silva Neto nasceu em Redenção (1925). Tem poemas e contos em jornais de Fortaleza, onde exerceu o jornalismo. Integrou-se na Antologia de Contos Eróticos (Editora Realce, 1988), com “Insucessexo”.

José Jackson Coelho Sampaio é um dos fundadores da revista O Saco. Poeta e contista, tem contos em jornais e revistas. Naquele periódico estampou “Apartamento 132, Edifício Vesúvio. (Investigação 04768943/AZ)”. Em Siriará mostrou “Caçada”.”

José Mapurunga também se apresentou na revista O Saco e outras publicações, sobretudo com poemas. Em 1995 ganhou o Prêmio Osmundo Pontes na categoria poesia. Em 2003 foi o vencedor, com o livro Contos de Andarilho.

Marcondes Rosa (Santa Quitéria, 1943) mostrou “À Espera do Cavalo Verde” em O Saco n.º. 7, publicado anteriormente no jornal O Caboré, dos estudantes de Letras da UFC, década de 1960.

Marly Vasconcelos (Fortaleza) é formada em Direito e Letras. Participou do grupo Siriará e foi membro do Conselho Editorial da revista Pássaro. Estreou em 1973, com livro de poemas. Tem editados outros volumes de poemas e um romance, premiado pela União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro. Seus contos têm aparecido em periódicos e antologias, como O Talento Cearense em Contos, com “Devoção”. Membro do Grupo Espiral e da Academia Cearense de Letras. Na Seara mostrou “Inventário” (n.º. 3), “Vinho Forte” (n.º. 6) e “Flores de Laranjeira” (n.º. 7). Em Espiral, “Enlevo” (n.º. 2). Seu livro inédito se intitula A Mão no Fogo, segundo Girão.

Mino (Hermínio Macedo Castelo Branco), nascido em Fortaleza (1944), é desenhista-cartunista, chargista, retratista, caricaturista, pintor, programador visual e escritor. Em seus almanaques publica poemas, textos políticos e contos.

Nonato Lima divulgou “À Porta do Céu” no Folhetim Literário Acauã.

Renato Saldanha (Quixeramobim) imprimiu “Cara e Coroa” em O Saco n.º. 2.

Roberto Aurélio Lustosa da Costa (Sobral, 1951) tem “O Casamento de Zoé” em O Saco n.º. 4.

Victor Cintra nasceu em 1955, em Mombaça. Pertenceu à Academia dos Novos e ao Clube dos Poetas Cearenses. Tem contos e poemas publicados. Participou de Queda de Braço, com “Gregórgia Bestial” e “Sádica”. Formado em Letras pela UFC.

ANOS 1980

Nos anos 1980 surgiram diversos grupos, com jornais e revistas, como é o caso de Seara – Revista de Literatura, surgida em 1986, como órgão do Grupo Seara, tendo à frente Beatriz Alcântara, Marly Vasconcelos e Samira Abrahão. Divulgou narrativas das principais contistas cearenses do final do século XX, como Ângela Barros Leal, Beatriz Alcântara, Glícia Rodrigues, Inez Figueredo, Isa Magalhães, Joyce Cavalcante, Marisa Biasoli, Marly Vasconcelos, Mary Ann Leitão Karam, Nilze Costa e Silva e Regine Limaverde. Nem todos os contistas surgidos nesse período, porém, estiveram filiados a grupos. Alguns já tiveram livros publicados, quer no gênero conto, quer em outros. A maioria, porém, tem editados peças de ficção apenas em coletâneas e revistas, sobretudo em Seara e Espiral. Somente três deles, entretanto, tiveram editado o primeiro livro no gênero antes de 1990: Leonisa Maria Magalhães de Souza, em 1987, Natércia Campos e Nilze Costa e Silva, no ano seguinte. A maioria continuou a divulgar suas obras em jornais, revistas, antologias e livros. A começar por um dos mais veteranos, Alberto Santiago Galeno, nascido em 1917. Na antologia 10 Contistas Cearenses (1981) apresentou "Homens de Palavra". Sobre ele F. S. Nascimento escreveu: "A linguagem é precisa, economicamente essencial. O uso predominante de frases curtas estabelece uma situação de envolvência, emprestando ao narrador uma postura de quem está revivendo um caso realmente acontecido".

No entanto, as mulheres são destaque naqueles anos. Natércia Campos é nome fundamental do conto cearense após 1980. Nas 15 composições de Iluminuras (1988) os dramas vividos pelos personagens parecem originados de lendas ou do lendário sertanejo, que, embora modificado, adaptado ao ambiente nordestino, tem suas raízes na cultura popular européia ou, mais precisamente, ibérica. Vejam-se as histórias de gêmeos ("Almofala" e "O Rio"), do menino pagão ("O Pagão"), da velha rezadeira (presente em algumas narrativas), do pescador encantado ("Alumbramento"), da mulher solitária (pelo menos em duas), da menina enigmática ("Uma Velha Canção", "A Menina" e "Lua Cris"), do menino ou da menina e do avô ou da avó ("Crisálida" e "Mãe Natureza"), do faroleiro e o navio fantasma ("O Farol"), do cordeiro imolado ("Perdão") e do leproso ("Penitentes").

Os ingredientes básicos destas narrativas são o ambiente, pode-se dizer, medieval, seja rural ou marítimo; a presença constante de personagens estranhos, como rezadeiras, loucos, visionários, encantados, deformados; as crenças e crendices como foco principal; o enigma embutido no conflito; e a linguagem mais para clássica (Alexandre Herculano) do que para a dos contos populares: "contam que...", dos irmãos Grimm, Charles Perrault.

As descrições de Natércia não constituem meros exercícios de linguagem. Ao contrário, servem de apoio às narrações e sem as quais estas pareceriam longas frases cheias de verbos e substantivos. Ocorre também a simultaneidade da narração ao longo do tempo e da descrição do ambiente. Esta nunca se dá de forma isolada, isto é, sempre antecede ou sucede a narração de um fato. Talvez nem seja assim: Não antecede nem sucede a narração, se faz durante a elaboração das frases. Como em "O Jardim". Enquanto descreve o jardim, narra curtos episódios de um passado mais distante.

A linguagem de Natércia Campos é limpa, elegante e atraente. Nada de gírias, lugares-comuns, frases feitas. Os verbos são os mais propícios à narração e à descrição: adejar (os ventos adejavam), farfalhar (as folhagens), aconchegar (o xale), firmar (a vista), reter (o vulto) etc. Não se trata de linguagem pomposa, de difícil leitura. A escritora não tem necessidade de ostentar erudição. Também o uso freqüente de nomes de objetos em desuso e outros substantivos, adjetivos e verbos esquecidos da maioria dos escritores brasileiros contemporâneos faz de Natércia Campos uma narradora singular.

Regine Limaverde fez estréia no gênero conto com o livro As Leves e Duras Quedas do Amor, em 1992. Moreira Campos escreveu nas abas do volume o seguinte: "Destaco ainda, não obstante as dezesseis estórias que contém, a unidade do livro, no que tange a essa mensagem dos sentidos abrasados. São "flashes", manchas, ocorrências. De um nada a autora tira tudo, em termos de clima ou atmosfera: um encontro, um olhar, certos "olhos escuros". Recorre ainda ao uso do que aqui chamo de diálogo interno, muitas vezes, além de usar de uma linguagem livre, solta, sem peias". Ensina Francisco Carvalho, em "A Poesia e a Ficção de Regine Limaverde" (TC, págs. 148/153): "os seus contos fogem completamente aos velhos esquemas tradicionais. São pequenas e breves histórias de amor, desprovidas do clássico enredo, de começo, meio e fim".

Beatriz Alcântara apareceu em livro de prosa de ficção com D’aquém e D’além Mar (1993). À frente das revistas Seara e Espiral e da organização das coletâneas Águas Dos Trópicos – Ensaios e Seleta de Poemas Contemporâneos (2000), Amor nos Trópicos (2000) e Fauna e Flora nos Trópicos (2002), ao lado de Lourdes Sarmento, tem divulgado não só a poesia e o ensaio literário, mas também o conto. Tem divulgado suas obras em jornais, revistas e antologias. Em "Mito Rei", Beatriz funde num só drama duas histórias aparentemente díspares: a de Abigail, a mulher morta no caixão, e a de Davi, o Lagoinha, o homem estranho que participa do velório. O presente é o velório, o passado anterior é a vida do bandido. A ação no presente se desenrola em alguns minutos e culmina com a chegada de policiais e a prisão do Davi. Mesmo assim, o desenlace do conto apresenta um enigma ao leitor. Aliás, desde o início da narrativa esse enigma é estimulado nos diálogos. Por outro lado, o uso de diálogos em linguagem oral dá à narrativa agilidade, assim como a narração sob a óptica onisciente, ora no presente, ora em flash-back. Em "Maria, a amante do mar", todo construído de narração, o mistério da personagem lembra o de Davi. Apareceu de repente, sem explicação, sem apresentação. O ambiente neste conto é mais amplo do que o do outro: uma praia, o vilarejo da Taíba. Não exatamente o mar, que na história é também personagem, o amante de Maria, a protagonista.

Lourdinha Leite Barbosa (Maria de Lourdes Dias Leite Barbosa) publicou o volume A Arte de Engolir Palavras em 2002. Beatriz Jucá observou nele a riqueza verbal, o apuro estético e a técnica segura, "que, aliados a um olhar atento e original sobre a realidade, dão forma a seu texto". E ainda: "São contos em que a autora oferece um tema que interessa, uma trama que prende, um desfecho que surpreende e uma linguagem que expressa e revela a natureza ficcional de sua criação". A linguagem de Lourdinha é medida e culta. Nada de frases suntuosas, sinuosas, intermináveis. Nada também de vulgaridades. Composições quase sempre curtas, compostas de narrações essenciais. Nada de descrições inúteis, berloques ou penduricalhos verbais. Tudo a girar em torno de personagens pequenas, mulheres oprimidas, sofridas, perdidas dentro de casa. Ou de homens perdidos dentro de si mesmos, amordaçados pelo pecado, pela culpa. Para completar a leitura dos contos de Lourdinha faz-se necessária a leitura do ensaio "Sobre A arte de engolir palavras e outras artes", de Vicência Maria Freitas Jaguaribe, inserido no livro acima mencionado.

Em 1989 Beth Moreira Lima publicou Último Ato. No prefácio, Ribamar Lopes anotou: "Suas histórias têm aquela feição de oralidade observada por Mário Matos nos bons contos de Machado de Assis, feição decorrente de sua aptidão inata de narradora e que ela busca aprimorar com a consciência da força e dos limites do conto."

Outras contistas merecem especial atenção, como Ângela Barros Leal, Erika Ommundsen-Pessoa, Glícia Rodrigues, Heloísa Barros Leal, Ines (Inez ou Ignez) Figueredo, Isa Magalhães (Leonisa Maria Magalhães), Lena Ommundsen, Maria Ilma de Lira, que esteve presente em 10 Contistas Cearenses e mereceu de F. S. Nascimento a seguinte análise da peça intitulada "Fogo Apagado": (...) "quanto à elaboração ficcional, o excesso de situações extrapola a medida episódica do conto atual, melhor se acomodando, talvez, no continente da novela. A fartura de material sugere, portanto, uma dimensão narrativa maior, o que não deixa de representar um aceno para a ficcionista, pela sua já comprovada aptidão para a criação literária, uma vez que autora dos romances Serrinha (1961) e Rendeiros do Santo, inédito".

Os contistas, porém, não deixaram o palco naqueles anos. Teoberto Landim, com Conversa Fiada (1983), apareceu para resgatar o masculino na ficção curta no Ceará. No prefácio, Dulce Maria Viana faz as seguintes observações: "é precisamente na linguagem que reside um dos pontos altos de Conversa Fiada. Não fosse pelo domínio do discurso indireto livre, conforme já disse, mas pelo regionalismo que a perpassa e de que o autor, cearense da gema, não se tinha dado conta até colocar seus textos num outro contexto". E prossegue: "Teoberto Landim não faz esforço algum para escrever em linguagem regional – ele a escreve, simples, naturalmente. E isto faz, sem dúvida, um dos encantos de seus contos, pois que, trabalhando com temas e enredos de uma forma ou de outra universais, havia de ser a linguagem – saborosíssima – a pedra-de-toque que aciona o interesse maior".

Jorge Pieiro tem se destacado nacionalmente. A sua linhagem é a de Gilmar de Carvalho e Uilcon Pereira. Do primeiro herdou a aversão à disciplina técnica da arte de contar, narrar. De ambos herdou o gosto pelos personagens impalpáveis, mutantes, nebulosos, imaginários, quase mitológicos. "naíra desencantou-se de sua forma vespa em mulher" ("desencanto num crepúsculo ou meio-delírio em reflexão", de Fragmentos de Panaplo). Incluído, com Pedro Salgueiro, na antologia Geração 90: Manuscritos de Computador, organizada por Nelson de Oliveira, figura ao lado dos melhores cultores do conto no Brasil surgidos a partir de 1990. Na sua opinião, "os que publicaram o que de melhor se leu no final do século XX".

No entender de Nelson de Oliveira, em "O novo conto brasileiro: apocalipses", "seus contos têm características híbridas, com elementos trazidos principalmente da poesia. São textos muito curtos, o maior não tendo mais do que duas páginas, de rico conteúdo simbólico e estrutura surrealista". E mais: "Pieiro gosta de trabalhar com ferramentas de corte e solda na microestrutura do discurso. Ou seja, ele, a gramática em uma mão, a tesoura e o tubo de cola noutra, recorta orações e vocábulos a fim de construir sentenças que jamais se completam, cheias de interrupções e atalhos. O resultado é sempre caleidoscópico, com cheiro de escrita automática desautomatizada".

A opinião de Horácio Rodrigues, no ensaio "O Jorge dos Espelhos Cearenses", é a de que o contista "com Caos Portátil consegue em curto espaço abrir as asas do sonho e empreender um vôo mágico, impossível de não ser acompanhado. Sem pompa e com atrevimento, transforma a linguagem usual em linguagem literária, parte do corriqueiro chegando a uma dedução fantástica. Em seus contos curtos, quase poemas, Jorge surpreende ao transpor o horizonte semântico da comunicação onde o possível se confunde com o impossível, ultrapassando, de maneira simples, a visão realista".

Mais adiante analisa outro aspecto da obra do contista: "Jorge faz uso de uma linguagem plurisignificativa, onde intelecto e sentimento não estão dissociados." Prossegue a análise assim: "Nas raras e densas páginas de Caos Portátil nos é permitido um passeio pelo labirinto encantado, o tempo, o espaço, o infinito, a angústia diante da cultura como A Biblioteca de Babel de Borges".

Residindo em Brasília há muitos anos, José Maria Leitão é pouco conhecido no Ceará. No prefácio do livro A Estranha Estória de Bebeto Areião, de 1983, Júlio Cezar Gomes nos dá uma idéia clara do que são as histórias de Leitão. O contista "demonstra não só a propensão inequívoca para o fantástico, como a disposição para o relato singular, mais de conforme com as leis da narrativa oral, de influência dominante". Em outro parágrafo se volta o crítico para aquilo de que se falava no início deste capítulo: a memória do ficcionista. "Mais do que as armas e barões assinalados, se oferece ao leitor como avalista do próprio passado e nos reconta toda fascinante proposta do seu plano ideativo, sem perder de visto o adro geométrico do cotidiano".

Outro é Valdemir de Castro Pacheco, com o livro A Onça de Birindinha e Outras Onças. Participou de 10 Contistas Cearenses, e nele F. S. Nascimento observou: "Com ‘Um Galo para um Dia de Gala’, Valdemir de Castro Pacheco reconstitui um episódio, enriquecendo-o de múltiplos pormenores imagísticos, alguns dos quais intensamente cromáticos. Entretanto, os direcionamentos da visão do narrador são tantos para os cenários que emolduram o núcleo da fabulação que, em determinados momentos, chega a sentir-se a ausência do galo no espaço ficcional".

Carlos Gildemar Pontes também vem do início dos anos 1980, embora somente em 1998 tenha sido editado seu primeiro livro – A Miragem do Espelho. Na opinião de Gamboa Villa-Verde, "o desenredo ou a implosão do enredo, face à narrativa fragmentária dos textos, são aspectos marcantes e fundamentais na construção do insólito na maioria dos contos."

Waldy Sombra, presente em 10 Contistas Cearenses, com "Jitirana" é também nome importante. Na opimnião de F. S. Nascimento, "Seu amadurecimento como ficcionista ressalta à primeira vista, usando com bastante propriedade a estrutura verbal da curta narrativa. Além da boa qualidade da linguagem, explora um tema de grande evidência social, e este aspecto é projetado, através da ficção, como uma segura consciência desse degrau da condição humana".
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Para completar este capítulo, uma breve relação biobibliográfica, em ordem alfabética, dos contistas desse período. Primeiramente serão apresentados aqueles que alcançaram maior projeção, seja porque publicaram livros de contos, seja porque granjearam alguma fortuna crítica. A seguir virão os outros.

Alberto Santiago Galeno (Russas, 1917), neto de Juvenal Galeno, é autor de alguns livros, entre os quais Sob o signo do macaco. Integrou a antologia O Talento Cearense em Contos, organizado por Joyce Cavalcante, em 1996. E também a antologia 10 Contistas Cearenses (1981), com "Homens de Palavra". 4.º no I Prêmio Cidade de Fortaleza, com "O Campina de Mestre Pedro".
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Beatriz Alcântara nasceu em Fortaleza. É poeta, contista e ensaísta. Publicou D’aquém e D’além Mar (1993). Mestra em Literatura pela UNB (Brasília). Integra a Academia Cearense de Letras, fez parte do Grupo Seara de Literatura e pertence ao Grupo Espiral. Suas narrativas estão estampadas em revistas, como Seara: "A Boca" (n.º 6). Tem diversos livros, quer ensaios, quer de poemas. Incorporou-se a algumas antologias, como O Outro Lado do Olhar (1988), ao lado de Glícia Rodrigues, Joyce Cavalcante, Samira Abrahão e Stela Maris Rezende. Os títulos das peças são "Monólogo da Coisa", "Rua Paschoal de Mello 45", "Inquisição", "O Chorão" e "Um Cravo Vermelho". Está também presente na Antologia do Conto Cearense (1990), com "Mito Rei"; O Talento Cearense em Contos (1996), com "Maria, a amante do mar" (Prêmio Henriqueta Galeno, 1984), e Talento Feminino em Prosa e Verso (2002). Organizou, com Lourdes Sarmento, as coletâneas Águas Dos Trópicos – Ensaios e Seleta de Poemas Contemporâneos (2000), Amor nos Trópicos (2000) e Fauna e Flora nos Trópicos (2002), os três com poetas de todo o Brasil.
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Beth Moreira Lima foi a vencedora do I Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, com "Loba". As nove histórias e os sete poemas vencedores foram reunidos em livro, que recebeu como título o nome do concurso. Participou de antologias e ganhou outros prêmios literários. Em 1989 publicou o livro Último Ato.
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Carlos Gildemar Pontes (Fortaleza, 1960), professor de Literatura na Universidade Federal da Paraíba, estreou em livro em 1982, com Reflexos. Em 1988 "Miragem" obteve o 2.º lugar no 1.º Prêmio Literário Cidade de Fortaleza. No gênero conto publicou A Miragem do Espelho (1998).
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Furtado Neto nasceu em Santa Cruz, hoje Reriutaba, em 1933. Desde 1951 vive no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Poeta e contista, editou alguns livros, entre eles um de contos: Raios de Sol, em 1983. (Girão)
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Isa Magalhães (Leonisa Maria Magalhães) é paulista de nascimento, porém radicada no Ceará desde cedo. Uma das fundadoras do Grupo Seara. Tem ficções em jornais e revistas. Ganhadora de concursos literários. Autora do volume de histórias Psiu, o síndico pode estar ouvindo!, em 1987. Tomou parte da Antologia do Conto Cearense (1990), com "A Última Obra". Na revista Seara editou "A Filha dos Espíritos" (n.º 2), "As Baratas" (n.º 3), "Os Recém-Nascidos Estão Chorando" (n.º 4), "... e os Deuses Criaram os Homens" (n.º 5), "Giles de Rais – O Marechal do Diabo" (n.º 6) e "A Transmutação de Stanislau" (n.º 7).
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Jorge Pieiro, nome literário de Jorge Alan Pinheiro Guimarães, é natural de Limoeiro do Norte (1961). Iniciou-se nas letras em 1977, no jornal Kuandu, na cidade natal. Diz-se escritor-ensaísta-professor-mestrando-produtor cultural, em letra&música e espaço aberto. Obra literária escolhida: neverness (poesia: letra&música / resto do mundo 1996); fragmentos de panaplo (contemas: do autor 1989); galeria de murmúrios (ensaio: tempo molequin 1995); caos portátil (contemas: letra&música 1999). Incluído nas antologias Geração 90: Manuscritos de Computador e Geração 90 – Os Transgressores, pela editora Boitempo, organizadas por Nelson de Oliveira. Na opinião de um crítico, participam delas "os que publicaram o que de melhor se leu no final do século XX". Tem colaborado também em jornais – articulista de O Povo – e revistas do Brasil e do exterior, com ensaios críticos, resenhas, traduções, relatos e experiências fragmentárias.
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José Maria Leitão nasceu em Fortaleza (1936). Pouco conhecido no Ceará, vez que migrou para Brasília muito cedo (1963). Ganhador de alguns prêmios literários no Brasil e no exterior, como o Plural, México, 1985. Incluído na Antologia do Conto Cearense, de Mary Ann. Estreou com A Estranha Estória de Bebeto Areião, em 1983. Depois disso divulgou alguns romances.
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Lourdinha Leite Barbosa (Maria de Lourdes Dias Leite Barbosa) nasceu em Ipu. Formou-se em Letras na Universidade Estadual do Ceará, da qual é professora adjunta, fez Mestrado em Literatura Brasileira na UFC, tem contos e artigos publicados em jornais, revistas especializadas e antologias, como "Bumerangue" (O talento cearense em contos. São Paulo: Maltese, 1996); "O discurso poético de Beatriz Alcântara" (Espiral: revista de literatura, n.º 2, 1996); "As Máscaras de Eros em Broquéis" (Percurso de Letras – revista do Curso de Mestrado em Letras da UFC, nº1, Fortaleza: Edições UFC, 1996); "A Estranha Máquina Extraviada – uma escrita surpreendente" (VestLetras: obras comentadas, Jornal O Povo, encarte, Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha); "A viagem" (Espiral n.º 3, 1997); "Flores de papel" Espiral n.º 4, 1998); "Retratos de uma poética delicada" (Jornal O Povo, Caderno "Vida e Arte", Fortaleza, 26/9/ 1999); Protagonistas de Rachel de Queiroz: caminhos e descaminhos (ensaio) (São Paulo: Pontes Editores, 1999); "O percurso de um poeta" (Literapia – revista da Sociedade de Médicos Escritores, n.º 2. Fortaleza, SOBRAMES, julho de 2000); "Intertextualidades Camonianas (Café das Artes – revista de informação cultural. Fortaleza: LCR, 2000); A arte de engolir palavras (contos), Recife, Editora Bagaço, 2001; "Imagens em fuga – uma leitura do poema ‘Elegia’ de Artur Eduardo Benevides" (DN, Caderno de Cultura, 25/5/03, p.4.)
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Natércia Campos nasceu em Fortaleza, 1938. Estreou com Iluminuras, em 1988, com o qual alcançou o segundo lugar na IV Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. Premiada também no 2º Concurso Literário Banco Sudameris, com "A Escada". Suas histórias estão em antologias e periódicos. Teve participação na antologia O Talento Cearense em Contos e, com "O Jardim", na Antologia do Conto Cearense
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Pedro Wilson Rocha é natural de Massapê (1935). Publicou contos em jornais do Ceará e de outros Estados. Estreou em 1983, com Seu Defunto e Outro, seguido de Caco de Vidro, de 1984. Tem também volumes de poemas. "A Última Vez", "O Herege" e "Reincidência" foram estampados na revista Ceia Literária n.º 3, de 1984. "Asfalto Vermelho" saiu no livro Quem Conta um Conto, da Editora Expressa, de São Paulo. "O caco de vidro" se estampou na antologia Multicontos.
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Pery Augusto Bezerra é natural de Lavras da Mangabeira. Vive em Manaus. Autor de alguns livros de ensaios, crônicas e prosa de ficção, como A Viúva Fanática (Manaus, Imprensa Oficial do Amazonas, 1983) e Catarina e Outras Histórias Curtas de Amor, segundo Dimas Macedo, em Crítica Dispersa, pág. 182.
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Raimundo Batista Aragão é natural de Viçosa. Autor de Barnabé (crônicas), dos romances Pedra Verde, Bravos da Missão e Sombras do Asfalto, Violência e Terrorismo (ensaio) e Um casal de férias (contos). Na antologia Multicontos mostrou "O adeus da vergonha".
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Reginaldo Dutra é autor de Garoto de Baturité, 1983, com prefácio de Caio Porfírio Carneiro, para quem "a ficção de Reginaldo Dutra é tão marcante e pessoal que, com este livro, apresenta-se amadurecido na difícil e fascinante arte de contar." Vive em São Paulo.
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Regine Limaverde (Fortaleza, 1947), após alguns livros de poemas, fez estréia no gênero conto com o livro As Leves e Duras Quedas do Amor, em 1992. Na Seara mostrou "Bicho-Homem" (n.º 6) e "Eu Te Amo, Agora" (n.º 7). Em 2003 publicou Se Me Contam, Eu Conto.
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Ribamar Lopes ou José de Ribamar Lopes obteve em 1983 o Prêmio Odylo Costa, filho (Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, promovido pela Secretaria de Educação e Cultura de São Luís, Maranhão) com o livro Quinze Casos Contados, publicado em 1985 pela Nação Cariri Editora e Livraria Gabriel, Fortaleza.
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Simone Gadelha (Fortaleza, 1960) imprimiu o livro Contagem Depressiva (1980). Reside em São Paulo e se dedica à música. Para a antologia O Talento Cearense em Contos teve selecionado "Contagem Regressiva".
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Teoberto Landim (Pio XII, Piauí, 1943) mudou-se para o Ceará ainda bebê. É doutor em Literatura de Língua Portuguesa e autor de Conversa Fiada (1983), e dos romances Busca (1985) e A Próxima Estação (2000).
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Valdemir de Castro Pacheco nasceu em Viçosa do Ceará. Obteve alguns prêmios literários. Editou A Onça de Birindinha e Outras Onças. Participou de 10 Contistas Cearenses, de 1981. Dois anos depois compareceu à antologia Multicontos, com "O bom pirata". 8º no V Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1995, com "Na Espreguiçadeira".
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Seguem-se algumas informações relativas a outros contistas publicados nas revistas Seara e Espiral, sobretudo, e que ainda não ousaram divulgar suas histórias em livro ou, se o fizeram, não alcançaram maior projeção na opinião de críticos:

Aila Sampaio apresentou na Espiral: "Orquídeas" (n.º 5), "A Escolha" (n.º 6) e "Redemoinho" (n.º 7).

Ângela Barros Leal ganhou vários concursos literários, como o Prêmio Ceará de Literatura de 1993, de que resultou uma coletânea, de 1994, e da qual é partícipe com cinco narrativas. Na Antologia do Conto Cearense (1990), organizada por Mary Ann Leitão Karam, com prefácio de Rachel de Queiroz, se apresenta com "Crescendo em Campos de Batalha". Em Multicontos, com "Jogos fúnebres". Na Seara n.º 7 deu a conhecer "Como Devia Ser".

Antonio Mourão Cavalcante nasceu em Crateús. Doutor em Psiquiatria e professor. Participou de Multicontos, coletânea de contos premiados pelo BNB-Clube de Fortaleza e publicada em 1983.

Antônio Weimar (Quixadá, 1951) é contista e poeta. Estampou obras curtas em jornais e revistas, como Espiral, na qual consta "A Boiada do Tenório" (n.º. 3). Na coletânea Recidivas (1998) publicou "O Livre Arbítrio".

Christina Cabral tem livros publicados e colaborou em jornais de Fortaleza. Na Seara apresentou "Às Noites os Gatos São Pardos..."

Durval Aires Filho nasceu em Fortaleza. Tem ensaios publicados. Participou de Multicontos, com "Uma nova pauta com o diabo?"

Erika Ommundsen-Pessoa é romancista e contista. Na Seara n.º. 7 mostrou "L’Âme Éprise", em francês. Na Espiral n.º. 1, "La mort des amants", e "Sans Titre et Sans Mot Aligné" no n.º. 4.

Eurico Bivar nasceu em Acopiara. Mais dedicado ao teatro do que à literatura. Participou de Multicontos, com "... de como foi perdido o meu cordão umbilical entre as cidades de Baturité e Quixeramobim".

Fernanda Luz Benevides nasceu em Fortaleza. Participou de Multicontos, com "Seca" e "O homem". Obteve menção honrosa (ou 3.º lugar) no III Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1992, com "A Mulher que Chovia".

Fernanda Quinderé deu a conhecer "A Predestinação de Leonor" na Espiral n.º 5.

Francisco Carlos Bezerra e Silva é natural de Pitombeiras. Integrou Multicontos, com "Picadeiros".

Francisco Nóbrega Teixeira, poeta, contista e ensaísta, é também psiquiatra e psicanalista. Tem livros editados, como Nossas Caminhadas, e participou da coletânea O Talento Cearense em Contos, com "O Resgate de Sócrates", e Multicontos, com "A ordem dos penitentes do copo". Fundador e coordenador da Espiral, na qual estampou "O Castelo das Ruínas Circulares" (n.º 3), "A Brigada Internacional" (n.º 4).

Francisco Paceli Vasconcelos, natural de Sobral, integrou a antologia Multicontos, com "Um caso de adesão".

Francisco Roberto Bezerra Leite nasceu em Russas. Publicou contos e poemas em jornais e na antologia Multicontos: "E se deita sobre mim, aconchegando-se ao meu corpo".

Glícia Rodrigues, poeta, contista e artista plástica, faleceu em 2002. Alguns livros publicados. Tem histórias em coletâneas e periódicos. Pertenceu ao Grupo Seara de Literatura, Poesia Plural e Espiral. Seu "Uma Mordida na Maçã" foi incluído na Antologia de Contos Eróticos (1988), em concurso promovido pela Editora Realce, Bauru, SP. Está presente em O Outro Lado do Olhar, com cinco narrativas, ao lado de outras quatro contistas. Da antologia O Talento Cearense em Contos participou com "Chocheteira de Insignificâncias". Seu "Jasmineiro" integra a Antologia do Conto Cearense (1990). Na Seara mostrou "Morgana" (n.º. 3), "Jasmineiro" (n.º. 4), "Mandala" (n.º. 5), "Tempos Difíceis" (n.º. 6) e "O Último Beijo" (n.º. 7). Em Espiral editou "Carta" (n.º. 3).

Heloísa Barros Leal (Fortaleza) é principalmente contista. Tomou parte em algumas coletâneas, como O Talento Cearense no Contos, com "Hóspede Indesejável". Tem contos em jornais e revistas, como Espiral: "A Retirante" (n.º. 2), "Pois é... promessa é dívida" (n.º. 3) e "Minha Companheira" (n.º. 4).

Ines (Inez ou Ignez) Figueredo (Fortaleza), poeta e contista, vem do movimento "Literarte", 1965. Uma das fundadoras da revista Espiral. Está incluída na Antologia de Contos e Poemas, resultado do Primeiro Prêmio Ceará de Literatura e editada pela Secretaria de Cultura do Ceará, em 1994, e O Talento Cearense em Contos. Tem composições em jornais, revistas e antologias. Na Seara n.º. 7 mostrou "Constanza e a Vida". Na Espiral, "Constatações de uma transgressora" e "Minimal" (n.º. 1), "Um dia, a vida" (n.º. 2), "Uma Mulher de Meia Idade (Do Tempo e dos Sonhos)" (n.º. 4).

José de Anchieta França Mendes nasceu em Juazeiro do Norte. Participou de Multicontos, com "Aposentadoria", adaptado para o teatro em 1982 e classificada, a peça, em 1º lugar no 2º Festival de Teatro de Juazeiro do Norte.

José Leite de Oliveira Júnior participou da revista Pássaro e teve "O tetraedro" incluído em Multicontos.

José Ribamar Leite Miranda, natural de Fortaleza, participou de Multicontos, com "O veio Valenço".

Lena Ommundsen, cearense de origem norueguesa, é ficcionista, poeta e ensaísta. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Doutora em Literatura Francesa pela Universidade de Lille III, França. Tem livros publicados, alguns romances, e participou de antologias, como O Talento Cearense em Contos, com "Serenata de Amor". Pertence ao Grupo Espiral, em cuja revista mostrou "Serenata de amor" (n.º. 1), "Em Uma Noite de Tempestade" (n.º. 4).

Luiz Gonzaga de Medeiros Nóbrega, natural de Fortaleza, integrou Multicontos, com "A vila dos três amores".

Lydia Maria Brito Teles nasceu no Rio de Janeiro, participou do Grupo Siriará, publicou em O Povo. Com "Bruma" e "Saudade" está em Multicontos.

Manoel César, natural de Fortaleza, participou de Multicontos, com "Silêncio".

Maria Cristina de Castro Martins participou de Multicontos, com "Terra à vista".

Maria Elizabeth de Oliveira vem publicando obras desde 1983. Participou de Multicontos, com "Insônia".

Maria Ilma de Lira esteve presente em 10 Contistas Cearenses. Autora dos romances Serrinha (1961) e Rendeiros do Santo, inédito.

Maria Tereza Barros figura com "Manuela" em Multicontos.

Marisa Biasoli (Fortaleza) estreou com livro de poesia, em 1981, em parceria. Ganhou concursos de conto. Colaborou em jornais e revistas, como Seara. É um dos integrantes da Antologia do Conto Cearense, com "O Coração Não Esquece". Na Seara divulgou "O Encontro" (n.º. 6).

Mary Ann Leitão Karan (Fortaleza) é poeta e contista. Alguns livros impressos. Peças premiadas e em coletâneas, como Antologia do Conto Cearense, com "À Sombra do Carvalho", e O Talento Cearense em Contos, com "Tensão". Fundadora do Grupo de Literatura Seara, em 1985. Na revista do movimento mostrou "Reencontro" (n.º. 2), "Estranha Sugestão" (n.º. 3), "Surpresa" (n.º. 4), "À Sombra do Carvalho" (n.º. 6) e novamente "Surpresa" (n.º. 7).

Nathanael da Silveira Britto Neto estreou em Multicontos, com "Era uma vez...".

Ocilma Ribeiro Lima nasceu em Missão Velha, tem publicado crônicas em jornais e participou de Multicontos, com "A grandeza de Brígida".

Odélio Alves Lima, natural de Redenção, se apresentou em Multicontos, com "Um caso corriqueiro".

Paulo Gurgel Carlos da Silva tem publicado poemas em coletâneas. Em Multicontos mostrou "Heteróclito, seus inimigos" e "Heteróclito, suas casas de pasto".

Paurilo Barroso Júnior tem contos em jornais e revistas, como Espiral: "O Velho Poeirão" (n.º. 2).

Raimundo Nonato de Lima é natural de Iguatu. Escreve contos, crônicas e poemas. Integrou Multicontos, com "O vivo morto vivo".

Rosa Maria Matos Nogueira estreou em Multicontos, com "O retirante".

Rosa Virgínia Carneiro de Oliveira também fez estréia nessa antologia, com "O beijo e o abraço".

Waldy Sombra nasceu em Limoeiro do Norte (1930). Formado em Letras Clássicas. Diversos livros publicados. Está presente em 10 Contistas Cearenses, com "Jitirana". Participa da terceira coletânea de contos do Ideal Clube, com "O Menino do Lagamar". E da Antologia Literária (Contos e Poesias), resultante do I Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, de Sobral, com "Declaração de Amor" (1º) e "Colinha" (6º).
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continua...Depois de 1990

Nicanor Filadelfo Pereira (Morte de uma árvore)

(id: MCCVIII)
A árvore da serra
(Augusto dos Anjos)

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Ao aproximar-se o dia da árvore (21 de setembro), tive a especial oportunidade de deparar-me com este soneto do grande poeta Augusto dos Anjos, que viveu entre o final do século XIX e início do século passado. Este feliz encontro levou-me a uma certa elucubração, conduzindo-me a reflexões e saudosismos que, de certo modo, alegram e, simultaneamente, entristecem o meu espírito.

Era, ainda, menino, quando nos mudamos para um sítio que meu pai havia, recentemente, adquirido. No terreiro, defronte a casa, bem próximo, lá estava, para gáudio dos meus olhos, um portentoso, soberano, mas, solitário eucalipto. Lembro-me que já se manifestava em mim o espírito ecologista. Amava vê-lo na sua exuberância, deliciava-me com o perfume de suas milhares de pequeninas flores brancas, distraía-me, ao brincar, com os pequenos “piões” de suas sementes, permanentemente lançadas ao chão. Esta gigantesca árvore fazia parte de minha alma!

Certo dia, não muito depois de nossa mudança, meu pai reuniu os empregados do sítio e determinou a derrubada do “meu amigo”. É certo que justificou, alegando que o “meu amigo” oferecia inquestionável perigo à nossa casa, especialmente à nossa vida.— Confesso — chorei. E, agora, quando leio os versos de Augusto, dizendo ao pai: — “Não mate a árvore, pai, para que eu viva”/ Esta árvore, pai, possui a minha alma.”— observo um extraordinário sincretismo na maneira de como pudemos olhar e sentir, cada qual em sua época, as benesses e a empatia que nos proporciona tão maravilhoso vegetal.

É claro que, Augusto, poeta simbolista, tinha, lá, seus propósitos, dando, aos críticos literários, azo a interpretações diversas. Na última estrofe de seu poema, diz ele: —“O moço triste se abraçou com o tronco / E nunca mais se levantou da terra!” — Graças a Deus, não foi este o
meu caso, aqui, estou a escrever esta crônica!

Há alguns anos, morando já em Sorocaba, nas minhas viagens matutinas pelo Cometa, com destino ao meu trabalho, na Grande São Paulo, tive a alegria de ver, com estes olhos que amam a Natureza, meninos e meninas plantando pequenas mudas que, hoje, são árvores, às margens do Rio Sorocaba. E, a cada vez que, por ali, passo, invade-me a satisfação de testemunhar a grandiloqüência daquela atividade escolar. Parabéns, Sorocaba, por tão feliz iniciativa!

Mas, nem tudo são flores, nem tudo são árvores. Há, também, as moto- serras; há grandes interesses econômico-financeiros; há interesses escusos; há insensibilidade governamental; há desobediência civil no descumprimento das leis; há subornos de funcionários públicos; há corrupção.

Ao abrir jornais, assistir programas jornalísticos nas Tvs, sinto ressurgir em minha alma a mesma tristeza que tive, quando menino, no sítio, durante episódio do eucalipto. Porém, sem qualquer justificativa. Devastou-se a Serra do Mar, devastou-se toda a orla litorânea do Brasil, devasta-se, agora, numa impressionante velocidade a Amazônia. Secam-se os rios, conseqüência da destruição das matas ciliares, em especial, do lendário São Francisco. A continuar nesse estado de coisas, transformar-se-á a região Amazônica num imenso e desagradável deserto. Extinguir-se-á a fauna, a piscicultura, alterar-se-á o nível pluviométrico. Em fim, extinguir-se-á a vida.
Brasileiros, não quero mais chorar a morte de uma árvore!

Fonte:
http://www.sorocult.com/
Imagem: http://oglobo.globo.com/

Nicanor Filadelfo Pereira (Seleção Poética)

(id: MCCVII)
Imagem Transcendente

Como a luz que se esvai no espaço,
Absorvida pela negridão da noite,
A minh’alma, em delírios e cansaços,
Esvanece em murmúrios e pernoites.

Na busca incessante do amor ausente,
Entrego-me a buscar, no etéreo, a tua imagem
E a desfazer-me em lágrimas correntes,
Ao inundar-me os olhos, esta miragem.

Oh! Que insana a negridão profunda,
Na perene escuridão de tua ausência
Que, em dores e lamentos, meu peito inunda.

***********************
Vida, Arte e Poesia

A vida é feita de arte,
A arte é fruto do engenho,
Engenho que a alma tem parte
E fruto do nosso empenho.

Façamos, todos, o empenho
De viver a nossa arte,
Pois, somos, de Deus, o engenho,
Compostos com muita arte.

A poesia, também, é arte,
De som, palavra, o engenho,
Dos sonhos que d’alma partem
Nascida do nosso empenho.
***********************
Poetar

Alguém me perguntou, um dia,
onde poderia encontrar
uma escola de poesia
que lhe ensinasse a poetar.

Então, respondi: — não sei,
poesia jamais se aprende,
pois, que vem da inata lei,
que medra n’alma da gente.

Nasce no brilhar da estrela,
na branca altivez da lua,
quando nos propomos vê-la,
simplesmente de alma nua.

No cantar de um passarinho,
pousado em árvore frondosa,
que, paciente, constrói o ninho,
para a amada que desposa.

Nasce ao som da cachoeira;
nas cores de um colibri,
beijando a flor da amoreira;
No gorjeio de um bem-te-vi.

Nasce n’alma de quem ama,
que, da vida, vive o dom;
que, do beijo, sente a flama,
a aquecer-lhe o coração.

Poetar é o dom mais sublime
que, nos loucos devaneios,
das agruras nos redime,
dando azo a estes anseios.

É sonhar, viver, cantar,
embalando a saudade
num misto de bem estar,
com ar de felicidade.

É viver a vida em verso,
na melodia em que vem.
Fazer da dor o reverso
e transformá-la num bem.
***********************

Carro de Boi

Vai... vai, meu moroso carro cantante,
pela estrada sinuosa de tua vida,
leva os sonhos de almas flamejantes
que deixaste, na tua despedida.

Segue em frente o destino que traçaste,
não te importes co’os ecos do destino,
não foras tu que a ele encomendaste
para, em mim, causares os desatinos.

Pois, a vida e os caminhos campesinos
são os maduros frutos do teu eco,
porque, em minh’alma, ressoam como um hino

as saudosas lembranças que deixaste,
tal qual — ao longe — um carrilhão de sinos...
dos, memoráveis, tempos de eu menino.
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Sonhar

Sonhar... É como viajar no etéreo,
nas suaves ondas da imaginação...
A prescrutar da vida os seus mistérios,
na mansa placidez da emoção.

Suprir de belo todos os desejos,
colorindo a vida com mil matizes
e valer-se de todos os ensejos
de recordar seus dias mais felizes.

Qual o cisme, na placidez do lago
que, enquanto a brisa lhe cobre com afagos,
altivo e sereno volteia, sem ter rumo.

E, ao léu, flutua em plenos devaneios,
como se, do lago, fora o seu fidalgo,
enquanto feliz, sonha, em real aprumo.
***********************
A Bruma e a Saudade

Como a bruma, a pairar sobre a cidade,
assim, o tédio sobre a alma do poeta,
vai gerando em seu peito a saudade
como se, do algoz, fora a dura seta.

E, nesta bruma que o meu peito invade,
sinto, n'alma, a mais profunda dor...
Recordo triste a real felicidade
das floridas manhãs, ao sol do amor.

Foram-se, assim, os dias glamourosos,
foram-se os resplandecentes risos,
restando-me somente os brumosos.

Como a cascavel, a oscilar seus guizos,
sinto, em meu peito, a latejante dor
e, desta névoa, o sabor mais amargoso...
***********************

Relógio

Tic-tac, tic-tac...
É o teu falar, sem fim...
A cada toque,
uma pancada em mim.

E, esses tic-tacs,
constantemente assim,
vão ferindo minh’alma, enfim.

Há!... se, o calar tua voz
impusesse ao sofrimento um fim,
não hesitaria, eu, em dar-te um fim.

Mas, qual?... se, amar de longe é tão ruim,
que adianta dar-te um fim,
se, a dor da saudade...
Vai continuar... doendo em mim?!
***********************

Crisálida

O mundo de nossos sonhos,
de alegres sons e matizes,
às vezes, são tão medonhos
e noutras, já, tão felizes.

Formam imagens etéreas,
diáfanas e coloridas,
esvoaçantes, aéreas,
que, jamais, delas se olvida.

Às vezes, são utopias,
sonâmbulos devaneios
que férteis imagens criam,
por força do nosso anseio.

Mas, se é medonho o teu sonho,
como lagarta voraz,
não fiques, assim, tristonho;
que em crisálida se faz.

E, quando o tempo passar,
que bela imagem verás!
A borboleta a voar,
preto, vermelho e lilás...

Então, verás que, no sonho,
como um casulo, contém
um mundo, já, tão risonho
àqueles que os sonhos têm.
***********************

A Testemunha

Surgiu no céu a lua branca... toda airosa,
em celeste e belo manto estrelado...
E minh’alma, extasiada e radiosa,
recorda a mocidade, o seu passado.

No Sítio da Saudade... os arvoredos
pelos fúlgidos raios trespassados,
neste chão, assinalam os seus segredos
de felizes momentos, tão sagrados.

E a esplendorosa ninfa dos amantes,
testemunha ocular de doces beijos,
do alto trono sorri, por um instante,

ao saber que, nesta alma delirante,
vagueia, em recôndito benfazejo,
o mais sincero amor inebriante.
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O Poeta e o Pintor

À noite, olhando ao céu, disse o poeta:
Veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, n’alma, me desperta
rimas de amor que o próprio amor anseia.

Vênus cintila em coração amante,
como, nas claras noites de lua cheia,
dos namorados, as setas flamejantes,
os débeis corações de amor permeiam.

À noite, olhando ao céu, disse o pintor:
veja que linda estrela o céu ponteia,
seu brilho é tal que, na alma, me desperta
vivas cores de amor, em tela cheia.

O brilho de Vênus vou retratar,
na celeste imagem que ao céu clareia,
em novo tom, na essência o dom de amar,
sublime impulso que a alma incendeia.

Completando, disse o poeta ao pintor:
se, nas cores, tu vês o dom de amar,
és tu, como o poeta sonhador,
se, o amor és tu capaz de retratar.

O pintor, então, respondeu ao poeta:
se, com palavras, tu és capaz de pintar
as tão lindas cores que o amor desperta,
és tu, também, pintor que sabe amar...

Assim, houveram-se por concordar:
se é tão bela a vida para sonhar
e tão bonito o céu para se olhar,
mais belo será... para quem sabe amar!
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Pelas Estradas da Vida

Já fui menino, imberbe e sonhador.
vaguei pelas entranhas dos castelos,
nas urdidas tessituras do amor,
vivendo anseios cada vez mais belos.

Senti, em cada flor do meu jardim,
o perfume da vida em fantasias,
onde, os olores todos, para mim,
recendiam mil virtudes e alegrias.

Vivi o intenso amor, sem fingimento,
na estrada pedregosa desta vida,
trafegando com o coração sedento.

Vagando, hoje, com pés e alma ferida,
busco um pouso para o esperado fim,
ao encontro de bálsamo e linimento.
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Kasato-Maru

Com esperanças, deixando saudades,
do porto, zarpou o saudoso navio,
destino traçado, na rota o Brasil,
em busca dos sonhos de felicidades!

Do emblemático ninho do sol nascente,
saia um povo, com novo ideal,
buscando da vida, aqui, no ocidente,
fazer desta terra sua terra natal.

Aqui, aportaram, com fé e alegria.
Olharam pras serras, pras terras sem fim...
no peito, os anseios, também, nostalgia...
é a luta da vida... é a vida enfim!

Sonhavam o sonho de nova nação,
mas, criam, ainda, que lá voltariam
e a paz brotaria em seu coração:
já, a pátria querida de novo veriam...

Passaram os tempos... e, aqui, se firmou.
O povo plantou e colheu, com labor,
fincando as raízes, frutificou,
gerando a esta terra, também, seu amor.

Na pele e nos olhos, ficaram sinais,
marcando, com suor, o grande denodo:
bravura sem par dos seus ancestrais,
sanseis e nisseis formaram um todo.

De bola vermelha, aquela bandeira,
de verde e amarelo, aqui, se pintou,
formando esta grei que é brasileira,
de um novo povo que aqui se formou.

Nicanor Filadelfo Pereira (1939)

(id: MCCVI)

Poeta e cronista, nasceu em São Paulo em 19/08/39 e aos sete anos de idade foi residir em Jandira /SP onde cursou o primário, na Escola Mista da Parada Jandira, cursou depois o ginasial em Osasco e o Colegial (Clássico) no Colégio Campos Salles, na Lapa, São Paulo, capital. Foi correspondente dos jornais regionais: O Imparcial e O Suburbano da cidade de Itapevi/SP.

Aos dezoito anos ingressou na política partidária, tendo exercido diversos cargos na estrutura dos partidos de que fez parte, desde o PSB, PSP, posteriormente na Arena e, depois, no MDB. Foi vereador na cidade de Jandira, onde exerceu o primeiro mandato de Presidente da Câmara.

Sempre teve interesse especial pela Literatura, dedicando-se à escrita em prosa e verso. Em 1981 transferiu-se com sua família para Sorocaba, onde reside atualmente, mantendo, no entanto, seus vínculos com a cidade de Jandira, em função de suas atividades comerciais. Em Sorocaba faz parte das diretoria da CERES - Casa do Escritor da Região de Sorocaba, onde exerce o cargo de Diretor Executivo, é membro do Grupo Coesão Poética de Sorocaba e colunista dos sites: http://www.sorocult.com/ e http://www.joaquimevonio.com/

Fonte:
http://www.sorocult.com/

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Renato de Oliveira Leme na XX.Bienal Internacional do Livro

(id: MCCV)

O livro “A Baleia que aprendeu a voar” selecionado pela Comissão de Desenvolvimento da Cultura – CDC da Secretaria da Cultura e patrocinado pela Lei de Incentivo à Cultura – LINC, do escritor sorocabano Renato de Oliveira Leme, está na 20ª Bienal Internacional do Livro.

Nesta singela história de ficção, através da utilização de metáforas, o leitor é levado a refletir sobre seus objetivos pessoais, sonhos e conquistas. Nas conversas com o menino João, enquanto narra suas aventuras pelo oceano, a Baleia vai lentamente, transferindo ao rapaz, a essência de seu crescimento.

No início, todo vôo demanda um ousar, um distinguir-se dos demais, para alcançar o que almejamos. Satisfeita esta condição, percebe-se responsável pelo trabalho de elevar a condição humana em todas as suas dimensões. Conclui-se que, como num rio que se avoluma, mesmo que em desigualdade de entrega e mérito, ou todos participam, ou jamais alcançaremos o desaguar em Deus. Este livro de leitura fácil e direta, também consegue, com a mesma facilidade, prender a atenção de quem o lê. A cada capítulo, satisfaz uma pergunta ao mesmo tempo em que cria a necessidade de outra resposta.

Por fim, “A Baleia que aprendeu a voar” é uma obra destinada a aqueles que conseguem ler pelas entrelinhas, priorizando o implícito ao explícito. Modestamente, “A Baleia” se apresenta como adequada para quem se identifica como educador, porque procura restaurar no adulto, a capacidade de enxergar com os olhos de criança.

Aos que desejarem conferir, este livro sorocabano está exposto na prateleira de auto-ajuda do Stand das Edições Loyola, localizado no cruzamento da Rua H com a Avenida 5 do Pavilhão de Exposições do Anhembi, onde se realiza a 20ª Bienal. Outras informações poderão ser esclarecidas através do e-mail abaleiaqueaprendeuavoar@uol.com.br

Fonte:
Douglas Lara. In
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Capa do Livro: http://www.ottonieditora.com.br

José Verdasca (Parabens Sorocaba)

(id: MCCIV)

Bela terra de tropeiros
Albergaste os pioneiros
Oh lugar de gente fina
Tua cultura erudita
Torna a terra tão bonita
Como a mais bela menina

Neste seu aniversário
Vamos honrar o Sacrário
Que guarda nossa cultura
Visita de gente pobre
À terra de gente nobre
Onde a convivência é pura
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15 de agosto, a cidade de Sorocaba completou 354 anos (veja postagem sobre a cidade em 31 de julho)
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Fontes:
Colaboração do escritor e divulgador Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

Gustavo Dourado (Cordel: do sertão nordestino à contemporaneidade da Internet... )

(id: MCCIII)

Os Doze Pares de França, O Pavão Misterioso, Juvenal e o Dragão, Donzela Teodora, Imperatriz Porcina, Princesa Magalona, Roberto do Diabo, Côco Verde e Melancia, João de Calais, O Cachorro dos Mortos, A Chegada de Lampião no Inferno, Viagem a São Saruê… São livros do povo (alicerçado no pensamento do mestre Luís da Câmara Cascudo e deste poeta cordelista). Fontes da Poesia Popular do Nordeste do Brasil. Quintessências da Literatura de Cordel.

Origens do Cordel

Cordel: vem de corda, cordão, cordial, toca o coração.

Os folhetos eram expostos em cordões, lençóis, esteiras, nas feiras, praças, portas das igrejas, bancas e nos mercados. Literatura de cordel, poesia de cordel, romance, folheto(s), arrecifes, abcs, "folhas volantes" ou "folhas soltas", "littèrature de colportage", "cocks" ou "catchpennies", "broadsiddes", "hojas" e "corridos"…

São nomes que a poesia popular recebeu ao longo do tempo, na Europa e nos países latino-americanos.

No Brasil, o termo cordel se consagrou como sinônimo de poesia popular. O cordel apresenta-se em narrativas tradicionais e fatos circunstanciais, em folhetos de época ou "acontecidos".

As origens da literatura de cordel estão na Europa Medieval. Tem suas bases na França (Provença), do século XI e posteriormente na Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Holanda e Inglaterra. Chegou ao Brasil Colônia com os portugueses, depois incorporou a poética nativa do índio, a criatividade e o ritmo da poesia do negro e dos vaqueiros e tropeiros (o aboio).Tornou-se um ritmo sertanejo-tropical, integrando-se a outros ritmos como o baião, o xote, o xaxado e o forró. Ganhou uma característica especial com o advento da xilogravura, na ilustração das capas de milhares de folhetos.

Polêmica e complexidade dos ciclos temáticos.

Os principais temas e ciclos do cordel (minha classificação) abordam vários assuntos: abcs; religiosidade; costumes; romances; história; heroísmo (façanhas); cavalaria (vaqueiros, bois, cavaleiros, tropeiros); valores, moral e ética; atualidades; circunstâncias; fatos e acontecidos; sociais e noticiosos, louvações; fantasias(fantástico, maravilhoso); profecias, apocalipse e fim do mundo; biografias e personalidades; poder, estado e governo; política e corrupção; exemplos; intempéries e fenômenos da natureza (secas, inundações, maremotos, terremotos etc); crimes; coronelismo; cangaço, valentia, banditismo e jagunçagem (Lampião, Maria Bonita, Antônio Silvino, Corisco e Dadá, Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante, Quelé do Pajeú, Lucas de Feira); Padre Cícero (O Santo do Juazeiro); Frei Damião; Getúlio Vargas (Estado Novo, conquistas trabalhistas); Antônio Conselheiro (Canudos); Coluna Prestes e Revoltosos; Juscelino Kubitschek (construção de Brasília); Lula; televisão e cinema; ciência e tecnologia; Internet; crítica e sátira; humor, obscenidade, putaria e sacanagem (pornocordel); terrorismo (atentados) e guerras; modernidade e contemporaneidade; desafios, cantorias e pelejas, entre outros menos conhecidos e ainda não catalogados etc.

Classificação dos ciclos temáticos do cordel, por Ariano Suassuna:

1) "Ciclo heróico, trágico e épico;
2) Ciclo do fantástico e do maravilhoso;
3) Ciclo religioso e de moralidades;
4) Ciclo cômico, satírico e picaresco;
5) Ciclo histórico e circunstancial;
6) Ciclo de amor e de fidelidade;
7) Ciclo erótico e obsceno;
8) Ciclo político e social;
9) Ciclo de pelejas e desafios."

Mitologia e Trovadorismo…

A Literatura de Cordel, mais que centenária no Brasil (ultrapassou cem mil títulos publicados, segundo Joseph Luyten), tem suas origens ocidentais e pré-medievais, no universo poético de Provença, França, com os trovadores albigens (com destaque para Arnaud Daniel, Bertran de Born, Guiraut de Bornelh e Rimbaud Daurenga).

Entre os trovadores portugueses, precursores da Literatura de Cordel e do Repente, vêm-me à memória Martim Soares e Paio Soares de Taiverós, além dos célebres reis-trovadores Dom Diniz e Dom Duarte. As influências sobre o cordel e a poesia popular contemporânea são multidiversas: desde a poesia mesopotâmica árabe-fenício-semítica, mediterrânea, hindu e persa, à poética egípcio - caldaica – hebréia – greco - latina e afro - indígena…

Não se pode esquecer a influência bíblica (Salmos de Davi, Provérbios de Salomão, Cântico dos Cânticos, Apocalipse), do Lunário Perpétuo, enciclopédias, dicionários, almanaques, dos grandes livros religiosos e belos cânticos de todos os tempos, presentes nas diversas civilizações ao longo do processo histórico.

Os chineses e indianos devem ter tido significativa influência nas origens e desenvolvimento da poesia popular, por sua antigüidade e por tantos escritos primordiais como os Vedas, Gita, Upanishads, Mahabarata, Ramayana, I Ching, o Zen e o Tão – Te - King, via Confúcio, Lao-Tse, Buda, Krishna, Rama e outros sábios do velho e mágico Oriente, tão incompreendido pela cultura ocidental.

A Poesia de Cordel demonstra a sua força e pujança na expressão ibero-lusitana - afro - brasilíndia e galego - castelã… Sem esquecer da verve provençal e italiana (latina). Os romanos com suas epopéias fecundaram a semente da poesia ocidental, herdada dos gregos, etruscos, celtas, gauleses, bretões, normandos, nórdicos e dos povos bárbaros da antiga Europa, Ásia e África.

Foi nesse espaço mitológico que surgiu a poética mágica de Dante e a verve inventiva do mestre Leonardo da Vinci e dos grandes artistas italianos. Entretanto, foi na Espanha de Quevedo e Cervantes (Quixote) e em Portugal de Pessoa, Camões e Gil Vicente, que o cordel ganhou feição popular e postura lítero-poética.

É na poesia cavalheiresca e trovadoresca que o cordel se inspira e alimenta-se de forma histórica, principalmente a partir dos Doze Pares da França (que retrata os tempos do Imperador Carlos Magno), das gestas e epopéias, dos bardos, apodos, Templários, da Távola Redonda do Rei Arthur, de El Cid, O Campeador, dos cavaleiros e cruzadas e da obra monumental de Camões e Cervantes, ambos influenciados por Dante Alighieri e por toda a tradição popular da oralidade greco-latina-ibero-lusitana.

Os trovadores foram os principais precursores e alicerces para a futura Literatura de Cordel nos países de língua portuguesa, principalmente no Nordeste do Brasil, a partir de Salvador-Bahia, dos portos marítimos e do Rio São Francisco, até chegar em Campina Grande, Caruaru e Juazeiro do Norte, onde criou raízes e imortalizou-se na verve dos poetas cordelistas e cantadores repentistas.

Não se pode esquecer o papel do boi (ciclo do gado), dos bandeirantes, dos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, do negro (batuque, orixás, terreiros, candomblé), dos índios, caboclos, mamelucos, cafusos, mulatos, garimpeiros, aventureiros, lavradores, vaqueiros e tropeiros: disseminadores de costumes, falas e dialetos pelo vasto Sertão, da poesia regional e universal. Os poetas cantam a sua aldeia e desencantam os uni.versos.

A Literatura de Cordel foi enriquecida pela criatividade e maestria de Gil Vicente, Camões, Rabelais, Gregório de Matos, Bocaje, Castro Alves, Gonçalves Dias, Cervantes, José de Alencar, Tobias Barreto, Catulo da Paixão Cearense, Juvenal Galeno, Ascenso Ferreira, além da contribuição incomensurável dos trovadores provençais e do romanceiro medieval.

Pesquisa, influências e confluências…

O cordel ganhou o mundo por meio do estudo, pesquisa e divulgação de mestres, leitores, amantes e pesquisadores da cultura popular, nomes como:
Luís da Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Manuel Diégues Jr, Ariano Suassuna, Rodrigues de Carvalho, Gustavo Barroso, Átila de Almeida, José Alves Sobrinho, Manoel Florentino Duarte, Rogaciano Leite, Jorge Amado, Glauber Rocha (pai do Cinema Novo), João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina), Rachel de Queiroz (O Quinze), José Américo de Almeida (A Bagaceira), José Lins do Rego (Fogo Morto), Graciliano Ramos (Vidas Secas), Mário de Andrade (Macunaíma), Sebastião Nunes Batista, Veríssimo de Melo, Sílvio Romero, Tobias Barreto, Vicente Salles, Alceu Maynard, Cavalcanti Proença, Roberto Benjamin, Carlos Alberto Azevedo, Hernâni Donato, Liêdo Maranhão de Souza, Téo Azevedo, Orígenes Lessa, Mário Lago, Américo Pellegrini Filho, Jerusa Pires Ferreira, Sebastião Vila Nova, Ruth Brito Lemos, Gilmar de Carvalho, Raymond Cantel, Joseph Luyten, Mark Curran, Paul Zumthor, Candace Slater, Ria Lemaire, Silvie Raynal, Silvie Debs, Martine Kunz, Ronald Daus, Silvano Peloso, Zé Ramalho, Soares Feitosa (Jornal de Poesia), Ribamar Lopes, José Erivan Bezerra de Oliveira, Fausto Neto, Teófilo Braga, J. de Figueiredo Filho, Eduardo Diatahy de Menzes, Francisca Neuma Fechine Borges, Antônio Augusto Arantes, Ruth Brito, Maria de Fátima Coutinho, Rodrigo Apolinário (Cordel Campina), Maria Edileuza Borges, Alda Maria Siqueira Campos, Alícia Mitika Koshiyama, Maristela Barbosa de Mendonça, Mª José F. Londres, Patrícia Araújo, Doralice Alves de Queiroz, Esmeralda Batista, Viviane de Melo Resende, Márcia Abreu, Assis Ângelo, A. M Galvão, V. M Resende, Shirlley Guerra, Maria Julita Nunes e tantos outros destaques do mundo culturaliterário.

Renomados criadores das artes e da literatura brasileira foram influenciados pelo cordel. Saliento os principais que me recordo: Ariano Suassuna, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Dias Gomes, João Ubaldo Ribeiro, Orígenes Lessa, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Freire, José Nêumane Pinto e tantos outros criadores significativos.

Na música, além de Villa-Lobos, a presença do cordel é marcante em Luiz Gonzaga, Elomar, Zé Ramalho, Raul Seixas, Antônio Nóbrega, Quinteto Violado, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Ednardo, Xangai, Fagner, Elba Ramalho, Belchior, Caçulinha, Mário Zan, Zeca Baleiro, Lenine, Chico Science, Chico César, Amelhinha, Juraíldes da Luz, Chico Buarque, Geraldo Vandré, João do Vale, Jackson do Pandeiro, Jorge Mautner, Tom Zé, Dominguinhos, Oswaldinho, Clodo, Climério e Clésio (Os Irmãos Ferreira do São Piauí e de Brasília), Sivuca, Zé Gonzaga, Marinês, Hemeto Paschoal, Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa, Ary Barroso, Vital Farias, Genival Lacerda, Diana Pequeno, Roberto Correia, Nando Cordel, Cordel do Fogo Encantado, Caju e Castanha, Cegas de Campina Grande, Jorge Antunes, Anand Rao, Argemiro Neto, Genésio Tocantins, Paulinho Pedra Azul, Beirão, Waldonys, Robertinho do Acordeon, Zé Calixto, Arlindo dos Oito Baixos, Gérson Filho, Pedro Sertanejo, Furinchu, Chiquinho do Acordeon, Torquato Neto, Capinan, Pessoal do Ceará, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Maria Betânia, Vinícius de Moraes, Milton Nascimento, João Gilberto e Caetano Veloso. Só para lembrar alguns nomes expressivos. A lista é quilométrica.

Mitos e precursores

Convém ressaltar figuras de destaque, mistura de cordelistas e cantadores como o lendário "Zé Limeira", fabuloso e fantástico Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo e o inesquecível mestre Patativa do Assaré, da Triste Partida e tantas chegadas… Há ainda os semeadores Ugolino de Sabugi (primeiro cantador que se conhece), Nicandro Nunes da Costa, Silvino Pirauá, Germano da Lagoa, Romano da Mãe D´Água, Cego Aderaldo, Cego Oliveira, Zé da Luz, Fabião das Queimadas, Zé de Duquinha, Caraíba de Irecê, Otacílio e Lourival Batista, Ivanido Vilanova, Pinto do Monteiro, Pedro Bandeira, Raimundo Santa Helena, Oliveira de Panelas, Azulão, Rodolfo Coelho Cavalcante, Franklin Machado Nordestino e Cuíca de Santo Amaro. São símbolos que me vem de repente à memória.

Não posso esquecer de figuras mí(s)ticas do universo sertânico do cordel: Lampião, Maria Bonita, Corisco, Antônio Silvino, Jesuíno Brilhante, Quelé do Pajeú, Lucas de Feira, Sinhô Pereira, Antônio das Mortes, os dragões da maldade, os santos guerreiros, beatos, jagunços, coronéis, cabras da peste, personagens glauberianos e cinematográficos…

Presença no Brasil: do sertão às grandes cidades

No Brasil, o cordel ganhou estatura poética na Região Nordeste do Brasil, pelas bandas do Polígono das Secas, Vale do São Francisco, Sertão do Cariri, dos Inhamuns, do Pajeú, Serra de Santana, Serra da Laranjeira, a mítica Serra do Teixeira (Olimpo da Poesia), Campina Grande (Capital do Cordel), João Pessoa, Vales do Jaguaribe, Parnaíba, Gurguéia; Chapada Diamantina, Chapada do Apodi, Serra da Borborema, Chapada do Corisco, Caruaru, Juazeiro do Norte, Crato, Crateús, Limoeiro, Recife/Olinda, Fortaleza, Salvador, Ibititá, Recife dos Cardosos, Lapão, Rochedo, Ibipeba, Canarana, Taguatinga, Águas Claras, Serra Talhada, Quixadá, Qixeramobim, Cabrobó, São José do Egito, Patos, Piancó, Umbuzeiro, Penedo, Aracaju, Oeiras, Picos, Imperatriz, Pedreiras, Catolé do Rocha, Monteiro, Sumé, Serra Branca, Bezerros, Surubim, Mossoró, Caicó, Aracati, Paulo Afonso, Feira de Santana, Juazeiro, Petrolina, Teixeira, Irecê/Jacobina, Barra, Morro do Chapéu, Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim, Uauá, Chorrochó, Maceió, Natal, São Luís, Cachoeira dos Índios, Terezina, Parnaíba, Belém, Ilhéus, Itabuna, Canindé, Arapiraca, Palmeira dos Índios, Ingazeira, Quebrângulo, Santarém, Ipirá, Irará, Canudos, Monte Santo, Sertânia, Jequié, Vitória da Conquista, Ibititá, Canarana, Lapão, Recife dos Cardosos, Pirapora, Anápolis, Montes Claros, Rio, São Paulo, Campinas, Diadema, Brasília / Ceilândia / Taguatinga / Gama e pela vastidão das metrópoles, dos campos, fazendas, roças, lugarejos, povoados, arraiais, arrabaldes, vilas, vielas, pés de serra e cidadelas da caatinga e do agreste.

Francisco Chagas Batista publicou um folheto, no ano de 1902, em Campina Grande, que está catalogado na Casa de Rui Barbosa - no Rio de Janeiro. É registrado como o primeiro folheto de cordel brasileiro publicado. Muito outros anteriores, se perderam na poeira do tempo.
Por muitos desses caminhos andaram e foram lidos poemas dos vates - poetas fenomenais: O condoreiro Antônio Frederico de Castro Alves (uma espécie de precursor do cordel erudito e do improviso), Silvino Pirauá de Lima (o introdutor do folheto de cordel no Brasil, segundo Luís da Câmara Cascudo), Agostinho Nunes da Costa (um dos pais da poesia popular no Nordeste), Leandro Gomes de Barros (um dos principais cordelistas de todos os tempos, pioneiro-mor, publicou centenas de folhetos), Ugolino de Sabugi (primeiro cantador), Francisco Chagas Batista, Nicandro Nunes da Costa), Germano da Lagoa, Romano de Mãe D´Água, Manoel Caetano, Manoel Cabeleira, Diniz Vitorino, João Benedito, José Duda, Antônio da Cruz, Joaquim Sem Fim, Manuel Vieira do Paraíso, Romano Elias da Paz, Manoel Tomás de Assis, José Adão Filho, Lindolfo Mesquita, Arinos de Belém, Antônio Apolinário de Souza, Laurindo Gomes Maciel, Rodolfo Coelho Cavalcante, Francisco Sales Areda, Manoel Camilo dos Santos, Minelvino Francisco da Silva, Caetano Cosme da Silva, Expedito Sebastião da Silva, João Melquíades Ferreira da Silva, José Camelo de Rezende, Joaquim Batista de Sena, Gonçalo Ferreira da Silva, Teodoro Ferraz da Câmara, José Albano, João Ferreira de Lima, José Pacheco, Severino Gonçalves de Oliveira, Galdino Silva, João de Cristo Rei, Zé Mariano, Antônio Batista, José Alves Sobrinho, Manuel Pereira Sobrinho, Antônio Eugênio da Silva, Severino Ferreira, Augusto Laurindo Alves (Cotinguiba), Moisés Matias de Moura, Pacífico Pacato Cordeiro Manso, José Bernardo da Silva, Cuíca de Santo Amaro, João Martins de Athaide, Apolônio Alves dos Santos, José Costa Leite, Antônio Teodoro dos Santos, José Cavalcante Ferreira (Dila), Francisco Gustavo de Castro Dourado, Manoel Monteiro, Abraão Batista, J.Borges, Zé da Luz, Arievaldo e Klévisson Viana, Zé Soares, Zé Pacheco, João Lucas Evangelista, Amargedom, Joao de Barros, Zé de Duquinha, Carolino Leobas, Elias Carvalho, Zé Maria de Fortaleza, Audifax Rios, Adalto Alcântara Monteiro, Cunha Neto, Francisco Queiroz, Ary Fausto Maia, Toni de Lima, Bráulio Tavares, Téo Azevedo, Stênio Diniz, Josealdo Rodrigues, Antônio Lucena, Geraldo Gonçalves de Alencar, Hélvia Callou, Edmilson Santini, Eugênio Dantas de Medeiros, Jomaci e Jandhuir Dantas, Francisco de Assis, Paulo de Tarso, Francisco Morojó, Pedro Osmar, Geraldo Emídio de Souza, Olegário Fernandes, Zé Antônio, Pedro Américo de Farias, Marcelo Soares, Jair Moraes, João Pedro Neto, Francisca Barrosa, Lourdes Ramalho, Tindinha Laurentino, Maria da Piedade Correia - Maria Diva Guiapuan Vieira, Vânia Diniz, Lilian Maial, Vânia Freitas, Cora Coralina, José Leocádio Bezerra, Antônio Barreto, Antônio Vieira, Bule-Bule, Gutemberg Santana, Jotacê Freitas, Leandro Tranquilino Pereira, Luar do Conselheiro, Maísa Miranda, Marco Haurélio, Sérgio Baialista e diversos nomes recorrentes no fantástico cosmos cordelista. Poetas significativos do passado e da atualidade, entre tantos baluartes da Poesia Popular e do Romanceiro do Cordel.

Cordel na Internet.

Amargedom, Almir Alves Filho, Anízio Guimarães, Benedito Generoso da Costa, Daniel Fiuza, Domingos Medeiros, Francisco Egídio Aires Campos (Mestre Egídio), Gonçalo Ferreira da Silva, Guaipuan Vieira, F.G C.Dourado, Jesssier Quirino, Jandhuir Dantas, José de Souza Dantas, Lenísio Bragante de Araújo, Rubênio Marcelo. (Todos os últimos citados são publicados constantemente na Internet). Divulgam seus trabalhos nas páginas da Web com relativa freqüencia e constantes atualizações.

O cordel tem presença constante no mundo virtual. Além de centenas de cordelistas que divulgam os seus trabalhos na Internet, temos até a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro e composta por seleto quadro de acadêmicos de boa qualidade.

Há pouco surgiu um dos melhores sites sobre o Cordel na Internet: O Cordel Campina, coordenado por Rodrigo Apolinário, em Campina Grande, Meca sertaneja da poesia popular e berço de célebres poetas e cantadores repentistas.

O cordel subsiste, sobrevive, apesar das idiossincrasias, intempéries, dificuldades e antropofagias da Indústria cultural midiática, globalizante e da invasão cultural norte-americana…

São imprescindíveis a divulgação na mídia e na web, distribuição eficiente, abertura de espaços e fóruns de discussão e de publicação de textos de cordel, de autores tradicionais e contemporâneos, para dinamização do movimento da Poesia Popular Universal…

A Internet é um espaço primordial e dinamizador de nossa literatura popular.

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Sobre o autor:

Gustavo Dourado (Amargedom), professor, poeta, cordelista, ensaísta, articulista, escritor, jornalista, pesquisador. Autor de 11 livros. Premiado na Áustria e recomendado pelo World Poetry Day e World Portal Libraries, ambos da Unesco. Dourado foi objeto de tese de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto e de doutorado na Sorbonne e na Universidade Federal da Paraíba. Sua obra(principalmente o Cordel) foi discutida em várias universidades do Brasil e do exterior: Sorbonne(Silvie Raynal), Manz (Wolf Lustig), UnB(Michelle Sampaio), entre outras. Faz parte do Grupo da Memória da Educação do DF(UnB/SEEDF). Organizou o livro “40 anos de Educação no Distrito Federal”, com ênfase na experiência do educador Anísio Teixeira.

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Quem quiser conhecer um pouco sobre a poesia popular e apreciar a criação em cordel, visite: http://www.gustavodourado.com.br/cordel.htm
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Fontes
http://pt.wikipedia.org/
http://www.cordelcampina.cgonline.com.br
Cerrado Cultural, Revista Literária Virtual - Nº 02 - Agosto - 2008 -Paccelli José Maracci Zahler (editor). Disponível em
http://www.caestamosnos.org/Cerrado_Cultural_Revista_Literaria_Virtual/02.html

Rodolfo Coelho Cavalcanti (Chegada de Lampião no céu)

(id: MCCII)

1
Lampião foi no inferno
Ao depois no céu chegou
São Pedro estava na porta
Lampião então falou:
- Meu velho não tenha medo
Me diga quem é São Pedro
E logo o rifle puxou

2
São Pedro desconfiado
Perguntou ao valentão
Quem é você meu amigo
Que anda com este rojão?
Virgulino respondeu:
- Se não sabe quem sou eu
Vou dizer: sou Lampião.

3
São Pedro se estremeceu
Quase que perdeu o tino
Sabendo que Lampião
Era um terrível assassino
Respondeu balbuciando
O senhor... está... falando...
Com... São Pedro... Virgulino!

4
Faça o favor abra esta porta
Quero falar com o senhor
Um momento meu amigo
Disse o santo faz favor
Esperar aqui um pouquinho
Para olhar o pergaminho
Que é ordem do Criador

5
Se você amou o próximo
De todo o seu coração
O seu nome está escrito
No livro da salvação
Porém se foi um tirano
Meu amigo não lhe engano
Por aqui não fica não

6
Lampião disse está bem
Procure que quero ver
Se acaso não tem aí
O meu nome pode crer
Quero saber o motivo
Pois não sou filho adotivo
Pra que fizeram-me nascer?

7
São Pedro criou coragem
E falou pra Lampião
Tenha calma cavalheiro
Seu nome não está aqui não
Lampião disse é impossível
É uma coisa que acho incrível
Ter perdido a salvação

8
São Pedro disse está bem
Acho melhor dar um fora
Lampião disse meu santo
Só saio daqui agora
Quando ver o meu padrinho
Padre Cícero meu filhinho
Esteve aqui mas foi embora

9
Então eu quero falar
Com a Santa Mãe das Dores
Disse o santo ela não pode
Vir aqui ver seus clamores
Pois ela está resolvendo
Com o filho intercedendo
Em favor dos pecadores

10
Então eu quero falar
Com Jesus crucificado
Disse São Pedro um momento
Que eu vou dar o seu recado
Com pouco o santo chegou
Com doze santos escoltado

11
São Longuinho e São Miguel,
São Jorge, São Simão
São Lucas, São Rafael,
São Luiz, São Julião,
Santo Antônio e São Tomé,
São João e São José
Conduziram Lampião

12
Chegando no gabinete
Do glorioso Jesus
Lampião foi escoltado
Disse o Varão da Cruz
Quem és tu filho perdido
Não estás arrependido
Mesmo no Reino da Luz?

13
Disse o bravo Virgulino
Senhor não fui culpado
Me tornei um cangaceiro
Porque me vi obrigado
Assassinaram meu pai
Minha mãe quase que vai
Inclusive eu coitado

14
Os seus pecados são tantos
Que nada posso fazer
Alma desta natureza
Aqui não pode viver
Pois dentro do Paraíso
É o reinado do riso
Onde só existe prazer

15
Então Jesus nesse instante
Ordenou São Julião
Mais São Miguel e São Lucas
Que levassem Lampião
Pra ele ver a harmonia
Nisto a Virgem Maria
Aparece no salão

16
Aglomerada de anjos
Todos cantando louvores
Lampião disse: meu Deus
Perdoai os meus horrores
Dos meus crimes tão cruéis
Arrependeu-se através
Da Virgem seus esplendores

17
Os anjos cantarolavam
saudando a Virgem e o Rei
Dizendo: no céu no céu
Com minha mãe estarei
Tudo ali maravilhou-se
Lampião ajoelhou-se
Dizendo: Senhora eu sei

18
Que não sou merecedor
De viver aqui agora
Julião, Miguel e Lucas
Disseram vamos embora
Ver os demais apartamentos
Lampião neste momento
Olhou pra Nossa Senhora

19
E disse: Ó Mãe Amantíssima
Dá-me a minha salvação
Chegou nisto o maioral
Com catinga de alcatrão
Dizendo não pode ser
Agora só quero ver
Se é salvo Lampião

20
Respondeu a Virgem Santa
Maria Imaculada
Já falaste com meu Filho?
Vamos não negues nada
– Já ó Mãe Amantíssima
Senhora Gloriosíssima
Sou uma alma condenada

21
Disse a Virgem mãe suprema
Vai-te pra lá Ferrabrás
A alma que eu pôr a mão
Tu com ela nada faz
Arrenegado da Cruz
Na presença de Jesus
Tu não vences, Satanás

22
Vamos meu filho vamos
Sei que fostes desordeiro
Perdeste de Deus a fé
Te fazendo cangaceiro
Mas já que tu viste a luz
Na presença de Jesus
Serás puro e verdadeiro

23
Foi Lampião novamente
Pelos santos escoltado
Na presença de Jesus
Foi Lampião colocado
Acompanhou por detrás
O tal cão de Ferrabrás
De Lúcifer enviado

24
Formou-se logo o júri
Ferrabrás o acusador
Lá no Santo Tribunal
Fez papel de promotor
Jesus fazendo o jurado
Foi a Virgem o advogado
Pelo seu divino amor

25
Levantou-se o promotor
E acusou demonstrando
Os crimes de Lampião
O réu somente escutando
Ouvindo nada dizia
A Santa Virgem Maria
Começou advogando

26
Lampião de fato foi
Bárbaro, cruel, assassino
Mas os crimes praticados
Por seu coração ferino
Escrito no seu caderno
Doze anos de inferno
Chegou hoje o seu destino

27
Disse Ferrabrás: protesto
Trago toda anotação
Lampião fugiu de lá
Em busca de salvação
Assassinou Buscapé
Atirou em Lucifer
Não merece mais perdão

28
Levantou-se Lampião
Por esta forma falou
Buscapé eu só matei
Porque me desrespeitou
E Lucifer é atrevido
Se ele tivesse morrido
A mim falta não deixou

29
Disse Jesus e agora
Deseja voltar à terra
A usar de violência
Matando que só uma fera?
Disse Lampião: Senhor
Sou um pobre pecador
Que a Vossa sentença espera

30
Disse Jesus: Minha mãe
Vou lhe dar a permissão
Pode expulsar Ferrabrás
Porém tem que Lampião
Arrepender-se notório
Ir até o "purgatório"
Alcançar a salvação

31
Ferrabrás ouvindo isto
Não esperou por Miguel
Pediu licença e saiu
Nisto chegou Gabriel
Ferrabrás deu um estouro
Se virou num grande touro
Foi dar resposta a Lumbel

32
Resta somente saber
O que Lampião já fez
Do purgatório será
O julgamento outra vez
Logo que se for julgado
Farei tudo versejado
O mais até lá freguês
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Sobre o autor

Rodolfo Coelho Cavalcanti, nasceu em Rio Largo, Alagoas, a 12 de março de 1917. Filho de Artur Holanda Cavalcanti e Maria Coelho Cavalcanti. Aos treze anos de idade deixou o lar paterno e percorreu todo o norte e nordeste do Brasil como palhaço e camelô, lembrando os jograis dos séculos XI e XII. Jornalista, trovador e poeta popular. Membro de várias associações literárias, realizou na Bahia o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, em 1955. Fundou alguns periódicos como A voz do trovador, O trovador e Brasil poético. Escreveu mais de uma centena de folhetos, entre eles, O barulho de Lampião no inferno, A chegada de Getúlio Vargas no céu e seu julgamento, O boi de sete chifres, O desastre do trem em Peri-Peri, O cordão dos puxa-sacos, Defensor do povo baiano, Novo ABC do amor e A vaca que pariu uma criança em Salvador.
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Fontes:
Batista, Sebastião Nunes. Antologia da literatura de cordel. Natal, Fundação José Augusto, 1977. Disponível em Jangada Brasil. Ano I - novembro 1998 - nº 03.
http://www.jangadabrasil.com.br
Capa da Revista: http://www.funceb.ba.gov.br
Foto: http://www.planetanews.com