segunda-feira, 1 de junho de 2009

Programa de Bolsas da Biblioteca Nacional



Estão abertas as inscrições para a seleção de bolsas do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa da FBN, para o ano de 2009. A data limite para o envio de projetos é o dia 12 de junho de 2009.

Em edições anteriores foram contemplados noventa e dois projetos que priorizavam o estudo e a divulgação do acervo da Biblioteca Nacional. Seguindo a mesma linha, este ano serão concedidas bolsas em três níveis para candidatos com formação em doutorado (nível 1), mestrado (nível 2) e graduados ou pós-graduandos (nível 3).

Como nos anos anteriores, será vedada a acumulação de bolsas da FBN com a de outros programas como CNPq, outras agências ou da própria FBN.
Clique AQUI para obter o formulário de inscrição e editais de bolsa para autores com obras em fase de conclusão e bolsa tradução.

Decisão Executiva nº 07, de 08 de maio de 2009

Edital
Programa Nacional de Apoio à Pesquisa


O Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, no uso das atribuições legais que lhe confere o Estatuto aprovado pelo Decreto nº 5.038, de 7 de abril de 2004, torna público o presente Edital que estabelece o regulamento para inscrições de projetos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa.

1. OBJETO
Constitui objeto do presente Edital a concessão de bolsas na forma do item 2 do presente a partir da seleção de até 12 projetos nas áreas de Ciências Humanas, Sociais, Linguística, Letras e Artes que utilizem o acervo da Biblioteca Nacional com o objetivo de incentivar a pesquisa e promover a produção de trabalhos originais que contribuam para a cultura brasileira.


2. MODALIDADES DE BOLSAS DE PESQUISA
2.1 Serão oferecidas bolsas para 3 (três) níveis de formação:
Nível 1 – R$ 2.200,00 - formação: doutorado completo : 5 bolsas
Nível 2 – R$ 1.700,00 - formação: mestrado completo : 4 bolsas
Nível 3 – R$ 1.200,00 - formação: 3º grau completo e pós-graduandos : 3 bolsas


3. REQUISITOS
3.1 Dos candidatos:
3.1.1 Estão aptos a concorrer à bolsa brasileiros natos ou naturalizados, ou estrangeiros em situação regular e residência permanente no país, com idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos, graduados, estudantes de pós-graduação, mestres e doutores, conforme modalidades estabelecidas.

3.1.2 Não será permitido ao candidato concorrer à modalidade de bolsa inferior ao seu nível de formação escolar.

3.1.3 É vedada a participação de membros do Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração (CIPE) e de seus parentes ou afins, de servidores, funcionários, estagiários, bolsistas ou prestadores de serviços terceirizados da Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura e de qualquer unidade vinculada a esse Ministério, bem como funcionários e prestadores de serviços da Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional (SABIN), Fundação Miguel de Cervantes (FMC) e Revista de História da Biblioteca Nacional, editada pela SABIN.

3.1.4 É vedado o acúmulo de bolsa de pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional com bolsas concedidas por agências de fomento à pesquisa, no ato da inscrição e durante a vigência da bolsa.

3.1.5 É vedada a concessão de bolsa a quem tiver pendências ou débito de qualquer natureza com a Fundação Biblioteca Nacional e com a Receita Federal.

3.2 Dos projetos:
3.2.1 O projeto deve contemplar um dos temas sugeridos abaixo ou outro que tenha como objeto de pesquisa o acervo da Fundação Biblioteca Nacional:

Biblioteca Nacional: 200 anos
Bibliotecas públicas
Biblioteconomia
120 anos de República
Coleção Brício de Abreu na Biblioteca Nacional
Coleção Teresa Cristina na Biblioteca Nacional
Euclides da Cunha
Franceses no Brasil
Incentivo à leitura ou formação de leitores
Outros temas relacionados ao acervo da Biblioteca Nacional.


3.2.2 O tema do projeto deverá, obrigatoriamente, ser indicado no campo 3.2 do formulário de inscrição; para outros temas, relacionados ao acervo da FBN, preencher com três palavras-chave que os identifiquem.

3.2.3 Se as vagas para os níveis específicos não forem preenchidas, as bolsas serão remanejadas para outros, de acordo com a classificação estabelecida pelo CIPE.

3.2.4 É vedada a inscrição de projeto que seja ou tenha sido financiado por empresas públicas ou privadas através de leis de incentivo à cultura ou que tenha sido objeto de estudo já concluído.

3.2.5 É vedada a participação de candidato que tenha sido contemplado com quaisquer bolsas oferecidas pela FBN nos últimos 24 meses, a contar da data de publicação deste edital.

3.2.6 O projeto de pesquisa deverá, obrigatoriamente, ser desenvolvido com base no acervo da Biblioteca Nacional.

3.2.7 O projeto deverá ser apresentado em no máximo 20 (vinte) páginas, espaço 1,5, fonte Times New Roman, tamanho 12, margens 2,5 cm.

3.2.8 Não serão aceitas inscrições de dissertação e tese, projetos em grupo, nem projetos em andamento junto à FBN.

3.2.9 A FBN reserva-se o direito de não preencher todas as vagas e de excluir projetos, que, embora tratando do acervo da FBN, não atendam aos critérios estabelecidos no presente edital.


4. INSCRIÇÕES
4.1 As inscrições para o concurso de bolsa de pesquisa estarão abertas entre 13 de maio e 12 de junho de 2009.

4.2 Documentos requeridos para inscrição:

4.2.1 Documentos em uma via:
Formulário de inscrição, preenchido em forma legível e assinado pelo candidato, conforme modelo disponível no anexo I deste Edital e no site da FBN (http://www.bn.br/) ;
Cópia de documento de identidade e CPF;
Passaporte com visto de permanência no Brasil ou outro documento que comprove situação regular no país, para candidatos estrangeiros;
Declaração da instituição acadêmica reconhecida pelo MEC atestando o vínculo, se estudante de pós-graduação;
Certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais disponível na página da Receita Federal- http://www.receita.fazenda.gov.br/

4.2.2 Documentos em três vias
Projeto de pesquisa original, não encadernado, contendo:
capa com nome do candidato, título do projeto e data;
resumo (máximo de 10 linhas);
introdução e justificativa;
objetivos;
referencial teórico-metodológico;
fontes de pesquisa;
bibliografia geral;
cronograma de atividades para 12 meses.

Curriculum vitae, de preferência de acordo com o da Plataforma Lattes (atualizações posteriores à inscrição não serão aceitas para fins de alteração no nível da bolsa).

4.3 Cada candidato poderá concorrer com apenas um projeto e em apenas uma modalidade de bolsa da FBN; em caso contrário, todas as propostas inscritas pelo candidato serão eliminadas.

4.4 A documentação para inscrição deverá ser encaminhada por via postal SEDEX, para o seguinte endereço:
Fundação Biblioteca Nacional,
Programa Nacional de Apoio à Pesquisa
Coordenadoria de Pesquisa
Av. Rio Branco, 219, 5º andar,
20040-008 - Rio de Janeiro, RJ

4.5 Somente serão aceitas inscrições postadas pelo correio.

4.6 Não será aceita inscrição com data de postagem nos correios posterior ao dia 12 de junho de 2009. Fica estabelecido o prazo de 5 (cinco) dias úteis de tolerância para recebimento de inscrições postadas até o dia 12 de junho de 2009.


5. SELEÇÃO
5.1 A seleção se realizará em duas etapas, ambas eliminatórias.

5.2 Primeira etapa: análise pela Coordenadoria de Pesquisa, considerando:
A documentação do candidato;
A utilização do acervo da Biblioteca Nacional como fonte de pesquisa;
A viabilidade técnica do projeto de pesquisa;
Adequação do cronograma ao projeto;
Adequação do projeto proposto ao objeto e às condições deste Edital.

5.3 Segunda etapa: análise pelo Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração, considerando:
Adequação das fontes ao desenvolvimento da pesquisa;
Clareza, coerência e qualidade textual do projeto;
Consistência teórico-metodológica;
Curriculum vitae;
Relevância do projeto para a divulgação do acervo da Biblioteca Nacional e da cultura brasileira.

5.4 A Coordenadoria de Pesquisa e o Conselho Interdisciplinar de Pesquisa são soberanos nas suas respectivas atribuições, não cabendo recurso às suas decisões.

5.5 A relação dos candidatos aprovados e seus respectivos projetos será divulgada no Diário Oficial da União e no portal da Fundação Biblioteca Nacional (www.bn.br).

5.6 O candidato classificado será convocado por meio de correio eletrônico e terá um prazo de até 30 dias para assinar o contrato.


6. OBRIGAÇÕES DO BOLSISTA

6.1. Dedicar-se às atividades de pesquisa previstas no projeto que é objeto deste Edital e cumprir os prazos estabelecidos.

6.2 Apresentar relatórios bimestrais à Coordenadoria de Pesquisa, via correio eletrônico, ao final dos 2º, 4º, 6º e 8º meses de vigência da bolsa. Ao final do 10º mês, apresentar resultado parcial da pesquisa contendo, no mínimo, 20 (vinte) páginas do corpo do trabalho final em 01 (uma) cópia impressa e 01 (uma) cópia em CD.

6.3 Apresentar o trabalho final ao término do 12º mês do contrato, em forma de monografia ou ensaio, em 01 (uma) cópia impressa e 01 (uma) cópia em CD, de acordo com as normas técnicas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O trabalho deverá conter no mínimo 60 (sessenta) páginas, espaço 1,5, fonte Times New Roman, tamanho 12, margens 2,5 cm. Não se constitui trabalho final: base de dados, traduções e projetos para edições.

6.4 Comunicar imediatamente, por escrito, à Fundação Biblioteca Nacional, qualquer alteração relativa à descontinuidade do projeto.

6.5 Devolver à Fundação Biblioteca Nacional os recursos despendidos em seu proveito em caso de não cumprimento das disposições normativas deste Edital, no prazo de até 30 (trinta dias) a contar da data de notificação da FBN.

6.6 Fazer referência à bolsa de pesquisa em trabalhos publicados em decorrência das atividades apoiadas pela Fundação Biblioteca Nacional: “Apoio: Fundação Biblioteca Nacional - Programa Nacional de Apoio à Pesquisa”.

6.7 Licenciar a Fundação Biblioteca Nacional, pelo período de três anos, para utilizar o produto e subprodutos resultantes do projeto em publicações, em quaisquer meios: impresso, digital, no site da FBN (www.bn.br) ou outro meio que venha a ser criado.

6.8 Redigir, em língua portuguesa, todos os textos produzidos.

6.9 A Fundação Biblioteca Nacional se reserva o direito de publicar ou não o trabalho final, em qualquer meio, conforme recomendação de especialistas e da Coordenação Geral de Pesquisa e Editoração.


7. CALENDÁRIO


Etapas / Cronograma
Inscrição 13 de maio a 12 de junho de 2009
Análise de documentos 15 a 19 de junho de 2009
Avaliação de projetos 25 de junho a 10 de julho de 2009
Resultado 20 de julho de 2009


8. SUSPENSÃO E CANCELAMENTO
8.1 A suspensão temporária da bolsa poderá ser solicitada a qualquer tempo, mediante justificativa por escrito. A solicitação será avaliada pela Coordenadoria de Pesquisa.

8.2 O cancelamento da bolsa poderá ocorrer a pedido do bolsista, a qualquer momento, ou a critério da instituição, em razão de desempenho insatisfatório.

8.3 O cancelamento da bolsa implicará na devolução dos valores recebidos pelo bolsista, exceto em caso de falecimento do mesmo.


9. PAGAMENTO
9.1 Os pagamentos serão efetuados mensalmente, em conta bancária a ser aberta pelo bolsista, observando-se o item 6 deste edital.

10. DISPOSIÇÕES FINAIS
10.1 A bolsa concedida pela Fundação Biblioteca Nacional não gera vínculo empregatício e nenhum outro direito adicional ao previamente estabelecido neste edital.

10.2 A Fundação Biblioteca Nacional se reserva o direito de, a qualquer momento, solicitar informações ou documentos que julgar necessários à efetivação do contrato.

10.3 Os projetos não selecionados ficarão disponíveis para restituição aos interessados na Coordenação Geral de Pesquisa e Editoração por até 60 (sessenta) dias após a data da divulgação do resultado; após este prazo, o material será inutilizado e descartado. A FBN não fará a postagem para devolução dos projetos.

10.4 Não será aceita inscrição apresentada em forma diversa da descrita neste Edital

10.5 Os casos omissos serão resolvidos pela Coordenação Geral de Pesquisa e Editoração.

10.6 Esta Decisão Executiva entra em vigor a partir da data de sua publicação.

MUNIZ SODRÉ
PRESIDENTE

Fontes:
Biblioteca Nacional
Imagem

Jussara C. Godinho (Meninos de rua)


O dia era frio, muito frio, chuvoso, nublado e escuro, a sensação era de que o vento cortava, sangrando a pele. Poucas pessoas arriscavam sair às ruas. O mês de junho, no extremo sul do país, maltrata alguns cidadãos.

Envolvida em mantas de tricô, os famosos cachecóis, luvas e botas de couro legítimo, a Madame pára seu carro importado no sinal vermelho. Surge à sua frente um menino adolescente, quase moço, muito magro, corpo quase nu, coberto com tinta prateada, mexendo seus malabares. Mal podia acreditar que alguém pudesse suportar aquele frio em pêlo. Misérias do mundo! A Madame tira da bolsa, etiquetada com marca internacional, algumas moedas — que sobraram, talvez, do cabeleireiro, da massagem, da manicure? — para pagar o show.

Na quadra seguinte, outro sinal vermelho, fechado, gritando Pare, Olhe, Atenção! Outro menino, agora criança, vendendo balas, no carro se encosta. Nas costas o peso de ser diferente, carente, tão pequeninho, lutando sozinho, vendendo bala, cheirando cola, sem escola, pedindo esmola. Mas quem dá bola para um vendedorzinho de bala que só precisa de colo, de carinho, de uma boa escola, de um prato de feijão e de um pouquinho de atenção?

Enquanto a Madame seguia seu caminho sem olhar para trás, o menino seguia sua espera, espera, espera...

Fontes:
Releituras
Imagem

Jussara C. Godinho (Rio Grande do Sul em Trovas)



Sou gaúcha de verdade
Verdadeira Rio-grandense
Eu prezo minha cidade
Digo mais: sou Caxiense

Vou te oferecer amigo
Um bom churrasco no espeto
E com orgulho te digo:
Faço Trova e até Soneto

Um bom churrasco no espeto
Para amigo saborear
Muita Trova e até Soneto
Só vendo pra acreditar!

Só vendo pra acreditar
gente boa de montão
Vim aqui te convidar
Pra tomar um chimarrão!

Vem tomar um chimarrão
Amigos e companheiros
Um forte aperto de mão
Sentimentos verdadeiros

Uma rosa tão pequena
Com perfume de jasmim
Cada pétala serena
Traz seu cheiro para mim.

Arranjei um namorado
Que era lindo, milionário.
O safado era casado,
Um tremendo salafrário.

Está sempre de pileque
Cambaleando pela rua
Quero te dizer moleque
Troca o gole por charrua.

Vinho e uva de montão
Morro abaixo, morro acima
Não estranhe, amigo, não
É a festa da vindima
(Menção Honrosa no I jogos Florais de Caxias do Sul, tema Vindima - 2008)

Esta escola é tão querida
Sempre muito organizada,
Que alegria nesta vida
Ensinar a meninada!

O coração da mulher
É recheado de intuição
E sabe sempre o que quer,
Pois ela é pura emoção.
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Fontes:
Jú Virginiana
Para Ler e Pensar

Imagem = José Feldman

Jussara C Godinho (Amor, Sentimento estranho)


Que sentimento é esse
Que derrete coração
Emociona sem aparente razão
E faz tremer de emoção?

Que sentimento é esse
Que tudo dá, nada pede e não impede
Que o outro lhe tome inteira
De qualquer maneira sem nenhuma barreira?

Que sentimento é esse
Que envaidece, entristece
Às vezes, até emburrece
E nos desestrutura inteira?

Que sentimento é esse
Que abala
E ao mesmo tempo acalma?

Que sentimento é esse
Que grita e nunca se cala
E quando sussurra, desperta a alma?

Que sentimento é esse
Que nele se resvala
E ainda se bate palma?

Que sentimento é esse
Que prende, mas satisfaz
Que amordaça e não se desfaz?

Que sentimento é esse
Que se entrega e faz tremer
Que emociona e endoidece
E nos faz viver?

(Poema integrante da Antologia "Poeta, mostra a tua cara" - Volume 5 - XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA - BENTO GONÇALVES - RS)
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Jussára C. Godinho (Ju Virginiana), 1957, já participou em mais de trinta antologias poéticas e agendas literárias, sits, e blogs. É membro do IBT de Caxias do Sul (RS) associada à AGES - Associação Gaúcha de Escritores e Cônsul do Movimento Poetas del Mundo de Caxias do Sul (RS). Não tem livros editados.
------------------
Fontes:
Jú Virginiana
Releituras
Imagem

domingo, 31 de maio de 2009

XXII Jogos Florais de Ribeirão Preto 2009 (Classificação Final)



TEMA NACIONAL – CIGANO (LIRISMO)

Categoria: Vencedores (Troféu)

1º LUGAR
Sofredor desde menino
e tendo o sonho por meta,
quis saber qual seu destino,
diz-lhe o cigano:- Poeta!
Carolina Ramos
Santos (SP)

2º LUGAR
Cigano de olheiras fundas,
pele morena, crestada,
quantas tristezas profundas
já deixaste pela estrada?
Hermoclydes Siqueira Franco
Nova Friburgo (RJ)

3º LUGAR
Cigana e bela mulher...
desse romance eu me ufano!
Não vive um amor qualquer,
quem vive um amor cigano!
Éderson Cardoso de Lima
Niterói (RJ)

4º LUGAR
Amor cigano, utopia,
triste busca por alguém;
quem tem um amor por dia
não tem o amor de ninguém.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte (MG)

5º LUGAR
Cigano eu vou pela vida,
e minha tenda é montada,
não com a lona estendida,
mas, com a noite estrelada...
Izo Goldman
São Paulo (SP)

Categoria: Menção Honrosa (Medalha Dourada)

1º LUGAR
Errei pela vida afora,
sou cigano sem destino...
te achei!... Não vou mais embora,
sigo o sonho de menino.
Renato Alves
Rio de Janeiro (RJ)

2º LUGAR

Tangendo brilhos e rastros,
como compete a um perito,
cigano é o “pastor dos astros”
no rebanho do Infinito!
José Ouverney
Pindamonhangaba (SP)

3º LUGAR
Qual pequenina carroça
de cigano sonhador,
leva a trova, a quantos possa,
carga máxima de amor.
Antônio Augusto de Assis
Maringá (PR)

4º LUGAR
Quando o cigano chegou
tocando seu violino,
no meu coração tocou,
entrando no meu destino.
Maria Apparecida S.Coquemala
Itararé (SP)

5º LUGAR
Sei que irá me causar dano.
o fascínio que me exerces,
pois teu amor é cigano
mas o meu quer alicerces...
Elbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava (SP)

Categoria: Menção Especial (Medalha Prateada)

1º LUGAR
O cigano ao ver-me em pranto,
na dor que cruel avança,
espantou meu desencanto,
despertou minha esperança!...
Marilúcia Resende
São Paulo (SP)

2º LUGAR
Deu-me, o cigano, uma rosa
e partiu sem dizer nada
e esta rosa, hoje saudosa,
vive a chorar...desfolhada...
Marina Bruna
São Paulo ( SP)

3º LUGAR
Cigano, da tua andança
por esse mundo sem fim,
traz-me um pouco da esperança
que a sorte roubou de mim...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru (SP)

4º LUGAR
Mulher olhando vitrine,
cigano vendo dinheiro,
Eis a pergunta:- Imagine
quem desistirá primeiro?
Miguel Russowsky
Joaçaba (SC)

5º LUGAR
Ante o teu vulto de fada
e esse lindo olhar arcano,
sinto a alma engalanada
por ter nascido cigano!
Hermoclydes Siqueira Franco
Nova Friburgo (RJ)

TEMA NACIONAL – EREMITA – ( Humorismo )

Categoria: Vencedores (Troféu)

1º LUGAR
Foi o bebum “muito esperto”
como eremita... e está crente
que, no calor do deserto,
o oásis é de água... ardente!!!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

2º LUGAR
Já não há nenhum prazer
que em público a lei permita:
quem quer fumar ou beber
tem que virar eremita!
Renata Paccola
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Diz o Zé, sem compaixão,
Vendo a vizinha esquisita:
“a casar com tal canhão,
melhor morrer eremita”.
Eduardo Domingos Bottallo
São Paulo (SP)

4º LUGAR
O coitado do eremita
vive esta dúvida eterna:
quando vê mulher bonita,
só pensa em... sua caverna...
Izo Goldman
São Paulo (SP)

5º LUGAR
De andar a pé, já cansado,
um eremita ameaça:
vou me eleger deputado
pra andar de avião de graça...
Marina Bruna
São Paulo (SP)

Categoria: Menção Honrosa (Medalha Dourada)


1º LUGAR
Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer,
pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!...
Ademar Macedo
Natal (RN)

2º LUGAR
Fugiu da cara-metade...
fingiu ser monge eremita...
e vem ao bar da cidade,
só quanto acaba a birita!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Indo armar uma arapuca,
encontrei um eremita
que, me vendo de peruca,
perguntou se eu era Chita...
Ruth Farah Nacif Lutterback
Cantagalo ( RJ)

4º LUGAR
Louras, morenas, mulatas,
cada qual, a mais bonita,
vive cercado de gatas
e ainda diz que é Eremita.
Argemira Fernandes Marcondes
Taubaté (SP)

5º LUGAR
O eremita se isolou...
até que morreu, zureta.
ao chegar ao céu, pensou
que um anjo era borboleta.
Vanda Fagundes Queirós
Curitiba (PR)

Categoria: Menção Especial (Medalha Prateada)

1º LUGAR
– Sou eremita, diz, ancho,
celibatário também,
mas, no fundo do seu rancho,
o “santo” esconde um harém...
Élbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava (SP)

2º LUGAR

O eremita, na entrevista,
Ao voltar faminto e roto:
-para ser um João Batista
tem que comer gafanhoto?!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo (SP)

3º LUGAR
Um eremita só quer
ser feliz com o que tem,
para ele, não há mulher,
e não tem sogra também.
António José Barradas Barroso
Parede (Portugal)

4º LUGAR
Um eremita perfeito
Eu encontrei certo dia...
era tão chato o sujeito
que de si mesmo fugia.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte (MG)

5º LUGAR
Minha sogra é uma eremita,
mas não sei por que razão
em minha casa é visita
de mala, cuia e colchão!!!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes (PR)

Fonte:
Nilto Manoel.
UBT/SP – Seção de Ribeirão Preto

João Guimarães Rosa (Sagarana) (Parte final)


Artigo do prof. Teotônio Marques Filho
Parte I = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/joao-guimaraes-rosa-sagarana-parte-i.html
Parte II = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/joao-guimaraes-rosa-sagarana-parte-ii.html
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6. São Marcos

Narrado também na primeira pessoa, “São Marcos” é outro conto de linha trágica e esta sob o signo da superstição:

Izé ou José, o narrador, era um homem que não acreditava em feiticeiro: “Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não acreditava em feiticeiros” (221). Vivia a fustigar João Mangalô, feiticeiro de fama e escama naqueles rincões. Nhã Rita, preta cozinheira dele, vivia a adverti-lo:

“- Se o senhor não aceita, é rei no seu; mas abusar não deve”. (224).

E relatava o caso da lavadeira que desfeiteara a velha Cesária e sofrera, de repente, agulhadas inexplicáveis “no pé (lá dela!)”.

Mas ele, sempre incrédulo:

Você deve conhecer os mandamentos do negro... Não sabe? “Primeiro: todo negro é cachaceiro...” “Segundo: todo negro é vagabundo”. “Terceiro: todo negro é feiticeiro...”

Ai, espetado em sua dor-de-dentes, ele passou do riso bobo à carranca de ódio, resmungou, se encolheu para dentro, como um caramujo à cocléia, e ainda bateu com a porta (228)

Depois disso, voltando da missa, encontra com Aurísio Manquitola que lhe narra o caso de Tião Tranjão, que era um sujeito um tanto tolo e burro, e acabou aprendendo a oração de São Marcos que é “sesga, milagrosa e proibida”, com que resolveu os seus problemas conjugais de ter mulher, e esta dormir com os outros.

O narrador vai andando. A natureza ao seu redor atrai as suas vistas. Escreve versos num tronco, e quando lhe faltou inspiração, certa vez, limitou-se a fazer um rol de reis caldeus.

Reconhece que “as palavras têm canto e plumagem

Perde-se em descrições e cenas que seus olhos vêem:

E, pois, foi aí que a coisa se deu, e foi de repente: como uma pancada preta, vertiginosa, mas batendo de grau em grau - um ponto, um grão, um besouro, um anu, um urubu, um golpe de noite... E escureceu tudo.” (pág. 244)

Uso acentuado da audição. Até os olhos cegos ouvem (“meus olhos o ouvem” - 248). Vaga, sem rumo, pela floresta, para depois defrontar-se com João Mangolô e as vistas que tinham sido amarradas por este:

“- Pelo amor de Deus, Sinhô... Foi brincadeira... Eu costurei o retrato, p’ra explicar ao Sinhô...” (250)

E o narrador conclui com um mundo de cores:

Na baixada, mato e campo eram concolores. No alto da colina, onde a luz andava à roda, debaixo do angelim verde, de vagens verdes, um boi branco, de cauda branca. E, ao longe, nas prateleiras dos morros cavalgavam-se três qualidades de azul.” (251)

“São Marcos” é de linha frenética, o que lembra a “Dama Pé-de-Cabra”, de Alexandre Herculano. Aqui está presente o mundo das superstições e feitiçarias que envolvem o homem interiorano.

Outra tese desenvolvida é a da “plumagem e canto das palavras”.

7. “Corpo Fechado”

A técnica narrativa de “Corpo Fechado” é em forma de entrevista. O “doutor”, no decorrer da história, vai entrevistando Manuel Fulô, “um valentão manso e decorativo, como mantença da tradição e para glória do arraial” (281)

O papo começou com o doutor passando em revista os principais nomes de valentões daquelas bandas: José Boi, Desidério Cabaça, Adejalma, “nome bobo, que nem é de santo...” Miligido, que já se aposentara, e o terrível Targino:

Esse-um é maligno e está até excomungado... Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p’ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus...” (pág. 255)

Esses valentões todos já tinham sido castigados. Só faltava o Targino. Mas o seu fim havia de chegar como chegou para os outros:

Eles todos já foram castigados: o Roque se afogou numa água rasinha de enxurra­da... ele estava de chifre cheio... Gervásio sumiu no mundo, asem deixar rasto... Laurindo, a mulher mesma torou a cabeça dele com um machado, uma noite... foi em janeiro do ano passado... Camilo Matias acabou com mal-de-lázaro... Só quem está sobrando mesmo é o Targino. E o castigo demora, mas não falta...” (pág. 256)

E Manuel Fulô, o entrevistado, vai narrando as suas aventuras entre os ciganos; como os tapeou, uma vez; o seu desejo de possuir uma sela mexicana para a mulinha Beija-Fulô. E então chegamos ao casamento de Manuel da raça dos Peixoto, do que tinha honra e fazia alarde. A noiva era a das Dor.

E aqui é que começa a história propriamente. O Targino aparece e diz assim para o Manuel Fuló:

“- Escuta, Mané Fulô: a coisa é que eu gostei da das Dor, e venho visitar sua noiva. amanhã.. Já mandei recado, avisando a ela... É um dia só, depois vocês podem se casar... Se você ficar quieto, não te faço nada... Se não... (pág. 275)

Reboliço. Correrias. Movimentação do doutor. E então “a história começa mesmo é aqui”: Antonico das águas, “que tinha alma de pajé” e era “curandeiro-feiticeiro” agora entra na história para “fechar o corpo” de Manuel Fuló, “requisitando agulha-e-linha, um prato fundo, cachaça e uma lata com brasas” (279):

“- Fechei o corpo dele. Não careçam de ter medo, que para arma de fogo eu garanto!...” (280)

E o doutor conclui a história assim:

“E, quando espiei outra vez, vi exato: Targino, fixo, como um manequim, e Manu e Fulô pulando nele e o esfaqueando, pela altura do peito - tudo com rara elegância e suma precisão. Targino girou na perna esquerda, ceifando o ar com a direita; capotou; e desviveu, num átimo. Seu rosto guardou um ar de temor salutar.

- Conheceu, diabo, o que é raça de Peixoto?!”
(pág. 281)

“Corpo Fechado” ainda continua a problemática apresentada em “São Marcos”: mundo de feitiçarias e bruxarias.

Além dessa temática, sobressai também a saga dos valentões das gerais, principal­mente com o temível Targino, e a saga dos ciganos, muito freqüente no interior.

8. “A Saga dos Bois”

Em “Conversa de Bois”, Guimarães Rosa, procura desenvolver a “psicologia” dos animais o que já se vislumbra em “O Burrinho Pedrês”, também aqui, e com largo uso, explorando “a plumagem e canto das palavras”.

A técnica narrativa é a terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo autor, que pede para recriar a história:

“- Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco...

- Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja”
(283)

E então Manuel Timborna começa a “contar um caso acontecido que se deu”, pro­curando demonstrar que “boi fala o tempo todo”.

Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato, Dansador, Brilhante, Realejo e Canindé são os protagonistas bovinos da história, que vão na sua marcha lenta, carregando “o peso pesado” do carro-de-bois, carregado de rapaduras e um defunto.

O guia é Tiãozinho, filho do defunto carregado. Vai triste e “babando água dos olhos” (313). Visto pelos bovinos é “o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois”. (313)

O carreiro, orgulhosão e perverso, é o Agenor Soronho: “o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta” que vem “trepado no chifre do carro...” (313).

Na sua marcha, os oito bovinos vão conversando. Criticam o modo de vida dos homens, o animal pensante: “É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo pensado, é pior...” (290)

Brilhante conta a história do boi Rodapião - “o boi que pensava de homem, o-que-come-de-olho-aberto...” (296, que saiu certa vez, com esse raciocínio silogístico:

... “Cada dia o boi Rodapião falava uma coisa difícil p’ra nós bois. Deste jeito:

- Todo boi é bicho. Nós todos somos bois. Então, nós todos somos bichos!... Est
úrdio...” (300)

E porque pensava muito-pensava como o homem - o boi Rodapião tem fim trágico:

“Escutei o barulho dele: boi Rodapião vinha lá de cima, rolando poeira feia e chão solto... Bateu aqui em baixo e berrou triste, porque não pôde se levantar mais do lugar das suas costas...” (308)

Tiãozinho vai relembrando a morte do pai. Tem uma raiva danada do Agenor Soronho que “bate em todos os meninos do mundo: Seu Agenor Soronho é o diabo grande” (314)

O fim é trágico. Deus e o Demo: Agenor Soronho é castigado pelos bois e por Tiãozinho que “pensa quase como nós bois” (314): “A roda esquerda do carro lhe colhera o pescoço.” (317)

Tiãozinho fica como um possesso diante daquela tragédia.

- “Conversa de Bois” procura interpretar a psiquê bovina. É uma história trágica também, e pode ser aproximada de “O Burrinho Pedrês” pela relevância que dá ao animal. Dentro dessa perspectiva está implícita uma crítica ao comportamento do homem, o animal pensante.

Outra temática que me pareceu também bastante nítida no conto é a da oposição entre o Bem e o Mal, onde os maus têm sempre fim trágico, como foi o caso de Seo Agenor Soronho.

9. “A Hora e Vez de Augusto Matraga”

Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto” (319).

Nhô Augusto foi homem ruim, de muitos pecados e pouca água benta: maltratava a mulher e filha e vivia de pagode com outras, como a tal da Sariema que aparece no começo do conto, mulherzinha com “perna de Manuel-Fonseca, uma fina e outra seca!” (322)

Estourado e sem regra, estava ficando Nhô Augusto. E com dívidas enormes. política do lado que perde, falta de crédito, as terras no desmando” (324)

E então surge o pior: a mulher foge com outro levando também a filha e os capangas o abandonam, para servir ao Major Consilva, um antigo inimigo da família:

Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Esteves, naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e passaria umas rodadas sem jogar, fazendo umas férias na vida: viagem, mudanças, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado: “Cada um tem seus seis meses...” (328)

Mas Nhô Augusto era couro ainda por curtir” e, de imediato, foi tirar satisfação com o Major. Resultância: os capangas novos e antigos do Major saíram em cima do homem e o arrasaram de pancadas, lançando-o, depois, num despenhadeiro.

Morto, mas não sepultado, ressuscitou pela caridade de um par de pretos que habitava aquelas plagas inóspitas. Cuidam do semimorto: enfaixam-no, pensam-lhe as feridas e Nhô Augusto pede padre:

Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua” (336), conclui o batina, depois de tê-lo confessado e conversado.

Não morre. Regenera-se. E daquele lugar maldito “pegou chão, sem paixão”, junta­mente com o par de negros.

“- Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal” E a minha vez há de chegar. P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!...” (pág. 337)

Afastado de tudo, isolado do seu antigo mundo procura penitenciar-se de seus pecados.

Aparece, o bando de Seo Joãozinho Bem-Bem, a quem Nhô Augusto dá pousada. Os anjos-da-guarda de ambos combinam-se. Desencontro. Encontro. Deus e Demo. Nhô Augusto encontra de novo com seu Joãozinho Bem-Bem, chefe do bando mais temido daquelas bandas. Um velho pede pelos filhos. Seo Bem-Bem quer vingança. Exterminação. E foi aí que aconteceu a hora e vez de Nhô Augusto, dito Matraga:

“- Êpa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez! (362).

Exterminação total. Mas seu Joãozinho Bem-Bem se sente honrado em ser exterminado por Matraga: “quero acabar sendo amigos...”

E Matraga:

“Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas agora se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é para gente poder ir juntos...” (pág. 363)

E “com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue”, Augusto Mal ruga morre satisfeito porque teve a sua hora e vez:

Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por mór de salvar as famílias da gente” (pág. 364), comenta a turba agradecida.

“A Hora e Vez de Augusto Matraga” é, sem dúvida, o ápice da criação literária rosiana em Sagarana, dada a tragicidade e epicidade que o conto encerra.

Quatro temáticas me parece bem nítidas:

a) a oposição Deus e o Demo (Bem x Mal);
b) a saga dos cangaceiros e valentões (Joãozinho Bem-Bem);
c) misticismo (Augusto Matraga depois do encontro com o padre);
d) todos têm a sua vez e hora.

Não me parece sem lógica uma aproximação entre “A Hora e Vez de Augusto Ma­traga” e “O Burrinho Pedrês”: ambos, Augusto Matraga e Sete-de-Ouros, tiveram a sua hora e a sua vez, e dela saíram cobertos de glórias. Não é sem razão que já se disse que os extremos se tocam...

Fabulista? - Não. João é fantasticamente fabuloso!

Findo. Findo o fino fabulista fabuloso. Finririnfinfim...

NOTA: As páginas indicadas referem à nona edição de Sagarana (Rio. 1967)

Fonte:

John Maxwell Coetzee (Diário de um Mau Ano)



Gênero: Ficção

«Diário de um Mau Ano» é um misto de romance e compilação de pequenos ensaios, com uma estrutura original em que cada página está dividida em três partes: a primeira com os ensaios propriamente ditos, a segunda com o diálogo entre o escritor dos ensaios e a sua datilógrafa, Anya, e a terceira com o diálogo entre esta e o seu marido, Alan.

O romance baseia-se na história da escrita dos ensaios, elaborados por um escritor em final de vida que assume que já não tem capacidade para escrever romances e que por isso aceitou um convite de uma editora para que participasse num livro que reune ensaios de vários escritores. Atraído por uma jovem que mora no mesmo prédio, convida-a para que seja sua datilógrafa, sob a suspeita do seu marido de que o escritor pretenda algo mais. No desenrolar da história, criam-se e acentuam-se as divergências entre Alan e os escritos de JC, algo ingênuos do ponto de vista de Anya e completamente ultrapassados segundo o ultra-liberal Alan. À medida que se estreita uma relação de amizade e compaixão entre Anya e JC, o radicalismo de Alan acentua-se conduzindo a narrativa a uma situação de ruptura entre as personagens, num desenlace onde os valores de JC são postos à prova.

Os ensaios são pertinentes na forma como abordam as temáticas contemporâneas subjacentes (em 2007), assim como pertinentes são os comentários de Anya e Alan aos mesmos. Num jogo em que o leitor pode ser levado a pensar que as opiniões transmitidas nos ensaios equivalem às opiniões de Coetzee, os comentários das outras duas personagens a essas mesmas opiniões funcionam como um contraponto, que convidam a uma reflexão e a uma chamada de atenção sobre as várias formas de abordar cada temática e as sensibilidades que podem ser tomadas relativamente à mesma, prevalecendo, nas temáticas mais explosivas, o bom senso de quem menos sabe sobre as mesmas, Anya.
Os ensaios:

1. Sobre as Origens do Estado ; 2. Sobre o Anarquismo ; 3. Sobre a Democracia ; 4. Sobre Maquiavel ; 5. Sobre o Terrorismo ; 6. Sobre os Sistemas de Guiagem ; 7. Sobre a Al-Qaeda ; 8. Sobre as Universidades ; 9. Sobre a Baía de Guantanamo ; 10. Sobre a Vergonha Nacional ; 11. Sobre a Maldição ; 12. Sobre a Pedofilia ; 13. Sobre o Corpo ; 14. Sobre o Abate de Animais ; 15. Sobre a Gripe das Aves ; 16. Sobre a Competição ; 17. Sobre o Desígnio Inteligente ; 18. Sobre Zenão ; 19. Sobre as Probabilidades ; 20. Sobre os Assaltos ; 21. Sobre os Pedidos de Desculpa ; 22. Sobre o Asilo na Austrália ; 23. Sobre a Vida Política na Austrália ; 24. Sobre a Esquerda e a Direita ; 25. Sobre Tony Blair ; 26. Sobre Harold Pinter ; 27. Sobre a Música ; 28. Sobre o Turismo ; 29. Sobre o Uso do Inglês ; 30. Sobre a Autoridade na Ficção ; 31. Sobre a Outra Vida

1. Um Sonho ; 2. Sobre a Correspondência de Admiradores ; 3. O Meu Pai ; 4. Insh'allah ; 5. Sobre a Emoção das Massas ; 6. Sobre a Barafunda da Política ; 7. O Beijo ; 8. Sobre a Vida Erótica ; 9. Sobre o Envelhecimento ; 10. Ideia para uma História ; 11. La France Moins Belle ; 12. Os Clássicos ; 13. Sobre a Vida da Escrita ; 14. Sobre a Língua Materna ; 15. Sobre Antjie Krog ; 16. Sobre Ser Fotografado ; 17. Sobre Ter Pensamentos ; 18. Sobre os Pássaros do Ar ; 19. Sobre a Compaixão ; 20. Sobre as Crianças ; 21. Sobre a Água e o Fogo ; 22. Sobre o Enfado
23. Sobre J.S. Bach ; 24. Sobre Dostoievski

Excerto:

O Estado coloca um escudo à volta da economia. Além disso, por enquanto, por falta de melhor meio, toma as decisões macroeconomicas quando precisam de ser tomadas e fá-las cumprir; mas isso é outra história para outro dia. Escudar a economia não é banditismo, Anya. Pode degenerar em banditismo, mas estruturalmente não é banditismo. O problema do teu Señor C é que não é capaz de pensar estruturalmente. Para onde quer que olhe, vê motivos pessoais em ação. Quer ver crueldade. Quer ver ganância e exploração. Para ele é tudo um jogo de moralidade, o bem contra o mal. O que ele não consegue ver ou se recusa a ver é que os indivíduos são jogadores numa estrutura que transcende os motivos individuais, que transcende o bem e o mal. Até os tipos de Camberra e das capitais dos Estados, que podem realmente ser bandidos a nível pessoal - nesse ponto estou disposto a dar a mão à palmatória -, que podem andar a traficar influências e a roubar massa à sorrelfa e a juntá-la para o seu futuro pessoal, até esses tipos trabalham dentro do sistema, quer se apercebam disso, quer não.

Dentro do mercado, digo eu.

Dentro do mercado, se quiseres. O que está para além do bem e do mal, como disse Nietzsche. Bons motivos ou maus motivos, no fim de contas são apenas motivos, vetores da matriz, que a longo prazo acabam por se nivelar. Mas o teu fulano não vê isso. Ele vem de outro mundo, doutra era. O mundo moderno está para além dele.

Fonte:
Citador

Herman Hesse (O Lobo das Estepes)



Gênero: Romance
Título Original do Alemão: Der Steppenwolf

Profundamente auto-biográfica, esta obra revela todo o pensamento tortuosamente poético de Hesse. Numa síntese perfeita do seu misticismo oriental e da sua dimensão poética, Hesse constrói uma narrativa angustiada mas sentida, poética mas real, complexa mas terrivelmente bela.

Harry Haller é o rosto da tristeza, o Lobo das Estepes, melancólico, perdido na vida, na busca permanente de um sentido que o faça compreender a existência. Sem destino definido, sem explicações a dar a si mesmo para a impossibilidade de compreender o mundo, Harry é um ser errante, dilacerado pela dúvida, pela desesperada necessidade de compreensão da alma e da busca da sua libertação. Recusa o mundo sem forças nem coragem para dele se demarcar. Anti-burguês, tortura-se porque não consegue demarcar-se de uma vivência burguesa, como que encarcerado no ambiente que o rodeia.

No meio da tortura da vida, vai descobrindo que a dualidade do seu ser: o lobo que de vez em quando se torna burguês ou o ser emotivo que por vezes assume a racionalidade; o lobo ou o homem. Mas a sua angústia não se resolve com a constatação destes antagonismos; a pouco e pouco, no entanto, vai descobrindo que o ser humano não é duo mas múltiplo: ele não é a soma de dois “eus”, duas forças mais ou menos antagônicas que o ser humano por vezes parece ser. A sua personalidade é um campo de batalha entre muitas forças que por vezes se complementam outras se digladiam. Mas na maior parte das vezes estas faces do caleidoscópio revelam-se incompatíveis, causando angústia e desespero. Só enfrentando esta multiplicidade e assumindo estas múltiplas dimensões, o ser humano pode encontrar a felicidade. Tornar-se-á louco aos olhos do mundo; no entanto, feliz!

A necessidade de auto-conhecimento, de compreensão profunda do ser e do sentido da vida avassala Harry até ao dia em que, no limiar da salutar e redentora loucura, descobre a verdadeira raiz da felicidade: o humor. Compreende o que consegues compreender e ri-te de tudo o resto, poderia ser uma espécie de lição a retirar deste livro. Daí a referência recorrente a Mozart: o exemplo da loucura saudável, do gênio que ri daquilo que não compreende.

Esta descoberta faz com que o final da obra seja surpreendente. A angústia, o medo, o desespero dão lugar ao hilariante mundo da loucura, das mil e uma faces da alma.

Fonte:
Citador

sábado, 30 de maio de 2009

Trova XII

Montagem sobre pintura a óleo da Toucan Art

André Masini (A Rocha e a Espuma)


ADEUS MEU PORTO, ADEUS

Se menos áspero este mundo fosse,
Do adeus a ti, menor a dor seria.
Se à frente te aguardassem só alegrias.
Se meu futuro parecesse doce.

Não choro nosso amor, pois acabou-se,
Nem qualquer esperança que haveria,
Mas cada noite ameaçadora e fria,
cada tormenta que'essa vida trouxe.

Qual caravelas rotas, desvalidas,
que pela proa têm medonho mar
lançando ao porto amarga despedida,

nos separamos. Ô, Desatracar!
Na lógica implacável desta vida,
também se morre de no porto estar.
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A CAMINHO DO VULCÃO EL REVENTADOR

I

Diante de mim se descortina o dia,
chegado no silêncio mais profundo.
Recordo, lá de baixo, os sons do mundo.
Absoluto contraste... Calmaria.

Tons violáceos se mesclam - tão bonito -
à névoa branca etérea - inconstante.
À distância vislumbro em breve instante
um rio, que serpenteia ao infinito.

De outros vulcões, os picos entre as nuvens.
Escarpas sóbrias, perfiladas linhas.
Beleza em que se mostra o próprio Deus.

Serenidade e paz imperturbáveis.
De humanas emoções, somente as minhas.
De humanos sentimentos, só os meus.

II

No breu da noite, avança a escalada,
à tênue luz, de pilhas – que se esvai,
que ao lado mostra líquens – sempre iguais,
e ao longe, o negro, impenetrável nada.

Visões do dia, que o cansaço traz:
– a lava: mar de rocha que soterra
a mata exuberante desta serra;
– a chuva; – a lama; – e escarpas abissais.

Porém, cá em cima, a terra é uniforme.
mundo de pedra e líquens, tão enorme…
que todo o mais que existe, eu quase esqueço.

A névoa então se abre e me revela,
como um buraco em meio ao céu de estrelas,
o imenso vulto negro… Estremeço!
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Sinopse do Livro
"Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa" é uma coletânea de poesias de autores clássicos da língua inglesa em edição bilíngüe, que traz poemas originais de autores clássicos - Poe, Yeats, Keats, Wordsworth, Dickinson, Henley - apresentados lado a lado, verso a verso, com sua tradução literal.

Os poemas são mostrados e explicados ao leitor brasileiro através de grande quantidade de notas, que elucidam não apenas os significados de palavras e estruturas sintáticas, mas também os elementos sonoros, rítmicos, e outros recursos poéticos.

Cada autor é apresentado por meio de uma pequena biografia. Através de todos esses elementos o tradutor e organizador revela o caminho que percorreu para chegar à sua tradução final em verso.

Este livro é indicado não apenas a estudantes e professores de língua inglesa e tradução, mas a todos que desejam ter a experiência de vivenciar a poesia em outro idioma.
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Fontes:
– Poesias e Capa do Livro: MASINI, André Carlos Salzano. Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa/ Poesias de André C.S. Masini. São Paulo: A.C.S. Masini, 2000.
– Sinopse do livro. Casa da Cultura.

André Masini (1960)


André Carlos Salzano Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Estudou no I.E. Caetano de Campos e no Colégio Arquidiocesano. Aos 12 anos escreveu sua primeira história, "A invasão dos gatos pretos" (hoje perdida), que tinha como personagens os meninos e meninas de sua rua. Mas apesar de ter dedicado bastante tempo para concluir esse manuscrito de vários capítulos, ele não havia pensado no motivo que o levava a escrever nem no que pretendia fazer com a história.

A partir dos 15 anos passou a se interessar por biologia e ecologia. Tornou-se membro de um ativo grupo de estudos de história natural (o GHISNAT), que realizava freqüentes excursões à mata-atlântica. Acabou se acostumando com a Serra do Mar, onde acampava freqüentemente, muitas vezes em regiões remotas. Quando tinha 16 anos viveu nos EUA por cerca de um ano, aprendendo fluentemente a língua inglesa. Aos 17 anos, junto com outros membros do GHISNAT fundou o "Sobrevivência", um jornal de ecologia, que só teve um número, com 4 páginas. Também aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "O monte além do deserto", que existe até hoje em manuscrito.

A escolha da faculdade foi difícil. Ele queria estudar "Ciências Naturais", uma carreira excessivamente ampla, que há décadas já havia sido desmembrada. Teve então que optar por uma única ciência entre biologia, física, química, ecologia e geologia. Acabou escolhendo esta última. Ao fim do 2º ano de colégio, em 1978, passou no vestibular para Ciências da Terra na USP, mas não pôde se matricular por não ter o 3º ano completo. Passou novamente em 1979, e desta vez pôde cursar.

Durante a faculdade foi um dos membros da diretoria colegiada do centro acadêmico da Geologia. Na mesma época, começou a estudar filosofia por conta própria e a interessar-se por redação publicitária. Passou a fazer o exercício de analisar e reescrever alguns anúncios que via em revistas. Resolveu apresentar essas suas versões a agências de publicidade que, de modo geral não apreciaram muito a iniciativa. Mas uma delas gostou do trabalho e, mais tarde, acabou oferecendo-lhe um emprego como redator publicitário.

Ao se formar em geologia, trabalhou em mineração na Bahia e também um pouco em Goiás e Minas. A partir de 1985 passou a trabalhar como geólogo autônomo, participando de trabalhos em diversos estados, incluindo São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Tocantins e Pernambuco, atividade que manteve depois, de forma intermitente, até início de 1994. Durante 1985 trabalhou também como redator publicitário, na Link Publicidade Ltda. No segundo semestre desse ano criou junto com um sócio a Craft Comunicações, um estúdio de criação publicitária, que sobreviveu apenas seis meses. No fim desse ano escreveu a primeira versão de HUMANOS, com o título de A CLASSE HUMANA.

Em 1986 foi contratado pela ELC Electroconsult – uma grande empresa italiana de engenharia, que operava em todo o mundo. A empresa precisava de um geólogo jovem, com prática de mapeamento, que aceitasse viver na selva, e que falasse fluentemente inglês e italiano. André foi para o Equador, onde trabalhou por um ano na cordilheira oriental dos Andes, no edifício vulcânico do Vulcão El Reventador, região de florestas e campos de lavas intocada pelo ser humano; um dos lugares mais chuvosos do mundo, um ambiente imaculado, com pontos que para serem atingidos necessitavam de quatro dias de caminhada. Muitas dessas incursões eram realizadas solitariamente ou com a companhia de um único “machetero”.

De volta ao Brasil, trabalhou em uma empresa de engenharia como geólogo, mas, com a escassez cada vez maior de trabalhos de geologia, foi pouco a pouco passando, na própria empresa, a trabalhar como analista de suporte, analista de sistemas e programador. Mas tarde tornou-se analista independente, prestando serviços desenvolvimento, implantação, treinamento e manutenção de sistemas para diversas empresas pequenas. Paralelamente realizou pequenos trabalhos autônomos como geólogo.

Em fins de 1993 foi morar na Austrália, mas as coisas por lá não correram como planejado, acabou voltando para o Brasil no ano seguinte.

A volta não planejada para o Brasil não foi fácil. André teve de se adaptar a trabalhar como programador C e Assembler, em uma empresa de processamento e armazenamento de imagens. Quando esse trabalho acabou, as coisas se tornaram ainda piores. Para ele, a área de sistemas de informação, com o domínio absoluto do Windows, tornava-se cada dia mais decepcionante: com a mudança do foco das atenções – que originalmente estava nas coisas que realmente importam, como a integridade dos dados e a otimização dos recursos – para frivolidades como telas coloridas ou outras distrações. A mudança do tipo de diálogo entre o analista e o cliente – que originalmente era técnico e sério – para uma encenação mistificadora, em que todos fazem pose, mas ninguém sabe exatamente do que está falando. Uma mudança que, para quem pretendia ser profissional de informática, e não ator canastrão, tornava as coisas bastante sombrias. Profissionalmente, foram anos difíceis.

Mas, em meio a isso tudo, André continuava a escrever. Começava a preparar a segunda versão de HUMANOS, escrevia poesias e contos, e trabalhava em uma obra sui generis uma mistura de ensaio estético-histórico-filosófico com manifesto poético. Ele também continuava a apresentar seus trabalhos a editoras e a colecionar as educadas cartas de recusa que recebia (isso quando as editoras sequer se dignavam a responder).

Em 1996, com a situação na informática cada vez mais sombria, decidiu estudar para o concurso para Auditor Fiscal do Tesouro Nacional (hoje Auditor Fiscal da Receita Federal) e acabou passando no concurso em junho desse ano. Enquanto esperava ser chamado, continuou a escrever obstinadamente: concluiu seu manifesto poético e a segunda versão de HUMANOS, e "editou" ambos em impressora a laser. O manifesto poético recebeu algumas duras críticas.

No fim de 1997 André tomou posse no cargo de AFRF, em Cascavel, no oeste do Paraná. Nessa nova situação, ele aos poucos foi sentindo que nunca seus trabalhos literários haviam estado tão longe dos leitores. Em 1999, ele caiu de cama com uma hepatite A que se agravou, ficou meses deitado sem forças. Mas essa situação o levou a refletir sobre sua vida e a finalmente entender que nenhuma editora, nem ninguém, iria sequer examinar o valor de seu trabalho se ele não fizesse algo. Assim, ao se recuperar da doença, decidiu que editaria ele próprio seus livros. Publicou Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa em 2000, e Humanos em 2002 (a terceira versão da obra). Dedica-se também, desde 2000 à coleta de material e estudos para um livro ainda inédito: uma abordagem filosófica ampla da transgressão e da punição. Além disso deu palestras em universidades sobre poesia, tradução e sobre Edgar Allan Poe e O Corvo. Humanos conquistou um bom espaço na imprensa de vários estados brasileiros, inclusive em programas de televisão de âmbito nacional, principalmente considerando-se o fato de ser uma edição do autor.

Em 2001 casou-se com Elizangela de Carli. Em 2002 nasceu sua primeira filha, Talita Luísa.

Em abril de 2003 passou a escrever uma coluna semanal (que saia às quartas feiras) no jornal O Paraná. Ocupou esse espaço com textos de gêneros diversos, como artigos sobre política e conjuntura internacional, crônicas, contos humorísticos, e artigos filosóficos sobre a época em que vivemos. Os artigos receberam uma resposta bastante positiva, tanto dos leitores locais, como de outros jornais, que solicitaram permissão para republicações, entre eles o Jornal da União Brasileira dos Escritores.

Em 2004, por problemas de saúde ligados ao excesso de atividade, André deixou de escrever sua coluna no jornal. Mas continua a trabalhar em sua obra filosófica sobre a transgressão e a punição.

A Casa da Cultura foi idealizado por ele em 2003, mas atualmente, participa dela com idéias gerais, e ocasionalmente redigindo algum texto. Toda a gerência executiva do site está a cargo de sua esposa Elizangela de Carli Masini.

Fonte:
Casa da Cultura.

Geoffrey Chaucer (excertos de "Os Contos de Cantuária")


Excertos do Prólogo

Quando o chuvoso abril cortou feliz
A secura de março na raiz,
E banhou cada veia no licor
Que tem o dom de produzir a flor;
Quando Zéfiro com o alento doce
Para as copas e os campos também trouxe
Tenros brotos, e o sol de pouca idade
Do curso em Aries percorreu metade,
E a passarada faz o seu concerto,
E dorme a noite inteira de olho aberto
(Que a natureza acende o coração),
Então se vai em peregrinação,
E até nos mais inóspitos confins
Aos santuários chegam palmeirins;
Enquanto na Inglaterra toda gente
Visita Cantuária especialmente,
A fim de conhecer a sepultura
Do santo mártir que lhes trouxe cura.
Naquele tempo, um dia aconteceu
Que em Southwark, no Tabardo, achando-me eu
Pronto a seguir em peregrinação
A Cantuária, todo devoção,
Vieram essa noite à hospedaria
Bem vinte e nove numa companhia
De pessoas diversas que os destinos
Reuniram, por serem peregrinos
Buscando o mesmo fim de igual maneira.
Eram amplos os quartos e a cocheira,
E assim tivemos lá ótimo pouso.
E logo quando o sol buscou repouso,
Falara com cada um, se bem me lembro;
Assim, da comitiva fiquei membro,
E concordei em levantar-me cedo
Para partir, como a narrar procedo.
Potêm enquanto tenho tempo e espaço,
E antes que nesta história avance o passo,
Creio de bom alvitre e boa razão
De cada um descrever a condição,
Mostrando, em meu juízo pessoal,
O modo de posição de cada qual,
E também suas roupas e ativo:
E com um cavaleiro principio. (vv. 1-42)


O CAVALEIRO

Havia um Cavaleiro, um homem digno,
Que sempre, tendo as armas como signo,
Amou a lealdade e a cortesia,
A honra e a franqueza da cavalaria.
Nas guerras de seu amo lutou bem,
E mais distante não andou ninguém,
Entre os pagãos ou pela cristandade;
E sempre honrado por sua dignidade.
Já vira Alexandria prisioneira;
Muitas vezes tomara a cabeceira,
Precedendo às demais nações na Prússia;
A Lituânia visitara, e a Rússia,
Onde cristão tão nobre não se vira.
Em Granada, no cerco de Algecira,
Estivera também, e em Belmaria.
Passou depois por Ayas e Atalia
Quando Caíram, e no Grande Mar
Pôde altos desembarques presenciar
Travou lutas mortais, uma quinzena,
E pela fé bateu-se em Tramassena,
Em três justas, matando ao inimigo,
A este bravo levou então consigo
Certa vez o senhor de Palatia,
Contra um outro pagão lá na Turquia:
Louvores mereceu de todo lábio.
E, além de ser valente, ele era sábio,
Modesto qual donzela na atitude,
Pois jamais dirigiu palavra rude,
Em toda a vida, a estranho ou companheiro.
Era um gentil, perfeito cavaleiro.
Quanto à aparência, era isto que vos falo:
Simples no traje; bom o seu cavalo.
Via-se a grossa túnica manchada
Pela cota de malha enferrujada,
Pois voltava de mais uma missão,
Saindo logo em peregrinação. (vv. 43-78)


A PRIORESA

E estava lá uma freira, prioresa.
Sorria assim como a modéstia sói,
E, se jurava, era por Santo Elói
Essa dama chamava-se Eglantina.
Sempre cantava a prática divina
Com voz fanhosa tal como convém;
Falava ela francês bonito e bem,
Como em Stratford-at-Bow a gente o diz,
E não com o sotaque de Paris.
Sua conduta à mesa era educada;
Da boca não deixava cair nada,
Nem no molho afundava muito os dedos.
Da graça no comer tinha os segredos,
Sem uma gota respingar no peito.
O seu refinamento era perfeito.
Limpava tanto o lábio superior
Que a taça em que bebia o seu licor
Nenhum indício tinha de gordura;
Sabia ela servir-se com finura.
E era de ânimo alegre, certamente,
E se mostrava amável e contente;
As etiquetas copiava inteiras
Da corte, para ter boas maneiras
E de todos granjear a reverência.
Para falar, porém, de Sua consciência,
Tinha tanta piedade e fino trato,
Que até chorava quando via um rato
Morto na ratoeira, ou a sangrar
Os seus cãezinhos vinha alimentar
Com pão branquinho e leite e carne assada.
Mas, se um deles levasse bastonada,
Ou se morresse, ardia de aflição:
Era toda consciência e compaixão.
O véu pregueado lhe estava mal;.
Nariz reto; olhos cinza, de cristal;
Pequena a boca rúbida e macia;
Bela testa sem dúvida exibia,
Com quase um palmo de largura, eu acho;
Não era nada magra por debaixo
Das vestes, apropriadas por sinal.
Tinha ao braço um rosário de coral
Com as contas maiores esverdeadas,
E um medalhão de refrações douradas
Onde se lia, coroado, um A,
E depois: Amor vincit omnia. (vv. 118-162)


O MÉDICO

Conosco estava um MÉDICO também;
Em todo o mundo não existe alguém
Tão bom em medicina e cirurgia,
E alicerçado assim na astronomia.
Previa a hora propícia contra o mal
Pelo uso da magia natural.
Com firmeza traçava ele o ascendente
Dos amuletos para o seu paciente.
Via a causa de cada enfermidade
No frio, calor, secura ou umidade,
Onde nascia, e qual o seu humor;
Era um perfeito, um ótimo doutor.
Sabendo a fonte de onde o mal provinha,
Receitava ao enfermo sua mezinha,
Surgiam a seguir os boticários
Com suas drogas e remédios vários,
Pois a esta classe aquela classe obriga
Numa amizade já bastante antiga;
Seu Esculápio conhecia bem,
Rufus e Deiscórides também,
O velho Hipócrates, Ali, Galeno,
Serapião, Razis e Damasceno;
Avicena, Averróis e Constantino;
Bernardo e Gatesden e Gilbertino.
Tinha a dieta muito moderada,
Pois de supérfluo não comia nada,
Mas só alimento rico e digestivo.
Em ler a Bíblia parecia esquivo. É
De vermelho e de azul vinha vestido;
De seda e tafetá era o tecido
Gastava o seu dinheiro com cuidado,
Guardando o que na peste havia lucrado.
Como o ouro entre os cordiais tem mais valia,
Ao ouro mais que tudo ele queria. (vv. 411-444)

A MULHER DE BATH

Uma mulher de Bath havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Seus lenços, feitos das melhores fibras,
Por certo pesariam bem dez libras,
Que aos' domingos na testa carregava.
Nas calças justas o escarlate usava,
E era novo e macio o seu calçado;
Rosto atrevido, belo e avermelhado.
Em sua vida digna. e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja —
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém, seria rude).
Com três viagens a Jerusalém,
Atravessara rios mais que ninguém;
Em Roma tinha estado, e mais Boulogne;
Na Galícia, em Santiago, e então Colônia.
Vira assim muitas coisas diferentes.
Mostrava uma janela entre seus dentes.
Num cavalo equipado, usando um véu,
Cavalgava debaixo de um chapéu
Mais largo que um broquel ou que um escudo;
Sobre os amplos quadris, um sobretudo;
De esporas pontiagudas se servia.
Ria e tagarelava em companhia.
Dos remédios de amor tinha abundância,
Pois dessa arte sabia a velha dança. (vv.445-476)

A SUGESTÃO DO TABERNEIRO

"Senhores", disse, "agora eis o melhor;
E fazer pouco caso ninguém deve.
Este o ponto - serei rápido e breve:
Que cada um, já que a estrada é tão comprida,
Conte dois contos na viagem de ida
A Cantuária, e que, também depois,
Na volta, cada qual conte mais dois,
Sobre casos antigos do passado;
E aquele que melhor tiver contado,
Ou seja, quem narrar, na circunstância,
Os contos de mais graça e mais substância,
Vai ganhar de nós todos um jantar,
Sentado mesmo aqui neste lugar,
Quando acabar-se a peregrinação.
E, para que haja mais animação,
Eu com prazer me agrego à companhia,
Às minhas próprias custas, como guia.
E quem contradisser meu julgamento
Das despesas fará o pagamento.
Se com isso vós todos concordais,
Dizei-me logo,, não se fala mais,
E eu vou me preparar para a partida." (vv. 788-809)
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Existem ainda em Os Contos de Cantuária:

O conto do Moleiro
O conto do Feitor
O conto do Cozinheiro
O conto do Magistrado
O conto do Homem-do-mar
O conto de Chaucer sobre Sir Topázio
O conto de Chaucer sobre Melibeu
O conto do Monge
O conto do Padre da Freira
O conto do Frade
O conto do Beleguim
O conto do Estudante
O conto do Mercador
O conto do Escudeiro
O conto do Proprietário de Terras
O conto do Vendedor de Indulgências
O conto da Outra Freira
O conto do Criado do Cônego
O conto do Provedor
O conto do Pároco
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Fonte:
VIZIOLI, Paulo. A Literatura Inglesa Medieval. São Paulo: Nova Alexandria, 1992. Edição bilíngüe

Geoffrey Chaucer (c. 1340 – c. 1400)



Geoffrey Chaucer nasceu em Londres por volta de 1340. Foi pajem da Condessa de Ulster e depois de algum tempo combateu na França, onde caiu prisioneiro em 1359. Foi resgatado pelo rei Eduardo III, por uma quantia inferior à que o monarca pouco antes pagara por um cavalo. De volta à Inglaterra, casou-se e passou a servir na corte. O novo ambiente e as viagens que, de 1370 a 1378, fez à França aumentaram o seu interesse pela literatura desse país. Também entrou em contato com a literatura da Itália, península que visitou duas vezes (em 1372 e 1378) no cumprimento de missões diplomáticas. O poeta faleceu, ao que parece, em 1400.

A obra de Chaucer é geralmente dividida em três períodos: o francês, o italiano e o inglês. No primeiro, que se inicia com a tradução do Roman de la rose, ele imitou os modelos da poesia palaciana francesa. As melhores obras dessa fase foram The boke of the duchesse (O livro da duquesa) e The parlement of foules (O parlamento das aves). No período seguinte (1370-1384) Chaucer introduz temas e técnicas inspiradas principalmente por Dante e Boccaccio. A influência de Dante esta presente em alguns ecos no esquema rítmico dos decassílabos e na elaboração de The house of fame (A casa da fama) em forma de sonho. Por outro lado, o poeta inglês encontrou em Il Filostrato e na Teseida de Boccaccio os argumentos para TroyIus and Cryseide, uma de suas maiores obras, e para o poema que depois figuraria nos Contos de Cantuária como "O conto do cavaleiro". Na mesma fonte (e em Ovídio) colheu o material para a coletânea incompleta de histórias trágicas em tomo de mulheres famosas do passado, The legende of good women. Finalmente, ao último período (1384-1400) pertence a sua obra, máxima, The Canterbury Tales (Os contos de Cantuária), onde o seu gênio se revela livre e plenamente.

Na verdade, Os contos de Cantuária constituem uma gigantesca pintura da sociedade da época e, pela variedade dos gêneros em que se enquadram os diferentes contos, apresenta um panorama completo da literatura medieval. Mais que tudo isso, porém, é uma análise profunda da natureza humana, realizada com humor e simpatia.

O plano geral da obra é simples. Vários peregrinos, que pretendem visitar o túmulo de Santo Tomás Becket em Cantuária, reúnem-se por acaso na taverna do Tabardo, ao sul de Londres, e, por segurança, resolvem cavalgar juntos. Para que a viagem transcorra mais agradavelmente, o taberneiro sugere que cada um conte duas histórias na ida e duas na volta, prometendo um belo jantar ao melhor narrador. Como os peregrinos (com Chaucer) eram trinta, o livro deveria perfazer 120 histórias; mas o poeta não chegou a escrever três dezenas. Os contos são precedidos por um "Prólogo", onde se faz a apresentação das personagens. Nessa galeria de retratos há representantes da baixa aristocracia (o Cavaleiro e seu filho Escudeiro), do clero (a Prioresa, o Monge, o Frade, a Freira, o Secretário da Freira, o Oficial de Justiça Eclesiástica, o Pároco pobre, o Estudante de Oxford e o Vendedor de Indulgências), da burguesia (o Mercador, o Médico, o Advogado, a Fabricante de Tecidos — conhecida como a Mulher de Bath — e o Proprietário de Tentas) e das classes inferiores (como o Moleiro, o Feitor, o Provedor, o Carpinteiro, o Tapeceiro, o Marujo, o Cozinheiro, o Camponês e vários outros). Ao descrever cada tipo, Chaucer demonstra os mais variados sentimentos, desde a admiração pelo Cavaleiro e o afeto pelo Pároco pobre até a crítica sutilmente irônica à Prioresa e a mal disfarçada reprovação pelo Vendedor de Indulgências. Mas a nenhum deles permanece indiferente, procurando retratá-los não com a parcialidade do moralista rigoroso, mas com a objetividade do observador perspicaz e tolerante, que ama a vida e compreende a natureza humana.

A grandeza do autor se torna ainda mais evidente quando notamos que cada narrador conta uma história quase sempre de acordo com sua profissão, seu nível cultural e seu temperamento. Assim, o "Conto do Cavaleiro" é, muito apropriadamente, um romance em estilo nobre e trabalhado; os contos do "Moleiro" e do "Feitor", indivíduos grosseiros das camadas inferiores, são fablieaux obscenos; o “ Conto do Vendedor de Indulgências" é, ironicamente, um exemplum moralista; o "Conto do Pároco" não passa de longo sermão sobre os sete pecados capitais; e assim por diante.

Bibliografia:

Há duas edições muito boas das obras completas de Chaucer. Uma delas é a de W.W. Skeat, The complete works of Geoffiey Chaucer (Oxford, 1594-97), em sete volumes; e a outra, em apenas um volume, é a de F.N. Robinson (ed. revista, Boston1 1957), também intitulada The complete works of Ceoffiey Chaucer. Quanto as traduções modernas de The Canterbury Tales, recomendamos a de Nevill Coghíll (Penguin, 1951).

Traduções de Chaucer para o português também podem ser encontradas: Olívio Caeiro, G. Chaucer: Os contos de Cantuária ("Prólogo Geral", "0 conto do Cavaleiro" e "O conto da Mulher de Bath"), Lisboa: Brasília Editora, 1980; e Paulo Vizioli, G. Chaucer: Os contos de Cantuária (tradução integral em prosa), São Paulo: T.A. Queiroz, 1988 (1ª reimpressão, 1991).

Fonte:
VIZIOLI, Paulo. A Literatura Inglesa Medieval. São Paulo: Nova Alexandria, 1992. Edição bilíngüe

Ryunosuke Akutagawa (Rashômon)



Era o entardecer. Um servo de baixa condição esperava, sob o Rashômon, que a chuva passasse.
Sob o grande portal não havia mais ninguém. Somente um grilo pousado na enorme coluna circular, que tinha partes descascadas em seu vermelho laqueado. Uma vez que o Rashômon se situava na Avenida Suzaku, era de esperar que houvesse mais pessoas, com seus chapéus cônicos ou alongados, abrigando-se da chuva. Entretanto, além deste homem não havia mais ninguém.

Isso porque, nos últimos dois ou três anos, Kyôto sofrera seguidas calamidades, como terremotos, redemoinhos, incêndios e fome. Assim, era enorme a desolação da capital. Rezam as antigas crônicas que naquele tempo se destruiam estátuas de Buda e objetos de culto budista, que eram empilhados na beira da estrada para se vender como lenha a madeira ainda laqueada ou folheada a ouro e prata. Se até a capital se encontrava nessas condições, da conservação do Rashômon, então, nem sequer se cogitava. Assim, tirando partido do abandono em que este se encontrava , raposas e texugos começaram a se abrigar no portal. E também ladrões. Até que, passado um tempo, vieram também a depor no Rashômon cadáveres não identificados. Ao cair da noite, tal era o pavor que ninguém mais ousava se aproximar.

Corvos começaram então a se juntar em bandos, vindos não se sabia de onde. Durante o dia, inumeráveis, eles descreviam círculos e grasnavam ao redor da alta cumeeria. No crepúsculo, quando o sol se avermelhava sobre o portal, facilmente podiam ser divisados, como grãos de gergelim dispersos no ar. Vinham, obviamente, alimentar-se da carne dos mortos abandonados na galeria... se bem que, naquele dia, não se avistasse nenhum deles, talvez devido ao adiantado da hora. Mas podia-se notar seus excrementos pontilhados de branco sobre os degraus de pedra quase em ruínas, em cujas fendas crescia capim. Acocorado no último dos sete degraus, sobre o pano surrado de sua vestimenta azul-escura, o servo olhava a chuva distraído, sentindo-se incomodado com a enorme espinha que lhe aparecera na face direita.

Escreveu o autor anteriormente: “Um servo de baixa condição esperava a chuva passar”. Mas, mesmo que a chuva passasse, o servo não teria, na verdade, nada a fazer. Normalmente, é claro, deveria retornar à casa de seu senhor. Acontece que fora dispensado havia quatro ou cinco dias. Como também se escreveu antes, a cidade de Kyôto, por essa época, se encontrava em acentuado estado de decadência. E o fato de ter sido dispensado pelo senhor, a quem servia durante longos anos, não passava de uma pequena conseqüência dessa decadência geral. Seria, portanto, mais adequado dizer “um servo de baixa condição, preso pela chuva, estava desnorteado, sem saber para onde ir” do que “um servo de baixa condição esperava a chuva passar”. Além do mais, o tempo chuvoso contribuía sensivelmente para a disposição de espírito desse homem da era Heian. A chuva que começara a cair depois das quatro horas da tarde parecia que não ia mais parar. Assim, havia algum tempo, o servo ouvia, com ar ausente, o barulho da chuva que caía na Avenida Suzaku ruminando pensamentos desconexos, procurando resolver, antes de mais nada, a questão de sua sobrevivência, questão que ele sabia ser insolúvel.

A chuva, envolvendo o portal, trazia a massa do som até das gotas mais longínquas. A escuridão aos poucos fazia abaixar o céu; quem levantasse os olhos veria o telhado do Rashômon, que se projetava em diagonal, sustentando nuvens pesadas e sombrias.

Quando se tenta resolver uma questão insolúvel, não há tempo para escolher os meios. Se demorasse muito na escolha, o servo certamente terminaria morrendo de fome ao pé de um muro de barro ou à beira de uma estrada. E certamente seria trazido até o portal e abandonado como um cão. “Se não escolher...” Seu pensamento, depois de muitos rodeios, finalmente empacou neste ponto. Entretanto, este “se” continuava sendo, afinal de contas, o mesmo “se”. Mesmo admitindo não haver escolha de meios, ele não tinha coragem suficiente para aceitar de forma positiva a resposta inevitável à questão: “A única saída é tornar-me ladrão”.

Depois de um forte espirro, o servo se ergueu preguiçosamente. Em Kyôto, onde as tardes são frias, a temperatura baixara a ponto de fazê-lo desejar um braseiro. Na escuridão, o vento soprava implacável por entre as colunas do portal. Até o grilo pousado na coluna laqueada de vermelho já havia desaparecido.

Encolhendo-se todo e erguendo a gola da vestimenta azul-escura que envergava sobre a roupa amarela, correu os olhos em volta do portal. Procurava um lugar onde pudesse passar a noite tranqüilo, longe de olhares estranhos e ao abrigo do vento e da chuva. Então, por sorte, descobriu uma escada larga, também laqueada de vermelho, que conduzia a uma galeria sobre o Rashômon. Lá em cima, o máximo que ele poderia encontrar seriam cadáveres. O servo, assim, cuidando para que a espada presa à sua cintura não se soltasse da bainha, pousou no primeiro degrau o pé calçado de sandália de palha.

Subiu então, daí a alguns minutos, a meia altura da ampla escada que conduzia à galeria do Rashômon. Um homem, o corpo encolhido como um gato, sustendo a respiração, espreitava o que se passava ali em cima. A luz que vinha da galeria tocava levemente sua face direita. Era uma face com uma espinha vermelha e purulenta em meio a uma barba rala. O servo, desde o início, tinha a certeza de que ali no alto só haveria cadáveres. Todavia, depois de subir dois ou três degraus, pareceu-lhe notar alguém que se movimentava. Logo isto se confirmou, pois uma claridade turva e amarelada se refletia, oscilante, nos vãos do teto cobertos de teias de aranha. Não podia tratar-se de uma pessoa comum quem, numa noite de chuva como aquela, portasse um luzeiro no interior daquela galeria do Rashômon.
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Rashômon: Portal de entrada sul da antiga capital imperial, Kyoto.
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Fonte:
Instituto de Letras da UFRGS

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Trova XI

T. S. Eliot (Cristais Poéticos)


CANÇÂO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK

S'io credesse che mia risposta fosse
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.
Dante Alighieri. Ladivina Commédia
Inferno, XXVII, 61-66 (N. do T.)

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão . . .
Oh, não perguntes: "Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haver á
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.
E na verdade tempo haverá
Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?"
Tempo para voltar e descer os degraus,
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!")
- Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas! ")
- Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.

Pois já conheci a todos, a todos conheci
- Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherinhas de café;
Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono
Sob a música de um quarto longínquo.
Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci
- Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete,
Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede,
Como então começaria eu a cuspir
Todo o bagaço de meus dias e caminhos?
E como iria atrever-me?

E já conheci também os braços, a todos conheci
- Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
(Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam
Com sua leve penugem castanha!)
Será o perfume de um vestido
Que me faz divagar tanto?
Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam.
E ainda assim me atreveria?
E como o iniciaria?
.......

Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos
De homens solitários em mangas de camisa, à janela
debruçados?

Eu teria sido um par de espedaçadas garras
A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.
.......

E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem!
Por longos dedos acariciados,
Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.
Após o chá, os biscoitos, os sorvetes,
Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa travessa,
Não sou profeta - mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas, a geléia, o chá,
Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
Teria valido a pena
Cortar o assunto com um sorriso,
Comprimir todo o universo numa bola
E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei."
- Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer
Não é nada disso, em absoluto."

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
- Tudo isso, e tanto mais ainda? -
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos . . .
Teria valido a pena,
Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em direção à janela, dissesse:
"Não é absolutamente isso,
Não é isso o que quis dizer, em absoluto."

Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde assistente, o que tudo fará
Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso;
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato, quase ridículo
Quase o Idiota, às vezes.

Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.

Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

Não creio que um dia elas cantem para mim.

Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.

Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.
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GERONTION's

Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner's sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
"Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.")

Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.

Tomaram-se os signos por prodígios: "Queremos um signo!"
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.

Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.

O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?

Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.
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OS HOMENS OCOS

"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular

III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.

IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.

V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
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(tradução dos poemas de Ivan Junqueira)
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Fonte:
O Poema