domingo, 23 de maio de 2010

Alexander Martins Vianna (Novo Moderno Prometeu: O Espelho de Victor Frankenstein )



O amanhã jamais igualará o ontem;
Nada, exceto o mutável, pode perdurar!”
(Mary Shelley, 1818)

Em 1818, Mary Shelley (1797-1851) publicou um conto fantástico em que um cientista, Victor Frankenstein, é tomado pela ânsia de alcançar a glória através da ciência. Em sua busca científica, desenvolve interesse pela física, pela química e, combinando ambas as formações, procura descobrir a origem do princípio vital latente em todas as coisas vivas. Descobrir, nesse sentido, significava poder dominar tal princípio e dar-lhe uma finalidade. Para ele, tal finalidade era “banir a doença do coração humano, tornando o homem invulnerável a todas as mortes, salvo a provocada pela violência…”; assim, ele “seria o criador de uma nova espécie, seres felizes, puros…” que lhe deveriam a própria existência (SHELLEY, 2001: 41-56). Deste modo, nasceu a tragédia neoprometéica de Victor Frankenstein. Como consideramos que a obra se desenvolve num plano de tragédia, poderemos identificar alguns pontos de “desmedidas” ou “desequilíbrios” que, com as próprias mortes física e social de Frankenstein, adquirem um sentido moral de reequilíbrio.

Laicizando o tema da (re)criação do (super)homem, Mary Shelley cria um plano dramático de condenação para Frankenstein por pretender romper a barreira entre a vida e a morte. A visão da natureza como exemplo perfeito de força vital pressupõe a existência do ciclo entre a vida e a morte, pois a vida brota da decomposição da matéria morta em uma projeção perpétua para o futuro. Nesse sentido, tal espiral não pode ser rompida e, caso ocorra, estaríamos diante de um novo paradigma, algo estranho a tudo existente em matéria de saber, normas, valores e convenções. Tal é a condição existencial de um monstro. O monstro, ou pária social, é o sinal de que algo dentro de uma sociedade vai mal. No entanto, longe de contemplarem a si mesmas na imagem do monstro, as sociedades tendem geralmente a criar fronteiras (reais/simbólicas) para projetar no alienígena social os seus males.

No entanto, Mary Shelley não concederá tal mecanismo de escape a Frankenstein: afinal, a sua “escultura viva” não seria uma abstração distante perdida numa estatística, mas um ser individual especial (Übermensch) que, desenvolvendo razão e sensibilidade, era capaz de se fazer presente à mente de seu criador como indivíduo e, portanto, tornou-se impossível para Victor alienar-se dos efeitos imprevistos de sua obra – desconforto do qual é poupada a maioria dos cientistas (do passado e do presente), sob o manto protetor da “neutralidade científica”, especialização e finalidades nobres. Assim, depois de ter aprendido a sua amarga lição, podemos ouvir a seguinte advertência de Frankenstein a Walton:

“(…)Aprenda, se não pelos meus preceitos, pelo menos por meu exemplo, o perigo que representa a assimilação indiscriminada da ciência, e quanto é mais feliz o homem para quem o mundo não vai além do ambiente cotidiano, do que aquele que aspira tornar-se maior do que sua natureza lhe permite.(…) Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo…”(Idem, p.56) [Grifo meu]

Para enfrentar problemas relacionados à fome, doenças infecto-contagiosas, à pauperização do espaço urbano e à formação de um número crescente de pessoas inclassificáveis (nesse sentido, “massa”), as elites governantes européias do século XIX criaram as suas próprias versões prometéicas de reforma e aperfeiçoamento dos espaços rurais e urbanos. Nessa trajetória, o novidade do século XIX foi firmar cada vez mais o discurso médico-científico como voz de autoridade na forma de se conceber “remédios” e “profilaxias” para a questão social. Assim, a questão social – muitas vezes tratada como uma “questão sanitária” – recebeu um tratamento elitista insensível a um justo equilíbrio entre meios e fins. Ora, pretender criar uma nova espécie de homem – nascida de um plano cientificamente traçado por um especialista – que fosse resistente à morte por doenças e privações materiais poderia até romper a barreira entre a vida e a morte, como pretendera Frankenstein, mas manteria sem abalos as fronteiras sociais. Entretanto, tal como as massas pauperizadas da modernidade, o monstro tem consciência, sensibilidade e migra para o “mal e a vingança” quando é privado de afeto por ter uma aparência pouco atrativa.

Portanto, a tragédia de Frankenstein contada por Mary Shelley não deixa de manifestar certos incômodos com a forma que as elites governantes tratavam a questão social na época. A arrogância social, a afetação nas afeições e a falta de solidariedade constróem seus próprios monstros sociais, que são jogados “para o nada social” ou “para o mal”. Nesse sentido, não é uma condenação moralista religiosa contra o saber médico-científico que Mary Shelley nos apresenta, mas uma provocação romântico-humanista que pretende lembrar que o homem, em sua ânsia de tentar aperfeiçoar a si mesmo e a seu mundo, não pode perder a sensibilidade, o que significa equilibrar de modo inclusivo as relações entre meios e fins. Tal é a lição que Frankenstein quer deixar para Walton em seus último momentos:

“(…) Num acesso de desmedido entusiasmo, criei uma criatura racional e cabia-me, dentro do limite dos meus poderes, assegurar-lhe a felicidade e o bem-estar.(…) Recusei-me a criar[-lhe] uma companheira(…). Ele demonstrou perversidade e egoísmo sem par. Destruiu meus amigos. Devotou-se ao extermínio de seres que possuíam sensibilidade, felicidade e saber. E não sei até onde a sua sanha vingativa poderá levá-lo. Por isso, devia morrer. Cabia a mim a tarefa de pôr-lhe fim à existência, mas fracassei(…). Perturba-me…o fato de que a sobrevivência do monstro signifique a continuidade do mal.(…)Adeus, Walton! Busque a felicidade num viver tranqüilo e evite ser dominado pela ambição, mesmo que seja essa – aparentemente construtiva – de distinguir-se no campo da ciência e dos descobrimentos. Mas por que falo isso? Na verdade, se eu me arruinei nessas esperanças, pode ser que outro seja bem sucedido(…)”(Idem, p.202) [Grifo meu]

Assim, as últimas palavras de Frankenstein que concluem seu ciclo trágico estão longe de anularem as esperanças de descobertas no campo da ciência, mas servem para corrigir em Walton (que está na mesma posição do leitor) um tipo de ânsia de saber que – por desequilibrar a relação entre meios e fins – perde a sensibilidade em relação à beleza da vida, em qualquer de suas expressões. No começo da tragédia, em uma carta à sua irmã, Walton conta as dificuldades de sua viagem científica no Ártico e refere-se à perda de um marinheiro nos seguintes termos:

“(…)A vida ou a morte de um homem seriam um preço ínfimo a pagar pelo conhecimento que eu buscava e pela vitória sobre as forças da natureza hostis à espécie humana que esse conhecimento legaria à posteridade(…).(Idem, p.32)

Para criar um contraponto sentimental a isso, Mary Shelley expõe logo em seguida a interlocução de Frankenstein com Walton e, assim, coloca o leitor num plano de suspense e segurança em relação àquilo que deve ser entendido como a “moral da história”:

“(…) Somos criaturas brutas, apenas semi-acabadas quando nos falta alguém mais sábio, melhor do que nós mesmos, para ajudar-nos no aperfeiçoamento da própria natureza – débil e falha.(…)Você tem esperança, o mundo à sua frente, e não tem motivo para desespero. Quanto a mim, perdi tudo, e não tenho como recomeçar a vida(…). Não creio que o simples relato de meus infortúnios lhe possa ser de alguma utilidade, mas quando reflito que está seguindo o mesmo rumo, expondo-se aos mesmos perigos que me tornaram o que sou, imagino que possa tirar algum proveito moral da minha história; e isso poderá constituir uma ajuda para orientá-lo em caso de êxito, ou para consolá-lo se fracassar. Prepare-se para ouvir o relato de acontecimentos que normalmente poderiam ser considerados fantásticos. Se estivéssemos em outro ambiente, como o que em outras épocas cercava o nosso dia-a-dia, eu temeria a sua descrença. Porém, muitas coisas parecem possíveis nestas regiões misteriosas; coisas que poderiam provocar o riso daqueles poucos afeitos às forças mutáveis e inelutáveis da natureza. Por outro lado, minha história guarda, em sua própria essência, provas insofismáveis da sua verdade(…).”(Idem, pp.32-34) [Grifo meu]

No primeiro terço do século XIX, a sensibilidade romântica não tolera um mundo que se torna monocromático e afetado por regras que impedem o livre desenvolvimento do conhecimento e da sensibilidade. Nesse sentido, ela se inscreve em larga medida na superação do ideal clássico como paradigma, buscando mais diversidade de cores e objetos, pois possibilitam ao homem aprender novas coisas e aperfeiçoar as antigas. Os escritos orientalistas deram aos românticos um repertório de imagens-conceito para onde projetar seus sonhos de reforma da civilização européia. No desenvolvimento da história de Mary Shelley, Clerval aparece como aquele que ajuda seu combalido amigo Frankenstein a recuperar o seu “verdadeiro eu”, perdido depois de uma longa e voluntária privação de luz, cores e sensibilidade em meio às trevas de dois anos de seu projeto prometéico:

“…Clerval jamais partilhara de meu gosto pela ciência natural. Suas inclinações, dirigidas para a literatura, divergiam totalmente das minhas. Ele viera para a universidade com a finalidade de aprofundar-se em línguas orientais…Voltando os olhos para o Oriente, buscava descortinar os horizontes propícios a uma carreira brilhante. Atraíam-no os idiomas persa, árabe e sânscrito, e eu resolvi acompanhá-lo nesses estudos com a esperança de dissipar minhas íntimas preocupações(…), de modo que o roteiro dos orientalistas me pareceu um agradável convite, e eu fiquei contente em tornar-me discípulo do meu amigo. Não tencionava, como ele, adquirir conhecimento crítico dos seus escritos, nem usufruir qualquer proveio prático. Procurava apenas distração, sem pretender ir além de compreender-lhes o significado. Meu esforço de aprendizagem foi compensado, pois descobri nos orientais um toque ameno de melancolia, uma poesia de aceitação tão singela quanto profunda, como também um grau de sabedoria e uma exaltação de alegria que jamais experimentei no convívio com autores ocidentais. Através de suas páginas, a vida parece um jardim florido dourado de sol. Que diferença da poesia épica e heróica de Grécia e Roma!” (Idem, pp.69-70). “(…)Em Clerval eu via refletido o meu antigo eu. Ele era um eterno curioso e ansiava por adquirir experiência e aumentar seus conhecimentos. A diferença de costumes que observava era para ele uma fonte inesgotável de instrução e diletantismo(…).Aspirava visitar a Índia, na crença de que, apoiado nos conhecimentos das várias línguas daquele país…e nos conceitos que formara sobre sua formação histórica, poderia colher observações aplicáveis ao desenvolvimento da sociedade européia(…)”(Idem, pp.151-152) [Grifo meu]

Clerval surge, então, como uma recuperação de luz, um novo experimentar da diversidade sensível de outrora. No entanto, em vez do marmóreo referencial clássico, Frankenstein teve nele a oportunidade singular de experimentar o brilho das luzes e sensibilidades orientais. A existência de Clerval – que associa as luzes do conhecimento e o diálogo sensível com a diversidade das coisas do mundo – surge na história como um axioma oposto ao paradoxo prometéico-existencial de Frankenstein. Este desequilibrou a relação entre meios e fins em sua ânsia egoísta de glória científica e superação de séculos de trevas. Como seu projeto foi executado às custas da privação de sol, paisagem natural e afetos familiares, Frankenstein desequilibrou psicologicamente a si mesmo e, por extensão, a sua obra. Assim, quanto mais anti-romanticamente tentava superar as trevas, mas caía nelas. Por isso mesmo, o paradoxo prometéico de Frankenstein é rico de implicações para a análise da sensibilidade romântica em matéria de conhecimento: ele tinha em mente uma escultura viva, uma criatura superior ao seu criador em beleza, sensibilidade, inteligência, força e resistência; mas como tal criação poderia ser a imagem da beleza se seu criador, para torná-la possível, privou-se de vida e afeição, acercando-se somente da morte? A afeição e a sensibilidade são apresentado por Mary Shelley como medidores para definir quando a busca do saber adquire feições monstruosas. Lição cara para a posteridade…
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Alexander Martins Vianna é Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil(2008); Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Fonte:
Colaboração de Antonio Ozaí da Silva: Revista Espaço Acadêmico., nº 26, julho de 2003, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/026/26cvianna.htm

Aparecido Raimundo de Souza (A Misteriosa Elba)


Sentados na enorme sala pai e filha conversam sobre os acontecimentos mais recentes. Na frente deles uma televisão em volume baixo exibe um capítulo de novela.

- Quer dizer então, minha filha que definitivamente você largou seu marido?

- Sim, papai.

- E por quê?

- Fiquei sabendo que ele tem outra mulher...

- Cafajeste. Bem, não foi por falta de aviso. Você brigava comigo, me achava um chato quando eu tocava no assunto.

- Pois é, papai. O senhor tentou me abrir os olhos. Eu não quis escutar. Estava cega. Sinto ter lhe causado essa tristeza e, agora, mais este aborrecimento de voltar para sua casa quase que às pressas.

- Não é aborrecimento nenhum. Você é e sempre será bem vinda a qualquer tempo. Claro que estou me sentindo triste por você e até por ele – eu tinha o Sancler como a um filho. Só queria que ele lhe fizesse feliz. Mas, enfim, a felicidade nunca e completa. Como descobriu?

- Comecei a receber bilhetinhos anônimos. Depois telefonemas.

- E o que diziam esses bilhetes?

- Pouca coisa, tipo “se cuida, sua burra, seu marido tem outra, está te traindo”. Os telefonemas repetiam praticamente as mesmas palavras sem muitas variações.

- Ao menos descobriu quem é a despudorada?

- Sim, papai. Descobri.

- Gente conhecida da nossa família?

- Uma perua chamada Elba.

- Elba? Que loucura. Quase sua xará. Só faltou o a antes do l. Mais nova que você, mais velha?

- Mais nova. Um dos bilhetes fazia menção a 1992.

- Além de tudo o garotão aprecia mulheres mais novas? Interessante! Se essa Elba é de 1992 só tem 18 anos.

- Pai, eu tenho 35. O senhor insinua que sou velha ou que nesta idade já estaria ultrapassada para o Sancler?

- Claro que não, filha. De onde você tirou essa idéia?

- O senhor falou nesses 18 anos com tanto ênfase!

- Nada a ver, minha linda. Você, com 35, põem qualquer sirigaita de 18 no bolso. Me esclareça um ponto obscuro: onde o Sancler arranjou esse estrupício?

- Num weekend que fez ao Rio de Janeiro há questão de quatro meses.

- E onde ele enfiou essa moça desde então?

- O senhor não vai acreditar pai. Ele montou uma quitinete para ela.

- Quitinete?

- É.

- Aonde, filha?

- Na garagem da nossa antiga residência.

- Que filho da mãe! Você, por acaso, se deu ao trabalho de ir até lá para conferir?

- O senhor me conhece e sabe que tenho pavio curto. Se pintasse no pedaço, acabaria agredindo a infeliz dando na cara dela para extravasar minha ira. Para não armar barraco e perder a razão, preferi ficar na minha. Saí de casa e aqui estou. Já chega a avalanche de piadinhas que venho ouvindo das amigas.

- Piadinhas?

- Ora, pai, o senhor sabe como as pessoas gostam de rir da desgraça alheia. Minhas amigas tiram sarro dizendo que a tal da Elba veste prada.

- A Elba é prata? Quero dizer ela gosta de prata?

- Prada, pai. É alusão a um filme que estreou recentemente nos cinemas: O diabo veste Prada. Minhas colegas gozam de mim afirmando que Sancler me trocou pela Elba porque ela tem designer elegante além de um espaçoso porta malas...

- Porta malas?

- Bumbum, pai. Ela é rabuda, entende? Tem os quadris avantajados. Além de possuir... Além de possuir portas de entrada.

-Portas de entrada? Suas amigas falam de uma mulher ou de um carro?

- Claro que de uma mulher, pai. Preciso especificar quais são essas entradas? O senhor quando era moço e conheceu a mamãe não achou as portas?

Gargalhadas estridentes de ambos os lados.

- Ah, entendi. A ficha caiu. Por falar em sua mãe, que Deus a tenha, ela era o máximo da categoria: para minha época, em comparações aos dias de hoje, uma mulher um ponto cinco.

- Então, pai. A vagabunda segundo os bilhetes e a voz misteriosa dos telefonemas deixou bem evidente que essa Elba também é do tipo um ponto cinco como o senhor acabou de descrever. Um pedaço de mau caminho. Tem injeção eletrônica e atinge os oitenta em questão de segundos. É só acelerar.

O pai de Alba volta a cair numa estrondosa risada.

- Ainda bem que você não ficou pra baixo e faz piada da situação.

- Tenho outra saída? Acaso o senhor queria me ver em estado de depressão?

- Jamais. Espera um pouco, filha. Estou pensando aqui com meus botões: esses telefonemas não seriam do pessoal que alugou a casa quando vocês mudaram para o apartamento novo?

- Pensei nessa possibilidade e de pronto descartei a idéia. Quem mora em nossa (digo minha) casa hoje é um casal de velhinhos. Nenhum dos dois se prestaria a esse tipo de papel.

- Um filho, uma filha?

- Eles são sozinhos, pai.

- A voz da pessoa que liga. Como é?

- De gente nova.

- Fale da caligrafia dos bilhetes.

- Parece de homem...

- Algum vizinho?

- Talvez!

- Quer saber? Vou até lá conferir de perto e pôr essa pendenga em pratos limpos.

- Deixa baixo pai. Já sai do apartamento, passei a mão em tudo o que era meu. Na segunda procuro um advogado e fim de papo.

- Meu pai do céu, que situação. O que o Sancler diz de tudo isso? Ao menos falou com ele?

- Sim, pai. Tivemos uma conversa longa e franca. Ele nega, de pés juntos que não existe outra. Chora como uma criança e diz que me adora que sou a mulher da vida dele, e bla, bla, bla... O papo furado de sempre. No fundo é um pilantra, um safado. Eu que o amava tanto... Estou me sentindo um lixo. O maldito me trocou por uma qualquer. Só pelo fato de ser mais nova, mais bonita, mais elegante. Onde foi que errei, papai?

- Calma filha. Vamos descobrir a verdade. Amanha irei ver essa fulaninha com meus próprios olhos ou não me chamo Juarez da Costa Fiat.

- Melhor não, pai. Melhor não!...

***

Dia seguinte seu Juarez da Costa Fiat madrugou. Saiu antes das quatro da matina. Botou na cabeça que encostaria o genro na parede e não regressaria sem uma conversa de homem pra homem com o sujeito. Pegou o ex de sua filha saindo exatamente da garagem.

- Bom dia, Sancler. Precisamos conversar.

O rapaz levou um baita susto ao ver o sogro àquela hora da manhã, em pé, diante da porta da garagem.

- Seu Juarez, a que devo a honra de sua visita?

- Serei curto e grosso. Quero que me apresente a sua amante que mora ai dentro.

- Amante? Que amante?

- A Elba.

- Não é nenhuma amante, seu Juarez. Acredite em mim...

- Então abra a garagem. Quero entrar. Se estiver dizendo a verdade, lhe dou a palavra: minha filha estará de braços abertos a sua espera.

Quando seu Juarez meteu os pés dentro da garagem e gritou para que Sancler acendesse as luzes, o que o velho pai de Alba viu lá dentro, não passava de um automóvel Elba CS Fiat weekend 1.5, ano 1992, de cor prata, quatro portas, injeção eletrônica em perfeito estado de conservação.
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Observação: Este texto foi escrito pelo autor de forma humoristica devido ao fato de minha esposa se chamar Alba e eu possuir um carro Elba. (José Feldman)
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Fonte:
Colaboração do Autor.

sábado, 22 de maio de 2010

Pedro Dubois (Poesias no Papel)


DATAS

Não é o dia aprazado
o atraso me faz
fragilizado
ao encontro:

altero o calendário
ao necessário

nos dias seguintes
retorno ao anterior
acaso: incompleto
o ciclo se debate
em dúvidas estelares.

TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

Fonte:
Colaboração do Poeta

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 6


ELEMENTOS GREGOS

Acro (alto): acrobata, acrópole; acusi (audição): acústica, hiperacusia; agogo (que conduz): demagogo, pedagogo; algia (dor): analgésico, cefalalgia; alo (outro): alomorfo, alopatia; andro (homem, varão): andrógino, andrologia; anemo (vento): anemofilia; anemógrafo; angelo (anjo, mensagem): angelical, evangelho; angio (vaso, veia): angiografia, angiologia; arc (antigo, superior): arcaico, arcebispo; aritmo (número): aritmética, logaritmo); arquia (governo, poder): anarquia, monarquia; artro (articulação, junta): artralgia, artrite; aster (astro, estrela): asterisco, astrologia; auto (próprio): autobiografia, autodidata;
bata (que anda): acrobata, nefelibata; biblio (livro): bibliófilo, biblioteca; bio (vida): biografia, biologia;
cali (belo, bom): califonia, caligrafia; cardia (coração): cardíaco, cardiopatia; carpo (fruto): carpófago, carpologia; cinema (movimento): cinemática, cinematógrafo; cino (cão): cínico, cinódromo; ciste (bexiga): cistite, cistomia; cito (célula): citologia, leucócito; clasta (que destrói): biblioclasta, inconoclasta; clepto (roubo): cleptofobia, cleptomania; cosmo (belo, limpo, universo): cosmético, microcosmo; cracia (governo, poder): aristocracia, ginecocracia; criso (ouro): crisântemo, crisografia; cromo (cor): policromia, tricromia; crono (tempo): cronômetro, sincrônico...
Datilo (dedo): datilografia, quirodátilo; demo (povo): democracia, epidemia; dendro (árvore): dendrobata, dendroclasta,; derma (pele): dermatologia, epiderme; dinamo (força): aerodinâmica, dinamismo; dromo (pista de corrida): autódromo, hipódromo;
eco (casa, habitat): ecologia, economia; eno (vinho): enologia, enomania; entero (intestino): disenteria, enteralgia; entomo (inseto): entomofilia, entomologia; ergo (força, trabalho): energia, ergoterapia; espleno (baço): esplenalgia, esplenomegalia; estesia (sensibilidade): anestesia, telestesia; estoma (boca): estomatite, estomatoscópio; etno (povo, raça): etnia, etnografia; eto (costume): ética, etologia;
fago (que se alimenta de): geófago, ictiófago; filo (que gosta): cinófilo, hidrófilo; fito (planta): fitófago, fitogeografia; flebo (veia): flebectomia, flebite; fobia (aversão, medo): acrofobia, ergofobia; fone (som, voz): fonema, telefone; foto (luz): fotografia, fotossíntese...
Galato (leite): galactófago, galactorreia; gamia (casamento): monogamia, poligamia; gastro (estômago): gástrico, gastroenterite; genia (criação, origem): congênito, genética; geo (solo, terra): apogeu, geografia; gero (velhice): geriatra, gerontocracia; gimno (nu): ginásio, ginástica; gino (mulher): ginecocracia, ginecologia; gipso (gesso): gipsografia, gipsífero; glico (doce): glicômetro, glicose; glossa, glota (língua): glossário, poliglota; gnos (conhecer, saber): diagnóstico, ignorar; grama (letra, palavra, peso): gramática, quilograma;
hagio (sagrado, santo): hagiógrafo, hagiólogo; helio (sol): heliocêntrico, heliólatra; hema (sangue): anêmico, hemorragia; hemero (dia): efêmero, hemeroteca; hemi (meio): hemisfério, hemistíquio; hepa (fígado): hepatite, hepatotomia; hetero (diferente): heterogêneo, heterônimo; hialo (vidro): hialino, hialotecnia; hidro (água): hidrelétrica, hidrografia; higro (umidade): higrófilo, higrômetro; hipo (cavalo): hípico, hipódromo; histero (útero): histeralgia, histerografia; histo (tecido): histologia, histotomia; hodo (caminho): êxodo, hodômetro; holo (inteiro, todo): holístico, holofote; homo (igual, semelhante): homeopatia, homônimo;
icono (ídolo, imagem): íconólogo, iconoteca; ictio (peixe): ictiofagia, ictióide; idio (peculiar, próprio): idioleto, idiossincrasia; iso (igual): isocrônico, isotérmico;
leuco (branco): leucemia, leucocitose; limno (lago, lagoa): limnófilo, limnometria; lipo (gordura): lipoaspiração, lipoma; lito (pedra, rocha): litografia, litogravura; logo (palavra): diálogo, logorreia;
macro (grande, longo): macróbio, macrocéfalo; mega (grande): megafone, megalópole; micro (pequeno): micróbio, microscópio; mnes (memória): amnésia, mnemônica;
necro (morte): necrópole, necrotério; nefelo (nuvem): nefelibata, nefelóide; nefro (rim): nefrite, nefrólito; nomia (administração): agronomia, economia; noso (doença): nosocômio, nosomania.
Odonto (dente): odontológico, ortodontia; oftalmo (olho): oftalmia, oftalmoscópio; oligo (poucos): oligarquia, oligopólio; onimo (nome): antropônimo, pseudônimo; oniro (sonho): onírico, oniromancia; onto (ser): ontogênese, ontologia; orex (apetite): anorexia, heterorexia; orto (correto): ortografia, ortopedia; osteo (osso): osteometria, osteoporose; oto (ouvido): otite, otoscópio;
paleo (antigo): paleografia, paleontologia; pan (todos, tudo): panaceia, panteísmo; paqui (grosso): paquiderme, paquigástrico; para (próximo, ao lado): paralelo, parapsicologia; pedo (criança): pediatra, pedagogo; pepsia (digestão): dispepsia, péptico; piro (foro): pirogênico, pirotécnico; pteco (macaco): pitecantropo, pitecóide; plegia (paralisia): hemiplegia, tetraplégico; pneumo (ar, pulmão): dispneia, pneumonia; podo (pé): antípoda, podômetro; polis (cidade): política, Teresópolis; potamo (rio): hipopótamo, Mesopotâmia; pluto (rico): plutocracia, plutomania; ptero (asa): pterodátilo, helicóptero;
quiro (mão): cirurgia, quiromante.
rino (nariz): rinite, rinoceronte;
sauro (lagarto): dinossauro, megalossauro; scop (ver): periscópio, telescópio); seleno (lua): selenita, selenografia; sema (sinal, significado): semântica, semiótica; sidero (aço, ferro): siderotecnia, siderurgia; sofia (sabedoria): filosofia, teosofia; soma (corpo humano): psicossomático, somatologia;
alasso (mar): talassografia, talassoterapia; tanato (morte): eutanásia, tanatofobia; terapia (tratamento): terapêutico, psicoterapia; termo (calor): térmico, termodinâmica; tomo (divisão, parte): anatomia, átomo; topo (lugar): topografia, topônimo; trico (cabelo): tricotilomania, tricotomia; trofia (crescimento): hipertrofia, hipotrofia;
uru (cauda, rabo): anuro, macruro;
xeno (estrangeiro): xenofobia, xenomania; xero (seco): xerocópia, xerografia; xilo (madeira): xilogravura, xilófago;
zimo (fermento): ázimo, zimotecnia; zoo (animal): epizootia, zoófilo.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Antonio Brás Constante (Martirizados no Mercado)


Todo mês é a mesma coisa, ir ao mercado fazer compras. Mais que uma obrigação ou necessidade, trata-se de uma penitência que muitos passam para abastecer seus lares. Na prática a pessoa que vai as compras entra com o bolso cheio de dinheiro e o carrinho vazio, para sair com o bolso vazio e o carrinho, digamos, se não totalmente cheio, ao menos não tão vazio como na entrada.

O mercado é um local onde acabamos revendo velhos conhecidos, talvez porque a grande maioria receba seus salários na mesma época do mês. Você entra e já vai logo dando de cara com algum rosto que há muito tempo não via. Geralmente são pessoas que apesar de conhecidas, não dispõe de vínculos muito fortes com você. Ou seja, ótimas para se ver uma vez lá que outra e dar um aceno ou um aperto de mão, mas não para se esbarrar a todo o momento, em um local onde o foco são as compras e não necessariamente reencontros casuais.

No primeiro contato, ambos ficam meio sem jeito, sorriem e trocam cumprimentos do tipo: “você por aqui fulano!” Ou “há quanto tempo hein?”. Cada um tenta seguir para um lado, mas se dão conta que estão indo pelo mesmo caminho. Trocam novos sorrisos amarelos, até que um dos dois resolve parar sob qualquer pretexto para deixar que o outro siga em frente.

O que acaba acontecendo, é que os dois passam o tempo inteiro se encontrando entre os corredores do mercado. Nas primeiras vezes, um passa pelo outro e diz alguma coisinha ou faz alguma careta do tipo: “lugar pequeno este!”. Por fim começam a disfarçar ao perceberem a aproximação do outro, procurando preços ou lendo algum rótulo, para não ter que olhá-lo novamente, pois não querem parecer indelicados.

Alguns tentam pular corredores, mas não adianta, pois o outro tem a mesma idéia e voltam a se encontrar novamente. A melhor forma de se resolver este impasse é passar a andar ao lado de seu conhecido e tentar iniciar um diálogo com ele. Porque a partir daí parece que todo mercado conspira para que vocês não consigam mais ficarem juntos.

Quem acha que fazer compras é fácil, esquece do stress que se passa nessas horas. Em cada corredor as pessoas têm que: cuidar de seus filhos para que não quebrem nada (nem se quebrem), olhar os preços, procurar o produto desejado, cuidar para não bater no carrinho da frente e verificar os itens da sua lista, calculando o quanto pode gastar.

Daí você entra em um novo corredor, olha novamente os preços, cuidando do carrinho da frente, procura o novo produto desejado, acerta sua lista, recalcula o valor disponível e sente que está se esquecendo de algo, mas o que será? Olha em volta e percebe que seu filho sumiu. Sente um frio na barriga quando lembra que a pouco viu ele junto a você no último corredor que passou. Ao relembrar disso, seu corpo todo estremece. Uma sensação terrível de desespero envolve você, pois se dá conta que o corredor que acabou de passar era justamente aquele onde ficavam as bebidas importadas, e pelo que você se recorda, os vinhos de cento e poucos dólares ficavam bem ao alcance das mãozinhas desajeitadas e curiosas de seu “anjinho”. Volta correndo pelo corredor a tempo de salvar as garrafas e seu bolso, passando a levar seu filho dentro do carrinho por medida de segurança.

Por fim deixo alguns conselhos: Evite ir ao mercado de estômago vazio. Pesquisas mostram que pessoas com fome compram uma porcentagem a mais em gêneros alimentícios. Outro conselho: se você for comer, não faça o lanche nas praças de alimentação dos mercados, pois certamente a tal porcentagem que você economizaria, acabará sendo gasta no seu “lanchinho”, e é bem provável ainda que você acabe se esbarrando novamente com aquele seu conhecido por lá.

Fontes:
Colaboração do autor.

Folclore Portugues : Distrito de Viseu (Lenda do Brasão de Viseu)


D. Ramiro II, Rei das Astúrias e de Leão, que reinou desde o ano 931 até o de 950, em uma excursão que fez de Vizeu, onde então residia, por terras de mouros, viu e enamorou-se da famosa Zahara, irmã de Alboazar, rei mouro, ou alcaide do castelo de Gaia sobre o rio Douro.

Recolheu-se D. Ramiro a Vizeu com o coração tão cativo, e a razão tão perdida, que sem respeito aos laços, que o uniam a sua esposa D. Urraca, ou como outros lhe chamam D. Gaia, premeditou e executou o rapto de Zahara.

Enquanto o esposo infiel se esquecia de Deus e do mundo nos braços da moura gentil n'um palácio à beira mar, o vingativo irmão de Zahara, trocando afronta por afronta, veio de cilada, protegido pela escuridão de uma noite, assaltar e roubar nos seus próprios paços a rainha D. Gaia.

A injúria vibra n'alma de Ramiro o ciúme e o desejo de vingança.

O ultrajado monarca voa à cidade de Vizeu, escolhe os mais valentes dentre os seus mais aguerridos soldados, e vai à sua frente caminho do Douro.

Chegando à vista do castelo d'Alboazar, deixa a sua coorte oculta em um pinhal, e disfarçado em trajes de peregrino, dirige-se ao castelo, e por meio de um anel, que faz chegar às mãos de D. Gaia lhe anuncia a sua vinda.

O peregrino é introduzido imediatamente à presença da rainha, que fica a sós com ele. Alboazar tinha ido para a caça. D. Ramiro atira para longe de si as vestes e as barbas, que o desfiguravam, e corre a abraçar a esposa. Esta porém repele-o indignada, e lança-lhe em rosto a sua traição.

No meio de um vivo diálogo de desculpas de uma parte, e de recriminações da outra, volta da caçada Alboazar. D. Ramiro não pode fugir. Já se sentem na próxima sala os passos do mouro. A rainha, parecendo serenar-se, oculta o marido em um armário, que na câmara havia. Mas apenas entrou Alboazar, ou fosse vencida de amor por ele, ou cheia de odio para com o esposo pela fé traida, abre de par em par as portas do armário, e pede vingança ao mouro contra o cristão traidor.

Dai a pouco era levado el-rei D. Ramiro a justiçar sobre as ameias do castelo. Chegado ao lugar de execução pediu o infeliz, que lhe fosse permitido antes de morrer despedir-se dos sons acordes da sua buzina. Sendo-lhe concedida esta derradeira graça, D. Ramiro empunha o instrumento, e toca por três vezes com todas as suas forças.

Era este o sinal ajustado com os seus soldados, escondidos no proximo pinhal, para que, ouvindo-o, lhe acudissem apressadamente. Portanto em um volver de olhos foi o castelo cercado, combatido, tomado, e depois incendiado. A desprevenida guarnição foi passada ao fio da espada, e Alboazar teve a morte dos valentes: expirou combatendo. E D. Gaia, como ao passar o Douro para a margem oposta, se lastimasse e mostrasse dor, vendo abrasar-se o castelo, foi vitima também do ciúme de D. Ramiro que cego de ira a fez debruçar sobre a borda do barco, cortando-lhe a cabeça de um golpe de espada.

Á fortaleza em ruínas ficou o povo chamando o castelo de Gaia, à margem do rio, onde aportou o barco de D. Ramiro, deu-lhe o nome de Miragaia, em memória daquele fatal mirar da misera rainha .
–––––––––––––––-
Esta é pois a lenda que se presume ter dado origem ao Brasão de Viseu.

Temos assim que o Castelo representa o de Alboazar, o tocador de corneta, o rei D. Ramiro e a árvore, o bosque em que se esconderam os habitantes de Viseu.

Lenda ou fábula ela representa uma forma de interpretação e porque carregada de antiguidade merece bem que se respeite como tal. Mas fazendo fé em Vilhena Barbosa, nem tudo será hipotético porque " D. Ramiro II roubou a moura Zahara, irmã ou filha d'Alboazar, a qual se fez cristã, tomando no batismo o nome de Artida ou Artiga. Repudiando a rainha D. Urraca, casou segundo uns, ou viveu amancebado segundo outros, com Zahara de quem teve um filho, chamado D. Alboazar Ramires que foi o primeiro fundador do Mosteiro de Santo Tirso ".

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

Eduardo Mineo (Um Plano)


Não que eu pense muito em ter filhos, mas gosto de ficar planejando as coisas e eu já planejei toda a educação que darei aos meus, cada detalhezinho. É verdade que ainda terei de aprender boa parte do que pretendo ensinar a eles – como golpes mortais com a palma da mão – mas acho saudável ter este tipo de preocupação, em vez de esperar que um colégio caro os ensine a dar valor ao que realmente se deve dar valor. Ou vai me dizer que colégios caros ensinam o valor do tiro ao alvo e do teatro grego?

Admito: é um plano ousado. Eu sei que até os três anos terei problemas, pois não é possível ensinar muito a quem baba em si mesmo, o que talvez explique por que os bebês nunca fizeram nada muito relevante – esta eu peguei do Walter Huston em Yankee Doodle Dandy. Mas a partir daí, a partir do momento em que a criança começa a andar e a falar, já está pronta para aulas de piano. Nada muito exigente, mas com tendências clássicas, óbvio. Uma criança de quatro anos já tem que saber quem é Haydn da mesma forma como saberia quem é o bicho papão. "É o tio do piano" já me deixaria contente como resposta, mas aos cinco anos, já perderia a sobremesa.

Tenho alguma convicção de que música precisa ser ensinada desde muito cedo e com rigor, com regularidade, para um bom desenvolvimento intelectual de uma pessoa. Mozart, Beethoven, Chopin, Bach, Villa-Lobos, Strauss, Tchaikovski e Wagner, passaria por cada um destes. Música faz coisas boas em nossa mente, principalmente a música clássica. Toda pessoa que se interessa por música clássica tem mais sensibilidade, pois, cedo ou tarde, começa a se interessar pelas diferenças de sons, de instrumentos, de tempo e de entonação que lhe dão uma percepção muito fina para tudo mais que há na vida. A interpretação de sons precisa estar além do limite da língua para atingir compreensões mais profundas com mais facilidade, pois a interpretação da música é a forma mais crua e mais natural que há de compreensão. E pouco me importa se, aos quinze, meus filhos vão preferir punk rock: a música clássica faz parte de qualquer educação minimamente aceitável e é isto que vou fazer.

A criança também precisa aprender a falar não apenas em português, que é a minha língua e que eu gosto, mas em inglês, francês e alemão. Já considerei me basear no modelo de ensino do personagem de Albert Finney em The Browning Version, um professor conservadorzão que dá aulas de tragédias gregas com uma versão original de Agamêmnon, de Ésquilo, para crianças de uns dez anos. Mas grego, assim como russo e latim, já seria um pouco exagerado pra uns dez anos. E também não sei se vou conseguiria aprender essas línguas a tempo.

O que quero ter feito até lá com certeza é uma boa biblioteca. Na época em que meus filhos começarem a ler e a escrever, já quero ter em minha casa uma do tamanho da do pai do Jorge Luís Borges, com tudo que havia de bom e legal naquela biblioteca. Além disto, claro que terei os livros do Monteiro Lobato. Seria um bom começo para meus filhos, os livros infantís do Monteiro Lobato, embora a formação de uma criança não esteja completa sem o contato com o fantástico de Lewis Carroll e com os valores de Dickens. Sem esta base, não é de se espantar que existam idiotas, assassinos e praticantes de rapel.

Outros autores podem – ou devem – ser incluídos neste começo de vida. A que primeiro me veio a mente foi Jane Austen que, embora não seja exatamente divertida para uma criança, ajuda a entender de uma maneira extremamente delicada como alguém deve tratar um homem e uma mulher e como se portar diante dos outros. Enfim, ser alguém de respeito. Guerra e Paz, de Tolstói, também faz isto e até melhor, mas fico com receio de jogar nas mãos de um molequinho um livro de mil e poucas páginas. Pode traumatizar.

Mas uma hora meus filhos terão de encarar um livro maior. Talvez lá pelos treze anos, eu os tire um pouco da literatura infantil para lhes apresentar obras mais amplas. Penso em começar pela Odisséia, de Homero, que não é exatamente um livro grande, mas necessário. Os gregos, num geral, são necessários, embora os filósofos eu indicaria para depois dos quinze. Além disto, não pretendo aprofundá-los em filosofia. Quero que conheçam a razão em Aristóteles e a ética em Platão. Talvez leve um pouco adiante dos gregos, com Cândido de Voltaire. A partir daí, dependerá do interesse deles.

Acredito que, na adolescência, já não haja mais restrição para assuntos, o que me permitirá apresentar tudo que conheço e o que quero conhecer até lá. Isto não quer dizer que vou conversar sobre orgasmo com meus filhos, Jesus Cristo, mas apresentar livros que possuem estruturas de relacionamento um pouco mais desenvolvidas do que seria interessante para uma criança. Não consigo imaginar por que uma criança se interessaria por Madame Bovary, de Flaubert, por exemplo. É simplesmente incompatível.

Mas adolescentes estão prontos para qualquer coisa. No teatro, volto aos gregos, principalmente com Aristófanes, mas há muitos outros dramaturgos indispensáveis como Shakespeare, Ibsen, Nelson Rodrigues, Tchekhov, Bernard Shaw e Beckett que devem ocupar um espaço na mente de qualquer pessoa que tenha uma alma.

Na literatura brasileira, Machado de Assis deve ser lido de ponta a ponta. Começaria pela coleção de contos Várias Histórias e por Memórias póstumas de Brás Cubas. Depois de Machado, Os Sertões, de Euclides da Cunha; Fogo morto, de José Lins do Rego; Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; Urupês, de Monteiro Lobato e qualquer coisa de Guimarães Rosa. Ou tudo de Guimarães Rosa. E está aí o que importa no Brasil.

Fora do Brasil, a lista é grande. A literatura italiana não tem muito a oferecer, mas A divina comédia, de Dante, precisa ser lida. Subindo para a França, eu dispenso Victor Hugo. Talvez obrigue meu filho a ler Os miseráveis caso ele vá mal na escola, de castigo. Já Stendhal é aconselhável. Maupassant, como grande contista, também. E Flaubert fecharia a literatura francesa. Mais do que isso é lucro.

Literatura em inglês é a minha preferida e será a que eu darei mais importância. Começando pelos Estados Unidos: Edgar Allan Poe, Mark Twain, Henry James, F. Scott Fitzgerald, Herman Melville e Ernest Hemingway. No Reino Unido, Jane Austen, que já citei, assim como Lewis Carroll, Dickens, Bernard Shaw e Samuel Beckett. Mas também Swift, Conrad, Laurence Sterne, Chesterton, Oscar Wilde, Thackeray, Walter Scott, Evelyn Waugh e Emily Brontë. Joyce é um caso a parte, mas farei questão de apresentar pelo menos o Portrait of the artist as a young man, que é meu favorito. E sigamos adiante.

Goethe como representante da literatura alemã está de bom tamanho. Os sofrimentos do jovem Werther me parece ser um bom livro romântico de contraponto ao racionalismo iluminista, que até certa altura é interessante, mas pode levar facilmente qualquer pessoa à idiotice. Não que Werther também não seja um idiota, mas, mas, mas...deu pra entender. E seguindo esta mesma idéia de contraponto ao racionalismo, entro na literatura russa com Crime e Castigo de Dostoiévski, que trata deste assunto de uma forma mais clara e mais direta. Tolstói e Gógol entram na seqüência e meus filhos serão pessoas melhores conhecendo estes autores.

E eis que me vejo num dilema: quero que meus filhos sejam pessoas melhores, mas sinto que eles precisarão entrar em contato com este limitador espiritual que é a política. Tratarei do assunto, mas farei com que aprendam a usar a política como um revólver: com pudor e apenas em caso de emergência. E nada com muita ênfase aos acontecimentos, pois um colégio bom dá conta disto. Tampouco algo muito profundo. Quero que aprendam o suficiente para saber o que essa gente feiosa anda falando na televisão e qual é a pilantragem da vez.

No caso do Brasil, começaria pelo começo: crônicas de Machado de Assis e obras de Rui Barbosa. Na área econômica, por um lado daria Celso Furtado e, por outro, Roberto Campos. Sobre a ditadura, o Trinta anos esta noite do Paulo Francis e as obras do Elio Gaspari, que fez um trabalho extenso, chato pra burro, mas válido. Deixo a molecada ler; se alguém desmaiar, eu tiro.

Já em política clássica, não tem como fugir de Hobbes, Locke e Maquiavel. Já Adam Smith, David Ricardo e Schumpeter entram, mas com moderação. Posso pensar em algo mais elaborado para Keynes e Hayek; e uma conversinha de leve sobre Marx e Mises. Talvez não doa muito.

Só me preocupo mesmo com minha inaptidão em matéria de poesia. Sei que precisaria apresentar aos meus filhos Fernando Pessoa, Keats, Baudelaire, Camões, Bocage, Milton, etc., mas não consigo me interessar minimamente por poesia. Ainda bem que ensinar poesia é coisa de mãe.

E artes plásticas também. Eu sou muito ruim neste troço. Tentei aprender alguma coisa lendo Civilização, de Kenneth Clark, e até aprendi alguma coisa sobre os clássicos da arquitetura, pintura e escultura, mas nada além de alguns nomes decorados. Li algumas coisas de John Ruskin no projeto Gutenberg, mas nada muito promissor, também.

Há alguns dias, tentei comprar um conjunto de ensaios sobre a arte norte-americana por John Updike, falando sobre Pollock e tal, mas venderam a última unidade na livraria e como o preço era bem salgado, eu deixei de lado. Me incomoda deixar estes buracos na educação dos meus filhos, mas espero pelo menos estimulá-los à cultura. Sei que com tudo isso talvez meus filhos ainda continuem ignorantes, mas certamente darei a base para que deixem de ser naquilo que mais lhes interessar.

Fonte:
Digestivo Cultural. 02 de julho de 2007.

Luis Dolhnikoff (O Maior Espetáculo da Terra)


nossa imensa capacidade
de fazer da natureza
mais, muito mais do que a mesma natureza
fez de nós e de si mesma
criando a física e o cinema
capas de chuva e cidades
poemas, pontes, sobremesas
dentaduras, cuecas, epistemas
religiões, canetas, multidões
sonhos, luas, canções
é uma questão de treino

estranho, a princípio, o ser treinável
se a natureza cria apenas
o mínimo necessário

logo, o necessário, no mínimo:
porque, sem consciência
ciência ou projeto
desenha certo
por traços tortos

uma foca
não foi feita para brincar com bolas
futuras
nem um urso
para percorrer percursos curvos
de bicicleta
um homem para ser atleta
colecionador de selos ou poeta

porém um urso
tendo aprendido a fazer novo uso
e delicado
de cada enorme pata
deixou de ser um urso
para ser um atleta?

um poeta?

filho dos deuses
um homem que coleciona selos?

um urso numa bicicleta
difere de um urso na floresta
pela bicicleta, não pelo urso

que pode aprender seu uso
como um homem seu desenho

tudo feito
(todo feito
e fracasso)
por longuíssima tentativa
angustiantes erros
e alguma necessidade
como um urso ameaçado
pela dor, o medo e o treinador

urso que apesar de tudo
eventualmente ainda cai
da mais bela bicicleta
sobre o chão duro

como cai no escuro
na ruína ou na barbárie
a civilização mais complexa

Fonte:
DOLHNIKOFF, Luis. Sobre Sisifo. Ateliê Editorial, 2007.

Vicência Jaguaribe (A história do Mancha Branca)


- Está bem! Vou comprar um coelho. Agora vê se não me aperreia mais!

O menino saiu derrubando tudo que encontrava pela frente. Estava feliz, muito feliz. Tinha nove anos e fazia tempo que pedia um coelho aos pais. Mas sempre houvera uma dificuldade – a mãe dizia em-pe-ci-lho, palavra que o menino achava engraçada e gostava de repetir. Ele ria toda vida que a mãe a pronunciava, porque ele dividia mentalmente a palavra em vários pedaços, formando outras. Ele achava que ela era uma espécie de jogo de encaixe. Assim: dentro dela se encaixavam outras palavras. Querem ver? Empecilho – em, pé, em pé. E cabia até uma parecida: cílio.

Mas o empecilho era que, naquele imenso casarão onde sua família morava, não havia quintal. Quem já viu casa sem quintal? Principalmente no interior! Havia só umas áreas abertas: uma, entre a cozinha e a garagem, e outra, do lado, acompanhando a metade da casa. Então, onde se vai criar esse coelho? Dentro de casa, é? perguntava a mãe, já meio irritada.

O menino passou uma semana na expectativa da chegada do coelho. Foi uma espera que lhe pareceu longa demais. Até que, sete dias depois que o pai prometeu, chegou à casa do menino um animalzinho branquinho branquinho, que parecia ter nascido do amor entre duas nuvens, em um dia de céu claro. Ah! quando o menino o viu, ficou feliz demais! E lhe deu logo um nome: Mancha Branca.

- Mancha Branca, meu filho! Não tem um nome mais bonito, não?

- Mas esse, pai, é a cara dele!

E por Mancha Branca ficou. Mas o Mancha Branca era um bichinho muito nervoso, parecia que estava sempre com medo de alguma coisa. Suas orelhinhas e seu narizinho viviam sempre se mexendo. E não gostava muito de ficar nos braços do menino, não. A mamãe dizia que ele era um animal arisco. Outra palavra que o menino achou engraçada.

- Esse animal é desconfiado, tímido, arredio, parece que vive amedrontado. É mesmo arisco.

E o menino ficou matutando. Depois de pensar e pensar, concluiu que, dentro da palavra arisco, se encaixavam ar, ri, ris, risco. Ah! como ele gostava desse jogo! E ele concordava com a mãe, o Mancha Branca era mesmo arisco.

Mas a coisa começou a complicar-se quando o coelhinho resolveu ficar dentro de casa. Por mais que se fechassem as grades que separavam as áreas descobertas, ele sempre arranjava um jeito de entrar. E escondia-se tão bem escondido que ninguém conseguia achá-lo. E o pior! Começaram a aparecer peças de roupa rasgadas, sapatos roídos, redes com as varandas despregadas. Quem está fazendo essas reinações? A mamãe não teve dúvida – era o Mancha Branca. E deu um ultimato: dois dias para arranjarem outro pouso para o coelhinho.

O menino ficou chocado. E o pior é que ele nem podia defender o animal. Logo agora, que o Mancha estava começando a aceitar seus carinhos, suas ternurinhas! Primeiro pensou em amarrá-lo fora da casa, mas teve pena, coelho não é animal de viver preso. Depois, pensou em ficar com ele nos braços, todo o tempo em que estivesse dentro de casa. Também não dava certo. E quando saísse, fosse para o colégio? Além do mais, a mamãe havia falado sério, dissera até que era um ultimato. (Mas o menino estava tão preocupado que não ligou para aquela palavra.) Também, o papai dissera que o Mancha Branca se sentia muito sozinho, precisava arranjar uma namorada. E, se a mamãe achava o Mancha demais, imagine-se o Mancha mais uma namorada. Tinham que encontrar uma solução.

Foi aí que o menino se lembrou do sítio do vovô. Lá havia muito espaço, e o Mancha não sentiria vontade nem necessidade de ficar dentro de casa. E poderia arranjar quantas namoradas quisesse. Poderia até casar. E ter muitos filhotes. O menino já ouvira dizer que coelho tem muito filhote. Pronto, o menino vira uma luz no fim do túnel. E havia mais uma vantagem em levar o Mancha para o sítio do avô: o menino poderia ir lá na hora em que quisesse.

Ora, se bem pensou, melhor o fez. No dia seguinte, o menino levou o coelhinho para o sítio, e o pai dele providenciou uma coelhinha para casar com o Mancha.

O que posso adiantar desta história do Mancha Branca é que, dois anos depois, o sítio do vovô se transformou em um centro de criação e venda de coelhos. Porque era coelho saindo pelo ladrão. Em um único ano, a fêmea do Mancha Branca lhe deu setenta e dois filhotes. Isso tudo, meu Deus! É por isso que, quando uma mulher tem muitos filhos, costuma-se dizer: Esta mulher tem filho que nem coelho!

- É verdade, disse um dos tios do menino. Os coelhos são símbolos da fertilidade e da multiplicação dos seres.

Fer – ti – li – da – de! Puxa! Que palavra, pensou o menino. Essa é das boas. Dentro dela tem fértil, tem til, tem idade, tem ida, tem fé, tem de... Legal!

Fonte:
Colaboração da autora

Caravana da Leitura passará por seis cidades paulistas



O projeto realizado em praça pública disponibiliza ao público livros por um preço simbólico.

O projeto “Caravana da Leitura” criado pelo escritor Laé de Souza, depois de percorrer mais de 60 cidades brasileiras chega a diversas cidades do interior de São Paulo. Aplicado desde 2004, em parceria com as Secretarias de Educação e de Cultura dos municípios e apoio do Ministério da Cultura, o trabalho será iniciado com a participação na Virada Cultural Paulista 2010 em Santa Bárbara d'Oeste, no dia 23 e seguirá para os municípios de Sumaré, Hortolândia, Santo Antônio de Posse, Cosmópolis e Mogi Guaçu de 24 a 28 de maio.

Até o final de 2010 o público terá a oportunidade de conferir a passagem da “Caravana” em diferentes praças públicas do país, oferecendo livros para o público infantil, juvenil e adulto, pelo valor simbólico de R$1,99. O projeto reúne uma grande variedade de obras literárias do escritor Laé de Souza, apresentando histórias do cotidiano, em uma linguagem bem-humorada e pontuada por reflexões.

Aos amantes da literatura, a atividade oferece uma ótima oportunidade para rechear a estante e saciar o desejo de boa cultura. De acordo com Laé de Souza, idealizador do projeto, a ação é inédita e tem como objetivo gerar oportunidades de leitura a pessoas de todas as idades e classes sociais. “Buscamos quebrar o estigma que o brasileiro não gosta de ler. O brasileiro gosta de ler sim, o que lhe falta é oportunidade e acessibilidade aos livros que infelizmente custam muito caro no Brasil. O Caravana da Leitura vai na contramão dessa fórmula errada”, esclarece Laé de Souza.

Este ano, o evento deverá passar por mais de 40 cidades dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro com previsão de distribuição de cerca de 120 mil livros. “O objetivo do trabalho é levar cultura e incentivar o hábito da leitura em todo o Brasil. Dessa forma acreditamos que a leitura pode ser democratizada”, destaca Laé de Souza.

Interessados poderão conhecer outros projetos de incentivo à leitura, de Laé de Souza e o roteiro da Caravana da Leitura, em "Agenda", no site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Colaboração de Laé de Souza

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Trova 147 - Izo Goldman (Sao Paulo/SP)

Dorival C. Fernandes (O Som de uma Lágrima)


Lágrima...
Desliza pela minha face, molha o meu rosto.
Traduz meu estado de espírito, minha agonia.
Você nasce num parto de dor, gerada pelo desgosto,
É expelida numa ânsia... Você é minha companhia.
Lágrima...
Água límpida, autêntica, cristalina e verdadeira...
Quero conte-la e sufocá-la dentro do meu peito
Desejo refrear todas minhas emoções, agonia passageira...
Tento tirá-la da minha vida... é só isso que tenho feito.
Lágrima...
Dos sonhos dourados, mas agora esquecidos.
Das esperanças todas pelo tempo dissipadas.
Fica o gosto amargo de todos esses anos vividos...
Você se confunde com a saudade, é uma ternura malvada.
Lágrima...
Você é alegria e tristeza, carinho e obsessão...
Nada é mais terno, nada é mais desolador.
Impede a voz, estrangula a alma e embaça a visão.
Símbolo de tantas coisas... da felicidade a de uma dor.
Lágrima...
Você é muda, surda e acho que não tem som.
Como todas as águas límpidas e verdadeiras,
Elas murmuram no regato, cantam nas cachoeiras.
O seu silêncio é profundo, calado, sem nenhum tom.
Lágrima...
De gosto salgado lembrando o mar imenso,
Nunca ninguém ouviu o seu ruído, seu lamento.
Só posso senti-la a me envolver como num incenso,
Molhando meu rosto, transpirando sofrimento.
Ah... lágrima minha...
Eu tenho suas marcas, eu conheço seus caminhos por viver só...
E se por acaso um dia, eu possa escutar a sua voz,
Saberei então que você, não é mais você... estarei livre da prisão.
Eu serei a lágrima... e você, eternamente a minha solidão.

Fontes:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos/

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 5


5. Falamos grego e latim

Costuma-se dizer que a língua portuguesa é filha do latim e neta do grego. Basicamente, é isso mesmo, sobretudo no que se refere ao vocabulário erudito. Supondo que ao leitor agrade recordar um pouco daquelas velhas aulas sobre radicais (ou elementos de composição), daremos a seguir uma pequena lista. Para simplificar, apresentaremos os elementos em sua forma aportuguesada.

ELEMENTOS LATINOS

Adipo (gordura): adipoma, adiposo; albi, alvi (branco): albinismo, alvorada; alter (outro): alternativa, altruísmo; ango, angere (apertar): ângulo, angústia; api (abelha): apiário, apicultor; argenti (prata): argênteo, argentífero; auri (ouro): áureo, auriverde; austro (sul): austral, austro-africano; axi (eixo): axial, axila; balneo (banho): balneário, balneoterapia; beli (guerra): bélico, belonave; cado, cadere (cair): cadente, ocaso; capili (cabelo): capilar, capiliforme; capiti (cabeça): capital, decapitar; caveo, cavere (ter cuidado): precaver-se, cauteloso; claustro (espaço fechado): claustrofobia, clausura; cola (que cultiva, que habita): agrícola, silvícola; columbi (pombo): columbicultura, columbifilia; cor, cordis (coração): cordial, cordiforme; corne (chifre): corneta; unicórnio; digiti (dedo): digitado, digital; doceo, docere (ensinar): docente, doutrina; duco, ducere (levar): conduzir, oleoduto; equi (igual): equilíbrio, equivalente; evo (idade): longevidade, medieval; fero (que contém, que produz): aurífero, carbonífero; fissi (fenda): fissiforme, fissurado; flama (chama): flâmula, inflamável; frango, frangere (quebrar): frágil, infringir; frigi (frio): frígido, frigorífico...
Gero (que produz): beligerante, lanígero; grado (grau): centígrado, graduação; grano (grão): granulado, grânulo; herbi (erva): herbicida, herbívoro; igni (fogo): ignição, ignífero; lacti (leite): lácteo, laticínio; lapidi (pedra): lapidação, lapidário; lati (amplo, largo): látex, latifúndio; loquo (que fala): locutor, ventríloquo; ludo (brinquedo, jogo): lúdico, ludoterapia; manu (mão): manuscrito, quadrúmano; nau (navio): naufrágio, náusea; nidi (ninho): nidificar, nidiforme; oculi (olho): ocular, oculista; oleri (legume): oleráceo, olericultura; oni (todo, tudo): onipresente, onisciente; opus (obra): operário, opúsculo); orizi, rizi (arroz): orizicultura, orizófago; os, oris (boca): oral, ósculo; pede (pé): bípede, pedestre; pene (quase): península, penumbra; pisci (peixe): pisciforme, piscina; pluvia (chuva): pluvial, pluviômetro; pueri (criança): pueril, puericultura; radici (raiz): erradicar, radical; rupi (pedra, rocha): rupestre, rupícola; rus, ruris (campo) rural, rústico; sacari (açúcar): sacarologia, sacarose; sagiti (flecha): sagitário, sagitifoliado; seco, secare (cortar): secionar, segmento; senex (velho): senador, senilidade; serici (seda): sericicultor, sericígeno; sesqui (um e meio): sequicentenário, sesquidúzia; video, videre (ver): evidência, vidente; vir (homem, varão): viril, virilidade.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Luis Dolhnikoff (Epistemologia da Pesca)


líquidos
os peixes
no vidro mole do mar

remotamente perto
a areia dos meus pés
no vidro moído da praia

e duas hipálages:
peixes não são líquidos
ou meus pés silício

mas carbono
e silêncio
moldados em sólidos macios

que solidez, porém
molda os insólitos vazios
de que os átomos são repletos

entre a nulidade do núcleo
e a distância astronômica
de sua névoa de elétrons?

mas se peixes não são líquidos
há, apesar dos vazios
solidez e, talvez, verdade

(se não a solidez da verdade
a verdade da solidez
dos peixes)

nada, entretanto, é sólido
por culpa, ou do capitalismo
("tudo se desmancha no ar...")

ou do dicionário
em que é sinônimo
(um outro nome) de maciço

e sólido não é isso:
pois um líquido
denso como o chumbo

derretendo
não parece menos
cheio de si mesmo

por outro lado
(ou pelo mesmo: de fora
para dentro)

não há sólidos
que não sejam penetráveis
por alguma radiação

(os transparentes são
transpassáveis pela luz:
sólida nudez)

raios
nas pequenas noites vazias
dos átomos

porém uma pedra
é impenetrável
por outra pedra

pelas fortes correntes
elétricas entre
as nuvens de elétrons

uma rede
de pesca talvez contenha
um bom modelo bidimensional:

a rede é um entrelaço
de nós e de fios
entre os nós

como os peixes
de átomos
e interações entre eles

uma linha
transversal a transpassa
como as ondas

eletromagnéticas
a água
e os peixes

duas redes abertas
uma sobre
a outra

não são, porém, permeáveis
apesar de feitas
na maior parte de vazios:

redes
não são penetráveis
por redes

a solidez
se impenetrabilidade mútua
entre redes íntegras

é um fato
palpável como um peixe
ou seja, uma verdade:

existe a solidez
apesar dos vazios
que a preenchem

daí ser prenhe
de sentido
falar em solidez, em peixes

e na impenetrabilidade
mas não na inexistência
da verdade

deus
diria um pescador
de homens e de sua dor

rede vazia
se não de pescarias
de si mesma

eu replicaria
não fora para ouvidos
de mercadejador:

cerrados
nós górdios que se cortam e
se desfazem

ou não se cortam e
se desfazem
em finas linhas finitas

a rede
a verdade
a impenetrabilidade

Fonte:
DOLHNIKOFF, Luis. Sobre Sisifo. Ateliê Editorial, 2007.

Lançamento do Livro Apenas uma Questão de Trovas, de Ary Teixeira de Oliveira e José Levy de Oliveira

Fonte:
Colaboração da Academia de Letras de Viçosa (Maria Aparecida da S. Simões)

Instituto Memória convida para lançamento do livro de Valdir Comegno, "A Magia do Rádio"


O Instituto Memória Editora e a Livraria Cultura
convidam para o lançamento nacional do livro:
A MAGIA DO RÁDIO

de Valdir Comegno
-------------

Este livro focaliza fatos e personagens marcantes da história do rádio no Brasil, desde sua implantação na década de 20 até a década de 60, quando essa era artística entra em crise, com a rígida censura imposta pelo Regime Militar, culminando com a intervenção da Rádio Nacional e com o fechamento da Rádio Mayrink Veiga.

Apresenta, numa linguagem objetiva e agradável, Histórias e registros peculiares, gostosos de ler e importantes de saber. Ricamente ilustrado, resgata fatos que dão saudades e nomes que avivam memórias e nunca deveriam ser esquecidos.

Nas palavras do Sociólogo Juvenal Alvarenga Jr.:
“Sua leitura será evocativa e emotiva, para quem foi testemunha da marcante presença do rádio, e enriquecerá a cultura dos jovens com dados objetivos e históricos.”

No dizer do jornalista e pesquisador de música brasileira, Thiago Marques Luiz:
“Através deste livro é possível compreender não só a importância da Era de Ouro do rádio no Brasil, mas os porquês que levaram a nossa música de hoje a ser o que ela é.”

SERVIÇO:

Data: 24 de Maio de 2010

Horário: das 19h às 21h30

Local: Livraria Cultura - Conjunto Nacional - Av. Paulista, 2073 - Fone: (11) 3170-4033
____________________________________________
Instituto Memória Editora
Editora Destaque Nacional pela Câmara Brasileira de Cultura
por dois anos consecutivos: 2008 e 2009
(41) 3352 3661 - 3352 4515
http://www.institutomemoria.com.br/
Anthony Leahy - Editor
(41) 3352 3661 - 3352 4515

Fonte:
Instituto Memória

Tasso da Silveira (Poema 17)


Esquece o tempo. O tempo não existe.
Acende a chama às límpidas lanternas.
Nossas almas, a ansiar no mundo triste,
são de uma mesma idade: são eternas.

Se no meu rosto lês mortais cansaços,
é natural. A luta foi renhida:
caminhei tantos passos, tantos passos
para que te encontrasse em minha vida...

Não medites o tempo. Se muito antes
de ti cheguei, para a áspera, inclemente
sina de navegar por este mar,

foi para que tivesse olhos orantes,
e me purificasse longamente
na infinita aflição de te esperar...

Fontes:
Jornal de Poesia
Imagem = http://patriciamellodi.com/

Folclore Português : Distrito de Coimbra (As Arcas de Montemor)

Montemor-o-Velho, por Rui Ornellas
Já diziam os antigos que no castelo de Montemor-o-Velho estão enterradas duas arcas, uma cheia de ouro e a outra cheia de peste. A sua origem remonta ao tempo dos Mouros quando era alcaide naquela cidade um viúvo austero que tinha uma única filha, a quem guardava longe dos olhos de todos como se fosse o maior tesouro do mundo.

Um dia, quando a jovem era já uma mulher, um dos seus fiéis cavaleiros apaixonou-se por ela mas o alcaide nem queria ouvir falar de tal possibilidade. Quando o cavaleiro insistiu, o alcaide resolveu prendê-lo e condenou-o à morte.

Quando a jovem soube da tragédia em que involuntariamente estava envolvida, ainda tentou interceder mas o pai permaneceu insensível às suas súplicas. A jovem que até então não fazia idéia do grande amor que o cavaleiro lhe dedicava, resolveu visitá-lo em segredo nas masmorras. Este amor devia estar já talhado no livro do destino, pois a jovem logo se apaixonou pelo cavaleiro e ambos fugiram do castelo.

A sua captura foi fácil e quando foram levados perante o irascível alcaide, este ainda ficou mais furioso quando soube que a sua filha tinha casado com o cavaleiro. Então, por vingança, resolveu dar-lhes uma prenda maldita: duas arcas, uma com ouro e a outra com peste.

Os jovens que prezavam mais a sua vida e o seu amor que todo o ouro do mundo fugiram do louco alcaide, deixando para trás as duas arcas que nunca ninguém ousou abrir e que ainda hoje estão enterradas nas muralhas do castelo de Montemor-o-Velho.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/
Imagem = http://contosencantar.blogspot.com/

Lançamento do Livro de Isabel Furini, “Oratória Forense” e Palestra “Como Escrever um Livro”


O Instituto Memória Editora e a Fnac do Shopping Barigui convidam para o Lançamento Nacional do mais novo livro de Isabel Furini:

"ORATÓRIA FORENSE"

Durante o evento, profa. Isabel, que também é autora da obra
"O LIVRO DO ESCRITOR"
e de mais de 20 livros, proferirá a palestra gratuita sobre

"COMO ESCREVER UM LIVRO".
_________

DATA: 26 de Maio
HORÁRIO: 19h00
LOCAL: Livraria FNAC do Shopping Barigui.

Fonte:
Instituto Memória

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Giovanni Leandro (Momentos de uma Vida)


Neste momento da minha vida
o amor anda à procura de abrigo,
mas não encontra quem lhe dê...
Em alguns momentos
este amor clama, suplica, se desespera
a chamar alguém que lhe traga de volta a vida...

Esta vida em que busco tua presença,
mas a ingrata distância insiste em não te trazer...

Me deparo a desenhar na mente
os momentos de afetos, carinhos e carícias
que contigo quero ter...

Em alguns momentos sempre
alguém me chama a lembrar friamente
que estou distante, que estou ficando doido...
me dizendo que você não vai voltar...

Fecho-me em minhas lembranças,
não querendo retornar...
quando te tinha em meu braços,
tive os mais belos momento
que a vida poderia me dar...
lembranças a me deixar doido...

Neste momento da minha vida,
meu coração voa à deriva,
numa busca incessante,
em um vôo cego e desgastante,
à procura dos momentos que quero ter com você...

Meus sonhos são a saída
dessa dor tão desproporcional…
mas quando te tenho de novo,
cuidadosamente tento amenizar esta dor...

Em algum momentos da vida
o espírito se desprende,
e, ao encontrar-te, se rende,
se entrega voluntariamente,
na busca do seu carinho e do seu afeto...

Mesmo no imaginário,
sua presença é tão viva
que me transtorna, me alucina…
chego a sentir tuas mãos a correr meu rosto,
num ritual delicado...

Ter-te sempre aqui dentro
já me serve de alento e me deixa esperançoso
que, no mais breve possível, estarás aqui comigo...

Em alguns momentos da vida tudo tem um fim,
mas sempre se segue um recomeço…
e mesmo que tenha essa cruel distância,
o destino irá te trazer pra mim, meu anjo lindo...

Fontes:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos
/

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 4



4. Da arte de dar nome

Está escrito: “Formou Deus da terra toda espécie de animais campestres e de aves do céu, e os conduziu ao homem para ver como ele os chamaria...” (Gên 2,19)

Vê-se, pois, que desde sempre teve o homem por função, entre outras tantas, dar nome a tudo o que diante dele exista. Faz isso geralmente de três formas: a) objetivamente, isto é, considerando as características e finalidades da coisa a ser nominada; b) metaforicamente, isto é, dando a uma coisa [por analogia] um nome antes pertencente a outra (aliquid pro aliquo); c) imitativamente, isto é, dando à coisa um nome cuja pronúncia lembre o som natural dessa coisa (onomatopeia).

Nominação objetiva – Inventado, por exemplo, um aparelho capaz de transportar a voz a lugares distantes, deu-se a esse aparelho o nome de “telefone” (tele = longe + fone = som, voz). Assim também “bicicleta” (bi = dois + ciclo = roda); “periscópio” (peri = em redor + scopio = ver); “termômetro” (termo = calor, temperatura + metro = medida).

Nominação metafórica – Por exemplo: os primeiros anatomistas viram certa semelhança entre o bíceps e o rato (mus, muris em latim), e deram-lhe o nome de “músculo” (diminutivo de mus, ou seja, ratinho). “Tíbia” era o nome de uma espécie de flauta; pela semelhança da forma, um dos ossos da perna (canela) passou a ser “tíbia” também. Quando o ovo cai na gordura quente, toma a forma de uma estrela; daí dizermos “ovos estrelados” (embora alguns prefiram dizer “ovos estalados”, talvez em razão do “estalo” ouvido ao se quebrar a casca). Nessa arte a criatividade popular é realmente inesgotável. Os nomes das partes do corpo humano estão presentes em numerosas catacreses (nomes tomados por empréstimo): barriga da perna, boca da ponte, braço de rio, cabeça de prego, dente de alho, mão de pilão, olho d’água, pé de vento.

Nominação imitativa (onomatopeia) – É provável que seja essa a maneira mais antiga de dar nome às coisas. Alguns exemplos: bem-te-vi, cacarejo, ceceio, clique, cochicho, pingue-pongue, pio, quero-quero, reco-reco, ronco, tintim, tico-tico, tique-taque, uivo, xixi, zunzum. E é também assim que as crianças dão nome aos bichos: au-au, có-có, miau, piu-piu...

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Leopoldo Scherner (Lavo, Lavo o meu Poema)


Lavo, lavo o meu poema
até deixá-lo limpinho
de tudo o que o impede
de ser claro como a água

lavo, lavo o meu poema
com sabão e com escova
quero que seja escovado
da mais mínima sujeira

lavo, lavo o meu poema
que é só meu, mas é de todos,
sendo limpo, sendo lindo,
cada um o julga seu,
todos o querem para si

lavo, lavo o meu poema
lavo, duas, lavo três
lavo quantas forem precisas
as vezes de o bem lavar

Fonte:
SCHERNER, Leopoldo. Traços do Ofício, 2004.

Leopoldo Scherner (1919)



Filho de um construtor de pontes de madeiras que ajudou o rodoviarismo no Paraná no início do século, o velho Paulo Scherner, e de uma filha de italianos, dona Conscia - aparentada aos Groff, da família do pioneiro de cinematografia paranaense João Baptista - Leopoldo é de uma família de 12 irmãos, todos nascidos em São José dos Pinhais/PR.

Aluno de colégios em que havia uma sólida formação - inicialmente no Divina Providência, depois no Serafico, em Rio Negro - "num período em que, naquele colégio, orientado pelos padres franciscanos, tudo me levava a seguir a carreira religiosa" - no início dos anos 30, o ainda adolescente Leopoldo encontrava-se no Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro - um centro de excelência do ensino brasileiro que tinha, na época, os melhores professores do Brasil. Daí passou para a então recém instalada Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, outro núcleo que reunia, então, um corpo docente de primeiríssima linha, com professores como Alceu Amoroso Lima, Cleonice Berardinelli e, especialmente, Manuel Bandeira.

Do poeta pernambucano, Leopoldo guardaria as lembranças não só do grande mestre de Literatura Hispano-Americana, mas também do homem afável, elegante, "no qual percebia-se a grandeza desde quando ele entrava no elevador". Manuel Bandeira (1886-1968) foi uma personalidade decisiva em sua formação, embora recorde que "jamais tive coragem de lhe mostrar meus primeiros poemas". Um aspecto do autor de "Estrela da Manhã", lembrado por Scherner:

- "Ele gostava muito de ser fotografado. Estava sempre rodeado de pessoas. Lamento que, por timidez, não tivesse estado mais vezes ao seu lado, quando as imagens eram feitas. Assim mesmo ainda guardo algumas fotos em sua companhia".

Casado com uma fluminense, Alice, Leopoldo retornaria no final dos anos 40 para Curitiba. Aqui faria simultaneamente concurso para as cadeiras de Literatura Portuguesa no Colégio Estadual do Paraná e Instituto de Educação, estabelecimentos padrões de ensino na época, ambos também com excelentes quadros de professores - a maioria hoje nomes de ruas de Curitiba. Uma época de grande dignidade do ensino, com alto nível das aulas e que os professores também tinham um padrão elevado.

- "Não saberia precisar em cifras, mas recordo-me que um professor de carreira no Colégio Estadual recebia quase tanto quanto um desembargador. O que eu não sei é se o professor é que ganhava bem ou os desembargadores eram menos remunerados".

O fato é que, recorda Leopoldo, "era possível aos professores com dois padrões possuírem uma digna residência, um veículo e se dedicarem à sua profissão, com total dignidade. Não se falava em greves, exigia-se aproveitamento e os alunos dos colégios oficiais - especialmente o do Estadual do Paraná - podiam, tranqüilamente, enfrentar os vestibulares com chances de aprovação".

- "Era uma época em que havia tanta valorização ao professor do ensino médio que, na primeira vez que fui convidado para lecionar na Universidade Federal do Paraná, após dar algumas aulas, acabei desistindo e preferindo ficar só no Estado, que pagava melhor". Mais tarde, Scherner voltaria a Universidade, na cadeira de Laertes Munhoz.

Na metade dos anos 50, o antigo ginásio fundado pelo velho professor Costa Viana, em São José dos Pinhais - um dos poucos da Região Metropolitana, que oferecia o curso médio - entrou em crise. Sob riscos de ser fechado, o então deputado Ernesto Moro Redeschi, cunhado de Scherner, propôs sua estadualização e coube a ele reestruturar o estabelecimento - cargo em que permaneceria por mais de dez anos. Nesta época, transferiu seus padrões do Instituto de Educação e, posteriormente, do Colégio Estadual, para dedicar-se exclusivamente ao novo colégio.

Voltando a São José dos Pinhais, sua terra natal, não mais sairia. Mesmo quando, já aposentado, voltaria ao ensino superior, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nos anos 60 começou a publicar seus livros - "honestamente, nem sei quantos são, sem uma consulta detalhada" - e sua poesia, a partir de "O Dia Anterior ao Primeiro Dia da Criação" refletiria um poeta que, como se define, "é exatamente lírico no que faz e só escreve após muito auto-observação". O que explica sua produção lenta, extremamente cuidada - e que, nestes últimos anos, tem sido econômica, pela impossibilidade de se dedicar mais tempo a esta produção. Na identificação com os jovens, estimulando talentos, Scherner vem sendo, desde os anos 60, uma mola propulsora para que jovens acorajem-se a mostrarem suas produções literárias. Assim era nos tempos em que lecionava nas antigas instalações do Curso de Comunicação da Universidade Católica - do chamado movimento "Close" e que se repetiria, mais tarde, na "Sala 17", resultando, inclusive, uma robusta antologia, "entre os quais estão alguns poetas que seguiram seus passos com segurança".

Tradutor de algumas obras importantes - como intelectual que domina vários idiomas, inclusive o alemão - poeta, lingüista, Scherner cultiva o bom humor. Tanto é que em sua última viagem a Portugal, numa pequena aldeia, um cigano dirigiu-se a ele chamando-o de "Zeca Diabo", por achá-lo parecido com o personagem que Lima Duarte criou na telenovela "O Bem Amado", sucesso na época em Portugal.

"E eu afinal não sou tão parecido assim com Lima Duarte".

Ao contrário de muitos poetas, o professor Leopoldo Scherner não tem gavetas repletas de originais inéditos a espera de um editor. Seu processo de criação é lento, demoradamente pensado e, nestes últimos anos, tem sido bissexto, "especialmente devido a meus múltiplos encargos universitários". Aos 70 anos, completados no dia 22 de julho do ano passado, mas sentindo-se "como um jovem de 25 ou 30 anos", este mestre de tantas gerações está mais ocupado do que nunca. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, responde interinamente pela direção do Departamento de Comunicação - no decorrer desta semana deverá ser definido o nome do novo titular desta área - e é também assessor especial do reitor Euro Brandão. Com a viagem do professor Brandão, que na tarde de sexta-feira embarcou para o Japão, suas responsabilidades aumentaram ainda mais.

Organizado ao extremo, com o vigor de quem sempre esteve "próximo, muito próximo dos jovens" - só os cabelos brancos e uma calvície natural em escalada, podem denunciar a idade, pois no mais, há o mesmo entusiasmo e alegria que o caracterizam há mais de quatro décadas como um dos mais respeitados e estimados professores de português, latim e, especialmente, literatura portuguesa.

Reunindo suados dólares para, em julho, comemorar a entrada em seus 71 anos, em Portugal - país que já visitou inúmeras vezes - Scherner comentava ao gravar seu depoimento para a série Memória Histórica do Paraná:

"Os portugueses, gente tão querida, às vezes surpreendem-se porque um professor do Brasil, de sobrenome germânico, tem tanta paixão pela cultura de seu país." Para eles, seria natural, se o meu nome fosse lusitano, mas para um Scherner, interessar-se tanto na língua e literatura de Camões, não deixa de ser surpreendente.

Fonte:
http://www.millarch.org/artigo/scherner-quando-o-ensino-era-risonho-de-muita-competencia

O Mito de Sisifo



Existe uma história grega sobre Sísifo: O Mito de Sísifo. Camus (Albert Camus) escreveu esta história, e ela traz em si um conteúdo muito aproveitador para todo homem e mulher que buscam, na espiritualidade, alcançar a paz e a felicidade que dão sentido à vida. Mas, muitas vezes, essa felicidade e essa paz são buscadas no mundo material e, assim, jamais podem ser alcançadas. Nesses casos, apenas quando a procura pela felicidade material levar uma pessoa a passar por sua impossibilidade é que a busca espiritual começa.

Por isso, a busca pela felicidade material tem realmente uma contribuição muito significativa para a busca pela felicidade espiritual. Cada vez mais que procurarmos a felicidade por meio de prazeres materiais, cada vez mais falharemos. A felicidade material sempre fracassará, é impossível alcançar a felicidade e a paz nas coisas do mundo. E isso é muito interessante, e parece ser muito paradoxal: não só a escada ligada ao céu nos ajuda a chegar lá, mas, ainda mais, e antes disso, a escada que liga ao inferno tem nos ajudado. E, em muitos casos, a menos que a verdade que leva ao inferno se mostre completamente fútil, nenhuma jornada em direção ao céu pode ter início. Até que se torne completamente claro que a estrada na qual uma pessoa está seguindo leva ao inferno, não fica claro qual é o caminho para o céu.

Nesta história mitológica, Sísifo está sendo punido pelos deuses, ele tem de levar uma pedra muito pesada ao topo de uma montanha. Mas essa é somente uma parte da punição que Sísifo recebeu. A outra parte da punição é que assim que ele chegar ao topo -- cansado, suando e sem fôlego por ter carregado a pedra -- a pedra escorrega de seus dedos e volta a cair lá embaixo, no vale. Sísifo volta a descer, e sobe com a pedra para o topo da montanha, e a mesma coisa acontece novamente -- e segue acontecendo de novo e de novo. Essa punição continua, repentindo-se sem parar.

Sísifo volta ao vale e começa a arrastar a pedra outra vez. Todas as vezes ele vai com esperança de que desta vez vai conseguir, que desta vez vai ser capaz de levar a pedra ao topo, e que vai mostrar aos deuses que eles estavam errados, e então eles dirão: "Veja, Sísifo finalmente trouxe a pedra ao topo!". Ele arrasta a pedra novamente, ele tenta com esforço por semanas e por meses e, de alguma forma, meio morto, volta ao topo da montanha. Mas quando está lá a pedra escorrega e volta a cair no vale. E Sísifo desce outra vez.

Você pode dizer que ele é louco: por que não esquece essa idéia e fica onde está? Por que não aceita a situação como ela é? As pessoas estão hipnotizadas, iludidas pelo pensamento de que "para que a felicidade aconteça, é necessário que algo seja feito". Não importa o que -- algo sempre necessita ser feito --, a felicidade nunca pode brotar da situação, do momento como a vida é neste instante. Esse é o pensamento que tem iludido as pessoas e, por causa dele, elas não são capazes de confiar no momento presente. A felicidade está lá no futuro, nunca aqui. Para que o homem possa conhecer o divino e a alegria que brota do divino, ele necessita atingir um estado de profunda entrega. Quando a espiritualidade acontece a alguém, a pessoa sente e vive tal experiência, mas em momento algum se utiliza de suas próprias forças.

Pelo contrário: a experiência só ocorre se nenhum esforço pessoal estiver sendo empreendido. Todos nós queremos viver uma experiência elevada, que nos permita conhecer e comungar com Algo maior do que nós. Nunca buscamos algo menor do que nós mesmos, sempre desejamos as "coisas do Alto". E isso é algo muito saudável/natural. Mas, se as coisas que queremos viver são experiências maior do que nós, porque tentamos fazê-las acontecer com nossas forças? É impossível. Se algo é maior, então não importa o quanto sejamos fortes, não podemos controlá-la. Nós não temos forças para alcançá-la, tudo o que podemos fazer é deixar que ela venha a nós; deixar que o Alto venha até o que está "em baixo". O homem não consegue se elevar ao nível onde Deus se encontra; mas se o homem permitir -- se puder recebê-Lo... a questão é o quanto o homem é capaz de se tornar receptivo -- então o encontro acontece, Deus desce ao nível humano e encontra o homem. A entrega é essencial. E, se não existir a confiança no momento presente, como poderá haver a entrega?

Como a pedra pode ser útil, proveitosa para Sísifo? O que ele ganha com isso? Por que ele a continua carregando? Por que simplesmente não se livra da pedra e se alivia do fardo de toda a situação? Aceite o seu momento presente do jeito que ele é. A felicidade já está aí. Se você realmente consegue perceber isso, então a percepção da espiritualidade logo se desdobrará em sua vida.

Este mito tem grande importância para nós, porque todos nós somos Sísifos. Nossas histórias podem ser diferentes, nossas montanhas podem ser diferentes, nossas pedras podem ser diferentes, mas somos Sísifos. Fazemos sempre as mesmas coisas. Procuramos pela felicidade empreendendo esforços em coisas que se mostrarão completamente inúteis. Usamos e gastamos nossa energia e tempo nas coisas do mundo. Buscamos obter alegria em algum prazer material/mundano e pensamos que ele nos trará a felicidade. Mas as coisas do mundo não nos satisfazem completamente, são efêmeras, e logo sentimos um sentimento de vazio/miséria interior novamente. A pedra sempre cai do topo da montanha e volta para o vale, mas a mente humana (que deve ser transcendida, deixada de lado, para que a espiritualidade comece a ser vivida conscientemente) é muito estranha, ela sempre se consola: "Parece que alguma coisa deu errado desta vez, mas da próxima vez tudo vai dar certo". E assim sempre começa novamente.

O desejo por prazeres materiais tem um papel essencial na busca espiritual, porque o seu fracasso, seu profundo fracasso, pode ser o primeiro passo em direção à busca da alegria espiritual. A pessoa que está à procura de felicidade material também é uma pessoa religiosa. Ela também está procurando a religiosidade, a espiritualidade, mas na direção errada; ela também está procurando a alegria, só que é num lugar onde ela não pode ser encontrada. Ela só procurará na outra direção quando perceber que no mundo material é impossível encontrar.

Esse foi exatamente o caso com Lao-Tsé. Lao-Tsé foi um dos maiores sábios que o mundo já teve; ele viveu na China à época de 600 anos A.C (ele foi contemporâneo de Buda). Mas, antes de alcançar a alegria e a paz da realização espiritual, Lao-Tsé procurou muito, de todas as formas que lhe eram possíveis. Ele buscou no mundo e fracassou. Depois foi procurar obter a Sabedoria lendo as escrituras. Mas mesmo as escrituras pertencem ao mundo, elas não podem por si só levar ninguém a ver o reino de Deus, são apenas instrumentos que auxiliam na caminhada. As escrituras também pertencem ao mundo, são coisas materiais. Elas não são puramente, 100% espirituais; se o fossem, só a leitura faria com que pessoa entrasse em êxtase e alcançasse a iluminação espiritual. Bastaria sua mera leitura sem que fosse necessário fazer nenhum esforço individual. Assim, as escrituras também são meios materiais. Mas, dentre todas as coisas materiais, as escrituras estão no topo, elas são as que estão mais próximas da dimensão espiritual.

Um dia alguém perguntou a Lao-Tsé: "Você diz que não se ganha nada com as escrituras, mas nós temos ouvido que você lê as escrituras." E Lao-Tsé responde: "Não, eu tenho ganhado muito com a escrituras. A maior coisa que aprendi nelas é que nada pode ser aprendido com elas. Isso não é pouco. Não há nada que possa ser aprendido com as escrituras, mas isso também não poderia ser compreendido sem que elas fossem lidas primeiro. Eu li muito, procurei muito -- e então percebi que nada pode ser aprendido com elas".

Essa não é uma recompensa pequena para tamanho esforço. Só quando ficar claro que nada pode ser obtido com as palavras, com as escrituras -- com as coisas do mundo --, é somente então que começaremos a procurar na existência, na Vida. Quando finalmente compreendemos que a felicidade não pode ser encontrada no material, é que podemos começar a procurar por ela em paz. A segunda busca somente começa quando a primeira falha.

Fonte:
http://busca-espiritual.blogspot.com