quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Navegando nas Ondas da Poesia do Ceará


(Nilto Maciel)
NEM SEI DOMAR MEUS PRÓPRIOS CÃES

Para imitar o imortal Camões,
precisaria ser, meus cidadãos,
mil seres juntos, ter mil corações,
hidra gentil – cabeça, tronco e mãos.

Porém sou pobre, sem nenhuns tostões,
vivo perdido em devaneios vãos,
e sem botinas, becas e botões,
como esses loucos que se creem sãos.

E velho estou, cabeça toda em cãs,
como meus pais, avós, as minhas mães,
as utopias, ancestrais e vãs.

Talvez pudesse ser padeiro – pães –,
tecer mortalhar – panos – doutras lãs,
porém domar nem sei meus próprios cães.

(Pedro Ernesto)
O POETA INSONE

Sou apenas um poeta
Que não dorme
Pois o sono lhe somente

Que não respira
Pois o ar se retirados

Que não bebe
Pois a água se esvai

Que não tem visão
Pois seus olhos se cansam

Que não escuta as palavras
Pois elas se emudecem

Que não sente o cheiro
Pois o perfume se extingue

Sou apenas um poeta
Sem nome, sem sono
Sem fome, sem dono
Sem pranto, sem canto

Sem mim, não sou nada
Comigo, sou menos
Não sou da manada
Nem sou tão pequeno

Sou forte, valente
Escrevo – sou gente
Escravo – contente
Das palavras amenas
E dos doces poemas.

(Antonio Ximenes)
DOMINGOS RETIRANTES

Eu estava perdido antes
Antes da primeira colheita
Durante a minha guerra
Depois da minha morte sugerida.

Dividi meu prato com todos
Na manhã do café com leite
Pão com manteiga e desenho animado
Na tarde preguiçosa dos rádios AM
Filmes antigos e sucos em pó

Eu estava bêbado antes
Antes de acordar naufragado
Isolado no sofá da sala
Derrotado e cabisbaixo
Destruí minha vida e meu fígado

Digo adeus ao meu copo de alumínio
Com meu nome gravado em baixo relevo
Nas madrugadas de Lucélia Santos nua
No alvorecer das minhas andanças
Na eternidade de minhas esperas sem, sentido

Eu estava sozinho antes
Antes da última ceia desesperada
Amargurado de pão e lágrima
Fadigado de mentiras e cream-crackers
Empanzinei-me de rum e solidão.

Termino aqui o meu recomeço
Acuado num curral de analgésicos
Na ressaca de mil domingos retirantes
Aprisionado neste mundo hermético

Eu queria ter sabido de tudo isso…antes.
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Fonte:
Colaboração de Nilto Maciel com doação do Periódico Bimestral
V.O.L.A.N.T.E. (Veiculo Original Litero Alternativo Nascido Totalmente Emancipado)
Ano 1 – n.5 . Fortaleza/CE. Setembro-outubro 2009.

Ignácio de Loyola Brandão (O Homem do Furo na Mão)

Há doze anos tomavam café juntos a ela o acompanhava até O_HOMEM_DO_FURO_NA_MAO_1248231522P a porta. “Você está com um fio de cabelo branco. Ou tinge ou tira.” Ele sorriu, apanhou a maleta a saiu para tomar o ônibus. Faltavam doze para as oito, em três minutos estaria no ponto. O barbeiro estava abrindo, a vizinha lavava a calçada, o médico tirava o carro da garagem, o caminhão descarregava cervejas a refrigerantes no bar. Estava no horário, podia caminhar tranqüilo. Coçou a mão, descobriu uma leve mancha avermelhada de uns dois centímetros de diâmetro. Quando o ônibus chegou, a mão coçou de novo. Agora ardia um pouco a ele teve a impressão de que no lugar da mancha havia uma leve depressão. Como se tivesse apertado uma bolinha muito tempo, com a mão fechada.

Não tinha lugar sentado, cruzou a borboleta, foi até a frente, cumprimentando pessoas que não sabia o nome, mas que tomavam o elétrico na mesma hora que ele. Segurava a maleta com a mão direita, com a esquerda apoiava-se no varão do teto. Três pontos antes do final, o ônibus superlotado, ele sentiu uma comichão violenta. Não podia olhar, nem levantar a mão. Estava chegando, dava para esperar. Foi empurrado para a saída, despediu-se das pessoas, olhou a mão. No lugar da mancha tinha um buraco. De uns dois centímetros de diâmetro. Um orifício perfeito. Perfeito, como se tivesse sempre estado ali. Nascido. Passou os dedos pelas bordas, por dentro, sentindo cócegas. Assoprou por dentro. Olhou através dele, acompanhando uma aleijada que caminhava na outra calçada. Afastava a mão dos olhos, focalizava um objeto, aproximava a mão. Ficou algum tempo distraído com isso. Quando chegou no escritório, o chefe perguntou o porquê do atraso.

- Foi por causa do furo na mão.
- Ah, é? Pois vai ter um furo de meio dia no salário deste mês. Está bem?

Não fazia mal, há quinze anos ele não tinha uma falta, um minuto descontado. Foi para a mesa, um pouco perturbado com o furo. Não triste, mas querendo saber o que podia fazer com aquilo. Passou o dia disfarçando a mão entre os papéis. Não queria que os colegas vissem. Eles não tinham furo na mão. De vez em quando soprava através do buraco, fazia barulhos estranhos com a boca. Na hora do lanche, focalizou um colega, colocando a mão sobre o olho. Na hora de bater ponto de saída, enfiou a alavanca no buraco a empurrou. Contente, sentia-se mais que os outros. A sensação começara no meio da manhã, depois que a primeira depressão desaparecera. Tinha pensado em ir ao médico, explicar o caso. Desistiu.

A mulher esperava na porta, tomando a fresca da tarde. Entraram, ele tomou banho, descansou dez minutos, como todos os dias. Foram até a sala, ele desligou a TV, a mulher ficou olhando algum tempo para a tela cinza, como se esperasse ainda ver a novela interrompida. Então, ele mostrou a mão e a mulher começou a chorar. Ela chorou a soluçou por dez minutos. Depois perguntou:

- Dói muito?
- Não dói nada.
- Foi um acidente?
- Não, apareceu no ônibus.
- Como apareceu?
- Apareceu. Não sei como.
- E se a gente reclamar da companhia de ônibus?
- Ela não tem nada com isso.

A mulher foi ao banheiro, trouxe o estojo de emergência, apanhou gaze, esparadrapo, mercúrio cromo. Ele não deixou fazer a atadura.

- Não precisa, está cicatrizado, olhe aí.
- Não vai me andar com esse buraco por aí. O que as vizinhas vão dizer? Que não cuido de você?
- Mas eu quero que vejam. Só eu tenho esse buraco.
- É tão feio.

À noite, ele se levantou para observar o furo na mão. Deixou embaixo da torneira, com água correndo pelo meio. No dia seguinte, a mulher tentou de novo enfaixar a mão, ele não deixou. Estava orgulhoso do furo. Foi trabalhar a no fim da tarde estava um pouco decepcionado. Ninguém no escritório tinha ligado para a mão dele. Fizera de tudo em frente aos colegas. Assoara o nariz, passara o dia com a mão na testa. Ao voltar para casa, não encontrou a mulher na porta. Na mesa havia um bilhete. “Não posso viver com você enquanto esse buraco existir.” A casa vazia, ele abriu a geladeira a só encontrou manteiga, comeu com pão. Foi comprar revistas, jornais, ficou lendo, com o rádio ligado. Não ouvia o rádio, só gostava do barulho. Todas as manhãs, quando acordava, deixava o rádio aberto, ouvindo ruídos, sem estar em estação alguma. Depois, viu televisão até cair de cansaço. Dormiu na poltrona.

Do escritório telefonou para o emprego do sogro. A mulher não tinha aparecido na casa dos pais. Na hora do almoço saiu de táxi, rodando pela casa de amigos a amigas. E parentes. Nada. À noite, foi à igreja. Ela costumava ir. Passou na polícia a deu queixa. Comeu sanduíche num bar, ficou vendo televisão até cair de cansaço. Foi acordado pela empregada que vinha às quintas-feiras.

- O senhor está com um buraco na mão, vou colocar bandaide.
- Não precisa, não. Pode deixar.
- Como pode? O senhor não vai sair assim.
- Vou, não quero bandaide.

Cinco minutos depois a empregada saiu, com a bolsa, dizendo até logo, não volto mais. Ele dormiu mais um pouco. Acordou com o silêncio da casa, os cômodos na penumbra, tudo desarrumado. Gostou da desarrumação. Fez café, jogou pó no chão, molhou tudo que pôde, derrubou o lixo. Tomou banho, jogou as toalhas, molhou o chão, largou o sabonete dentro da privada. Saiu. Pela segunda vez em doze anos saía sozinho sem ninguém para acompanhá-lo até a porta, sem a sensação de estar vigiado, de ter que it a voltar ao mesmo lugar, ter que justificar as coisas, o dia, os movimentos.

Chegou atrasado ao ponto. Quando subiu no ônibus, não conhecia ninguém. O cobrador se levantou.

- O senhor pode tomar outro carro, por favor
- Outro carro, por que?
-- Ordem da companhia, não sei de nada.
- Que coisa ridícula. Ordem da companhia. Não vou tomar outro. Vou nesse mesmo.
- Por favor, não me arrume complicação. Desça. Os passageiros estão esperando.

Todo o ônibus olhava para ele. Sentou-se, segurando firme a maleta. Os outros passageiros começaram a descer. O cobrador foi buscar um PM. O motorista chegou até ele, olhando o furo na mão, bem visível, por cima da maleta.

- Por que o senhor não vai por bem?
- Pago minha passagem, tenho direito de andar no carro que quiser.
- Não tem nada. O senhor é que pensa.

O PM entrou, apanhou o homem com furo na mão pela gola, jogou-o fora, na calçada. A maleta abriu, os papéis espalharam. Ajoelhado, ele começou a catá-los. O povo olhando. O PM disse:

- Quando mandarem o senhor tomar outro carro, o senhor toma.

Ele pensou: estão todos combinados, não é possível, é uma brincadeira da turma, comigo. Depois, ele se lembrou que não tinha turma, vivia só, ele e a mulher, às vezes ela até reclamava. Os passageiros voltaram ao ônibus. Ele se levantou, ficou encostado no ponto. Minutos depois chegou outro ônibus. Só abriu a porta da frente, alguns passageiros desceram. Bateu na porta de entrada, chutou, o cobrador colocou a cabeça para fora.

- Ei, companheiro, o que é isso. Espere chegar o outro carro.

Decidiu ir a pé. Tinha anotado os números dos ônibus, iria à companhia fazer uma reclamação. O pior é que chegaria atrasado. Quando entrou no escritório, passou rápido pelo chefe, mas este não se incomodou. Foi direto para a mesa. Havia um paletó na cadeira. Ele colocou a maleta na mesa, sentou-se. Abriu a gaveta, não a encontrou arrumada, como deixava todos os dias, no fim da tarde, os lápis selecionados por cores, os clips, borracha, papéis ordenados. Estava tudo remexido. Ouviu um “com licença”, levantou os olhos, encontrou um homem de uns trinta anos, gordo.

- O que é?
- Desculpe, esta mesa é minha.
- Sua? Desde quando?
- Me deram hoje de manhã. Era sua?
- É minha. Onde estão as minhas coisas?
- Num pacote com o chefe.

Foi até o chefe.

- O que está acontecendo?
- Nada. Por quê?
- Tem outro na minha mesa.
- A mesa é da companhia. Não é sua.
- Bom, eu ocupava aquela mesa da companhia. E agora?
- Não ocupa mais. Você não trabalha aqui.
- Por quê?
- Foi sua mão. Esse buraco é inconveniente.

A mulher tinha razão, seria preciso colocar um bandaide para esconder o furo. Mas se escondesse, ficaria sem ele. E gostava daquele buraco perfeito, um círculo exato. Talvez até inventasse um jogo qualquer, com bolas de gude atravessando a palma da mão. Era uma boa idéia, podia se apresentar na televisão.

- E o meu dinheiro? A indenização?
- Indenização? Você foi demitido por justa causa.
-- Justa causa?
- É proibido ter buraco na mão. Você não sabia?
- Nunca existiu isso nos regulamentos.
- Existe. Está no Decreto Inexistente. ,
- Quero ver.
- É inexistente. O senhor não pode ver. Passar bem.

Pensou em procurar um advogado, correr à justiça trabalhista. Não podiam fazer aquilo, daquele jeito. Amanhã ou depois cuidaria disso. Tinha tempo. Resolveu it ao cinema. Fazia vinte a dois anos que não is ao cinema num dia de semana, à tarde. Comprou o bilhete no primeiro que encontrou. Nem olhou que filme era, nem os cartazes. Quando entregou ao porteiro, este perguntou:

- O senhor tem certeza de que é este o filme que quer ver?

Como ele não tinha, ficou indeciso, surpreso. O porteiro aproveitou.

- Está vendo? O senhor se enganou de filme. Se quiser, a bilheteira devolve o dinheiro.

Ele se recuperou, protestou. Era esse filme mesmo, que negócio é esse, também aqui essa brincadeira?

- Por favor, meu senhor, vá a outro cinema. Senão, perco o emprego.
- E se quero ir neste?
- Melhor não entrar. Ou sou obrigado a chamar o gerente.
- Pode chamar.

O gerente veio, acompanhado de um PM de cara amarrada.

- Por que não posso entrar no cinema?
- O senhor pode, cavalheiro. Qual é o problema?
- O porteiro disse que não posso.
- Eu não disse. Só pedi ao senhor para ir a outro cinema.
- Quero este.

(Deixa ele entrar, murmurou o gerente ao porteiro).

Ele sentou-se numa fila do meio, vazia. Atrás dele, pessoas cochicharam, se levantaram, saíram. De instante em instante, uma pessoa saía da sala. Ele não prestava atenção, apenas achava muito barulho a movimentação. Devia ser sempre assim nas sessões da tarde. Quando a fita terminou só tinha ele na sala. Resolveu fumar um cigarro. Na sala de espera, quatro PMs se dirigiram a ele.

- Quer nos acompanhar?
-- Onde?
- Não tem que perguntar nada.

Quando chegaram na calçada, os PMs disseram:

- Agora, vai andando quieto, sempre em frente, sem falar com ninguém, sem olhar para os lados. Vai.

Ficou pela rua. Estranho, estar no meio daquela gente toda que se cruzava. Será que não estavam fazendo nada? Olhava vitrinas, livrarias, agências de viagens, via homens de maleta preta. A maleta? Tinha deixado no escritório. Era disso que sentia falta. A maleta na mão. Mesmo quando não precisava dela, carregava. Fazia pane dele. Agora, os braços ficavam soltos, desamparados. Sentia uma tensão, ao se ver na rua, àquela hora no meio da gente toda. Duas vezes se surpreendeu caminhando em direção ao escritório. De repente, entendeu de vez que não precisava voltar lá. O alívio foi tão grande que ele começou a suar. E se assustou um pouco. Era como se tivesse sarado de uma doença terrível, depois de ter estado à beira da morte. Ou sair de dentro da água, quando já estava se afogando. Sentia-se amedrontado, uma sensação esquisita por dentro. Culpado de estar sem o que fazer, livre, andando para onde queria. Tudo por causa do buraco. Olhou as pessoas através dele. O gesto de levar a palma da mão à frente do olho estava se tornando um tique.

Andou, descontraído. Sentindo-se mais leve a cada hora que passava. Muito tarde da noitee (não precisava voltar para casa; atravessara como que flutuando as seis, sete, oito horas; quase pegou o ônibus, lembrou-se a tempo, ficou vagando pela cidade, vendo a noite cair, o movimento diminuir, as pessoas mudarem nas ruas). Sentou-se num banco da praça, olhando a mão. Gostava ainda mais do furo.

- O senhor quer sair deste banco?

Era um homem de farda abóbora, distintivo no peito: Fiscalização de Parques a Jardins.

- O que tem este banco?
- Não pode sentar nele.

Ele mudou para o banco ao lado, o homem seguiu

- Nem neste.
- Em qual então?
- Em nenhum.
- Olhe quanta gente sentada.
- Eles não têm buraco na mão.
- Daqui não saio.

O homem enfiou a mão embaixo da túnica, tirou um cacetete, deu uma pancada na cabeça dele. As pessoas se aproximaram, enquanto ele cambaleava.

- Socorro, disse, com a voz fraca, amparando-se num velhote. O velhote se afastou, ele caiu no chão, a cabeça latejando terrivelmente.
- Por que fez isso?
- Pedi para não sentar, o senhor teimou. Agora, saia da praça.
- Saia, saia, gritavam as pessoas em volta.

Andou, sem se incomodar com o povo, o fiscal. Passou a mão na cabeça, sangrava. Num bar, pediu um copo de água gelada, jogou na cabeça. Decidiu que não iria para casa. Talvez passasse por uma delegacia para dar queixa, abrir um Processo contra o fiscal. Embaixo de um viaduto, sentou-se. Vagabundos (seriam vagabundos?) tinham acendido uma fogueira. Acordou, o sol nascendo, levantou-se rápido. De pé, lembrou-se que não precisava ir ao emprego, ir a lugar nenhum. Sentou-se de novo, vendo os vagabundos (seriam vagabundos?) tomarem o que parecia café. Aproximou-se. Um deles estendeu uma lata. Quando olhou a mão do homem, viu nela um orifício de uns dois centímetros de diâmetro que atravessava da palma às costas. Então, ele também mostrou a mão. O homem não disse nada. Ele tomou o café. Ralo, de pó catado nos lixos dos bares, já tinha passado uma ou duas vezes pelo coador. Serviu para assentar o estômago.

Fonte:

BRANDÃO, Ignacio de Loyola. O homem do furo na mão e outras histórias. Editora Ática, 1998.

Marilu Cordeiro (Lançamento do Livro “Oswaldo Lopes: Vida e Trajetória de um Artista Genuinamente Paranaense”)

untitled untitled2 Instituto Memória Editora e a Prefeitura de Paranaguá convidam
para o lançamento de mais um livro que promove e convalida a identidade cultural paranaense -

 

OSWALDO LOPES:
VIDA E TRAJETÓRIA DE UM ARTISTA GENUINAMENTE PARANAENSE

 

- da professora e pesquisadora Marilu Cordeiro, que acontecerá no dia 18/02/2010 na Casa de Cultura de Paranaguá - Casa Cecy.

 

A escolha desta data é em homenagem ao nascimento de Oswaldo Lopes e o evento será coordenado pelo presidente da Fundação Municipal de Cultura, Dr. Alceu Chaves.

 

SERVIÇO:

Dia: 18/02/2010 – 19h00 

Local: Casa de Cultura de Paranaguá - Casa Cecy

Rua XV de Novembro, 499 - Centro Histórico - Paranaguá - PR
Fone: (41) 3420-2933

"É com você, admirador das artes paranaenses, que início o meu diálogo. Com você, que visita exposições, museus e tudo que se relaciona com os artistas do nosso Paraná. E é por ser igualzinha a você que começo a questionar e me incomodar do esquecimento em que foi condenado um dos mais importantes pintor e escultor genuinamente paranaense: Oswaldo Lopes."
Marilu Cordeiro - Autora
________________
Oswaldo Lopes, que era também escultor, trabalhou durante 4 anos na construção de uma paranista tumba funerária, em forma de pinhão, na qual foi sepultado. Era uma peça com várias esculturas de pinhas, a qual inclusive teve problemas no momento do sepultamento - devido as medidas não coincidirem com o espaço no túmulo.

 

Instituto Memória Editora
Editora Destaque pela Câmara Brasileira de Cultura
(41) 3352 3661 - 3352 4515
www.institutomemoria.com.br

Fontes:
Colaboração do Instituto Memória
http://www.millarch.org/artigo/escultura-telefonica 

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Silas Corrêa Leite (Romance Angústia = O escorpião na alma Graciliana)



“Graciliano Ramos, na sua aparente rudeza, comovia-se com o desamparo de seus personagens, nos quais identificava o seu próprio desamparo (...)”
Ferreira Gullar

Um dos maiores, se não o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o eterno Graciliano Ramos, um dia, no distante e futuro devir, ainda será muito discutido (em vãs tentativas de ser inteiramente despido/desvendado), e, poucos aceitarão a minha tese de que Angústia, sua obra maior, revela-o inteiramente, pois é verdadeiramente um íntimo “escorpião” peregrino na sua alma de tez-chão, traduzindo-se e traduzindo-o de forma pura e nua para a revelação do Eu de si mesmo, no self de sua escrita como exercício de solidão, de purgação, de limpeza (até mesmo freudiana) de sua amarga/azeda alma triste, talvez até maníaco-depressiva (buscando a pureza do simples em humildes?), com sua narrativa crítico-irônica (surto psicótico do escrever-se para livrar-se do que sentia? – parafraseando Borges), quando, então, traduz-se como personagem de si mesmo, na máscara-persona que felizmente (para nós, caros alheios) veicula a mais nobre literatura que o Brasil já produziu e ainda não coube desvendar in totum, ainda bem, pois dará muito pano pra manga.

Metáforas? Toda a vida de Graciliano Ramos é uma. Quebrou o ângulo no seu íntimo ponto de fuga. Nasceu na Cidade/Zinha de Quebrângulo. Isso não quer dizer quase nada. Secas (o meio-teatro de absurdos ou mundo-sombra?) surras (i)memoráveis do genitor colérico, rancoroso. Somos de onde viemos?

Violência psicológica (amor e dor), física (mente insana, corpore...)sociedade (hipócrita, decadente, amoral). Ficaram por isso as marcas das personas (do ser-se de si) reveladas na arte-despojo: desde os tipos caboclos, capiaus, mambembes, todos em sua decomposição se devorando intimamente, numa destruição do panurgismo patriarcal imposto, mais as pantomimias nas narrativas de historicidades sórdidas. E ele purgando-se – na ordenação tópico-frasal da própria ordenação sintática.

Angústia é isso tudo mesmo. Recriação de um abrangente “Todo” ocre arrancado do ser de si. O desespelho. Ou o cacto no/do espelhar-se. Nódoas? Ficção de memórias revisitadas. Rememoração-fermento. Ele tinha medo do que era e não podia fugir incólume e inteiro de si mesmo. E do que se revelava obtuso ou não, no escrever. Um eco sem saída. Abismal, diga-se de passagem.

Por isso ao seu jeito se achava chinfrim no seu lado criador-criação de Angústia. Ali, a alma nau no espelho. Então o ser era precário e a obra idem? Ou, muito pelo contrário para nosotros que fazemos ilações, aludimos, tentando traduzir ícones e destemperos de seu íntimo pisado, transido, reinventando com/vivências, mais a espetacular criação e um extremado lado “sentidor” (ai Clarice Lispector!) no seu desatar nós, desamarrar iras e vinhas, quebrar jejuns, troçar cadarços linguais, fundir espectros neurais, sempre com déficit afetivo de origem, de berço. Todo mal não começa pelaí? Então Freud explica o que e o quantum/quanta? Estereótipos? Haja palavras.

O medo de revelar-se no oculto. E o susto de, aqui e ali, resvalar-se em si. O oculto que se revela inteiro e pleno em Angústia. Perdas – e drenos. Arquivo genético-sensorial e os rebites (refluxos) do inconsciente na memória como butim decorrente para o narrar-(se) degradante? A humanidade dele – um humanismo de resultados (visão plural– comunitária) – manifesta no peregrino curtume dos animais. Mimeses. A fuga para dentro, o outro lado do self. A dimensão medida na travessia dos palavreios.

A fuga para o cárcere da infância (não por acaso nome de outro livro). O pessimismo entre o niilismo e o árido meio/ambiente (tez-chão). O absurdo e o subterrâneo. O escorpião da alma mordendo (e urdindo) confeitos de linguagens criticamente emplumadas. O desvio do olhar, mas
o ponto de fuga ficando na sofrência. Mixórdias. Toleimas. Não há como se fugir do lugar que está. Ou há, feito um noiteadeiro na escrita-limite?

Depois, numa soma abrangente, tudo está em Angústia. As outras obras suas são silêncios-andaimes para a sua cruz vivencial acabada em Angústia. Deduzindo, não concluindo. A escuridão revelando-o. As palavras cruzadas como cacos de precipícios. A resistência pela dor assimilada em sublimação/resignação. O barulhar de seu silêncio-albatroz. A pena castigando o cárcere de existir-se. O medo de se perder no fio de navalha da palavra, revelando o oculto pelo desdizer. Será o impossível? As macieiras com mandorovás. As técnicas dos camuflos. As ubres do seu alpendre pedrês.

O hiato entre o real, o imaginário e a dor dessa moenda. Um suicida extremamente pessimista e cobrador de si, já que, para quem amava de berço era quase víscera exposta. E assim tinha que (para sobreviver até) parecer raso. Para não correr riscos de ser rio truculento de novo com lamentáveis margens-limites. Quando escrevia ia em busca de si, torneando parágrafos, inventando o inexistente, mas, sempre e amargamente traduzindo o indizível de sua dor-beronha.

Queria a estética porque não tinha um conteúdo que aceitava – e não podia ficar quieto, porque calava fundo? Freud again. Tudo a ser. Tudo a ler. A figura na retórica, uma coisa. A imagem no enfoque, outra. Judiação quirera. O se conhecer com medo de achar-se. As compartilhações medidas, entre o canhestro e o hediondo. Chagas familiares. Sociais. Depois, políticas (todo homem não é um?). Um livro aberto sempre na página errada. E a página de rosto era isso mesmo dele: Angústia.

A ansiedade-câncer de livrar-se de si, sem ser exato no seu cem por cento incomunicável. Tentando se parecer consigo. E isso lhe doía por seu lado sensorial, epidérmico, feito um pote-canga de vísceras querendo vidas secas e congonhas (ko goy – o que mantém o ser – em língua indígena).

Esse foi Graciliano Ramos. Procurando se encontrar na sua ficção angústia. Estudando para ser simples. E também procurando se revelar homeopaticamente, sem se acreditar um dia inteiriço e então revelado e traduzido. E cada um, a seu modo e seu tempo, tira uma casca dessa sagrada árvore-alma Graciliana. Cada gomo, favo, tomo, crucial. Tempo e imagens. Trilhas e rasuras.

Quando releio Angústia, a cada vez encontro de novo algo que se contradiz com apenas mera qualidade verbal, e revelava-o inteiramente, como se um arquivo até mesmo imagético de tudo o que foi, se escondendo de tudo o que praguejou, na glória da prosa poética, de tudo que se angustiou na infância, de tudo que vivenciou no podre meio social, de tudo o que se passou no cárcere de si mesmo, até ser fechado em um, e saber muito bem lidar com isso, pois isso era ele, era parte dele, de alguma forma toda sua vida foi entre essas espúrias “paredes” e de ter sido levado ao limite quando era aventureiro-crusoé pela própria natureza.

E foi punido quando era avesso, além de ter sido empanturrado de acontecências dolorosas, quando o que mais queria era amar e ser amado, servir e ser ético-humanista, mas o relho-cincerro da vida lhe cambiou para outro lado entre acervos de escórias/currais, e butins/refis de dezelos sociais no varejo, quando, então, fugiu-se na abstração de sua cabeça fora de série, no seu reinventar palavras – como se resgates de humanidades puras – escrevendo-se e dando testemunho de que, respigando (no sebo vermelho dos canteiros das palavras) pelo fio da navalha ainda re/colhia o melhor no tranco de si, dava-(se) crédito por paradoxal que fosse, exigia-se muito e ainda, claro, cabrito pedrês, solene berrava a sua saradinha insanidade que ficará para a história da literatura brasileira como lastro de vida, como usina de revolta, como oficineiro da decomposição do ser de si para o que deveria de ser inteiro e pleno, e só Deus sabe se, na sua caverna (ponhamos, o mundo-sombra de Platão), foi ou não foi tudo isso que de forma tácita refugou, não inocente e nem incoerente, e, finalmente – sorte nossa – num liquidificador de sensibilidade por atacado, produziu-explodiu em graciosos livros raros, magnos. Aliás, livraços.

Fonte:
NISKIER, Arnaldo. Jornal de Letras do Rio de Janeiro. n.137. RJ: Instituto Antares de Cultura, janeiro de 2010.

Laé de Souza (Coragem de Optar pela Arte)


Há quem diga que a responsabilidade maior foi do pai, que numa viagem ao nordeste o presenteou com um berimbau. Outros acham que a culpa foi da mãe que, enjoada do din-din-din-don , trocou o instrumento por um violão de plástico e cordas de náilon. Embora. muitos acreditem que ele já tenha vindo de nascença com um parafuso a menos e que essas coisas não tenham influenciado em nada. O que é certo, e concorde a todos, é que o Gertulino não tem um pingo de juízo.

Os pais, coitados, na verdade a gente sabe que fizeram de tudo para que ele se endireitasse, mas foi perda de tempo. Arrumaram uma vaga num escritório de contabilidade, mas qual nada. Na mala de boy , levava suas revistas de partituras e letras que cantarolava no ônibus e na fila do banco. No guichê, enquanto o caixa autenticava, ele tamborilava com uma bic no vidro do balcão. Não reclamava do salário, mas chiava quando tinha de catar milho na Olivetti para preencher de uma guia e também não queria nem saber de débito/crédito. O contador lhe apontava exemplos de quem entrou pequeno e agora era chefe de departamentos e ele, nem aí. Já bem crescido foi despedido por faltas. Trabalhava um, faltava dois dias. Arrumaram-lhe um emprego numa metalúrgica . Na prensa, com o pé livre batia duas vezes no chão e no do pedal batia uma, em ritmo de valsa. Puseram-no para rebitar , e o chefe o dispensou por não agüentar mais o bater compassado e a quarta batida mais forte, sempre.

Daí para a frente só fez bicos. Na maioria das vezes era encontrado em casa, fechado no quarto com seu violão , repetindo várias vezes a mesma música e descobrindo as notas de um solo. Começou tocar nuns barzinhos e até recebia acanhados aplausos. Quando perguntado pelo filho, seu Agildo, respondia que ele estava trabalhando. Mas quem ouvia os acordes vindos do quarto, dava uma risadinha e dizia que o Gertulino não tinha jeito mesmo.

Seu Agildo também achava que não era certo o proceder do filho, mas saiu a investigar se era só ele quem tinha filho doido.

O filho do padeiro era encafifado com negócio de pegar pedaços de pau e ficava horas e horas esculpindo. Às vezes até que fazia alguma coisa bonita, da qual o pai ignorava a beleza para não estimular a loucura. O filho do açougueiro era metido com coisas de teatro e vivia correndo atrás de roupas velhas. Perdia horas e horas em ensaios inúteis, fazendo cenários de papelão, perucas, narizes e, de vez em quando, junto com outros doidos dava um show na praça. O filho de um seu Geraldo ficava horas e horas como que fora do mundo, pintando um quadro. O filho da professora , era poeta e não fazia outra coisa senão rabiscar um caderno espiral de capa gasta. Assim, seu Agildo viu tantos malucos pelas noites que chegou a duvidar se era mesmo loucura.

Ele descobriu que existiam outros doidos e tentou adivinhar que espécie de doença é essa que ataca a mente, fazendo abandonar futuros planejados, por caminhos incertos. E nós, até com certa inveja, perguntamos de onde nasce essa força tão grande que faz com que alguns tenham coragem de optar pela arte.

Fonte:
SOUZA, Laé de. Acontece…

Projeto “Ler é Bom, Experimente!” abre inscrições para mil escolas públicas em todo o Brasil



O projeto de incentivo à leitura “Ler é Bom, Experimente!", criado em 2000 pelo escritor Laé de Souza, está com as inscrições abertas até 15 de março de 2010. O programa é voltado às escolas da rede pública de todo o país, com turmas a partir do 7º ano (6ª série) do ensino fundamental. Neste ano 1000 escolas participarão do projeto e receberão gratuitamente 38 exemplares do livro “Nos Bastidores do Cotidiano” e ainda material didático tal como: folhas pautadas para redação, questionários, Manual do Professor com sugestões para dinamizar a leitura em sala de aula e plano de aplicação do projeto.

A partir da leitura da obra são realizadas diversas atividades com o objetivo de incentivar o hábito da leitura e escrita, e estimular a criação de textos, performances, discussões e debates nas salas de aula. Na etapa final, os alunos que apresentarem os melhores trabalhos são premiados com outra obra do autor.

Esta iniciativa já atingiu cerca de 2,5 mil escolas com a participação de 100 mil alunos em todo o país e conta com o patrocínio (pelo terceiro ano consecutivo) da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, empresa do Banco do Brasil, e o apoio do Ministério da Cultura.

As obras utilizadas nesta edição do projeto são: “Nos Bastidores do Cotidiano” e “Espiando o Mundo pela Fechadura”, ambas da autoria do cronista Laé de Souza, publicadas pela Editora. Os textos apresentam linguagem coloquial, o que facilita a compreensão da leitura e retratam o cotidiano de pessoas comuns, situações inusitadas e personagens marcantes, sempre com abordagem bem-humorada e leve, embora crítica.

Sobre o autor: Laé de Souza, cronista, dramaturgo, bacharel em Direito e Administração de Empresas, é autor de vários projetos de leitura em execução há doze anos, apoiados pelas leis de incentivo à cultura, focados nas escolas da rede pública, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais. “É preciso criar oportunidades para o público conhecer o mundo maravilhoso da leitura, entretanto, com a preocupação de oferecer obras que lhe prendam a atenção e desperte o interesse por outros livros. O projeto ‘Ler é Bom, Experimente!’ foi criado para conquistar e formar novos leitores”, afirma Laé.

Aliança do Brasil - Criada em 1997, a Aliança possui uma diversificada carteira de produtos, composta por mais de 40 tipos de seguros que cobrem riscos pessoais e patrimoniais, entre eles os seguros de vida, residenciais, empresariais, rurais, de transporte e outros. São soluções para necessidades de pessoas físicas e jurídicas, em todos os segmentos, inclusive no agronegócio. A carteira de riscos pessoais e de outros ramos soma mais de 9 milhões de clientes.

Inscrições: até 15 de março de 2010 pelo site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Informações: (11) 2743-9491 e 2743-8400

Todo o material é fornecido gratuitamente às instituições de ensino.

Fonte:
Colaboração do autor

Vicência Jaguaribe (Por onde anda minha bela estatueta de porcelana branca?)


Há alguns dias, procuro uma estatueta de porcelana branca. Ela enfeitava um dos recantos de meu apartamento, posta em sossego na parte inferior de uma coluna. Não a encontro. Já começo a perguntar-me se a possuí um dia. Mas sua imagem me é tão clara, que não quero admitir que seja ela fruto de minha imaginação.

Como já disse, é de porcelana branca. Sua silhueta, fina e delgada, e sua beleza delicada sempre me deram impressão de diafaneidade. Talvez tenha uns cinqüenta ou sessenta centímetros de altura, nunca a medi. Como o leitor deve estar observando, faço questão de falar nela no presente do indicativo, porque não admito a sua perda.

Já a procurei em todos os cantos e recantos. Nos guarda-roupas, no alto dos maleiros, dentro das gavetas, nas estantes, e nada. A Noêmia, minha caríssima secretária, diz que não se lembra dela. E olhem que a Noêmia tem memória de elefante. E parece possuir um dom especial para achar coisas perdidas. Mas, desta vez, sua destreza para localizar objetos desaparecidos parece ter-se evaporado.

E fico eu, repetindo a busca nos mesmos lugares, nos mesmos cantos e recantos. E pergunto-me: Se essa estatueta nunca existiu e é fruto de minha fantasia, de onde saiu sua imagem, que preenche minha imaginação? Vi-a em alguma loja? Na casa de alguma amiga? Mas não sou assim tão impressionável. E o mais curioso nessa história é que me lembro não só da estatueta em si, mas de sua embalagem: uma caixa branca, fina e comprida, sem nenhuma inscrição ou desenho.

Lembro-me, inclusive, de uma conversa rápida que tive com um dos meus irmãos. Ele olhou uma outra estatueta – tenho mais de dez, de variados tamanhos e formatos – e disse que, para ele, aquela era a mais bonita. Eu discordei: Para mim, a mais bonita é a branca. Diga-me você, leitor: dá para pensar que inventei toda essa situação? Quem sabe, hein? Nossa memória nos prega peças, não há dúvida. Eu até diria, parodiando Shakespeare, que nossa memória, senhores leitores, nos prega mais peças do que jamais sonhou vossa (e nossa) filosofia.

Algumas lembranças que tenho – que todos temos – da infância me intrigam. E me pergunto: Eu me lembro mesmo desse episódio, ou as lembranças que acho guardar dele são o resultado de tanto ouvir meus familiares falarem sobre o dito cujo? Tenho dúvidas, por exemplo, sobre as lembranças que penso ter de uma cena de namoro de meu tio Dedé com uma prima. Como eu gostava muito dela, ficava perto e via-os abraçarem-se e beijarem-se. Então, dizia, com minha pronúncia precária, uma expressão que, depois, ouvi muitas vezes pela boca de minhas tias, recordando o episódio: Já tomeçou, hein?

O mesmo acontece com uma viagem que fiz com minha tia Sinhazinha – a Mãe da Vovó – e minha irmã Francisca Marta – a Neném. Em uma das paradas do misto, um desconhecido, ouvindo-nos chamar nossa tia de Mãe da Vovó, saiu-se com esta pergunta: Eu pensei que estas meninas fossem suas filhas. Mas são suas netas, não são? Como ouvi minha tia contar essa história muitas vezes, hoje não sei mais se me lembro do acontecido ou se o introjetei partindo de suas palavras.

É sempre difícil admitir-se falha de memória. Como tudo que envolve o mecanismo cerebral, a memória é algo que se reveste de um caráter de intangibilidade, que facilmente atrai o preconceito. É muito mais simples admitir que se está com um sério problema cardíaco, com uma grave pneumonia, até com um tumor maligno, do que admitir que se está com falhas de memória. A falha de memória pode indicar o início da demência senil ou a visita daquele alemão de nome Alzheimer, tão na moda nestes tempos de novos males e de novos nomes para males antigos.

Bem, mas voltemos à minha bela estatueta de porcelana branca. Onde a deixei, caríssimos leitores? Onde a deixei ou a guardei no espaço físico do meu apartamento? E onde a deixei no espaço textual. Há algum dêitico, por aí, que me possa apontá-la? Há alguma pessoa de boa vontade que possa de novo abrir gavetas e guarda-roupas, revirar lençóis e toalhas, desencostar móveis e finalmente gritar bem alto, empregando o dêitico mágico – Está aqui!?

Quanto a situá-la no texto, posso dispensar esse trabalho. Seria uma busca inútil, pois coloco o ponto final desta crônica agora, neste exato momento, e aqui, neste exato lugar.

Fontes:
Colaboração da autora.
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Lóla Prata (O Negócio é Sério)



Aquele indivíduo, funcionário eficiente, temperamento expansivo, educação fina, sem defesas, sorria para todos. O Público a quem atendiam, não o pertubava, trazia-lhe satisfação, pois aproveitava os contatos, conversava com todos, vivia em paz. O funcionário continuava na mesma toada: de bem com a vida, transmitia serenidade e angariava amigos.

Menos, a consideração do chefe, que permanecia inconformado. Não era possível! Não compreendia! Atender gente o dia todo, durante meses seguidos e continuar com o sorriso nos lábios, tratando bem a todos, até mesmo aos reconhecidamente chatos (?); devia ser pouco serviço, ajuizava ele. Então, começou a premiar o rapaz com mais atribuições. Quanto mais sorriso, mais serviço.

Agora, o rapaz só dava conta da papelada, se ficasse fora do horário de expediente. Por um tempo, não reclamou, o salário era bom, então, correspondia da melhor maneira possível.

Mas, um dia, sua jovem esposa queixou-se da ausência dele no lar, da falta de companhia, pois queria-o ao seu lado para conversas sobre a vida, para lazer e lamentava o horário de seu regresso do trabalho, o que acontecia lá pelas 21 ou 22 horas.

Ele percebeu que há muito não se distraia, só preocupado com o acúmulo de responsabilidades no escritório. Sentiu o semblante sério e carregado. O espelho da sala lhe revelou raiva, cansaço físico e mental. Cara amarrada. Insatisfação com o ordenado.

Aí, a triste resolução: pede demissão, não real, mas psicológica, do trabalho. Limitou-se ao essencial. Nunca mais sorriu nos dias da semana.

Passou a ser feliz apenas aos domingos.

Fontes:
http://www.lolaprata.com.br/
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Lóla Prata (Poesias)

Bragança Paulista, por Nestor Silveira
ESTRELA CARENTE

Encaracolados e tintos de amarelo,
secos cabelos; maus dentes, mãos sem cadernos,
cresci num cortiço de Santos, sem anelo,
com muita gente... e ausência de gestos ternos.

Golas de marinheiros jogadas ao chão,
a mãe-mulher gargalhando na grande cama,
brinquedo quebrado..., feia boneca... são
as solenes recordações que a infância clama.

Aos doze anos, uso saia curta e justa,
possuo seios lindos que eu exibo agora,
esmalte roxo e batom que pouco me custa.

O sonho de encontrar amor já está bem morto...
Espalho um brilho opaco pela noite afora
como nova prostituta do cais do porto!

A ÁRVORE DO ESQUECIMENTO

Talvez fosse um jequitibá, não sei...
porém, entrou na história brasileira
não pela imponência, mas pela lei
que vigorava dentro da fronteira:

aportando aqui, negros africanos
arrancados dos seios das famílias,
estampavam no rosto, muitos danos;
no corpo, vestes mais que maltrapilhas.

Obrigavam-nos a dar muitas voltas
em torno do velho jequitibá
até que “esquecessem” sob os agravos,

as origens e as emoções revoltas...
Após a ronda da mentira má,
ficavam livres... pra serem escravos...

UMA FLOR PARA UM MORTO

Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!
A mão piedosa te coloca em mim
nesse dia em que desço à sepultura
na quietude, sem toque de clarim.

És aquela tristeza perfumada
que murchará em minha companhia.
Tanta beleza vai, desperdiçada,
desfalecer nessa cova sombria!

Mas és cativa de meu coração
e nos amando, vamos descer juntos,
pois no amor há luz, nunca escuridão.

Se a Deus chegarmos, nós dois defuntos,
dirá minha alma, tirando a mortalha:
-Perde-se a vida, ganha-se a batalha!

MINUTO DE SILÊNCIO
-AO FILHO PEDRO-

Ele esquentava as mãos nos bolsos do agasalho
pois fazia frio. Estava bem cansado
do muito esforço para encerrar um trabalho
e entregá-lo, perfeito, em tempo aprazado.

De vez em quando, apertava os olhos felizes
como a apagar tantas imagens e sons,
porém, a ânsia de criar vinha em reprises,
transbordando do grande acúmulo de dons.

Convidou-me: - Mãe, quer comigo concorrer
ao prêmio de vídeo que dure um minuto
sobre o amor, em especial, o materno?

-Sim, meu filho, quero! Tal amor é eterno!
Mas... Pedro, de tanto viver, ia morrer...
Naquela noite, começaria meu luto!

FALSO AMIGO

Ele é brutamontes, um troglodita,
vem com a noite em montaria sinistra,
é apocalíptico, força inaudita,
surge do todo mal que o administra.

Na feiúra desse ser reversível,
na gulodice de sempre faminto,
chega de improviso, ininteligível,
perscruta minha alma, invade o recinto.

Quem é ele, quem a me assustar tanto
a ponto de eu tremer de calafrio,
a ponto de me estrangular de espanto?

Essa visita com que me constranjo
e me dá semblante de desvario,
é o pecado, trazido por mau anjo.

Lóla Prata (Dicionário de Rimas ARRIMO)



A língua portuguesa constitui-se de aproximadamente quatrocentas mil palavras; entretanto, para uma comunicação oral ou uma escrita de qualidade, não é necessário conhecer tudo isso, conforme avaliação da Enciclopédia Barsa, no livro Manual de Redação.

ARRIMO, na versão 2008, impresso após muitas edições apostiladas desde 1994, tem 41.190 palavras selecionadas por rimas. Embora seja elemento secundário e até mesmo, dispensável, a rima empresta harmonia e enlevo a quem compõe, lê, declama ou escuta poesia. Essencial a trovadores, sonetistas, cordelistas, letristas de músicas e demais cultores de estilos poéticos que valorizam a rima.

A partir das terminações tônicas iniciadas por vogais, começam os vocábulos: sejam adjetivos, substantivos simples ou compostos, locuções adverbiais, expressões idiomáticas e verbos flexionados, que se combinam. As rimas imperfeitas vêm em seguida às outras. Os parágrafos não recebem ponto final e sim, vírgula, para que cada um possa adicionar suas próprias rimas que, ocasionalmente, tenham sido omitidas, e assim, personalizar o dicionário, tendo em vista o extraordinário número de verbetes de nosso idioma.

Apoiada em conceituada bibliografia, a autora Lóla Prata apresenta o ARRIMO aos poetas rimadores e lhes facilita o trabalho de versejar. O prefácio de Humberto Del Maestro o recomenda mais.

Graças à Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura Municipal de Bragança Paulista, foi possível publicá-lo, se bem que em pequena tiragem.

Apresse-se a adquirir o seu exemplar. Que ARRIMO possa cumprir seu agradável destino no estafante, mas delicioso afã de dar melodia ao trabalho literário poético.

Fonte:
Colaboração da Autora

Lóla Prata (1940)


Maria de Lourdes Prata Garcia nasceu em Santos/SP, em 13 de janeiro de 1940, filha de José Egydio Prata Maria Heloísa Pimentel Prata, mora em Bragança Paulista SP desde 1974 e, na Cidade-Poesia, dedica-se à literatura.

Membro da UBT União Brasileira de Trovadores e ASES Associação de Escritores de Bragança Paulista SP Brasil, entre outras agremiações literárias do país.

É Comendadora Municipal por serviços prestados à Cultura.

120 prêmios literários, sendo 1 na Itália.

Seu site é http://www.lolaprata.com.br/

Começou a escrever com 8 anos, um bilhete para Deus rogando pela saúde de seu avô enfartado. Começou a escrever seriamente para um jornal de sua cidade a partir das crônicas de um jornalista Lourenço Diaféria num jornal estadual.

Seu 1º trabalho literário foi numa revista de âmbito religioso: "Por que sou catequista"

Chegam a mais de 700 as crônicas, contos e poemas publicados no A Voz de Bragança, Bragança Jornal Diário, Bjotinha, A Tribuna (de Santos), Jornal Interativo, Revistas e Boletins de Cultura, Rádios e TV Bragança

Livros impressos:

Editou, em parceria com Maria Edith Prata Real, dois livros de crônicas: – "VIVENDO" , 1978 e "CONTINUANDO" 1981, Menção Honrosa (= 2o. lugar) em Concurso Melhor Livro de Crônicas do Clube Brasileiro de Literatura (Anápolis-GO), em 1992, Gráfica da Universidade São Francisco;
– “ARRIMO”, Consultoria de Rimas,(em apostila), desde 1994; dicionário a partir de 20.000 rimas; convidado para a Academia Internacional de Lexicografia em 2004.
– “PROVAI E VEDE COMO O SENHOR É BOM!”, depoimentos religiosos, em 1996 , em 1997, 2o lugar em 8o. Concurso de Obras Publicadas, promovido pela Academia de Letras de São Lourenço, MG;
– “UM BUQUÊ PARA VOCÊ” poesia, 1997. Editado também em fita K7e CD, 20 poesias.
– “HIGIENE BUCAL”, 23 trovas educativas, a pedido da APCD - Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas, setor de Bragança Paulista SP, abril de 1999. Material didático.
– “O IMPERADOR ESTÁ CHEGANDO!” e outros contos... 1999. Menção Especial no Concurso da Academia Municipalista Mineira de Letras, 2003.
– “ENTRELAÇOS”, trovas, editado pela UNIVAP- Universidade de Vale do Paraíba, em 2002.
– ”PRATA DA CASA”, antologia – crônicas cômicas sobre a familia Prata Garcia - 2003 - Premiado em 2008 pela Prefeitura de Manaus -AM-na modalidade Melhor Livro de Crônicas. Menção Honrosa.
– “FIO DE PRUMO”, contos - 2004 -
– “ENTRELINHAS”, trovas - 2007 -
– “ALABASTRO”, poesia - 2007, pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura
– "Santos Sonetos" (e-book).

Fontes:
Portal CEN (Cá Estamos Nós)
Editora Scortecci

Caderno de Poesia Karina Aldrighis
Lóla Prata

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Andrey do Amaral (Lançamento do Livro Mercado Editorial – Guia para Autores)

Depois de terminar o original é que o escritor se dá conta das dificuldades da publicação. Entrar no mercado editorial é possível! Basta conhecer os segredos deste universo. Neste livro, o escritor diminuirá os caminhos da tão sonhada publicação. Descrevemos os erros mais comuns e a forma correta de enviar sua obra para a editora certa. Há ainda os endereços das principais agências literárias do Brasil e do exterior, além das melhores editoras com a linha editorial definida. Facilitar é a nossa proposta. Este manual é bastante eficaz para quem deseja se destacar no concorrido mundo dos livros.

O autor dá o passo a passo para se ter êxito com uma editora comercial; indica onde, como e para quem vender seu original; nomeia quem são os principais agentes; quais as melhores editoras para seu livro etc.

Sumário: Capítulo 1 O produto livro – 3; Capítulo 2 Quem é o agente literário? – 1; Capítulo 3 Quem precisa de um agente literário? – 15; Capítulo 4 O que o agente pode fazer pelo escritor? – 19; Capítulo 5 O que o escritor pode fazer pelo agente ou pela editora? – 29; Capítulo 6 Originais (manuscrito) – 43; Capítulo 7 Agências brasileiras – 57; Capítulo 8 Editoras brasileiras – 63; Capítulo 9 Agentes literários dos Estados Unidos da América – 105; Capítulo 10 Editoras americanas – 141; Capítulo 11 Editoras canadenses – 179; Capítulo 12 Editoras portuguesas – 187; Capítulo 13 Divulgação – 205; Capítulo 14 Principais erros do escritor – 217; Capítulo 15 Perguntas – 225

Editora Ciencia Moderna
Páginas: 248. Peso 359,5 gramas
ISBN: 978-85-7393-760-2

Sobre o autor:



Fonte:
Colaboração do autor

Sinclair Pozza Casemiro (Peregrinando em trovas pela região da COMCAM)


COMCAM*

Coração do Paraná,
do Ivaí ao Piquiri,
há canções, e “causos” há,
que lembram gês, guarani.

Caminhos de Peabiru**

Como rendadas toalhas,
fez-se o nosso Peabiru,
tecido de extensas malhas,
do Paraguai ao Peru.

Terra Sem Mal***

Em migração permanente,
tendo o Sol como fanal,
o guarani segue em frente,
buscando a Terra Sem Mal.

Itararé

A convite de Altoé,
o arqueólogo foi a campo.
descobriu que o Itararé
do Peabiru fez seu canto.

Polêmicas

Aonde vai o Peabiru?
E quem foi que o construiu?
Mesmo não fosse ao Peru,
na COMCAM ele existiu!

Peregrinações

COMCAM da Rota da Fé,
Caminhos de Peabiru,
Terra Sem Mal, São Tomé,
Quão bela canção és tu!

Cavalgadas na COMCAM

Relembrando pioneiros
no chão de tuas estradas
te fazem, os cavaleiros,
a região das cavalgadas.

Gastronomia

Na COMCAM, gastronomia
tempera os bons corações
trazendo paz e alegria
juntando em festa as nações.

João Maria d’Agostini

O beato João Maria
diz que esteve na região
atendendo ao que sofria,
trazendo consolação.

Campo Mourão

Camorão, Campo Mourão,
filha e mãe tão orquestradas.
Pra nossa bela COMCAM,
fez-se a história nas estradas.

Corumbataí do Sul

Corumbataí do Sul
tem no seu alvorecer,
além do céu muito azul,
trilhas de índios para ver.

Peabiru

A Peabiru coube a glória
de o seu nome registrar
o fato vivo da história
do Caminho milenar.

Barbosa Ferraz

Barbosa em seu chão guardou
tesouro em pedra e sinais,
que o Peabiru registrou
para não perder jamais.

Bourbônia

Bourbônia, palco da história
do índio, branco e tropeiro.
Nas trilhas da sua glória
peregrinou-se primeiro.

Quinta do Sol

Quinta do Sol tem encantos,
verde e punjante visão.
Terra de paz, onde há tantos
motivos para a emoção.

Fênix

Fênix chamou-se um dia
Vila Rica, em plena glória.
Da Missão que ali existia
guarda viva hoje a memória.

Engenheiro Beltrão

Em Engenheiro Beltrão
há ruínas escondidas,
pois uma nobre Missão
em seu chão ficou perdida.

Terra Boa

Terra Boa, gente boa
escreveu nos seus anais
tanta história que povoa
velhos tempos coloniais.

Araruna

Bela Araruna, nascida
na moldura do Caminho.
Por Peabiru conhecida,
tem de nós todo o carinho.

Mamborê

Mamborê tem seus segredos,
misteriosos sinais.
São curiosos enredos
herdados dos ancestrais.

Farol

No Farol inda há quem conte
que o beato João Maria
batizou a Água da Fonte
e fez muita profecia.

Ubiratã

Ubiratã, você traz
entre as suas tradições,
a vocação para a paz
vinda de antigas nações.

Juranda

Oh, Juranda, Jurandah,
no teu nome, tão sonoro,
sempre a graça se achará,
qual um pássaro canoro.

Janiópolis

Foi Janiópolis caminho
e palco de tanta saga.
Hoje é o rico e alegre ninho
de um povo que a paz afaga.

Campina da Lagoa

Campina, orgulhosa, ostenta
pesquisas da arqueologia,
provando, já nos setenta,
que o Peabiru existia!

Nova Cantu

Teu rio, Nova Cantu,
teu tambo, a vila espanhola,
índio, Missão, Peabiru,
tudo em ti é pura escola.

Roncador

Nas trilhas de Roncador
João Maria fez história,
nos “causos” do sofredor
e em coletiva memória.

Luiziana

Luiziana das cachoeiras,
dos caminhos sempre em flor,
das muitas sagas pioneiras
de que herdaste o teu vigor.

Altamira do Paraná

Altamira da COMCAM,
tens beleza singular.
Dos teus rios és guardiã
e orgulho do Paraná.

Goioerê

Goioerê, muitos povos
já trilharam o teu chão
deixando aos teus filhos novos
mui valiosa lição.

Moreira Sales

Moreira és jovem agora
mas tens tão rico passado
muitas nações já outrora
nos teus campos têm lavrado.

Rancho Alegre

O rancho de tantos causos
alegres, sempre bravios
desperta muitos aplausos
e afasta os dias sombrios.

IV Centenário

Barro branco, Gato Preto
hoje Quarto Centenário
eu canto neste poemeto
teu passado legendário.
–––––––––––-

Notas:
*COMCAM =Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão
**Caminho do Peabiru =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/11/o-caminho-de-peabiru.html
***Terra Sem Mal =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/lenda-indgena-em-busca-da-terra-sem-mal.html

Fonte:
Colaboração da autora

domingo, 10 de janeiro de 2010

Trova 104 - Elischa Dewes (Rio de Janeiro/RJ)

Diálogo Culinário


Eu adoro mocotó
caldo de carne e farinha
mas vou provar teu jiló,
co´essa pimenta e galinha.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Sendo tão boa de prato,
dou-te uma vaca atolada.
Mas, sei que tu queres de fato,
Uma saborosa favada.
Carlos Soares (Natal/RN)

Já perdí o apetite
a favada me assustou
agora sem um palpite
vou jantar ovo... Se vou!
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Estás fazendo dieta?
Proponho então... uma seleta!
Nem feijoada completa,
nem ovo na omeleta...
Carlos Soares (Natal/RN)

A receita se completa
se delícia de compota
no dizer do meu esteta
me deixar aquém da cota.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Rezando pelo esteta,
compota de esturjão!
Ova do peixe, completa,
à preservar teu corpão.
Carlos Soares (Natal/RN)

Uma torta de palmito
acompanha esse menu
delícia que eu repito
com salada de chuchu.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Feijão verde com nata
e uma boa farofa,
a carne assada na brasa
o cabra come que "gofa".
Carlos Soares (Natal/RN)

Quibe ou mesmo um vatapá
regado ao sol do Brasil,
tem sabor do ar de cá,
liberdade... Humor febril!
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Dó, ré, mi, fá, si bemol,
assim me ponho a cantar,
se me dão carne de sol
e um bom arroz de cuxá.
Carlos Soares (Natal/RN)

Hoje a dieta é magrinha
num calorão de matar
só suco e uma polentinha
depois sorvete e nadar...
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Num dia quente, exaurido,
refresco de maracujá
ou de limão espremido
pras forças recuperar.
Carlos Soares (Natal/RN)

Sopa cremosa de ervilha
e gostoso pão torrado
deliciosa maravilha,
não se deixa ali de lado.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Depois dessa guloseima
Um bom licor de cacau
Pois nos ajuda na queima
e assim ninguém fica mal.
Carlos Soares (Natal/RN)

Um salgadinho, coxinha
e um suquinho gelado,
matou a fome que eu tinha
me deixou alimentado.
Augustus Vinicius (São Luís/MA)


Esse frango à passarinho
com salada de tomate,
regado ao copo de vinho...
Ah, delícia, me arrebate!
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Lembraste bem!
A passarinho!
Será que tem
arroz soltinho?
Carlos Soares (Natal/RN)

Arroz soltinho tem não,
mas tem um baião de dois,
tão gostoso, meu irmão,
dá certinho pra nós dois...
Edir Pina de Barros (Cuiabá/MT)

Nem um cuscus com jabá?
Um café preto torrado?
Um queijo assado, quiça!
Banana maçã com melado?
Carlos Soares (Natal/RN)

Comi uma caranguejada
bem lá no bar da Lenoca,
juntinho com a namorada
que pra beber pediu coca.
Augustus Vinicius (São Luís/MA)

Sem coca, como a paçoca
sem amor janto a desdita
se a saudade me empipoca
até rejeito a marmita.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

E faço greve de fome
e dispenso esse banquete
minha dor nem tem um nome...
... mas um porco no rolete...
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Na venda do seu Joaquim
Nas quintas, estou por lá,
Um bom bolo de aipim,
um prato com munguzá.
Carlos Soares (Natal/RN)

Testando ou gerundiando,
caio com gosto no prato,
degusto apimentando,
a dobradinha de fato!
Carlos Soares (Natal/RN)

Dobradinha já não gosto,
pra mim parece borracha,
mas tem quem ame, aposto,
então meu gosto esculacha...
Augustus Vinicius (São Luís/MA)

Ao menos nesta cozinha
fique certo, tudo pode.
Vem e dá u´a provadinha
nesta buchada de bode...
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)

Se for mal a gente alinha
num menú menos profano
uma canja à mineirinha,
ou um caldo lusitano.
Ana Maria Gazzaneo (Bragança Paulista/SP)
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Observação: A União Brasileira dos Trovadores tem por norma versos setesilabicos com as rimas entre o 1o. e 3o. Verso, 2o. e 4o. Versos. No caso de tal não ocorrer, geralmente são denominadas quadras.

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/forum/

Secretaria da Cultura de Maringá (Programação de janeiro/2010)



CLUBETEEN (entrada franca)

Dia 21/01 – Livro: “Eclipse”, de Stephenie Meyer. Biblioteca Mandacaru, às 14h00.

CLUBINHO DE LEITURA (entrada franca)

Dia 09/01 – Livro: “Félix e seu fole fedem”, de Elias José. Biblioteca Centro, às 10h00.

Dia 13/01 – Livro: “A casa sonolenta”, de Audrey Wood. Biblioteca Jardim Alvorada, às 14h00.

Dia 13/01 – Livro: “FLICTZ”, de Ziraldo. Biblioteca Palmeiras, às 10h00.

Dia 14/01 – Livro: “O Homenzinho do queijo fedorento”, de Jon Scieszka. Biblioteca Mandacaru, às 14h00.

Dia 29/01 – Livro: “Rosa Flor e a Moura Torta”, de Pedro Bandeira. Biblioteca Operária, às 14h00.

CONVITE AO TEATRO (sempre no Teatro Barracão, às 21h00, entrada franca)

Dias 08, 22 e 29/01 – “Barricada” – Cia Teatro & Ponto – Grupo de Teatro Câmera, direção de Paulo Campagnolo.

Dia 15/01 – “Exercícios para a desordem” – Cia Teatro & Ponto – Grupo de Teatro Câmera, direção de Paulo Campagnolo.

PROJETO “UM OUTRO OLHAR” (coordenação de Paulo Campagnolo, sempre no Auditório Hélio Moreira, às 20h00, entrada franca. Censura: 16 anos)

Dia 09/01 – “Vagas Estrelas da Ursa” (Itália, 1965), direção de Luchino Visconti, com Claudia Cardinale e Jean Sorel.

Dia 16/01 – “Uma mulher sob influência” (EUA, 1974), direção de John Cassavetes, com Gena Rowlands e Peter Falk.

Dia 23/01 – “A garota da fábrica de caixas de fósforos” (Finlândia, 1990), direção de Aki Kaurismäki, com Kati Outinem e Elina Salo.

Dia 30/01 – “DIABEL” (Polônia, 1972), direção de Andrzej Zulawski, com Malgorzata Braunek e Michael Gruddzinski.

HORA DA HISTÓRIA (entrada franca)

Dia 20/01 – “Vovô aranha vai à festa” (conto africano), de Raquel Barcha. Contação: Cristina Begnossi. Música e atividade: Fantoche de Luvinha. Biblioteca Palmeiras, às 10h00 + OFICINA, às 14h00, para crianças acima de sete anos: Tecendo pulseiras e colares.

Dia 22/01 – “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo (30 anos do lançamento do livro). Contação: Ricardo D. Amaral + Atividade: Conhecendo o site do Ziraldo. Biblioteca Palmeiras. Informações: 3901-1792

CIRCO TEATRO SEM LONA (sempre no Teatro Calil Haddad. Ingressos: R$5,00. Informações: 9133-1630 – Marcos)

Espetáculo: “As aventuras do lobo mau”. Dias 09 e 10/01, às 16h00.

Espetáculo: “A Divorciada”. Dia 09/01, às 21h00. Dia 10/01, às 20h30.

Espetáculo: “Peripécias circenses”. Dias 16 e 17/01, às 16h00.

Espetáculo: “Máscaras”. Dia 16/01, às 21h00. Dia 17/01, às 20h30.

Espetáculo: “Enguiçou”. Dias 23 e 24/01, às 16h00.

Espetáculo: “Salomé” (Convidado). Dia 23/01, às 21h00. Dia 24/01, às 20h30.

Espetáculo: “O Guarani – O Amor de Peri e Ceci”. Dia 30/01, às 16h00 e 21h00. Dia 31/01, às 16h00 e 20h30.

PROJETO FÉRIAS CULTURAIS / Oficina de Poesias (entrada franca)

Dias 18, 20 e 22/01 – Biblioteca da Vila Operária, às 16h00.

Dias 18, 20 e 22/01 – Biblioteca Jardim Alvorada, às 10h00.

Dias 19, 21 e 23 /01 – Biblioteca da Vila Operária, às 10h00.

Dia 27 e 29/01 – Biblioteca Mandacaru, às 10h00.

PROJETO FÉRIAS CULTURAIS / Oficina de Poesias para adolescentes de 11 a 17 anos (entrada franca)

Dias 18 e 20/01 – Biblioteca Centro, das 13h30 às 15h30.

Dias 25, 27 e 29/01 – Biblioteca Palmeiras, das 13h30 às 15h30.

Dias 25, 27 e 29/01 – Biblioteca Jardim Alvorada, das 16h00 às 18h00.

PROJETO FÉRIAS CULTURAIS / Oficina de Poesias para crianças (entrada franca)

Dia 25/01 – Biblioteca Mandacaru, das 10h00 às 12h00. Ministrante: Professor e ator Joaquim. Informações: 3901-1763

Fontes:
Colaboração da Academia de Letras de Maringá
Imagem = http://deq.uem.br

Autran Dourado (Confissões de Narciso)

(artigo publicado pelo professor Wagner Lemos)

Um camafeu, dez mulheres, encontros e desencontros compõem Confissões de Narciso.

O protagonista Tomás de Sousa Albuquerque deixa como legado confissões sobre as mulheres que amou, reunidas num caderno, na forma de dossiê.

Sofia, sua viúva, leva os originais para apreciação do escritor João da Fonseca Nogueira, que resolve procurar um editor e publicá-los.

As confissões explicam o destino de Tomás, que, influenciado pela leitura de notórios escritores, dentre os quais Stendhal, autor de De l’amour, e Goethe, criador de Werther, discorre sobre o desafio de entender as paixões que o motivaram, os desafetos e desilusões que enfrentou na busca pela felicidade.

A primeira paixão foi Amélia, sua prima, quando viveu o dilema de amar plenamente ou fazer explodir seu ciúme doentio. Comparando-se à mitológica figura de Narciso — encantado pela própria imagem refletida ele cai num lago e morre — e ao trágico Werther — que comete suicídio por causa de uma mulher —, Tomás fica dividido: continuar acreditando no amor ou sucumbir à rejeição?

Alma, colega da faculdade de Direito, foi a segunda escolhida. Seguiram-se Teresa, irmã de um amigo, e Beatrice, dona da livraria que freqüentava. Para Tomás, não importava tanto a beleza das amadas, mas sim a semelhança física com a imagem eternizada no camafeu de sua adorada mãe, objeto que usa para inspirá-lo nas memórias.

Com Beatriz, uma prostituta, Tomás viveu o radicalismo de adotar o sexo como solução para seus impasses afetivos, o que apenas lhe proporcionou mais ressentimento. Izabel, uma cliente que queria se divorciar do marido, colocou-o novamente numa situação de adultério. Margarida, amiga da mulher do melhor amigo, Carolina, casada com um antigo colega da faculdade, e a jovem Angélica também ajudaram o protagonista a fazer uma reflexão a respeito das dificuldades de relacionamento entre homens e mulheres.

Tomás foi um homem de muitos amores frustrados, sua própria vida foi uma frustração. Infeliz e mal sucedido no emprego, corno (como se refere a si mesmo) dez vezes por todos os tipos de mulheres: Amélia, sua prima, que o traiu com Alberto; Alma, colega do curso de Direito; Tereza Perez, Beatrice, Margarida, Carolina e Izabel, todas mulheres casadas que o traíram voltando para os seus maridos; Beatriz, uma prostituta, que o usa e volta para o marido; Angélica e Sofia, as únicas com quem casou e que o traíram, respectivamente com um amigo de trabalho e com um médico. Entretanto, o problema não estava exatamente nessas mulheres.

Tomás era um idealista que achava que a mulher perfeita seria à sua feição ou de sua falecida mãe. Tal fato jamais ocorreria, o que explica os fracassos de sua vida, até chegar ao suicídio. Suicidou-se porque não conseguia ver que ele era o responsável também pelas traições das quais fora vítima.

Deve-se lembrar que o narcisista não é só aquele se apaixona por si mesmo, mais: é aquele que não se reconhece, portanto, não vê os próprios defeitos, nem se conscientiza de suas deficiências. Em Tomás, isso gerou as traições que sofreu, afinal para ele era muito difícil relacionar-se.

Autran Dourado usa a narração em primeira pessoa para construir um personagem angustiado, que representa a utopia amorosa: um caminho a ser percorrido com alegria e tristeza, prazer e dor.
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O camafeu – De fato as mulheres pareciam com o camafeu ou Tomás fazia tal idealização? A segunda hipótese é mais provável.

Tomás buscava nas mulheres semelhanças com a figura feminina presente no objeto, isso para ele chegava ao ponto de ser um fetiche. Outrossim, o camafeu simboliza um vínculo com sua mãe, já falecida, a quem o camafeu pertencera. Tal coisa reforça ainda mais a idéia do Complexo de Édipo.

Para ele, Tomás, é importante estabelecer com as mulheres com quem se relacionou a ligação com a figura do camafeu, pois isso é tentativa de “concretizar” seu complexo de Édipo.

Fonte:
http://www.wagnerlemos.com.br/

Autran Dourado (1926)


Waldomiro Freitas Autran Dourado, filho de um juiz, nasceu em Patos de Minas (MG), em 1926.

Passou sua infância em Monte Sião e São Sebastião do Paraíso, no mesmo estado. Aos 17 anos foi para Belo Horizonte, onde passou a participar da vida literária da cidade. Cursou direito, enquanto trabalhava como taquígrafo e jornalista. Recebeu seu primeiro prêmio literário em 1942 com o conto "O Canivete de Cabo de Madrepérola". Sua primeira novela publicada foi A teia (1947), sobre o início de um ciclo sobre a decadência do interior de Minas.

Em 1949, formou-se bacharel em Direito e casou-se com Maria Lúcia Compus Christo, com quem teve quatro filhos.

Ganhou o Prêmio Mário Sette do Jornal de Letras com Sombra e exílio (1950). Mudou-se (1954) para o Río de Janeiro, onde foi secretário de imprensa da República (1955-1960) no governo de Juscelino Kubitschek.

Em seguida mudou-se no Rio de Janeiro, publicou Tempo de amar (1952), Nove histórias em grupos de três (1957) com o qual ganhou o Prêmio Artur Azevedo, do Instituto Nacional do Livro, A barca dos homens (1961), considerado o melhor livro do ano pela União Brasileira de Escritores, Ópera dos mortos (1967), O risco do bordado (1970), Solidão Solitude (1972), Os sinos da agonia (1974), O Novelário de Donga Novais (1976) e Armas & corações (1978). Recentemente ganhou o Prêmio Camões (2000), cerca de 100 mil dólares, pelo importância de sua obra em português.

Há vários livros seus traduzidos e trinta teses de mestrado e doutorado sobre sua obra. Seu romance “Ópera dos mortos” foi escolhido pela Unesco para integrar a sua Coleção de Obras Representativas da Literatura Universal e Os sinos da agonia, adotado para os exames de Agregação das Universidades Francesas.

O Risco do Bordado foi escolhido o melhor romance do ano pelo Pen Club do Brasil. Com As Imaginações Pecaminosas, além do Prêmio Jabuti de 1982, recebeu do governo alemão o Prêmio Goethe de Literatura.

É autor de vários romances, livros de contos, novelas e ensaios sobre teoria literária, como O Meu Mestre Imaginário, muitos deles traduzidos para vários idiomas. Em 1999, a Editora Rocco deu início à reedição de sua obra.

Em 2000, Autran Dourado foi o vencedor do Prêmio Luís de Camões, maior premiação para escritores de língua portuguesa.
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Um dos grandes ficcionistas brasileiros dos anos de 1960 e 70, é autor de um estimado livro de contos, Solidão, solitude (1972) e de vários romances importantes como Uma vida em segredo, 1964, A barca dos homens (1961), Ópera dos mortos (1967), O risco do bordado (1970) e Os sinos da agonia (1974). A obra de Autran Dourado se caracteriza – na feliz expressão de um crítico – por sua “intrínseca mineiridade, isto é, por uma tendência introspectiva, em que os seres se debatem sem encontrar saída, “enjaulados em atmosferas cinzentas, acossados pelo desentendimento, pela decadência e pelo estigma da morte” (Massaud Moisés).

Dois destes romances (Ópera dos mortos e Os sinos da agonia) situam-se em um patamar de realização superior, seja pela linguagem obsessivamente trabalhada, seja pela revelação de mundos espectrais e doentios nos quais os indivíduos são arrastados pela forças dos instintos rumo à destruição. Em Ópera dos mortos, no sobrado decadente da família Honório Cota, vive Rosalina, a última remanescente de uma estirpe em extinção, acompanhada apenas de uma empregada muda, Quiquina, e de um agregado, Juca Passarinho. A paixão erótica que a patroa nutre por Juca Passarinho é proporcional ao desprezo que ela vota a esse subalterno social. Todavia a gravidez da orgulhosa Rosalina surge como um golpe terrível na vida das três habitantes do casarão, desencadeando o crime e a loucura.

Em Os sinos da agonia, a ação transcorre na Vila Rica do século XVIII, mas a circunstância histórica (a decadência da sociedade aurífera) é meramente circunstancial. Não se trata de um romance histórico e sim de uma narrativa voltada para a análise e o contraste dos caracteres individuais, especialmente os de Malvina e os de Gaspar. Segundo um crítico, em Os sinos da agonia “a vida das criaturas está cifrada numa sucessão labiríntica que vai do adultério ao assassinato, da ambição dissimulada à loucura e ao suicídio, das secretas intrigas familiares à delação pública. Autran Dourado escreveu o romance da traição” (Flávio L. Chaves)

Fontes:
http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2005/01/14/000.htm
http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3306.html
http://www.vagnerlemos.com.br/

Genolino Amado (O Reino Perdido)


E eu era feliz? Não sei...
Fui-o outrora agora
(Cancioneiro FERNANDO PESSOA)

Em março, alegria, e alegria nova, me acolheu no sobradinho. Que alvoroço, que rumor, naquela manhã, diferente de quantas eu conhecera até então, manhã inaugural, dia com as alunas de volta ao fim das férias, e dia de outras, as calourazinhas, as mais recentes infantas do meu reino. O professor que fui renascia naquela hora, na corte das meninas, que, no portão, no jardim, na escadinha da frente e nas laterais, no corredor, na saleta de Josefa, me reapareciam de uniforme.

Tão iguais, e tão diferentes. Cresceram, mudaram, talvez já houvessem crescido e mudado no curso do ano anterior, com o dia-a-dia a me esconder a transformação. Vi garotas nas gurias da 11 e da 12, afinal minhas alunas. Vi meninotas nas meninas da 21 e da 22, que conduzi do Egito à Guerra dos Cem Anos. Observei um desabrochar de moças nas mocinhas da 31 e da 32, alunas que perdi na derradeira lição dos Tempos Modernos.

Dei com os olhos em Marina e Beatriz. A mesma semelhança; porém não as mesmas Beatriz e Marina. Só permaneciam iguais porque mudaram juntas. Agora bem diversas das que foram na primeira manhã do professor. E Luísa já não se parecia tanto com Dudu, a sobrinha do Major Zé Joaquim, ou talvez já não me impressionasse muito a presença das duas. Vi de cabelos soltos a de tranças, vi esguia a atarracadinha, vi maciez de curvas nas arestas da angulosa.

Diferentes, quase todas. E as da 32, como as da 31, mais do que diferentes. Indiferentes. Ainda no portão, aquela voz:

Bom-dia, Professor.

Bom-dia. respondi com automatismo. Virei-me, olhei. Já se afastava a figura. Reconhecendo-a, ergui o tom: Ângela, bom-dia.
Não se voltou, não me escutou a doce irmã de Neusa. E aquilo me doeu. Ângela, da terceira série, agora da quarta, Ângela ex-aluna, ex-Ângela minha, das minhas lições, que iria estudar com outros, Ângela que já aprendera História e pelo professor de História já passava ligeirinha, num cumprimento curto, Ângela tão perto e já longínqua. Doeu.

Professor, bom-dia.

Bom-dia, Isabel. Tudo bem, garota?

Isabel, da 31, a interrogativa por excelência, a que me perguntou o que queria dizer shakespeariano, a do álacre ou alacre. E, ao entrar, aquele bom-dia também ligeirinho. Não parou um momento não me indagou se gostei das férias. Outros, daí por diante, ouviriam suas perguntas caprichosas e imprevistas. Isabel, presente e em começo de ausência, Isabel que passou de série, Isabel que perdi. E tantas mais, da 32, da querida 31, tantas que reencontrei e não achei, ainda pequenas da Escola e não mais pequenas de aulas minhas. Só ao entrar e ao sair é que eu as veria, breves aparições no jardim, no pátio de recreio, nos corredores, fugitivas, desatentas ao professor de velhas manhãs, velozes no passar, velozes no dizer: "Bom-dia".

E por isso não foi melhor o primeiro dia de março, no sobradinho cinzento.
Mesmo assim, foi bom. Se alunas perdi, alunas ganhei. Enchiam as salas da 21 e da 22 figurinhas que antes me pareceram esquivas também, mas esquivas somente porque esperavam a hora de chegar, não porque viera a hora de partir. Outros nomes, outras vozes que respondiam à chamada, outras feições oferecendo-se ao meu olhar: Foi um encontro alegre que compensou a melancolia de uma despedida.

Das oito às nove, das nove às dez, esqueci o que onze meses me roubaram, porque o recomeçar das lições me levou a um outrora de quarenta séculos. Renasceu na Amaro o Egito dos faraós e das pirâmides. E iriam reflorescer os jardins de Babilônia, com as verdes criaturas que iniciavam comigo a peregrinação histórica.

Terminei o dia com pequenas que foram minhas e a mim voltavam, as da velha 22, as da nova 32. Deixei-as no fim da escuridão medieval, que já se fazia penumbra no madrugar do Renascimento; reencontrei-as na Europa que principiava a ser moderna. Alguém demorou a chegar, Hilda Schultz, a gorda. E já sem desconhecer a gordura, foi sentar-se na fileira da frente. Não mais se apertaria. E a que chorou na lição de Joana d’Arc brindou-me com o etéreo sorriso, sua única leveza.

Sucediam-se as manhãs. Lá se foi março e o Gama lá se foi. A nova terceira série o acompanhou até às Índias. Com as novas garotas da segunda, visitamos Atenas. E na volta à Grécia, reaprendi a lição que as alunas anteriores já me haviam ensinado. A lição do adolescente em face do heroísmo.

Contei a história daquele dia que jamais anoiteceu na História, o dia de Maratona. Cinqüenta mil invasores persas, dez mil defensores da liberdade grega. E a bravura, que a liberdade inspirou, é vitoriosa.

Que palpitação a das que me ouviam. Naquela manhã, as carioquinhas do Catete foram atenienses.

Mais uma aula, mais uma invasão dos medos-persas. No desfiladeiro das Termópilas, resistem os últimos defensores, com a maior das valentias, a dos que não esperam vencer. E caem, morrem, os trezentos guerreiros de Esparta.

Tal qual no ano anterior, a palpitação das meninas foi menor. As atenienses da véspera não se tornaram espartanas. Devia faltar alguma coisa.

Outra manhã e a guerra continua. Batalha naval de Salamina. Trezentas embarcações na frota dos gregos. Na dos persas, oitocentas. E os gregos vencedores.

A Escola vibrou. Era a segunda vez que vibrava assim com Salamina, tal qual com Maratona. E pela segunda vez não houvera vibração com a suprema valentia das Termópilas.

Por quê? O mesmo heroísmo, sob a mesma inspiração de liberdade, o mesmo desafio do pigmeu ao gigante, o débil no destemor de enfrentar o inimigo poderoso: Que diferença havia então? Uma só vitória.
Decerto, vitória dos fracos, dos pequenos e dos livres, porém vitória. Aquelas almas imaturas, com o otimismo da inexperiência, no calor e na confiança de viver, uniam à idéia do herói a idéia do êxito. Os adultos conhecem que Davi foi bravo porque lutou com o enorme filisteu, não só porque o derrotou. Mas um Davi vencido surpreenderia tanto as garotas da Amaro quanto as entristeceria.

Recordo-me do prazer com que, lá por novembro, as alunas da 31 e da 32 me ouviram contar, na Revolução Francesa, o doido frêmito dos esfarrapados sans-culottes assaltando a colina de Valmy e alcançando um triunfo que parecia impossível. Ignoravam as pequenas quem foi Goethe, mas todas o aplaudiram quando citei o alemão: "Neste lugar e neste dia começa uma época nova na história do mundo."

E em risonho dia de maio a Escola acreditou no alvorecer de um novo tempo, de um mundo novo. A minha primeira lição aproximava-se do fim, mas ao fim não chegou. Porque, de súbito, o soar das sirenas, o buzinar dos automóveis, o troar das fortalezas, maluquice de alegria na rua, no céu os aviões em vertiginoso carnaval de fluidas serpentinas brancas: O Dia da Vitória, o Dia da Paz.

A exemplo dos outros mestres, suspendi as aulas. Eu, com maior razão. Seria ridículo ensinar o passado naquele instante denso de futuro. Um instante miraculoso, que nos prometia redimir séculos e séculos de opressão e de injustiça, milênios e milênios de miséria e horror. O mundo fraterno, que nem a morte de um deus conseguiu criar, acolheria os que sobreviveram a um dilúvio de sangue.

As meninas que riam, que se abraçavam e me abraçavam, convenceram-me, por um minuto, do amanhã nascente naquela manhã. Deixando-as, compareci à assembléia-geral dos professores, em sessão extraordinaríssima no gabinete de Eugênia. Havia um orador, o Feitosa. Não mais o misterioso Feitosa das conversas em surdina a um canto, um Feitosa inaugurado com a Paz, facundo, ruibarbosesco, potente na voz, convincente nos gestos. Dizia:

Hoje estou seguro, seguríssimo, de que se acabaram as guerras. Sim, acabaram de vez. Depois de tanto que sofreram e aprenderam, os povos viverão em harmonia, as superpotências não abusarão da sua força, desaparecerão as ditaduras, nenhum poder ameaçará os direitos humanos, e os pobres da terra serão menos pobres.

Falou, falou. E ouvimos. Muitos, com a mesma convicção de Feitosa, outros só com esperança, mas nenhum descrente de todo. E aplaudimos o primeiro dos futurólogos.

Aquela manhã de maio, com a paz na Europa, foi das últimas que passei no sobradinho. Em agosto, ali já não me encontrou a manhã, da bomba atômica na Ásia. É que, surpreendentemente, ao fim de junho, o pérfido governo resolveu encerrar a sua perseguição. Fui transferido para o turno da noite e, depois, enviado de volta à emissora educativa.

Sofri. Sofri de verdade. Bem me lembro de quanto me doeu abraçar as alegres alunas, então alunas de olhos umedecidos, que se despediam do professor com quem aprenderam tão pouco e a quem ensinaram tanto.

Foi um adeus em silêncio. Falar o quê?

Hoje, abençôo aquela hora que me amargurou. Deixei o reino encantado quando ainda havia encantamento. E os encantamentos que perduram são os que nos fogem depressa. Perder é às vezes ganhar. Pássaro esquivo, que voa na luz, a poesia das coisas não se prende ao ninho escuro do cotidiano. Porque saí da Escola, preservei-a na festa da manhã inicial.

E as manhãs, continuadas, já não me pareciam festivas. De tanto que o vi, o Botafogo das sete e meia acabou desaparecendo ao meu olhar de transeunte acostumado a Botafogo. Via e ao mesmo tempo não via o vôo bailarino das gaivotas, as velas errantes, a nuvem que se enroscava imprudentemente no Pão de Açúcar. No abril da iniciação, a atmosfera dos sonhos, a meninice de um mundo sorridente. E o mundo envelhecera. Ou envelheceu a visão do mundo infantil. Com tanto sol, a neblina do tédio o cobria.

Chilreavam os pardais nos oitizeiros? Não os ouvia, semi-surdo o professor semicego. No Jardim-Leblon, ia lendo o jornal, sem o namoro secreto de antes com as caixeirinhas das lojas e a velhinha da missa. Ir à Escola deixou de ser um passeio.

Até a Escola ficou diferente, porque não mudava. O encontro com Josefa, o soar do bem-lem-bem, as conversinhas de corredor e de saleta, as vozes das garotas com os "Presente" e os "Pronto" da chamada, tudo se repetia. Também eu repeti, com satisfação, o que, no ano anterior, ouvira de outro, com tristeza. Já nas vésperas da transferência, comentei:

Estão chegando as primeiras provas parciais. Depois, um mês de férias. Que bom, hein?

As mesmas palavras de Adelino, que estranhas e absurdas pareciam ao professor em lua-de-mel com o magistério. Ao me escutar, compreendi que a graça de conviver com as meninotas já não tinha tanta graça, que o brinquedo se fizera a obrigação. Reaparecia o adulto no que, aos quarenta, principiou a lecionar com o prazer de um guri vadiando. Ao mestre, que se cansava e se enjoava, já acontecia em junho o que ao mestre ainda novo só acontecera em dezembro.

E mais um dezembro com as meninas seria dezembro de perder meninas. Muitas e muitas vezes, nas lições à 31 e à 32, ouvi de mim: "Em março vindouro, estas passarão por você, num bom dia curto, fugitivas, apressadinhas."

E passariam outras, mais outras, na sucessão dos anos. O professor parado, à beira do rio adolescente. E o rio seguindo, a levar blusas brancas e saias azuis, as mesmas saias, as mesmas blusas, porém não as mesmas náiades na veloz torrente. Por fim, o professor se aborreceria de mirar as ninfas que viessem na correnteza e a correnteza fosse levando.

Porque parti, o rio adolescente deixou de correr. Transformou-se num lago cristalino, sobre o qual me debruço quando quero rever as de cova no queixo, as de pintas no rosto, as de olhar sonso, as de feições abertas, as estabanadas e as manhosas, as baixotinhas de busto erguido, as esguias ainda sem ondulação de seio, a de franja na testa, a de tranças, as de cabelos revoltos, a com pelúcia de pêssego no antebraço, as meninas sempre meninas da Escola, as meninas que me reaparecem na ingênua ilusão de um abril que se foi, as reencontradas infantas do meu reino perdido.

Rio, agosto-outubro, 1970.

Fontes:
http://www.wagnerlemos.com.br/genolinoamado.htm
Imagem = http://medievallegends.blogspot.com