domingo, 19 de julho de 2009

Vitor Ramil (Lançamento do livro Satolep)

Cantor e compositor com vários sucessos na música popular brasileira, Vitor Ramil chega a seu segundo romance, repetindo o mesmo sucesso alcançando como compositor ao lado da dupla de irmãos Kleiton & Kledir. Gaúcho de Pelotas, Vitor Ramil começou sua carreira artística ainda adolescente, no começo dos anos 80. Aos 18 anos de idade gravou seu primeiro disco: “Estrela, Estrela”, com a presença de músicos e arranjadores que voltaria a encontrar em trabalhos futuros, como Egberto Gismonti, Wagner Tiso e Luis Avellar, além de participações das cantoras Zizi Possi e Tetê Espíndola. Neste período, Zizi gravou algumas canções de Vitor e Gal Costa deu sua versão para “Estrela, Estrela” no disco Fantasia.

O livro

Satolep é um livro ao qual Vitor dedicou oito anos de laboriosa manufatura para contar a história onírica de um fotógrafo que, em um tempo indefinido nas primeiras décadas do século 20, volta a Satolep, essa cidade recorrente nas ficções e nas canções do autor, seu terreno particular de invenção e memória. Sua Pelotas (ao avesso)inventada.

Ramil faz uso de uma prosa vagarosa, que infiltra o que está narrando em seu leitor aos poucos, quase como a névoa úmida que ele descreve como símbolo dessa identidade difusa de Satolep, a cidade.

São duas instâncias narrativas que convivem na prosa do romance: uma série de curtos textos poéticos (quase contos, inspirados nas imagens de um álbum de fotos da Pelotas de 1922, um livro real, da Pelotas real, organizado por Clodomiro Carriconde) e a história propriamente dita, um homem em princípio desconhecido e sem nome que decide, de inopino, ao se ver sozinho e inadaptado às vésperas de completar 30 anos no desconfortável sol do Norte do país, voltar para o frio de sua Satolep natal.

No caminho para o Sul, a paisagem ganha o peso dos sonhos. A cerração, a planície, o vento frio. Tudo isso se intensifica quando nos aproximamos de Satolep, cidade que o gaúcho Vitor Ramil construiu a partir de sua Pelotas natal. A história do romance Satolep, de Ramil, começa com um retorno. No dia do seu aniversário de trinta anos, o fotógrafo Selbor volta à cidade onde nasceu, a úmida e fantasmática Satolep.

No início da década de 90, depois de cinco anos morando no Rio de Janeiro, Ramil fez movimento similar e voltou a viver no Sul. Foi o momento em que começou a refletir de maneira mais vigorosa sobre sua identidade gaúcha, e lançou as bases do que viria a chamar de "estética do frio". As palavras de Selbor ("voltar... Saiba que, seja o que for, significa muito") encontram eco no famoso conto de Borges, "O sul", em que o personagem retorna à estância de seus avós maternos e, durante a jornada austral, suspeita que viajava também ao passado.

É este encontro, do narrador e seu passado, que está em jogo em Satolep; uma espécie de encruzilhada onde a herança dos tempos idos e as tensões do presente convergem sem encontrar um equilíbrio ("às vezes, o lugar onde queremos chegar fica exatamente onde estamos", reflete Selbor). Além de uma paisagem de vento, noites brancas e telhas enegrecidas, uma cidade "amiga dos silêncios e dos vazios", o protagonista do romance se depara com personagens reais da história pelotense, caso do escritor João Simões Lopes Neto, autor dos livros Contos gauchescos e Lendas do sul; do poeta, jornalista e boêmio Lobo da Costa; e do cineasta Francisco Santos, autor de um dos primeiros filmes de ficção realizados no Brasil.

O próprio narrador, Selbor, tem uma origem real. Foi inspirado em um fotógrafo que documentou amplamente a cidade de Pelotas no início do século XX. Essas fotografias, publicadas originalmente em um livro chamado Álbum de Pelotas, organizado por Clodomiro Carriconde, em 1922, foram recolhidas por Ramil e serviram como ponto de partida para o romance. Em Satolep, elas ocupam um lugar central. Selbor é o autor das fotos, "uma espécie de diário de viagem, um relato indireto dessa minha volta a Satolep". Essas imagens surgem intercaladas à narrativa, sempre acompanhadas de textos breves, instantâneos de neblina, lirismo e alucinação. Estes excertos são encontrados por Selbor dentro de uma pasta, esquecida por um rapaz na estação de trens. De maneira fantástica e misteriosa, eles parecem complementar os cliques de Selbor. "Os textos da pasta haviam sido tirados pelo rapaz a partir de imagens futuras de minha autoria", espanta-se o personagem. Esses curtos relatos seguem os passos do narrador-fotógrafo pela cidade, reservando a ele uma espécie de narrativa poética de sua trajetória.

Explorar esses escritos, sua relação com as fotos, revela-se para Selbor como uma espiral vertiginosa de busca por si mesmo. "Nascer leva tempo", sentencia Ramil. Entender o passado faz parte deste processo. A identificação entre o narrador e a cidade, que é transferida da "fotografia", do espaço, para a memória, é o motor do romance ("o homem faz a cidade, a cidade faz o homem", diz o escritor João Simões). Satolep se interpõe no caminho do narrador; está enraizada, é irremovível e condiciona os atos e sentimentos deste protagonista. O narrador e a cidade parecem feitos da mesma substância, uma certa neblina e vento frio, a "umidade que sai de noite e dorme de dia".

Além de livro, Satolep é também nome de uma música, de um disco ("Satolep Sambatown", de 2007) e de um personagem de Ramil, o Barão de Satolep, um nobre pelotense pálido e corcunda, alter-ego do músico e escritor. Pedaço de um Brasil muito particular, Satolep é presença fixa na obra de Vitor Ramil, um lugar a qual ele recorre, percorre e busca recriar para constituir a si próprio e "tornar nítido até o que não existe".

Na Flip de 2008, a influência dos cenários do cone sul em diferentes abordagens literárias foi o tema que reuniu os escritores Vitor Ramil, o argentino Martín Kohan (Ciências morais, Cia das Letras) e o norte-americano Nathan Englander (O ministério de casos especiais, Rocco) ao redor da mesa "A estética do frio" (com mediação de Samuel Titan Jr.), na programação da 6a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP 2008).

O título da seção é referência direta ao ensaio escrito por Ramil em 2004 sobre as especificidades do povo gaúcho, "os mais diferentes em um país feito de diferenças". Kohan e Englander ambientaram seus romances no período ditatorial argentino e este detalhe os aproxima também de Ramil, uma vez que Argentina e Uruguai guardam enorme semelhança em seus modos de vida com o sul do Brasil.

A relação que Vitor Ramil faz entre a escrita e fotografia - para criar Satolep, ele baseou-se em fotos antigas de Pelotas. O gaúcho fala de sua "imaginação visual" e da influência do repertório de imagens em seu projeto literário.

Fonte:
Academia de Letras do Brasil

Ivani Ribeiro (10 Fevereiro 1916 – 17 julho 1995)



Ivani Ribeiro, nome artístico de Cleide Freitas Alves Ferreira, (São Vicente, 20 de fevereiro de 1916 — 17 de julho de 1995) foi uma autora de telenovelas brasileira.
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Durante a sua carreira, usou como pseudônimos Valéria Montenegro em A Moça que Veio de longe (1964) e Arthur Amorim com O Leopardo (1972), exibida pela TV Record, já que era contratada da TV Tupi; esta novela não obteve grande repercussão.

A carreira teve início aos dezesseis anos, paralelamente aos trabalhos como compositora de sambas, radioatriz, cantora e criadora de programas de variedades. Ivani foi a grande recordista entre todos os autores da telenovela brasileira, com mais de quarenta títulos de sucesso.

Formada na Escola Normal de Santos, Ivani mudou-se para São Paulo a fim de cursar a faculdade de Filosofia além da constante incursão pelo rádio, uma das principais metas de trabalho. Na Rádio Educadora, passou a fazer apresentações onde trouxe a público canções folclóricas e sambas, alcançando grande popularidade logo no rádio através dos programas criados, como Teatrinho da Dona Chiquinha e As mais belas cartas de amor; neste último, Ivani mostrou o lado de radioatriz e interpretou uma personagem feminina. Protagonizou também o programa Hora infantil, com músicas e poemas, que obteve grande sucesso e radiofonizou filmes e novelas famosas, onde também atuava como autora. Nesta mesma rádio, fez o programa Infantil, com músicas e poemas.

Posteriormente transferiu-se para a Rádio Difusora onde atuou como cantora interpretando canções folclóricas e sambas sempre acompanhada por uma orquestra. Integrou também o elenco da PRG-2 - Rádio Tupi de São Paulo. Em 1940, já pertencia ao elenco da Rádio Bandeirantes, para a qual transferiu-se juntamente com o marido, Dárcio Alves Ferreira, um locutor muito premiado e respeitado pela crítica especializada, com o qual teve dois filhos, Luís Carlos e Eduardo. Ele também veio a assumir a direção da broadcasting da PRH-9, pela qual lançou novos programas de alto dinamismo, como o programa de calouros A Hora dos Neófitos, voltado para o público jovem.

Nesta rádio, além de atuar como atriz, adaptou peças para o teatro homônimo onde apresentou diversos programas, dentre os quais Teatro romântico, baseado em poemas clássicos da literatura brasileira; Os grandes amores da história, dramatização da vida amorosa de personalidades históricas, A canção que viveu, dramatização de canções brasileiras, e outros. Ivani também foi a primeira mulher brasileira a ter um programa de radioteatro exclusivamente seu, escrevendo e adaptando inúmeras peças, levadas ao ar pela Rádio Bandeirantes, onde havia um programa que levava o nome Teatro Ivani Ribeiro.

Obras no Rádio
1938 - A Hora Infantil - Rádio Educadora
1938 - Teatro da Dona Chiquinha - Rádio Educadora
1939 - As Mais Belas Cartas de Amor (Como atriz e escritora) - Rádio Tupi (SP)
1940 - Os Grandes Amores da História - Rádio Bandeirantes
194? - Teatro Romântico - Rádio Bandeirantes
194? - A Canção que Viveu - Rádio Bandeirantes
194? - Teatro Ivani Ribeiro - Rádio Bandeirantes
1946 - As Minas de Prata - Rádio Bandeirantes
1947 - Mulheres de Bronze - Rádio Bandeirantes
195? - Anjo ou Demônio
195? - A Muralha - Rádio Bandeirantes
1958 - As Noivas Morrem no Mar - Rádio Farroupilha
1959 - A Menina do Veleiro Azul - Rádio Clube do Paraná
196? - Corações em Conflito - Rádio
196? - Ambição - Rádio
1965 - A Mulher Que Morreu no Mar - Rádio
1981 - A Mulher de Pedra - Rádio Atlântica de Santos

Primeiras telenovelas

Na pioneira televisiva e da América do Sul TV Tupi, escreveu em 1952 a série Os Eternos Apaixonados, o primeiro trabalho nesse meio. Dois anos depois, transfere-se para a TV Record, onde escreveu a adaptação do livro A Muralha (1954) e ainda a novela Desce o Pano em 1957. Em 1958, retornou à antiga emissora onde escreveu A Muralha em uma nova versão. Nesta época a autora realizava alguns teleteatros para várias emissoras, mas a atenção principal eram as radionovelas, que ela escrevia para a Rádio Bandeirantes.

No início dos anos 1960, foi contratada pela recém-inaugurada TV Excelsior, onde era uma das redatoras do Teatro Nove. A primeira telenovela diária de Ivani foi Corações em conflito (1963), com direção de Dionísio de Azevedo, que transpunha para o vídeo uma das histórias que o rádio havia consagrado e discutia os problemas que um viúvo tem ao realizar um segundo casamento, interpretado por Carlos Zara. Aliás esta foi a primeira novela diária nacional, já que as duas que a antecederam tiveram seus textos extraídos de originais argentinos.

A partir da adaptação do texto argentino de A moça que veio de longe (1964), o gênero se torna uma constante na grade de programação de todas as emissoras brasileiras. Ivani foi projetada nacionalmente com o horário das 19h30 na TV Excelsior - inaugurada em 9 de julho de 1960, onde liderou uma espécie de laboratório teledramatúrgico, intercalando romance com melodrama - na segunda metade dos anos 60, quando escreveu treze novelas consecutivas com aproximadamente 1600 capítulos - todas com grande sucesso: Onde nasce a ilusão que abordou a temática circense e contou com produção milionária, A indomável ambientada na década de 1920 e sua primeira incursão em um texto cômico em detrimento dos dramalhões daquela época, Vidas cruzadas um sucesso da época que contou a história dos conflitos entre gêmeos e sósias num tema que seria freqüentemente retomado na história da teledramaturgia brasileira, a bem-sucedida A deusa vencida, A grande viagem que era um suspense policial - temática esta retomada com Anjo marcado, Almas de pedra e As minas de prata - esta última baseada no romance homônimo do escritor José de Alencar serviria para uma segunda adaptação na novela A Padroeira (2001) de Walcyr Carrasco - Os fantoches baseada no livro O caso dos dez negrinhos de Agatha Christie, a novela de época O terceiro pecado, A muralha protagonizada por Mauro Mendonça, Os estranhos que contou com a participação de seres extraterrestres , A menina do veleiro azul que teve problemas na seleção de elenco devido à grave crise da emissora e Dez vidas, baseada no livro Caminho da Liberdade de Wanderley Torres, contando a vida de Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier - inconfidente mineiro.

O primeiro grande êxito foi a novela de época A Deusa Vencida (1965), ambientada no final do século XIX, mais precisamente em 1895. Entre os méritos, esta contava ser a novela que foi a primeira a ter uma trilha sonora própria.

Com a falência da TV Excelsior (15 de outubro de 1970), Ivani se transferiu para a TV Tupi, onde emplacou grandes sucessos no horário das vinte horas tradicional da concorrente Rede Globo, como Mulheres de Areia (1973), que foi baseada em uma antiga radionovela de sua autoria, As noivas morrem no ar (1965) e Os Inocentes (1974), inspirada na peça A visita da velha senhora de Durrenmatt e na radionovela de sua autoria A mulher de pedra. Ao longo da novela, ela deixou o roteiro nas mãos do marido para trabalhar na novela A Barba Azul. O tema central também rendeu outras novelas, como Cavalo de aço, Fera radical (ambas de Válter Negrão) e a trama inicial de Chocolate com Pimenta.

Prosseguiu com a espírita A Viagem (1975), inspirada nos livros E a vida continua... e Nosso lar, ambos ditados pelo espírito de André Luiz ao médium Chico Xavier contou com a colaboração do professor José Herculano Pires na última novela da qual Lúcia Lambertini participou pois viria a falecer pouco tempo depois, e O profeta (1977), que também abordou temas espíritas e místicos (como em Os estranhos, A viagem e O terceiro pecado); para escrevê-la, Ivani foi assessorada por um mentor espírita, um psiquiatra, um sacerdote católico e um orientador de candomblé, contando também com a participação especial da apresentadora Hebe Camargo, o médium Chico Xavier e do Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns; a novela ganhou uma adaptação em 2006 exibida pela Rede Globo.

Em entrevista ao Jornal do Brasil (28 de janeiro de 1978), declarou: Focalizando a paranormalidade, que considero um assunto fascinante, armo um debate com a doutrina espírita, a Igreja Católica e a parapsicologia. Mas como sou leiga no assunto, sou assessorada por padres, médicos, médiuns e pais-de-santo. Com essa novela, pretendo despertar a consciência de que precisamos tentar uma maior aproximação do homem com Deus, ao mesmo tempo em que apresento, seriamente, uma ilustração do fenômeno.

Em Aritana (1978) recebeu o auxílio do sertanista Orlando Villas Bôas para abordar a cultura indígena, as diferenças entre os índios e a sociedade dita civilizada; contou também com a colaboração do professor e então administrador do Parque Xingu, Olympio Serra. As gravações só foram possíveis graças ao apoio da Funai e foram feitas no Posto Leonardo em plena selva, e nos estúdios da TV Tupi. A princípio, ela foi mal-interpretada por aqueles que se sentiam ameaçados com os direitos de reivindicação dos índios, como no tema central, em que deseja a posse total das terras para abrigar sua tribo; a intenção da autora foi defendida no especial O Caso Aritana - Uma Novela à Parte, que contou com a participação do diretor artístico da emissora, Carlos Zara, os irmãos Vilas-Boas e grande parte do elenco.

Escreveu também a ecológica O Espantalho (1977), para os Estúdios Sílvio Santos, que abordou o tema da poluição das praias e para redigir o texto de As Bruxas (1970), que abordou assuntos polêmicos à época, tais como o tema da psicanálise de Sigmund Freud, bem como separação de casais e adultério - temas vetados pela censura, que acarretou a mudança de horário -, freqüentou sessões de terapia para que tivesse uma maior compreensão da popularização de análise grupal.

Em 1976, assinou um contrato com os Estúdios Sílvio Santos, com duração de quatro anos. Nesse período escreveu a novela O Espantalho, para a TVS, mas devido ao fracasso dessa novela, a emissora desistiu de investir em teledramaturgia. Sílvio Santos então colocou a escritora à disposição da TV Tupi, em compensação a emisora devia pagar o salário para a escritora; assim Ivani volta à TV Tupi e escreve O Profeta, em 1977 e Aritana, em 1978. Em 1980, com o final de seu contrato com Sílvio Santos e com a falência da TV Tupi, a escritora foi contratada pela TV Bandeirantes.

Ivani foi a principal autora de novelas da TV Tupi na década de 70; por isso, nos últimos dois anos de existência da emissora, os três tradicionais horários de novela foram cancelados e substituídos por reprises de novelas de sua autoria: Gaivotas, de Jorge Andrade, foi substituída pela reprise de O Profeta, Aritana foi substituída por uma reprise compacta de sessenta capítulos de O Espantalho - entre maio e junho de 1979 (que ganharia uma segunda reprise pelo SBT em 1983) e Como salvar meu casamento, a última produção da emissora, que não teve um final exibido, foi substituída pela reprise compacta de A viagem, que não foi terminada devido à grave crise da emissora e da saída definitiva da mesma do ar em 18 de julho de 1980; na reprise, a novela ganhou um novo logotipo e abertura, contando também com outro tema musical.

Depois da falência da TV Tupi, transferiu-se com praticamente todos os colegas autores e de elenco da antiga emissora, para a Rede Bandeirantes, onde escreveu quatro sucessos: Cavalo amarelo (1980). A novela ganhou uma continuação depois do término, Dulcinéa vai à guerra, que não obteve o mesmo êxito e foi escrita por Sérgio Jockyman pois Ivani se recusou a escrevê-la. No mesmo ano foram levados ao ar os remakes de A deusa vencida, e O meu pé de laranja lima; este último é baseado no romance homônimo de José Mauro de Vasconcelos e ganharia uma terceira versão em 1998 adaptada por Ana Maria Moretzsohn, além de uma adaptação para o cinema por Aurélio Teixeira.

Para escrever Os Adolescentes (1981), foi auxiliada pelo psiquiatra Paulo Gaudêncio. Intencionando mostrar os conflitos dos jovens naquele momento, foi substituída por Jorge Andrade, que terminou a obra amenizando os problemas dos jovens centrais e criando personagens novos, inexistentes nos capítulos criados por Ivani anteriormente. Quando Benedito Ruy Barbosa abandonou a escrita da novela Os imigrantes para retornar à Rede Globo, a direção da Bandeirantes resolveu que Ivani deveria abandonar a escrita de Os Adolescentes e assumir Os Imigrantes. Apesar do profissionalismo de Ivani em aceitar esta incumbência, o fato acabou causando uma série de desencontros e o desgaste de sua relação com a emissora, da qual sairia em seguida.

Em 1982 estreou na Rede Globo, onde permaneceu até sua morte. A telenovela que marcou a estréia nessa emissora é Final feliz, foi o último trabalho da atriz Elza Gomes que veio a falecer em 1984, onde a interpretação de Estênio Garcia ganhou os prêmios de Destaque do Ano e Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), fazendo com que o autor fosse contratado pelo governo cearense para promover o turismo naquele estado durante um ano, obteve audiência expressiva, promoveu o merchandising sobre tabagismo, cuja trama focalizava o amor vivido em diferentes idades, bem como uma trama policial e deficiência mental, contando com a colaboração do psiquiatra Stanislau Krinsky e inclusive, retratou características do Nordeste brasileiro e foi a única produção inédita na casa - e última novela inédita de sua autoria, pois todas as outras foram remakes ou baseados em antigos sucessos seus.

Prosseguiu com Amor com amor se paga (1984), ambientada na fictícia cidade de Monte Santo no interior mineiro, inspirada na peça O Avarento de Molière, foi baseada em Camomila e bem-me-quer (1972).

Outro trabalho neste caminho foi Hipertensão (1986), baseada em Nossa filha Gabriela (1971) entretanto sem alterar a estrutura da história onde houve mudanças na espinha dorsal, nos nomes dos personagens, criação de novas tramas formando assim uma nova novela, as cenas externas da fazenda Santa Lúcia foram gravadas em Vassouras (RJ), e ambientada na fictícia cidade de Rio Belo, construída em Guaratiba; O sexo dos anjos (1989) que contou com seqüências gravadas na Amazônia e estação de esqui, efeitos visuais, foi baseada em O terceiro pecado (1968), esta última a primeira incursão no sobrenatural.

O sexo dos anjos não obteve êxito, transpondo para os dias contemporâneos uma história que originalmente se passou na década de 1920; A Muralha, baseada no romance homônimo de Dinah Silveira de Queiroz foi convertida em minissérie em 2000 de 49 capítulos, como parte da comemoração dos 35 anos da TV Globo e também aos 500 anos do Brasil, comemorados em 22 de abril daquele ano - adaptada pela dramaturga portuguesa Maria Adelaide Amaral, afora as quatro apresentações de 1954, 1958, 1963 (estas, de maneira mais simplista, numa época em que as telenovelas brasileiras ainda não eram diárias) e 1968. Maria Adelaide leu os originais que Ivani escreveu para rádio nos anos 1950, para realizar a versão de minissérie da obra, conforme consta em uma entrevista da autora na revista Istoé Gente, de 2000.

Escreveu também os remakes de A gata comeu (1985), comédia romântica ambientada no Rio de Janeiro , o tema de abertura também ficou marcado na memória do público: a música Comeu, de Caetano Veloso, gravada pelo compositor acompanhado pelo grupo Magazine;

Mulheres de areia (1993), a novela deveria substituir Felicidade de Manuel Carlos em junho de 1992, mas como Glória Pires engravidou, sua estréia foi adiada em um ano; em seu lugar, entrou Despedida de Solteiro, de Válter Negrão.

A última novela escrita antes de morrer foi o remake de A Viagem (1994), inspirando-se na filosofia de Allan Kardec. A exibição desta, segundo dados de livrarias especializadas na época, aumentou em 50% a vendagem de livros espíritas; por outro lado, a novela teve protesto de diversos movimentos negros, que enviaram cartas à emissora repudiando a discriminação dos autores por não apresentarem negros no céu, baseando-se na filosofia de Allan Kardec e levantando todas as dimensões da Doutrina Espírita, desde o preconceito dos leigos até estudos científicos: o enredo central, que fala sobre a vida após a morte, comunicação entre vivos e mortos através da mediunidade, reencarnação, intercâmbio entre o mundo material e espiritual, a existência dos espíritos encarnados e desencarnados, a imortalidade do espírito, a vida eterna, crendices populares, possessões, sessões de regressão em vidas passadas, a pluralidade de mundos habitados, a moral cristã rediviva e a caridade; Ivani usou dessa história para apresentar sua crença, contando também com cenas gravadas em um campo de golfe de Nogueira, distrito de Petrópolis (RJ), e também em uma pedreira desativada em Niterói. Inclusive esta novela de tanto sucesso superou os índices de audiência da então novela das oito, Pátria minha, de Gilberto Braga.

Mulheres de areia fez tanto sucesso que nunca obteve uma audiência inferior a cinqüenta pontos - um fenômeno para o horário das seis; na Rússia o sucesso foi tanto que, por decisão do governo, o último capítulo foi exibido no dia em que haveria eleições, para evitar que os eleitores viajassem no feriado e conseqüentemente aumentou a freqüência das zonas eleitorais.

A mais recente adaptação das antigas obras de Ivani foi O profeta (2006), que não era exatamente um remake da primeira versão, foi somente baseada na obra, como a história - a primeira versão da novela era contemporânea e este remake é ambientado nos anos 50 - e a mudança dos nomes de muitos personagens. A novela era ambientada em um supermercado que atualmente foi modificado com uma fábrica de cristais (Áurea) - o cristal é o símbolo da clarividência. A regravação de O profeta já havia sido cogitada anteriormente - mais precisamente em 2004 para substituir Chocolate com pimenta de Walcyr Carrasco, novela aliás que foi inspirada em Amor Com Amor se Paga, mas a emissora acabou optando por Cabocla, de Benedito Ruy Barbosa adaptado por suas filhas Edmara e Edilene Barbosa.

Falecimento e trabalhos póstumos

Ela morreu de insuficiência renal provocada pela diabete, no dia 17 de julho de 1995, aos 79 anos, mas deixou prontos dois trabalhos: a última telenovela, a póstuma Quem é você? (1996), um fracasso de audiência, onde abordou a vida da terceira idade e a farsa dos sexos, protagonizada por Cássia Kiss e Elizabeth Savalla, da qual ela escreveu o argumento e foi redigida pela fiel colaboradora Solange Castro Neves (que escreveu apenas os vinte e quatro primeiros capítulos, transferindo-se posteriormente para a TV Record) e terminada por Lauro César Muniz. O título original da novela era Caminho dos ventos (outro título provisório era Os bonecos). Escreveu também uma minissérie, O Sarau, de doze capítulos baseada em obras do escritor Machado de Assis, projeto este que acabou por ser abortado.

Além desta, Ivani também escreveu o argumento de A Selvagem (remake de Alma cigana, 1964) e O machão, exibidas pela TV Tupi em 1971 e 1974, respectivamente. Esta última foi adaptada de A Indomável (1965), pela TV Excelsior e ganharia uma terceira adaptação em 2000 exibida pela TV Globo, cujo título agora era O Cravo e a Rosa, uma livre adaptação do clássico A megera domada, de Shakespeare. Escreveu também um roteiro para um filme com direção de Roberto Santos - Pantomina. Até a década de 80, Ivani havia adaptado exatos 2922 contos, média de um por dia; além de 1300 peças para rádio. Sem colaboradores ela escrevia dois capítulos de novela, o dobro do que uma equipe de quatro novelistas escreve hoje.

Ivani Ribeiro também foi a única autora a ter suas novelas reprisadas duas vezes na sessão Vale a Pena Ver de Novo: A viagem, em 1997 e 2006 e A gata comeu, em 1989 e 2001, levada ao ar em substituição ao fracasso da reprise dos antigos episódios do extinto programa Você Decide, e foi a novela mais velha a ser reprisada, com dezesseis anos em 2001. Durante a segunda reprise de A viagem, a gravadora Som Livre relançou no mercado a trilha sonora internacional da novela.

Em 1998 a autora e colaboradora de Ivani, Solange Castro Neves, apresentou uma sinopse de A Viagem 2, que seria uma continuação da novela exibida em 1994, mas desavenças entre diretores de emissora, fez com que o projeto fosse abortado.

Fonte:
wikipedia

Festerê Literário prepara clima para 13ª Jornada Nacional de Literatura

Foto: Fabiano Hoffmann
Atividades iniciaram com a pintura do labirinto
do mundo da leitura
A Capital Nacional da Literatura entrou em clima de Jornada de Literatura nesta quarta-feira, dia 15 de julho, com o início do Festerê Literário. A primeira ação foi realizada no labirinto de entrada ao Centro de Referência em Literatura e Multimeios, o Mundo da Leitura, da Universidade de Passo Fundo (UPF), que recebeu a pintura de imagens baseadas no cartaz da décima terceira edição da movimentação literária. As releituras foram desenvolvidas por alunos do curso de Artes Visuais da UPF, por meio da disciplina de Gravuras, ministrada pela professora Mariane Sbeghen.

O principal objetivo do Festerê Literário é divulgar as atividades paralelas e gratuitas da Jornada, integrando ainda música e artes visuais. “Teremos um mês de festividades e ações de literatura”, enfatiza Mariane, destacando as apresentações musicais, teatrais e de dança. Além de divulgar a Jornada, que acontece de 24 a 28 de agosto, no Circo da Cultura, o Festerê Literário constitui-se em espaço de divulgação do trabalho artístico de grupos da cidade.

Para a primeira ação, no labirinto do Mundo da Leitura, foram escolhidas seis pinturas, que serão desenvolvidas ao longo dos próximos dias. De acordo com o estudante do sexto nível do curso de Artes Visuais, Giancarlo Rizzi, as releituras foram focadas basicamente no personagem criado para a 13ª Jornada, o “Livro Robô”. “Meu trabalho já começou quando desenvolvemos a capa do jornal do Mundo da Leitura, onde buscamos dar uma identidade diferente para o personagem com maiores detalhes” explicou Rizzi. O acadêmico, que é estagiário no Mundo da Leitura, foi um dos selecionados para realizar as pinturas.

A Jornada deste ano tem como tema "Arte e tecnologia: novas interfaces". Mais informações sobre a movimentação podem ser obtidas pelo site http://www.jornadadeliteratura.upf.br/ ou em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/13-jornada-nacional-de-literatura-de.html.

Confira a programação do Festerê Literário

12 de agosto
Bourbon Shopping – Passo Fundo
17h – Grupo Música Brasileira da UPF
18h – Método Suzuky – Fac
18h15min – Petipá Espaço de dança

14 de agosto
Apresentação musical e teatral nos ônibus de Passo Fundo, nos horários de maior circulação de pessoas

15 de agosto
Bella Città Shopping
10h – Coral UPF
11h30min - Menino Jesus Coral

15 de agosto
Na Gare
8h30min – Coral da UPF

15 de agosto
Bourbon Shopping
14h - Coral – Colégio Bom Conselho
14h15min - Dança Ensino Médio - Bom Conselho
14h30min - Dança Moderna - Notre Dame
14h45min - Grupo de dança - Notre Dame
15h - Grupos artísticos - Coral
15h30min - Salada brasileira - Marau
15h45min - Dança de rua
16h - Grupo de dança - Colégio Bom Conselho
16h15min - Menino Deus
16h45min – Coral - Notre Dame
17h - Coral UPF
17h15min - Escola Menino Jesus / Notre Dame
17h45min - Coral Infanto juvenil - Notre Dame
18h - Dança Chinesa - CREATI
18h15min - Grupo de dança - DATI
18h30min - Grupo Bem Viver - CREATI
18h45min - Grupo Pupilas da Aldeia
TANZ – Grupo de dança
Grupo Étnico de Danças Folclóricas - UPF

Fonte:
Assessoria de Imprensa da UPF

Documentário sobre o poeta Patativa do Assaré, em Itu



Exatamente no momento em que se comemora o centenário do poeta, compositor e ícone da cultura popular brasileira Patativa do Assaré (nascido em 5 de março de 1909), a Cariri Filmes e a Iluminura Filmes lançam o premiado documentário “Patativa do Assaré: Ave Poesia”, de Rosemberg Cariri. Resultado de mais de 100 horas de gravações e filmagens realizadas num período de 27 anos, o filme é um importante e necessário documento da nossa cultura.

Em Itu será possível assistir ao filme graças ao Projeto Circuito Cineclubista realizado pelo Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, tendo ainda o apoio da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas, Congresso Brasileiro de Cinema e Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural. O projeto tem como objetivo democratizar o acesso da população à produção audiovisual nacional e fortalecer o movimento cineclubista brasileiro através da articulação de um circuito nacional de exibições.

Patativa do Assaré participou de importantes momentos políticos brasileiros: Ligas Camponesas, resistência à ditadura militar, campanha pela Anistia e pelas Diretas Já. Na area cultural, foi homenageado pela Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC) em 1979 e participou ainda dos principais movimentos culturais do seu tempo: Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife, Festivais de Música Popular Brasileira, Grupo de Arte Por Exemplo, Movimento Nação Cariri e Encontro das Culturas Populares do Nordeste, entre tantos outros.

A partir de 1970, Patativa do Assaré passou a simbolizar para os jovens nordestinos uma voz da resistência e das lutas democráticas. A cultura popular nordestina é uma cultura diversificada, rica e universal ao mesmo tempo e é inesgotável fonte de renovação para os mais importantes movimentos culturais e artísticos do País. Escritores, poetas, artistas e pensadores de todo o país tem obras fertilizadas com os signos da cultura nordestina. Como exemplo maior da força comunicativa e social da nossa poesia popular, temos Patativa do Assaré, um dos maiores poetas populares brasileiros de todos os tempos.

Na cidade a exibição do filme acontecerá no dia 19 de julho, domingo, às 18 horas, no Ponto de Leitura - Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima. Além do longa metragem “Patativa do Assaré: Ave Poesia”, serão também exibidos os curtas metragens “Chama Verequete”, documentário poético sobre Mestre Verequete, personagem fundamental da história do Carimbó - ritmo raiz do Pará, dirigido por Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira; e “Conversando com Patativa”, dirigido por Valdecy Alves e Flávio Alves. No Ponto de Leitura existe um espaço de dedicado à literatura popular nordestina, que leva o nome de Espaço Cultural Valdecy Alves, em homenagem a este poeta do cordel.

SERVIÇO
EXIBIÇÃO DO FILME “PATATIVA DO ASSARÉ: AVE POESIA”
QUANDO
: 19 de Julho de 2009, domingo, às 18 horas.
ONDE: PONTO DE LEITURA – BIBLIOTECA COMUNITÁRIA PROF. WALDIR DE SOUZA LIMA.
ENDEREÇO: Rua Floriano Peixoto, 238, Centro, Itu (SP)
QUANTO: Entrada gratuita.
CONTATOS: (11) 8445.6122 / (11) 4813.3556

Fonte:
PONTO DE LEITURA - Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Trova XLV

Clauder Arcanjo (O Retorno do Burguês)


Lutara avidamente para superar as inexorabilidades do destino. Fizera-se homem, edificara posses, construíra uma carreira digna e bendita pelos cânones capitalistas. Carro, casa, esposa e filhos, patrimônio para o futuro, profissão e algumas passagens pelas colunas sociais. Batismo de pequeno burguês. Enfim, aquele estágio que satisfaz o ego dos parentes, que identificam ter com ser, e atrai um ligeiro sentimento de inveja dos não-aquinhoados.

Voltemos no tempo e vejamos como tudo começou. Fora uma criança que não tivera olhos para as brincadeiras da época. Só lhe estimulava os jogos de poder e ganância. Era maluco por ter um níquel entre os dedos. Com o tostão de hoje se preparava para o milhão de amanhã. Avidamente. Sentia-se sempre incomum. Seus conterrâneos, presos e amantes daquela pequena vida, ele com asas sedentas para novos mundos... Um Ícaro em busca do céu da riqueza.

O tempo corria e só aumentava esta ânsia pela posse, compra da vida. Resolvera abandonar a pequena cidade natal. “Aquela gente era muito parada!”, vociferava. “Tal local não reúne as oportunidades para satisfazer minhas ambições!”. Assistira boquiaberto aos programas de televisão na casa de Zé Gerardo, seu colega de colégio, e babara com a visão da metrópole: cheia de cifras e de prédios arranhando os céus. “Gente! Era isso!”, pensara. E não dormira aquela noite, olhos abertos para este novo mundo. Já se via lá, entre os eleitos. Dois meses depois, pé na estrada. Viajara no misto até a cidade próxima e de lá, trem até a cidade grande.

Sofrera e ralara muito. Tudo demandara muito esforço e superação. Foram lutas em matas escuras e densas, parcas de estímulo e cheias de ossadas de desistentes. Só o farol do sonho do ter, lá no fundo, a iludir os músculos e cérebro de que o alvo estava próximo. Anos e anos de estudo, trabalho, luta, poupança, privações e de não se entregar. Hoje aquela rala sensação de que chegara lá. Meio cisma de dever cumprido. Procurava externá-lo com o carro da moda, a mansão moderna apesar de incômoda, a casa de praia opulenta, mas nunca visitada, roupas de grifes, corte de cabelo moderno com creme... Enfim, um exímio cartão-postal ambulante. Um modernoso.

Formara-se, casara-se, montara patrimônio, tivera seus filhos e...

Vários anos escoaram pelo ralo do tempo quando nosso burguês João Batista de Alencar se deparou com alguma melancolia. Certo peito preso, meio indefinível para alguém que se achava detentor de tudo. Passou a sonhar com a sua província e com os seus. Como andavam seus pais Zé e Maria? E os colegas de escola: Pádua, Gazumba, Totonho, Expedito?... Um silêncio cortava o ar.

Os filhos cresceram e, educados em sua cartilha, largaram a família e foram vencer no mundo. E nem mandavam notícias... Certo dia, encontrou-se com os versos de Drummond: “... hoje Itabira é apenas um quadro na parede e como dói...”. Danado desse verso se transformara em uma pedra no meio do seu caminho. Caminhava para morrer gordo, burocrata e feliz, sem grandes atribulações. E um poema no meio do caminho colocara uma pedra na sua consciência. O relógio trabalhava e aquela sensação só lhe cutucava a mente. Como já se percebera supérfluo em sua casa (mulher nos chás e nas fofocas, filhos no mundo brigando por dinheiro), resolveu visitar sua pequena cidade. Precisaria consultar o mapa para não errar o caminho.

Tinham se passados cinqüenta anos.

Ao chegar, não foi reconhecido por ninguém. Rodou a esmo pela cidade, caminhando sem pressa. Aquilo fez uma limpeza em suas memórias, locupletadas de cédulas e vazias de emoção... E as lembranças da infância foram se apresentando. Eram poucas e isso lhe incomodava. Fugira do lúdico na busca frenética e cega pelo vil metal. Rodou pelas ruas da sua província, reconheceu sua antiga casa, hoje ocupada por outra família, visitou a antiga escola, velha e com as paredes prestes a desabar... Tudo foi lhe invadindo o corpo num crescendo, foi tomado por uma enxaqueca forte e súbita, parou. Sentou-se no banco da praça da matriz e chorou. Chorou copiosamente.

As lágrimas escorriam pela face aos borbotões: fora o primeiro choro da sua vida. Aquele líquido, ao sair de seu corpo, limpou-lhe a visão, adubou seus sentimentos e baniu a terrível dor de cabeça. Respirou profundamente aquele cheiro de vida, levantou a face alegre e... Viu debaixo do grande tamarineiro no meio da praça três crianças rindo e jogando bila (na grande cidade eram bolas de gude)...

Aproximou-se, dobrou a camisa de mangas longas, tirou o sapato da moda, pôs os pés no chão de terra batida e propôs comprar uma bila dos meninos, a fim de participar da brincadeira. “Comprar?”, gritou alto o menor deles. “Tome uma para você e entre no nosso jogo. Sempre cabe mais um quando se usa Rexona!”, fechou ele resoluto.

O velho burguês entrou no jogo, fez-se criança e se sentiu, pela primeira vez na vida, conhecedor de algo simples que sua cidade sempre tivera: felicidade.

Fontes:
Jornal de Poesia
Imagem recortada de Fashion Bubbles

Clauder Arcanjo (Caldeirão Poético do Rio Grande do Norte)


ATÉ ONTEM...
(POR ENTRE RESTOS DE ROSAS)

Até ontem, a tarde trazia
um pouco de cheiro de rosa,
apesar de serem poucas
as floradas do meu jardim.
Havia, na cumeeira das casas,
o medo aos morcegos,
aos fantasmas desdentados,
e aos bruxos de antanho.
Mas, nesta tarde fria e longa,
me encontro sem halo
de camélias, e com o vaso
aposentado das rosas.
E com um espinho lancinante
na fala, recendendo a abandono.
Sem jardins, vejo a noite
cair pesada, e tenho saudade
dos meus fantasmas,
dos morcegos de Santana, e
dos bruxedos do faz-de-conta...
A vida lá fora me garroteia,
e agarro-me a estes humildes
restos poéticos, único barco
deste pouco que ficou de mim.

DESPOJOS

O palhaço partiu,
os balões ficaram flácidos,
o bolo carcomido, e
as crianças despedem-se sem graça.

Na rua em frente, um balão a quicar,
com o vento trigueiro a levá-lo...
Preguiçoso, a rolar pelas pedras,
cabreiro, a acenar para a noite da favela.

De repente, uma luz dúbia na janela,
um olho na fresta, e um coração,
infante, a rezar pelo atraso do lixeiro,
para reinar cedo nos despojos da alegria.

MEANDROS

A noite não vem,
o sol não quer se despedir,
e a felicidade pende como promessa.
Enquanto isso, lá fora, nos meandros
dessa tarde infinda, o bicho-homem
insiste em festejos, apesar do peito,
necrotério, repleto da nefasta abulia.

A REGALIA DE UM DESVARIO

Na beira da estrada solteira,
cabelos lisos, sem riso.
Em meio às pedras toscas,
a regalia de um desvario.
À leira do cântico, em estilo,
os versos a escorrerem da boca.
Dentes a mastigar o uivo
da aurora, amistosa, a lhe fazer
em lobo. No canto, contido.

DAS ESCOLHAS

De todas as dores, a mais do meio;
Dos loucos amores, quero o mais doído.
Das flores, a da rosa do centeio;
Desta fria noite, o mal, calmo e banido.
De tudo, o resto do resto do pouco;
Do pouco, pouco, o que foi mais moído;
Mas que, desta funda noite, escoa o soro
De uma vida por demais ultra-sentida.

CABRA DE PEDRA
A João Cabral de Melo Neto

Ser racional, rocha, pedra.
Fitar o consciente, faca afiada.
Correr com o rio do riso, banir o tolo sorriso.
Exorcizar a volúpia, o transbordamento.
Arquitetar, raspar os excessos.
Ouvir o canto primal, verão solar.
Procurar, catar a palavra exata, sonata-miolo.
Nada que falte ou exceda.
Mastigar, ulcerar, triturar o excedente...
Tecer o cerne da pedra, miolo inconsútil da pedra...
.................................................................................
Arquiteto da pureza que choca,
Fostes o maior dos estetas – anti-supérfluo:
Cabra, e cobra, do pensar, e criar, com pedras.
A pedra das pedras. Sem plumas, com unhas.
Poesia severina. Tradução de todas as sinas.
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Fontes:
Antonio Miranda
Jornal de Poesia
Imagem = montagem José Feldman

Clauder Arcanjo (3 Março 1963)


Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido em Santana do Acaraú-CE aos 3 de março de 1963, é cronista semanal, resenhista literário — através do heterônimo Carlos Meireles — e colaborador de sites, revistas e jornais de várias partes do País.

Ensina na UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e da UnP – Universidade Potiguar. Segundo ele, é nesse exercício que se realiza plenamente. Um dos idealizadores do Projeto Pedagogia da Gestão, com várias realizações voltadas para gestão, educação e cultura.

Um cearense que tem Mossoró como sua terra por adoção. Engenheiro, escritor, poeta, cronista. Mas, gosta mesmo de ser apresentado, e saudado, como professor

Cronista semanal do Jornal Gazeta do Oeste (Mossoró-RN), resenhista literário do Jornal Literário Mensal O Clandestino, Menção honrosa do Prêmio de Poesia Luiz Carlos Guimarães 2003, promovido pela Fundação José Augusto – Natal/RN.

No ano seguinte, foi distinguido com nova menção honrosa, desta feita na categoria contos dos Prêmios Literários Cidade do Recife.

A reunião de contos, intitulada Licânia, marca a sua estréia em livro em 2007. Entre seus trabalhos inéditos, o autor tem obras nos gêneros poesia, crônica, minicontos, romance e resenhas literárias.

Fontes:
Antonio Miranda
Jornal de Poesia

Clovis Andrade (Clamor do Mundo)


OS QUE NÃO VIRAM E CRERAM

“Bem-aventurados os que não viram e creram”
(S. João, 21-29)

Felizes são aqueles que passaram
a vida toda crendo e não mentiram,
muito embora sem ver não desdenharam
de coisas que seus olhos nunca viram.

Felizes são os que testemunharam
com viva fé coisas que sentiram
e disseram ao mundo, e acreditaram
em fatos tais que os parvos repeliram.

Bem hajam os profetas que tocados
pela graça de Deus compreenderam
os mistérios da vida irrevelados...

Com os olhos do Espírito buscaram
a Verdade dos que não viram
que, à luz da Eterna Lei, edificaram.


TUDO É DEUS

Mercê de Deus, segundo o panteísmo
a natureza é Deus, assim disperso
no todo e parte pelo sincronismo
das leis do Amor, regentes do Universo.

E Deus é Amor. Está no idealismo
de Spinosa e Platão, no mundo imerso
do espaço-tempo, em meio ao dinamismo
das Esferas, sistema incontroverso.

Deus é o mundo pensando, a sinfonia
da vida, épico poema que exaltamos,
ante o poder da cósmica Energia!

Deus é tudo que existe. Tudo é Deus.
Vibra na idéia, no ar que respiramos,
Desafiando a tese dos ateus!


NÃO HÁ MORTE

“Ora, Deus não é de mortos, e sim, de
Vivos. Laborais em grande erro.
(Marcos, 1: 27)

Somos mortais na carne perecível
por um determinismo universal,
como somos na lei do incogniscível,
algo de Deus, espírito imortal.

Dí-lo bem a Ciência do Invisível;
— a morte é vida à luz potencial
dessa Verdade eterna, imperecível,
culminando sublime no “Eu” real.

Sem os olhos carnais, vislumbro a vida,
além dessa aparência fementida,
em conceitos profundos, positivos...

Nesse reino de Amor e de Verdade,
não há morte, mas imortalidade,
pois “Deus não é dos mortos, sim, de vivos”.


NEGATIVISMO

“O homem é senhor e soberano de tudo que sabe,
Mas é escravo de tudo que ignora”

Por que negar o que se desconhece
no mau vezo de tudo confundir,
o que parece ser e não parece
pelo simples negar, sem perquirir?

Por que negar mofando o que acontece,
em vez de analisar para convir,
onde o poder da Mente permanece
pela razão de ser e de sentir?

Porque o Espírito está na realidade
de tudo acontecer em Luz e Vida
para o conhecimento da Verdade!

Contra os que negam por inconseqüência,
na sua concepção indefinida,
negando por negar sem consciência!


REENCARNAÇÃO

“Segundo o critério espiritualista, o conceito da
evolução implica a necessidade da palingenesica
”.

Dentro da Filosofia
dessa Lei de Causa e Efeito,
só a Verdade faria
de Deus o justo conceito.

Como até compreenderia
a razão do preconceito
de seitas de fancaria
que não merecem respeito...

Ao Carma não há fugir,
pagando em múltiplas vidas
tanto crime a redimir...

Só é crível a redenção
com as almas redimidas,
segundo a REENCARNAÇÃO.
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Sobre o Autor
Clóvis Jordão de Andrade (Pseudônimo: Clóvis Andrade ) nasceu em Macaíba, RN, em 1903.
Obra poética: Imortalidade Poesia ; Musa Amiga do Sonho Poesia ; Versos Diversos Poesia; Clamor do Mundo (Recife, 1959). Livro de inspiração religiosa, cristã, em toda a sua extensão, deste poeta pouco conhecido. Um espiritualista, que acreditava na Reencarnação.

Fonte:
Antonio Miranda

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Trova XLIII


Imagem:
Montagem de trova e chifres sobre caricatura de Nilmar Piacentini, in Bau do Luizinho

Cruz e Souza (Sonetos)


PIEDADE

O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.

Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.

Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.

É como se o meu ser compadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

CAMINHO DA GLÓRIA

Este caminho é cor de rosa e é de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.

Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.

É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminho.

Os seres virginais que vêm da Terra,
Ensangüentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.

PRESA DO ÓDIO

Da tu'alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu'alma abalou de lado a lado.

Que te infalamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!

ALUCINAÇÃO

Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas,
Ondas em convulsões, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritões engasgada de pragas.

Velhas chagas do sol, ensangüentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trágica ruína em vastidões pressagas.

Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, à-toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?

Que Nirvana genial há de engolir tudo isto -
- Mundos de Inferno e Céu, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhões do Mar?!

VIDA OBSCURA

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

CONCILIAÇÃO

Se essa angústia de amar te crucifica,
Não és da dor um simples fugitivo:
Ela marcou-te com o sinete vivo
Da sua estranha majestade rica.

És sempre o Assinalado ideal que fica
Sorrindo e contemplando o céu altivo;
Dos Compassivos és o compassivo,
Na Transfiguração que glorifica.

Nunca mais de tremer terás direito...
Da Natureza todo o Amor perfeito
Adorarás, venerarás contrito.

Ah! Basta encher, eternamente basta
Encher, encher toda esta Esfera vasta
Da convulsão do teu soluço aflito!

GLÓRIA

Florescimentos e florescimentos!
Glória às estrelas, glória às aves, glória
À natureza! Que a minh'alma flórea
Em mais flores flori de sentimentos.

Glória ao Deus invisível dos nevoentos
Espaços! glória à lua merencória,
Glória à esfera dos sonhos, à ilusória
Esfera dos profundos pensamentos.

Glória ao céu, glória à terra, glória ao mundo!
Todo o meu ser é roseiral fecundo
De grandes rosas de divino brilho.

Almas que floresceis no Amor eterno!
Vinde gozar comigo este falerno,
Esta emoção de ver nascer um filho!

A PERFEIÇÃO

A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.

Noss'alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.

Noss'alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!
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Fonte:
Obras Completas de Cruz e Souza: Poesia I (Broqueis, Pharoes, Últimos Sonetos). Rio de Janeiro: Editora Annuario do Brasil, 1923.

Uelington Farias Alves (Cruz e Souza: O Dante Negro)

Uelington Farias Alves é um dos mais famosos críticos literários do mundo afro-brasileiro e importante resenhista do "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro. Autor de autor quatro livros sobre Cruz e Souza, o mais importante representante da simbolismo no poesia brasileira, Uelington, ao que tudo indica, resolveu imprimir mais força ao seu ciclo Cruz e Souza. Ele lançou, em dezembro passado, pela Pallas Editora, seu quinto livro sobre o poeta: " Cruz e Souza: Dante negro do Brasil", de 410 páginas, editora Pallas, do Rio de Janeiro, em comemoração aos 110 anos da morte do poeta catarinense, trazendo como sempre documentos e poemas inéditos sobre o festejado poeta, cuja obra é comparada ao trabalho dos representantes da poesia simbólica francesa como Mallarmé. Com este novo trabalho, Uelington se consagra como o maior estudioso da obra do maior poeta do simbolismo brasileiro.

No novo trabalho, o crítico literário negro mexe em alguns mitos. Por exemplo: quem pensa que Cruz e Souza foi um poeta negro que sabia seu lugar entre os literatos da época, está enganado. Segundo o estudioso, Cruz e Souza, filho de escravos, educado por uma família branca catarinense em fins do século XIX, militou a favor da universalização da educação para os brasileiros. Como o jornalista José do Patrocínio, ele foi um abolicionista de mão cheia.

Segundo o autor de " Cruz e Souza: Dante negro do Brasil", Cruz e Souza é um poeta mal compreendido e pouco aceito pelas elites literárias brasileiras. Existe até uma má vontade pelo fato de um negro ser o maior poeta simbolista de todos os tempos e não os literatos brancos.

Cruz e Souza nasceu em Desterro, atual Santa Catarina, em 1861, filho de escravos. Estudou graças ao empenho dos seus pais, que, embora analfabetos, não desejavam o mesmo destino para os filhos. Poeta e tuberculoso, Cruz e Souza faleceu aos 36 anos, em 1898, no Rio de Janeiro, deixando uma grande obra poética.

Seu grande biógrafo, Uelington Farias Alves, é carioca, jornalista, escritor e crítico literário. Publicou cinco livros, entre os quais se destacam " Poemas inéditos com Cruz e Souza" (Prêmio da Academia Brasileira de Letras, de 1991) e "Poemas inéditos de Cruz e Souza"(Destaque da Bienal do Livro de São Paulo, de 1996, segundo a revista "Veja").

No cinema, Uelington foi consultor do longa-metragem "Cruz e Souza: poeta do Desterro", de Sylvio Back. O crítico tem ainda a Medalha de Honra ao Mérito concedida pelo Governo de Santa Catarina pelos seus estudos sobre Cruz e Souza.
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Acompanhe, agora, a entrevista que Uelington concedeu ao site Questões Negras

QN - Você pode nos dar um perfil de sua atuação profissional como crítico literário?

UELINGTON - Sou jornalista profissional e professor de literatura brasileira. Faz algum tempo que me dedico à pesquisa histórico-literária e à crítica de livros, trabalho que venho desenvolvendo desde o final dos anos de 1980, mas que se firmou quando passei a escrever para o "Diário Catarinense", no ano de 1990. Ganhei alguns prêmios importantes em minha carreira de escritor: o Silvio Romero de pesquisa história literária da Academia Brasileira de Letras, em 1991, e duas medalhas de Honra ao Mérito, pelo Governo do Estado de Santa Catarina e pela Câmara Catarinense do Livro.

QN - Você tinha quatro livros sobre Cruz e Souza . Porque resolveu fazer o quinto?

UELINGTON - Os meus livros anteriores, hoje esgotados e encontrados apenas em alguns sebos, sobretudo pelo internet, foram livros construídos com base nos meus primeiros anos de pesquisa histórica. Não me furto a dizer que, no geral, são livros incompletos. Ao escrever este novo livro procurei completar o meu trabalho de pesquisa, dando uma dimensão maior ao trabalho que venho realizando durante tantos anos, buscando sempre fontes ignoradas por estudiosos e biógrafos do poeta negro. Ora, isto me levou a percorrer caminhos novos, trazendo surpresas agradáveis, como revelações sobre sua descendência, o encontro de inéditos, tanto em prosa, quanto em versos, bem como a aproximação do poeta com seu mundo familiar e as questões do seu tempo, como o abolicionismo e a república.

QN - Que novidade traz neste novo livro?

UELINGTON - Algumas importantes do ponto de vista racial e histórico-literário. Primeiro: o relacionamento do poeta com seus pais. Numa determinada passagem, vamos descobrir que Cruz e Sousa foi educado em função da dedicação dos pais, não dos seus senhores, como a história gosta de contar. Um documento da época demonstra perfeitamente o esforço de Mestre Guilherme pela educação dos filhos (Cruz e Sousa tinha um irmão), buscando na brecha da lei meios para dar educação aos seus, embora "pobre jornaleiro, que tudo sacrifica" pela educação dos meninos (como está textualmente num documento datado da década de 1870). Outra descoberta importante é referente à comunidade negra do Desterro, que ele freqüentava e junto a ela fazia ouvir ao piano. Músico e poeta, Cruz e Sousa também foi autor teatral, algo ignorado pelos biógrafos, igualmente o fato de ter deixado um romance inicialmente publicado na imprensa, do qual se conhece apenas, e infelizmente, três capítulos. Tudo isso está detalhado no meu trabalho.

QN - Você acha que a obra de Cruz e Souza é mal divulgada no Brasil?

UELINGTON - Não só de Cruz e Sousa, mas especialmente as obras dos poetas. Cruz e Sousa é, como os demais, mais uma vítima do preconceito com os poetas e os sonhadores. Eu diria que, apesar de tudo, Cruz e Sousa foi alvo de quatro biografias ou perfis biográficos: a de Nestor Vítor, escrita em 1896, ainda em vida do homenageado, a de Aberlado F. Montenegro, "Cruz e Sousa e o movimento simbolista brasileira", (de 1954, cuja terceira edição é de 1998), a de Raimundo Magalhães Júnior, "Poesia e Vida de Cruz e Sousa", (de 1961, cuja terceira edição é de 1975), e a minha, "Cruz e Sousa: Dante Negro do Brasil", (Pallas Editora, 2008). Existem ainda centenas de artigos, ensaios, teses e dissertações de mestrados a respeito do poeta, além do que se produziu sobre ele no exterior. Portanto, eu não diria que ele é tão mal divulgado; é talvez, por ser negro, é mal compreendido e pessimamente aceito pela elite branca, que é a que domina os estudos acadêmicos, que são, de longa data, os mais divulgados no Brasil.

QN - Como ocorreu seu interesse pela obra de Cruz e Souza?

UELINGTON - Vem, talvez, da infância, quando vi uma poesia e uma foto ou imagem dele numa dessas enciclopédias que meu pai, Enes de Oliveira Alves, comprava na porta de casa. Numa visita às páginas de uma dessas enciclopédias (eram muitas, ele comprava todas as que apareciam, o vendedor era esperto), li sobre a história daquele poeta, filho de escravos, com uma vida triste e um poema melancólico, que era o soneto "Alma ferida". Perguntei a minha mãe se tinha um poeta negro, e ela, com aquela simplicidade exemplar, que só a Dona Flora tem até hoje, me disse: Meu filho, se tá aí no livro é porque tem. E ponto final. Mas tarde, na escola secundária, aprofundei meus contatos sobre literatura, e o Cruz e Sousa foi uma chave que me ligou indelevelmente ao mundo.

QN - Cite poemas dele que você mais gosta.

UELINGTON - São vários os poemas e textos em prosa que admiro em Cruz e Sousa, publicados em livros como "Tropos e fantasias", "Broqueis", "Faróis", "Últimos sonetos", "Missal" e "Evocações". Têm os poemas "Crianças negras", "25 de Março", "Vida interior", "Ser livre", "Violões que choram...," "Assim seja", "Caminho da glória", "Sorriso interior", "Assinalado", "Cavador do infinito", "Ironia das lágrimas", "Ressureição", "Esquecimento", "Foederis Arca", "Consciência tranqüila", "Emparedado", entre muitos outros.

QN - Cruz e Souza teve algum desempenho social-militante em sua vida?

UELINGTON - Cruz e Sousa, como mostro no meu novo livro, foi um homem de avançadas idéias socialistas, preocupadas, sobretudo, com a educação do povo. Descobri um artigo seu inédito em livro onde ele prega a universalização da educação. Outra bandeira importante foi sobre o abolicionismo. Textos inéditos demonstram que ele combateu com todas as suas forças o regime escravista, o que resultou no início do processo de forte discriminação contra ele e sua família, como há relatos de sua mãe, Carolina de Sousa.

QN - Você poderia fazer uma comparação entre as trajetórias de José do Patrocínio, Cruz e Souza e Machado de Assis?

UELINGTON - São trajetórias de negros bastante diferentes. José do Patrocínio foi um negro que ascendeu na sociedade dos brancos, chegou a casar com uma mulher branca, sua ex-aluna, cuja família tinha posições na sociedade da época. Foi, sobretudo, dono de jornal, chegou a ser remedianamente rico, mas, no fundo, foi um jornalista e intelectual. Sua obra de ficção está por ser estudada. Machado de Assis foi essencialmente um romancista e poeta. Seu propalado distanciamento da questão racial é uma estratégia de sobrevivência num meio hostil a homens mulatos que professavam tais pensamentos. Mesmo assim não foi indiferente, e o professor Eduardo de Assis já provou isso em obra importante que foi o seu " Machado de Assis afrodescendente" (Pallas Editora). Cruz e Sousa sofreu por estar no lugar errado na hora errada. Sem meios e com um orgulho bastante elevado, se distanciou de todos, assim que passou a sofrer os primeiros reveses dos literatos da época. Os enfrentou a seu modo e perdeu: a pobreza e a doença os fez ver isso.

QN - Você vai fazer o lançamento do livro em Santa Catarina?

UELINGTON - Provavelmente a Pallas Editora, através da Cristina Warth, deve organizar um lançamento na terra natal do poeta biografado. Já há solicitações das academias de letras locais, de professores ligados as universidades, nesse sentido. Penso que não seria justo não haver lançamento lá, mas fica a critério da editora resolver e decidir sobre esta questão, indo não só a Santa Catarina, mas em outros estados, como em Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia, São Paulo e Minas Gerais, que têm um histórico de aceitação sobre o que o poeta produziu.

QN - Existe ainda parentes de Cruz e Souza vivos ? Como eles vêm seu trabalho?

UELINGTON - Parte da descendência de Cruz e Sousa mora no Realengo, outra parte em outros bairros da Zona Oeste. Já tive muito contato com a família, ao tempo que a matriarca Erci Cruz e Sousa era viva. Depois, este contato se perdeu um pouco. Não sei como eles hoje vêem o meu trabalho, mas espero que vejam.

QN - Além de você, existem mais críticos literários negros no Brasil? Se existem, quais? São ligados à causa negra?

UELINGTON - Não tenho conhecimento se existem outros críticos literários negros no Brasil. É bom que se diga que a crítica literária é um atividade regular, que requer dedicação e necessita de seriedade e desprendimento. Penso mesmo que a crítica não é um trabalho de aventura, de quem escreve algo sobre um livro e se acha crítico da noite para o dia. A crítica carrega em si uma metodologia de concepção, que vai muito mais além da leitura de um livro; chega a ser a abordagem de uma obra num aspecto que, muitas vezes, nem o seu autor chegou a perceber.

QN - Como você analisa seu papel de crítico literário do "Jornal do Brasil"?

UELINGTON - Penso que não chego a ter um papel de crítico literário no "Jornal do Brasil", quando escrevo para o caderno " Idéias". O "JB" me permite um espaço onde tenho liberdade de expressar o que quero, sem o comprometimento com livrarias, editoras e autores tais. Certa vez, fiz a crítica tão dura de um livro de um determinado autor e pensei comigo: esse cara vai me matar. O caso é que o autor, que era baiano e estava de passagem pelo Rio quando leu o meu texto, teve uma atitude completamente diferente. Ele achou que fui sincero; e gostou da crítica.

Fonte:
Questões Negras

Adonias Filho (História de Emílio)

Pintura de Van Gogh
Paulino Duarte sabia, desde que Miguel Duarte morrera, ele sabia que, bem no abismo da sua alma, havia um grande medo inexplicável. Uma coisa inexprimível, irreversível, estagnante, que o fazia ouvir vozes, particularmente aquela voz vazia que pronunciava o nome de Lica. Era como alguém que endoidecia, vagando pela casa fechada, trêmulo, escutando alarido do vento nas palmeiras do quintal. Os ratos corriam na despensa, calafetava os buracos das paredes com canhamaço. As vozes, porém, continuavam, fracas como um bocejo. Pálido, da sala, só encontrava sossego quando abria a porta e chamava os cães aos berros. Entre eles, as pulgas mordendo, sentia-se calmo e adormecia. No entanto, na noite seguinte o mesmo martírio, a mesma tortura. Algumas vezes, no reflexo da luz, distinguia o rosto do pai bêbado, a barba falhada de Juca Pinheiro. Foi em uma dessas noites, pouco tempo após a morte de Miguel Duarte, que ouviu, dentre o ruído da chuva, fortes pancadas na porta da cozinha. Acorreu, empunhando o facão, e abriu a porta com um grito: “Quem está batendo aí?” E, encontrando um homem, quase despido, inteiramente molhado, perguntou: “A quem você procura?” O homem respondeu: “Miguel Duarte.” Deteve-se, o coração aos saltos, e respondeu: “Miguel Duarte! Miguel Duarte morreu!” O homem apertou as mãos, uma na outra, como se estivesse com frio, e disse: “Eu preciso falar com Miguel Duarte, a minha conversa é sobre Ubaldo, que está morto e bem morto.” Paulino Duarte recuou, exaltado: “E foi você quem matou Ubaldo? Ubaldo... Mas, quem é você? Que tem a ver meu pai com esse Ubaldo?” O homem fitou-o de relance, respondendo: “Lica, sabe. Faze anos, muitos anos... Ah! O meu nome? Emílio, sim senhor, Emílio.” Entrou na cozinha, os olhos nas panelas, dando a entender que estava faminto.

Comera fartamente, a corcunda deformando o dorso. Depois, sentando-se, acendeu o cachimbo. Disse, a voz pairando no ar como uma lástima: “Eu não posso sair, ficarei aqui durante muitos anos.” Calou-se, sacudindo a cabeça como um tonteado, embuçado no solilóquio que se revelava pelo cochicho dos lábios. Paulino Duarte, alegre por encontrar alguém que lhe fizesse companhia, ouvindo o latejar das próprias têmporas, julgou fosse ele um pouco doido. Perguntou-lhe: “Mas, como foi isso? De onde vem seu conhecimento com meu pai? Por que Juca Pinheiro nunca me falou nisso?” Ele interrompeu: “Espere, espere, eu conto.” E, já na sala, trajando uma roupa enxuta que Paulino Duarte lhe emprestara, a luz empalidecendo o seu rosto como se fosse de cera e um escultor o houvesse feito naquela hora , começou a narrar a sua história. Paulino Duarte não o interrompeu uma única vez.

- Coisas existem, na nossa vida, infalíveis como a própria morte. Tarde ou cedo, acabam por chegar um dia. Precisamos aguardá-las com insensibilidade, quase com desprezo, para vencê-las ou por elas sermos vencidos. A desgraça que me esperava era uma coisa assim. Eu sabia que ela chegaria. Juro, pela minha honra, que sabia. Aguardei-a, prevenido, dizendo a mim mesmo, aconselhando-me naqueles ermos de Duas Barras: “O difícil, Emílio velho, não é vencer, o difícil é saber fracassar.” E esperava, hora a hora, que viesse, e me agarrasse impiedosamente, transformando-me nisso, neste homem acuado que agora sou. Antes - faz tantos anos , apesar de doente, sempre fora uma criatura mais ou menos feliz. Meu pai, que Deus o tenha no céu, morrendo, deixou-me a sua pequena fazenda. Vivia deslumbrado, sem nenhum amargor, amigo de todo mundo. Ali, esquecido naqueles ermos, aprendi a esmiuçar as coisas, decifrar os mistérios, o campo me ensinava, ajudava-me a compreender a vida. Tudo possuía um aspecto de alegria eterna, o sol ou o vento, a noite ou a água. Gostava de ficar deitado sobre a “barcaça” aberta, sonhando, contando indefinidamente as estrelas do céu. Idealizava, naquelas noites de solidão, o céu nos meus olhos como um desenho mágico, idealizava grandes aventuras, exóticas histórias de amor e guerra. Sentia-me inocente como a ave de ninho feito na cumeeira da casa. Assim - como é triste lembrar! - decorreram anos, muitos anos da minha vida. Uma tarde, porém, voltando do rio, encontrei um homem, uma pessoa estranha. Chamava-se Manuel Pedro.
Quer saber quem era Manuel Pedro? Como era Manuel Pedro? Olhos vivos de gato em uma fisionomia parada de estátua. Dir-se-ia não haver sangue, sangue e nervos, no rosto chato. Apenas um bloco de carne, sem pêlos, nariz acurvado como bico, testa ampla, boca pequena, sempre fechada, escondendo os dentes de animal carnívoro.

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Adonias Filho (1915 – 1990)



Adonias Aguiar Filho (Itajuípe, 27 de novembro de 1915 — Ilhéus, 2 de agosto de 1990) foi um integralista, jornalista, crítico literário, ensaísta e romancista brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.
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Era filho de Adonias Aguiar e de Raquel Bastos de Aguiar.

Em 1936, dois anos após ter concluído seu curso secundário em Salvador, mudou-se para o Rio de Janeiro, na época capital do Brasil, onde retomou a carreira jornalística, iniciada em Salvador. Colaborou com o jornal Correio da Manhã e atuou como crítico literário nos Cadernos da "Hora Presente", de São Paulo em 1937, no "A Manhã", nos anos de 1944 e 1945 além do "Jornal de Letras" (1955 a 1960) e do "Diário de Notícias" (1958 a 1960). Em São Paulo, colaborou também com o O Estado de S. Paulo e "Folha da Manhã".

Entre os anos de 1946 e 1950, dirigiu a Editora "A Noite". Foi diretor do Serviço Nacional de Teatro, em 1954 e diretor da Biblioteca Nacional nos anos de 1961 a 1971. Ainda como diretor, trabalhou na Agência Nacional do Ministério da Justiça.

Adonias Filho foi consagrado com o título de imortal pela Academia Brasileira de Letras em 14 de janeiro de 1965. Recebeu em 23 de maio de 1969 a posse da cadeira número 21 da Academia Brasileira de Letras pelas mãos do acadêmico Jorge Amado.

No ano de 1966 foi eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa e no ano seguinte, membro do Conselho Federal de Cultura sendo reconduzido em 1969, 1971 e 1973. Foi presidente da Associação Brasileira de Imprensa em 1972 e presidente do Conselho Federal de Cultura de 1977 até 1990, ano de sua morte.

Adonias Filho, como escritor, buscou inspiração para as suas obras de ficção na zona cacaueira próxima a Ilhéus, interior da Bahia, local onde nasceu e passou sua infância. Esse ambiente é notado logo no seu romance de estréia, "Os servos da morte", publicado em 1946. No romance, aquela realidade serviu-lhe apenas para recriar um mundo carregado de simbolismo, nos episódios e nos personagens, encarnando um sentido trágico da vida e do mundo. Foi ligado ao grupo Festa.

A utilização de recursos altamente originais e requintados, adaptados à violência interior de seus personagens, faz de Adonias Filho um integrante do grupo de escritores que, a partir de 1945, a terceira fase do Modernismo, se inclinaram para um retorno a certas disciplinas formais, preocupados em realizar a sua obra, por um lado, mediante uma redução à pesquisa formal e de linguagem e, por outro, em ampliar sua significação do regional para o universal. Seus romances e novelas serão sempre destaque na literatura de ficção brasileira contemporânea.

Suas obras foram traduzidas para o inglês, o alemão, o espanhol, o francês e o eslovaco.

Faleceu sua fazenda Aliança, em Inema (sul da Bahia), logo depois de perder sua amada esposa.

Prêmios
Prêmio Paula Brito de crítica literária (Guanabara, 1968), com o livro "Léguas da promissão",
Golfinho de Ouro de Literatura (1968),
Prêmio PEN Clube do Brasil,
Prêmio da Fundação Educacional do Paraná (FUNDEPAR)
Prêmio do Instituto Nacional do Livro (1968-1969)
Prêmio Brasília de Literatura (1973), da Fundação Cultural do Distrito Federal.
Prêmio Nacional de Literatura (1975), do Instituto Nacional do Livro, na categoria de obra publicada (1974-1975), com o romance As velhas, e Prêmio Jabuti na categoria romance.
Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia, em 1983.

Obras

Renascimento do homem - ensaio (1937)
Tasso da Silveira e o tema da poesia eterna - ensaio (1940)
Memórias de Lázaro - romance (1952)
Jornal de um escritor (1954)
Modernos ficcionistas brasileiros - ensaio (1958)
Cornélio Pena - crítica (1960)
Corpo vivo - romance (1962)
História da Bahia - ensaio (1963)
O bloqueio cultural - ensaio (1964)
O forte, romance (1965)
Léguas da promissão - novela (1968)
O romance brasileiro de crítica - crítica (1969)
Luanda Beira Bahia - romance (1971)
O romance brasileiro de 30 - crítica (1973)
Uma nota de cem - literatura infantil (1973)
As velhas - romance (1975)
Fora da pista - literatura infantil (1978)
O Largo da Palma - novela (1981)
Auto de Ilhéus - teatro (1981)
Noites sem madrugada - romance (1983).

Fonte:
Wikipedia

Aluísio de Azevedo (Hamleto)



Todo o homem inteligente, que tenha lido durante a vida mais de dez livros de literatura, sente um delicado abalo e um ligeiro frêmito nervoso agitarem-lhe o coração, todas as vezes que vê anunciado, por um ator de nome, o inabalável Hamleto de Shakespeare.

E só com o Hamleto acontece isto. Donde lhe virá tão transcendente privilégio? Qual o segredo da magia dessa misteriosa obra de arte, que assim acorda ao mesmo tempo mil impressões, sem que destas nenhuma entretanto se definisse até hoje claramente?

Todos conhecem Hamleto; muitos o discutem; ninguém e nega; todos o aceitam; todos o desejam; todos o amam doidamente; mas ninguém o explica; ninguém o define, porque o próprio Hamleto não se explica, nem se define a si mesmo. Não se define, porque ele próprio é a mesma dúvida; é a mesma contradição; ele é o indefinido afeiçoado por um poeta de gênio.

Anunciado o Hamleto, correm todos a vê-lo inda uma vez; mas, por melhor que seja a interpretação que lhe dê o artista ninguém até hoje saiu do teatro amplamente satisfeito por ter visto mover-se em cena o Hamleto sonhado pelo seu coração e pela sua inteligência.

Nenhum trágico deu jamais ou será capaz de dar ao vivo esse tipo-enigma, esse idolatrado mito, que vive na imaginação de todos, porque fia Hamleto, posto que muito humano, não é homem.

Não é um personagem em arte, é um símbolo. É a dúvida, intangível e incorporável como o indefinido. E nisso está o seu valor. Todos o compreendem, mas ninguém o define em crítica, nem o traduz em cena satisfatoriamente.

Todos o sentem; todos o compreendem; todos o conhecem, como a um íntimo e querido companheiro da sua própria alma e da sua própria incerteza. Pelo espírito de todo o homem inteligente, por mais curta, mais longa, mais tranqüila ou agitada que seja a sua vida, já pelo menos uma vez, atravessou essa misteriosa sombra, com O seu olhar estranho, embaciado pela indefinida tristeza da dúvida. E essa sombra nunca mais se apagou desse espírito.

Por todo o cérebro, iluminado pelo menos por uma idéia, já algum dia se arrastou gemendo a desvairada melancolia de Hamleto, perguntando à dor da sua própria dúvida, o irrespondível “ser ou não ser”? E o eco desse gemido sem resposta aí ficou gravado para sempre, como a saudade de um amor, ou como o remorso de um crime.

Shakespeare, que formou genialmente os seus tipos com a intensidade das próprias paixões que eles sintetizam; ele que criou o Ciúme com o próprio ciúme; a Loucura com a própria loucura; a Avidez com a própria avidez e o Amor com o próprio amor – fez o Indefinido com o próprio indefinido.

Se Hamleto não fosse contraditório; se fosse explicável e coerente, seria incoerente e contraditório, e nunca seria Dúvida.

Ele é todo feito de contradições; é enérgico e vacilante; indiferente e apaixonado; vingativo e carinhoso; louco e sensato; hipócrita e sincero; paciente e desensofrido; prudente e arrebatado; generoso e pérfido; é bom e é cruel; é bom filho, e é mau filho. As suas lágrimas são escarninhas e o seu sorriso dói. O seu amor é uma queixa contra o seu próprio amor, e o seu ódio é a seiva e é a vida do seu coração. Ele é a Dúvida, que só se define pela dúvida. Ele é a Contradição, que só se afirma pela contradição. Ele é enfim o indefinido.

Ele é o Indefinido quando diz a Ofélia que nunca a amou, mas que a ama agora, contanto que ela nada espere desse amor e se recolha a um convento. Ele é Contradição quando diz que todos os homens, sem excetuar nenhum, nem ele próprio, suo miseráveis, tendo afirmado que seu pai, o rei da Dinamarca, era tão belo modelo de valor e virtudes que só aos deuses podia ser comparado. Ele é contradição no seu extremoso amor filial, porque ele é o carrasco de sua própria mãe. Ele é Contradição quando, tendo já se encontrado e entendido com o espetro de seu pai, que lhe faz revelações imprevistas, vem depois, no célebre monólogo do terceiro ato, falar-nos dessa outra margem oposta à da vida, a morte, donde, afirma ele, nunca ninguém voltou ao mundo que habitamos. Ele é Contradição quando, tendo friamente assassinado Ofélia com a sua cruel indiferença, lança-se diante do cadáver dela, desafiando a quem na terra a possa amar mais do que ele.

Toda essa contradição é a Dúvida.

E porque Hamleto é a Contradição, Hamleto é inexplicável, é vago, é sombra que escapa à grosseira vista dos sentidos, e só pode ser bem julgada e compreendida pelo espírito e pelo coração. Ele, só dentro de nós mesmos, existe real e perfeito; desde que qualquer arte plástica pretenda dar-lhe forma, as suas fantásticas proporções logo se amesquinham, e Hamleto deixa de ser Hamleto como todos o conhecem.

Hamleto fora da nossa imaginação é um polvo fora d’água.

Ele pertence a todos e pertence a cada um em particular. O abalo que se experimenta ao ouvir o seu nome mágico parece a cada indivíduo um caso privado de simpatia. É que Hamleto é a misteriosa expressão da dúvida de cada um de nós. Todos nos embriagamos com esse doloroso e eternal idílio entre o conhecido e o desconhecido.

Pensar em Hamleto é pensar em Ofélia. Menos ideal do que ele, mais terrena, mais sensual, ela é também ainda assim uma visão intangível. Ofélia, toda branca, toda loura, toda amorosa, esbate-se como sombra abraçada à sombra de Hamleto; mas a loucura que nele é sonho e embriaga, nela é realidade e dói.

Só um instante ela é mulher. A sua carne de virgem desaparece desde que ela inclina a dourada fronte, vencida n’alma pela irresistível dúvida do seu príncipe incompreensível, e a pensativa sombra de Hamleto arrasta-a para o indefinido.

Ofélia é triste e contraditória estrela, que se acende à luz do dia e desmaia à sombra da noite. E’ uma estrela afogada na noite da Dúvida.

O seu diálogo com Hamleto é o melancólico idílio de uma luz que morre e suspira com a treva que geme e arqueja.

Há por entre as suas frases doloridas todos os soluços da miséria humana, como entre as de Hamleto há toda a velha agonia da dúvida em que nos arrastamos na vida.

- Eu te amei… Outrora…

- Assim o supus…

- Não devias acreditar… Eu nunca te amei…

- Ai!…

- Entra para um convento… não queiras ser mãe de pecadores. Nós somos todos miseráveis… Fecha-te num claustro…

- Os mimos de amor que me destes aqui os tendes, levai-os… já não têm perfume… o coração que mos deu já me não ama…

- Ah! Ah! és virtuosa?…

- Senhor…

- És… bela?

- Meu senhor…

- Bela e virtuosa. Separa a tua formosura da tua virtude, porque a beleza tem garras fortes e a virtude fraca defesa…

- Meu senhor…

- Entra para um convento… Eu supunha que te amava dantes… Só agora é que te… Faze-te freira…

E a estrela apaga-se de todo e a treva fecha-se na treva, deixando para sempre no espírito de quem escutou o seu idílio a saudade de unia música indefinida, feita de suspiros e de soluços.

* * *

E, pois, quinta-feira passada corri ao teatro Lírico. E o Sr. Novelli disse-me do palco, não sei em nome de quem, que Hamleto era “Histrião por vingança”.

E, com efeito, um calculado doido começou com a sua calculada loucura a intrigar, nem só todos os outros personagens da peça que se representava, como a mim próprio e aos outros espectadores que o ouviam.

Desconheci a tragédia. No fim de algum tempo perguntava a mim mesmo quem seria aquele violento intrigante, aquele sensual dinamarquês que vociferava contra os seus companheiros de cena.

E, â proporção que o Sr. Novelli refundia Shakespeare, Hamleto, a misteriosa sombra que persiste dentro de todo o homem que já leu dez livros literários, ia-se a pouco e pouco afastando de mim, até que, ao terminar o espetáculo, quando o falso doido estica-se e morre, já o meu querido e misterioso Príncipe da Dúvida, que nunca me abandonara o espírito desde que o conheci, tinha de todo me fugido; e eu comecei a sentir-me só, frio, abandonado moralmente, viúvo de um velho companheiro espiritual.

Tive vontade de chorar.

E então apoderou-se de mim um desejo forte, desensofrido de ver Hamleto, de ouvi-lo para matar saudades, de senti-lo vivo, para me convencer de que o Sr Novelli não o tinha assassinado para sempre.

Corri a casa e reli avidamente o divino poema da Dúvida.

Ah! felizmente, antes de adormecer, já de olhos fechados, achei de novo a querida sombra pensativa; estava defronte de mim, imóvel, a fitar-me com um triste olhar de tédio e de desdém, como se eu tivesse culpa do que. sucedeu quinta–feira no teatro Lírico.

Ela voltou, felizmente, mas do susto de a ter perdido é que já ninguém me livra.

E, agora, juro que o Sr. Novelli não ma roubará outra vez, ainda que por cinco minutos.

Nada, com cousas sérias não se brinca!

(Publicado Originalmente em O Pais, 23 de junho de 1895.)

Fonte:
Biblio