quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Nicanor Filadelfo Pereira (Morte de uma árvore)

(id: MCCVIII)
A árvore da serra
(Augusto dos Anjos)

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Ao aproximar-se o dia da árvore (21 de setembro), tive a especial oportunidade de deparar-me com este soneto do grande poeta Augusto dos Anjos, que viveu entre o final do século XIX e início do século passado. Este feliz encontro levou-me a uma certa elucubração, conduzindo-me a reflexões e saudosismos que, de certo modo, alegram e, simultaneamente, entristecem o meu espírito.

Era, ainda, menino, quando nos mudamos para um sítio que meu pai havia, recentemente, adquirido. No terreiro, defronte a casa, bem próximo, lá estava, para gáudio dos meus olhos, um portentoso, soberano, mas, solitário eucalipto. Lembro-me que já se manifestava em mim o espírito ecologista. Amava vê-lo na sua exuberância, deliciava-me com o perfume de suas milhares de pequeninas flores brancas, distraía-me, ao brincar, com os pequenos “piões” de suas sementes, permanentemente lançadas ao chão. Esta gigantesca árvore fazia parte de minha alma!

Certo dia, não muito depois de nossa mudança, meu pai reuniu os empregados do sítio e determinou a derrubada do “meu amigo”. É certo que justificou, alegando que o “meu amigo” oferecia inquestionável perigo à nossa casa, especialmente à nossa vida.— Confesso — chorei. E, agora, quando leio os versos de Augusto, dizendo ao pai: — “Não mate a árvore, pai, para que eu viva”/ Esta árvore, pai, possui a minha alma.”— observo um extraordinário sincretismo na maneira de como pudemos olhar e sentir, cada qual em sua época, as benesses e a empatia que nos proporciona tão maravilhoso vegetal.

É claro que, Augusto, poeta simbolista, tinha, lá, seus propósitos, dando, aos críticos literários, azo a interpretações diversas. Na última estrofe de seu poema, diz ele: —“O moço triste se abraçou com o tronco / E nunca mais se levantou da terra!” — Graças a Deus, não foi este o
meu caso, aqui, estou a escrever esta crônica!

Há alguns anos, morando já em Sorocaba, nas minhas viagens matutinas pelo Cometa, com destino ao meu trabalho, na Grande São Paulo, tive a alegria de ver, com estes olhos que amam a Natureza, meninos e meninas plantando pequenas mudas que, hoje, são árvores, às margens do Rio Sorocaba. E, a cada vez que, por ali, passo, invade-me a satisfação de testemunhar a grandiloqüência daquela atividade escolar. Parabéns, Sorocaba, por tão feliz iniciativa!

Mas, nem tudo são flores, nem tudo são árvores. Há, também, as moto- serras; há grandes interesses econômico-financeiros; há interesses escusos; há insensibilidade governamental; há desobediência civil no descumprimento das leis; há subornos de funcionários públicos; há corrupção.

Ao abrir jornais, assistir programas jornalísticos nas Tvs, sinto ressurgir em minha alma a mesma tristeza que tive, quando menino, no sítio, durante episódio do eucalipto. Porém, sem qualquer justificativa. Devastou-se a Serra do Mar, devastou-se toda a orla litorânea do Brasil, devasta-se, agora, numa impressionante velocidade a Amazônia. Secam-se os rios, conseqüência da destruição das matas ciliares, em especial, do lendário São Francisco. A continuar nesse estado de coisas, transformar-se-á a região Amazônica num imenso e desagradável deserto. Extinguir-se-á a fauna, a piscicultura, alterar-se-á o nível pluviométrico. Em fim, extinguir-se-á a vida.
Brasileiros, não quero mais chorar a morte de uma árvore!

Fonte:
http://www.sorocult.com/
Imagem: http://oglobo.globo.com/

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