quinta-feira, 15 de julho de 2010

Antonio Cândido (O Escritor e o Público) - Parte I



Frequentemente tendemos a considerar a obra literária como algo incondicionado, que existe em si e por si, agindo sobre nós graças a uma força própria que dispensa explicações. Esta idéia elementar repousa na hipótese de uma virtude criadora do escritor, misteriosamente pessoal; e mesmo quando desfeita pela análise, permanece um pouco em todos nós, leitores, na medida em que significa repugnância do afeto às tentativas de definir os seus fatores, isto é, traçar de algum modo os seus limites.

Por isso, quando investigamos tais fatores e tentamos distingui-los, percebemos, na medida em que é possível, que os mais plenamente significativos são os internos, que costeiam as zonas indefiníveis da criação, além das quais, intacto e inabordável, persiste o mistério. Há todavia os externos, como aqueles de que se ocupará este artigo; secundários, não há dúvida, como explicação; dependendo de um ponto de vista mais sociológico do que estético; mas necessários, senão à sondagem profunda das obras e dos criadores, pelo menos à compreensão das correntes, períodos, constantes estéticas. Um autor alemão chega a dizer, neste sentido, que mesmo considerando-se a priori metafísico o valor artístico, só de modo sociológico é possível elucidá-lo nas suas formas concretas particulares — pois nas sociedades civilizadas a criação é eminentemente relação entre grupos criadores e grupos receptores de vários tipos. Isto quer dizer que o escritor, numa determinada sociedade, é não apenas o indivíduo capaz de exprimir a sua originalidade (que o delimita e especifica entre todos), mas alguém desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo profissional e correspondendo a certas expectativas dos leitores ou auditores. A matéria e a forma da sua obra dependerão em parte da tensão entre as veleidades profundas e a consonância ao meio, caracterizando um diálogo mais ou menos vivo entre criador e público.

Mas o panorama é dinâmico, complicando-se pela ação que a obra realizada exerce tanto sobre o público, no momento da criação e na posteridade, quanto sobre o autor, a cuja realidade se incorpora em acréscimo, e cuja fisionomia espiritual se define através dela. Em contraposição à atitude tradicional e unilateral, que considerava de preferência a ação do meio sobre o artista, vem-se esboçando na estética e na sociologia da arte uma atenção mais viva para este dinamismo da obra, que esculpe na sociedade as suas esferas de influência, cria o seu público, modificando o comportamento dos 84 grupos e definindo relações entre os homens.

A literatura é pois um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo.

Qual a influência entre eles; como se condicionam mutuamente; que relações humanas pressupõem ou motivam? São questões que o crítico propõe ao sociólogo, ou responde ele próprio colocando-se no ângulo deste. Procuremos falar como ambos, partindo da hipótese que, sob tal ponto de vista, a produção da obra literária deve ser inicialmente encarada com referência à posição social do escritor e à formação do público.
Aquela depende, em primeiro lugar, da consciência grupal, isto é, a noção desenvolvida pelos escritores de constituírem segmento especial da sociedade. Ela se manifesta de maneira diversa conforme o momento histórico (exprimindo-se, por exemplo, como vocação, consciência artesanal, senso de missão, inspiração, dever social etc), permitindo-lhes definir um papel específico, diferente dos demais, e servindo-lhes de identificação enquanto membros de um agrupamento delimitado.

O fato deste grupo configurar-se nitidamente ou permanecer virtual depende em boa parte do segundo fator: as condições de existência que os seus membros, enquanto tais, encontram na sociedade. Decorre ou não daí a profissionalização, que, embrionária noutras épocas, é tendência no mundo moderno, mas não fator essencial para estruturar um grupo de escritores. Com efeito, há diversas formas de remunerar o trabalho de criação literária nas diferentes sociedades e épocas: mecenato, incorporação ao corpo de servidores, atribuição de cargos, geralmente prebendas etc.

Finalmente, a posição do escritor depende do conceito social que os grupos elaboram em relação a ele, e não corresponde necessariamente ao seu próprio. Este fator exprime o reconhecimento coletivo da sua atividade, que deste modo se justifica socialmente. Deve-se notar, a propósito, que, embora certos escritores tenham individualmente alcançado o pináculo da consideração em todas as épocas da civilização ocidental, o certo é que, como grupo e função, apenas nos tempos modernos ela lhe foi dispensada pela sociedade.

Tais fatores aparecem na realidade unidos e combinados, dependendo uns dos outros e determinando-se uns aos outros conforme a situação analisada. Deste modo é que se deve considerá-los, relacionando-os, além disso, ao segundo grupo de fatores, que integram o conceito de público.

Se a obra é mediadora entre o autor e o público, este é mediador entre o autor e a obra, na medida em que o autor só adquire plena consciência da obra quando ela lhe é mostrada através da reação de terceiros. Isto quer dizer que o público é condição para o autor conhecer a si próprio, pois esta revelação da obra é a sua revelação. Sem o público, não haveria ponto de referência para o autor, cujo esforço se perderia caso não lhe correspondesse uma resposta, que é definição dele próprio. Quando se diz que escrever é imprescindível ao verdadeiro escritor, quer isto dizer que ele é psiquicamente organizado de tal modo que a reação do outro, necessária para a autoconsciência, é por ele motivada através da criação. Escrever é propiciar a manifestação alheia, em que a nossa imagem se revela a nós mesmos.

Por isso, todo escritor depende do público. E quando afirma desprezá-lo, bastando-lhe o colóquio com os sonhos e a satisfação dada pelo próprio ato criador, está, na verdade, rejeitando determinado tipo de leitor insatisfatório, reservando-se para o leitor ideal em que a obra encontrará verdadeira ressonância. Tanto assim que a ausência ou presença da reação do público, a sua intensidade e qualidade podem decidir a orientação de uma obra e o destino de um artista. Mesmo porque nem sempre há contacto tangível do escritor com os leitores, e estes nem sempre se ordenam em grupos definidos, podendo permanecer no estado amorfo, isolados uns dos outros, por vezes em estado potencial. Para Von Wiese (a quem devemos a melhor caracterização sociológica deste fenômeno tão mal estudado desde os primórdios da sociologia contemporânea), o público nunca é um grupo social, sendo sempre uma coleção inorgânica de indivíduos, cujo denominador comum é o interesse por um fato. É a "massa abstrata", ou "virtual", da sua terminologia. Entretanto, dentro dela podem diferenciar-se agrupamentos menores, mais coesos, às vezes com tendência a organizar-se, como são os círculos de leitores e amadores entre os quais se recrutam quase sempre as elites, que pesarão mais diretamente na orientação do autor.

De qualquer modo, um público se configura pela existência e natureza dos meios de comunicação, pela formação de uma opinião literária e a diferenciação de setores mais restritos que tendem à liderança do gosto — as elites. O primeiro fator envolve o grau de ilustração, os hábitos intelectuais, os instrumentos de divulgação (livro, jornal, auditórios etc); o segundo e o terceiro se definem automaticamente, e aliás acabam de ser sugeridos.

Para correlacionar (agora em termos práticos) o problema do escritor e do público no quadro da presente análise, lembremos que o reconhecimento da posição do escritor (a aceitação das suas idéias ou da sua técnica, a remuneração do seu trabalho) depende da aceitação da sua obra, por parte do público. Escritor e obra constituem, pois, um par solidário, funcionalmente vinculado ao público; e no caso deste conhecer determinado livro apenas depois da morte do autor, a relação se faz em termos de posteridade. De modo geral, todavia, a existência de uma obra levará sempre, mais cedo ou mais tarde, a uma reação, mínima que seja; e o autor a sentirá no seu trabalho, inclusive quando ela lhe pesa pela ausência.

Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

Vicente Riva Palacio (As Mulas de sua Excelência)


Na grande extensão da Nova Espanha, pode-se afiançar que não existia parelha de mulas como as que puxavam a carruagem de Sua Excelência, o Senhor Vice-Rei. E note-se que eram tão da­dos os conquistadores do México, naquele tempo, à criação de mulas, e tão habituados a usá-las como cavalgaduras, que os reis de Espanha, temendo que tal inclinação fosse causa do abandono da criação de cavalos e do exercício militar, determinaram fossem obrigados os principais habitantes da terra a ter cavalos próprios e disponíveis para o combate. Porém as mulas do vice-rei eram a inveja de todos os ricos e o desespero dos fazendeiros da capital da colônia.

Altas, de peito largo como o potro mais possante; com as quatro pernas finas e nervosas como as de uma rena; cabeça descarna­da, e as móbeis orelhas e os negros olhos como os de um veado. Tinham a cor tirante ao castanho, embora com alguns reflexos dourados; trotavam com tamanha rapidez, que mal poderia acompanhá-las um cavalo a galope.

Ademais, eram de tanta nobreza e tão boas de rédea que, no dizer do cocheiro de Sua Excelência, poderiam ser guiadas, se não com duas teias de aranha, pelo menos com dois leves cordéis de seda.

Todos os dias o vice-rei se levantava mal nascia o sol; esperava o coche ao pé da escada do palácio, descia vagarosamente; contemplava orgulhoso a sua incomparável parelha; entrava na carruagem; persignava-se com devoção; e lá se iam as mulas, tirando chispas das poucas pedras que encontravam no caminho.

Depois de largo passeio pelos arredores da cidade, parava o vice-­rei, pouco antes das oito da manhã, em frente à catedral, que a esse tempo, e com grande atividade, se estava construindo.

Ia muito adiantada a obra, e nela trabalhavam numerosas turmas, que, em geral, se dividiam por nacionalidades — uma de espanhóis, outra de índios, outras de mestiços e outras de negros —, com o fim de evitar choques, muito comuns, infelizmente, entre operários de raças diversas.

Havia, entre aquelas turmas, duas que se distinguiam pela prontidão e esmero no desempenho das mais delicadas tarefas que lhes confiavam; e o curioso é que uma delas se compunha de espanhóis e a outra de índios.

Era capataz da espanhola um vigoroso asturiano, aí dos seus quarenta anos de idade, chamado Pedro Noriega. O homem de pior caráter, mas de melhor coração, que se poderia encontrar nessa época entre os colonos.

Luís de Rivera dirigia como capataz a turma dos índios, por­que tinha mais aparência de índio que de espanhol, apesar de mestiço do primeiro cruzamento, e falava com muita facilidade a língua dos castelhanos e o idioma nauatle ou mexicano.

Tampouco era Luís de Rivera uma índole angelical; turbulento e brigão, já por mais de uma vez dera que fazer aos aguazis.

Por desgraça, tiveram as duas turmas de trabalhar muito per­to uma da outra, e, quando Pedro Noriega se agastava com os seus, o que se dava muitas vezes por dia, gritava-lhes com voz de trovão:

— Que espanhóis mais brutos! Parecem índios!

Mal, porém, havia terminado aquela frase, e Rivera, viesse ou não viesse ao caso, gritava para os seus:

— Que índios mais estúpidos! Parecem espanhóis!

Como é fácil imaginar, as conseqüências disso tinham de ser fatais. Os diretores da obra não trataram de separar aquelas turmas, e, amiudando-se os insultos, uma tarde Noriega e Rivera foram, não às mãos, e sim às armas, porque cada um deles já vinha preparado para o que desse e viesse; e coube a parte pior ao mestiço, que ali caiu morto, de uma punhalada.

O caso degenerou em tumulto, e para acalmá-lo foi necessário se recorresse à justiça e viesse tropa de palácio.

Apartaram os contendores, apanharam o cadáver de Luís de Rivera, e de braços atados saiu dali o asturiano, entre os aguazis, para o cárcere da cidade.

Como o vice-rei estava muito indignado, como os senhores do tribunal ardiam em desejo de dar um exemplo e ao mesmo tem­po de agradar ao vice-rei, e como existia um edito real dispondo que os crimes de espanhóis contra filhos da terra fossem castiga­dos com severidade maior, antes de quinze dias estava o processo concluído e Noriega condenado à forca.

Baldados foram todos os esforços para se obter o indulto; nem as ternuras da vice-rainha, nem os memoriais das damas, nem o prestígio do Senhor Arcebispo, nada: firme e resoluto, o vice-rei a tudo se negava, dando como razão a necessidade de um singu­laríssimo e notável escarmento.

A família de Noriega, que se reduzia à mulher e a uma vistosa moça de dezoito anos, todos os dias, desolada, andava, como vul­garmente se diz, de Herodes para Pilatos, e passava largas horas ao pé da escada do palácio, tentando incessantemente abrandar com o seu pranto o empedernido coração de Sua Excelência.

Muitas vezes esperavam junto ao coche em que o vice-rei ia montar, e contavam suas aflições, que a desgraça sempre conta, ao cocheiro do vice-rei, um andaluz moço e solteiro.

Como era natural, àquele jovem andaluz enterneciam tanto as lágrimas da mãe como os negros olhos da filha. No entanto, não ousava ele falar ao vice-rei, compreendendo que o que tantas personagens não haviam conseguido, ele não deveria sequer tentar.

Nada obstante, ainda na véspera do dia marcado para a execução dizia às mulheres, entre convicto e pesaroso: "Deus ainda pode obrar um milagre! Deus ainda pode obrar um milagre!"

E as pobres mulheres viam um raio de esperança; pois, nos grandes infortúnios, os que não acreditam nos milagres sonham sempre com o inesperado.

Chegou por fim a manhã terrível da execução. Coberto de escapulários o peito, os olhos vendados, arrimando-se no braço dos sacerdotes, que aos brados o exortavam naquele transe fatal, causando pavor até aos próprios espectadores, saiu Noriega do cárcere acompanhado de imensa multidão, que marchava lenta e silenciosa, enquanto o pregoeiro gritava em cada esquina: “Esta é a justiça que se manda fazer com este homem, por homicídio cometido na pessoa de Luís de Rivera. Seja enforcado. Quem assim faz, que assim pague".

Naquela manhã subiu o vice-rei à carruagem preocupado, e sem se deter, como de hábito, a examinar a sua parelha de mulas; tal­vez se debatesse na incerteza sobre se aquilo era um ato de energia ou de crueldade.

O cocheiro, que já sabia o caminho que tinha de seguir, mo­veu de leve as rédeas da mula, e os animais partiram a trote. Cerca de um quarto de hora passou imóvel o vice-rei no fundo do coche, entregue às suas meditações; porém de súbito sentiu violenta sacudidela, e a rapidez da marcha aumentou de maneira notável. A princípio deu pouca atenção ao caso, mas a cada momento era mais rápida a carreira.

Sua Excelência pôs a cabeça de fora de uma das janelinhas e perguntou ao cocheiro:

— Que é isso?

— Senhor, estes animais se espantaram e não querem obedecer.

E o coche atravessava ruas, vielas e praças, e dobrava esqui­nas, sem nunca se chocar de encontro às paredes, mas como se não levasse rumo certo e fosse caminhando à toa.

Era o vice-rei homem animoso, e resolveu esperar o resultado daquilo, tratando de colocar-se em um dos ângulos da carruagem e cerrar os olhos.

De repente as mulas estacaram. Tornou o vice-rei a pôr a cabeça fora da janelinha, e viu-se rodeado de uma multidão de homens, mulheres e crianças que gritavam alegremente:

— Indultado! Indultado!

O coche do vice-rei acabava de encontrar-se com a comitiva que acompanhava Noriega ao patíbulo; era de lei que, se o monarca na metrópole ou os vice-reis nas colônias encontrassem um homem que ia ser executado, isto implicava o indulto. Noriega, com esse encontro feliz, ficou indultado.

Tornou o vice-rei ao palácio, não sem experimentar certo contentamento por haver salvado a vida de um homem sem prejuízo de sua energia.

Reconduziram ao cárcere o indultado Noriega.

Não se sabe se o cocheiro acreditava em milagre. O que se pôde averiguar, isto sim, foi que três meses depois ele se casou com a filha de Noriega, e que Sua Excelência lhe fez um grande presente de núpcias.

Acrescenta a tradição haver sido aquele acontecimento que deu motivo ao real edito que ordenava não saíssem do palácio os vice-­reis em dia de execução judicial.

Ora vejam lá de que são capazes as mulas!

Fonte:
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai. Mar de histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol. 7.

Vicente Riva Palácio (1832– 1896)



Vicente Florencio Carlos Riva Palácio Guerreiro (Cidade de México; 16 de outubro de 1832 - Madri, Espanha; 22 de novembro de 1896). Político, militar, jurista e escritor mexicano.

Nasce na Cidade de México o 16 de outubro de 1832, sendo filho de Dores Guerreiro e Mariano Riva Palácio, o advogado defensor de Maximiliano I durante sua captura em Querétaro. Neto direto do General Vicente Guerreiro. Estuda direito no Colégio de San Gregorio e forma-se em 1854. Deputado nacional em duas ocasiões, 1856 e 1861.

A seus quinze anos, em plena invasão norte-americana, faz parte de uma guerrilha contra os invasores.

Mais adiante, sendo liberal durante o século XIX, participa nos jornais A Orquestra e A Chinaca, opostos à perspectiva conservadora. Trabalha durante 1855 como escrivão, em 1856 como secretário da prefeitura da cidade de México e entre 1856 e 1857 como deputado suplente ao Congresso Constituinte (mesmo congresso que formula a Constituição do 57).

Durante a Segunda Intervenção Francesa em México arma uma guerrilha por sua própria conta com o fim de se unir à luta com o General Ignacio Zaragoza. Toma parte em várias ações militares, entre elas, a batalha de Barranca Seca e a queda de Povoa. Em 1863 segue a Juárez a San Luis Potosí e é nomeado governador do Estado de México, se reagrupa e reúne tropas para realizar as tomadas de Tulillo e Zitácuaro. Em 1865 é nomeado governador de Michoacán.

Após a morte do general José María Arteaga se lhe confere o comando de general em chefe do Exército Republicano do Centro e ao termo da campanha republicana em Michoacán, entrega as tropas a seu comando ao Genera. Nicolás Régules. Consegue organizar uma nova brigada, com a que toma e sitia a cidade de Toluca e com a que depois participa no lugar de Querétaro.

Simultaneamente de sua atuação militar edita os jornais O Monarca (1863) e O Pito Real. Compõe os versos do hino burlesco Adeus, mamãe Carlota (uma paráfrase de Adeus, oh pátria minha, de Ignacio Rodriguez Galván).

Com a vitória juarista, renuncia ao comando de todas suas tropas e ao governo do estado de Michoacán. Pede anistia para os intervencionistas e, na esfera política, fica derrotado por José María Iglesias na candidatura para a vice-presidencia. Atua como magistrado da Suprema Corte de Justiça entre 1868 e 1870.

Em 1874 publica os jornais satíricos O ahuizote, O Constitucional e O Radical, nos quais critica o trabalho do governo de Sebastián Lerdo de Tejada.

Apoia Porfirio Díaz no plano de Tuxtepec e é recompensado com o ministério de Fomento em dois primeiros períodos de governo de Díaz e com Juan N. Méndez. Resgata as ruínas de Palenque, estabelece o Observatório Astronomico Nacional e termina de construir o Passeio da Reforma.

Em 1883 é detido pelo governo e levado à prisão de Santiago por ir contra o governo de Manuel González, presidente de México. Na prisão escreve grande parte do segundo tomo de sua obra "México através dos séculos".

Em 1885, depois da publicação de seu livro Os Zeros, dá-se a perda de seu prestígio pessoal e desaparecem as aspirações presidenciais que tinha, fica desterrado "honoravelmente" por Porfirio Díaz e nomeia-se-lhe ministro de México em Espanha e Portugal.

Morre em Madri em 22 de novembro de 1896 e repatríam seus restos em 1936.

Carreira literária

Jornalista de sucesso com uma assinalada e pessoal atitude crítica e satírica; marcada em periódicos como A Orquestra e O Ahuizote. Riva Palácio participa como um ativo literato mexicano nos tempos entre guerras.

O gênero que mais o sorri sempre em popularidade é a novela. Realiza a maioria de sua obra novelesca entre 1868 e 1870. Teve à sua disposição a maioria dos arquivos da Santa Inquisição, o que lhe brinda uma grandíssima quantidade de informação que plasma em suas novelas. Só uma de suas novelas, (Calvario e Tambor), é de toque militar, o resto delas se localizam na época colonial.

Junto com Juan A. Mateos co-escrevee zarzuelas e sketches teatrais satirizando a política mexicana. Em 1870, junto com Juan A. Mateos, Rafael Martinez da Torre e Manuel Payno publica O livro vermelho, um breviario da violência dentro da história nacional.

Junto com Juan de Deus Peza narra lendas em verso sobre Tradições e lendas mexicanas (1917) e criam para a imaginaria poetisa romântica Rosa Espino para publicar Flores da alma (1875).

Dirige a obra México através dos séculos, trabalho enciclopédico, encarregando-se ele mesmo do segundo tomo, dedicado a Colônia.

Em sua obra Os Zeros critica e polemiza a classe política mexicana, o que o identifica como uma personagem virulento para o regime porfirista.

O conto "A Máquina de Coser" inclui-se no livro Contos do Geral (que aparece postumamente em Madri no ano de sua morte), uma coleção de vinte e seis relatos que apresentam características comuns: brevidade no título, a ação e a descrição das personagens.

Obras

Teatro
O tirano doméstico (1861)
Uma tormenta e um íris (1861)
O incêndio do portal (1861)
A lei do um por cento (1861)
Borrascas de um sobretudo (1861)
Ódio hereditario (1861)
As liras irmãs (1861)
A politicomanía (1862)
A filha do cantero (1862)
Temporário e eterno (1862)
Martín o demente (1862)
A Catarata de Niagara (1862)
Nadar e na orla afogar (1862)
Um drama anônimo (1862)
A polícia caseira (1862)

Novelas
Freira , casada, virgem e mártir (1868, reeditada em 1986)
Martín Garatuza (1868)
Calvario e Tabor (1868)
As duas emparelhadas (1869)
Os piratas do golfo (1869)
A volta dos mortos (1870)
Memórias de um impostor, dom Guillén Lombardo , rei de México (Origem do Zorro e ancestral de Diego Da Vega) (1872)
Um segredo que mata (1917)

Ensaio
História da administração de dom Sebastián Lerdo de Tejada (1875)
História da guerra de intervenção em Michoacán (1896)
México através dos séculos, tomo 2 História da dominação espanhola em México desde 1521 a 1808 (1884-1889)
Os Zeros, Galería de Contemporâneos (1882)

Contos
Contos de um louco (1874)
Contos do geral (1896)

Poesia
Flores da alma (1875, sob o pseudônimo de Rosa Espino
Meus versos (1893)
Páginas em verso (1885)

Fonte:
http://pt.wikilingue.com/es/Vicente_Riva_Pal%C3%A1cio

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Trova 162 - Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo/SP)

Apollo Taborda França (As Quatro Raças)


Modelando à sua imagem,
Deus soprou, todo carinho...
No acalanto dessa aragem,
Surgem RAÇAS no cadinho.

Fez do barro o grande elo,
Constituindo a humanidade...
Homem branco, amarelo,
Preto, vermelho: acuidade.

Deu início à povoação
Desta terra, ao confim....
Juntou Eva com Adão,
Nas delícias de um jardim.

E cresceu tudo em beleza,
Colorido e muito amor...
Completou-se a natureza,
Aplaudindo o Criador!

HOMEM BRANCO

Talhado pra dominar,
Surge o BRANCO, criativo...
Assumiu bem seu leu lugar,
Disse: - Sou substantivo!

Ninguém sabe a certa origem,
Muito hábil, audacioso....
Num assomo de vertigem,
Se deslumbra em áureo gozo.

Elegante, aventureiro,
Estendeu-se mundo afora...
Fez da Europa o paradeiro,
Onde se plantou na aurora.

Tem estirpe requintada,
Vencedor da incerteza...
Faz do Cosmo a nova estrada,
Consagra sua grandeza!

HOMEM AMARELO

O AMARELO das estepes,
Da Mongólia milenar...
Envolvido em suaves crepes,
É de casta singular.

Homem reto, aprimorado,
De índole contemplativa...
Tem costume delicado,
Que surpreende e que cativa.

Oriental, tem olho oblíquo,
Traz as gamas do mistério...
É humilde, mas conspícuo
E domina um hemisfério.

Ritualista, espiritual,
Não se entrega na voragem...
É poder no mundo atual,
Sua mística a coragem!

HOMEM NEGRO

Homem NEGRO vem, desfila,
Em perene vibração...
E se amolda qual argila,
Na busca de afirmação.

Sempre grande no esporte,
Sonha com áureo troféu...
Hoje no mundo, suporte,
Já não é o grande réu.

Amoroso e sensível,
Só lhe trai a tez escura...
Faz-se nobre no possível,
Se aprofunda na cultura.

Pelo dom se fez artista,
É humano a não poder...
Se consagra “africanista”,
No atavismo do seu ser!

HOMEM VERMELHO

AMERÍNDIO destemido,
Povoador de vastidões...
Tem as nuances de um brasido,
Como a lava dos vulcões.

Viveu bem no solo pátrio,
Terras ricas de esplendor...
Sucumbiu depois seu átrio,
Sanha do conquistador.

Já livrou-se do extermínio,
Do fuzil e da chibata...
Recupera o seu domínio,
Seu direito está em Ata.

Sobranceiro, dia-a-dia,
Busca os louros da vitória...
Temperou a rebeldia,
Liberdade dá-lhe a glória!

Fonte:
FRANÇA, Apollo Taborda. O nosso mundo colorido. Curitiba: O Formigueiro, 1986.

Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso (Voar)


Antes que Thor, Mercúrio e mais distantes
Deuses do povo grego, antigamente -
Que nem Dédalo e Ícaro -, em rasantes,
Voassem, triunfantes, entre a gente.

Antes que Santos desse vôos brilhantes,
E dois irmãos roubassem-lhe a patente
Do primeiro avião... Antes, bem antes,
Voava um coração, de tão contente.

Entre imaginações ele subia;
Em passos, saltos, vôos, em quedas rasas,
Voando sobre o céu de tantas casas

Que, vindo o super-homem, logo via:
Seu dom do vôo nem era primazia;
O amor já conferia aos homens asas.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/trancoso.htm

Eduardo Campos (O Enterro ou a Casa sem Cão)

Desenho de Gilberto Queiroz
A mulher, à pressa, já segurava a bolsa para sair, depois de verificar atenta se o fogão a gás não ficara com alguma boca acesa; e se voltou para o pai idoso, recomendando:

Estou de partida. Tenha cuidado na casa. Demoro pouco.

Ia acrescentar que por urgente necessidade tinha de se ausentar, pois precisava ganhar uns trocados a mais para dobrar a resistência do bodegueiro sem mais querer fiar... Parou. O outro dizia-lhe decidido:

– Vou sair também. Cadê o meu paletó?

Ela estacou surpresa:

– Sair? sair pra onde?

A voz do homem soou enérgica e resoluta:

– Você estava na cozinha, nem prestou atenção. Deu a notícia no rádio...

– Que notícia, pai?

– Você conhece, não... Era meu grande amigo. Morreu. Coitado do Belisário.

– Tão importante assim para merecer registro em programa de rádio? Não, papai, o senhor se confundiu...

Ele insistiu, a cobrar:

– Cadê o meu paletó?!

Seu paletó foi comido pelas traças... Tinha virado peça de museu.

Me parecia ainda bom de uso. A última vez...

Ela interrompeu-o:

– Isso foi há doze anos, quando faleceu o vizinho.

– Sei disso não. Bom, só sei que vou ao enterro do meu amigo Belisário. Sem paletó. Todo mundo vai reparar. É que nunca vesti silaque em cerimônia social.

– Papai, não quero teimar, mas tudo não passa de um equívoco. O locutor...

– ... o locutor falou bem duas vezes o nome dele, o endereço, deu tudo! Meu amigão! E você não sabe...

– Não sabe o quê?

– Tínhamos um pacto. Ele jurou, eu jurei também: se um dos dois morresse primeiro, o que ficasse estaria obrigado a ir ao enterro, estivesse onde estivesse. Assim vai ser... Deus o chamou em primeiro lugar, tocando a mim, agora, cumprir a palavra empenhada.

– Que palavra empenhada! Isso passou! E por favor vá sossegar tenho de ganhar o meu dinheiro.

– Ah, então é desse modo? Muito bem! Não causa admiração que o mundo esteja – me deixe dizer um nome feio – nessa esculhambação de hoje. Não! Sou de ontem, de tempo em que as pessoas possuíam palavra, cumpriam o trato. Cedia o lugar de sentar nos bondes a uma dama, ajudava a idosos...

– Papai, escute bem. Os seus netos já foram trabalhar, e eu só vou sair por extrema necessidade. Dessa forma o senhor não pode comparecer ao sepultamento do seu grande amigo. Por isso, é melhor se contentar com uma oração...

– Oração é coisa de protestante. Eu rezo.

– Pois então reze. Dá tudo igual. Contanto que fique em casa. A nossa, repare, não pode ficar sem ninguém, principalmente com a onda de ladrões solta no bairro...

– ... ladrões aqui ?!

– É onde dá mais.

Ele ficou pensativo. Depois de um momento, lembrou:

– Deixe o cachorro botando sentido. Você pode ir pegar os seus trocados, como falou, e eu sigo para cumprir o meu acordo...

Paciente, ela explicou:

– O senhor deve estar esquecendo as coisas... O Japi morreu... morreu de velhice. E nós não tivemos condições de adquirir outro animal de guardar a casa.

– Agora deu ruim! Eu não posso desfazer o trato com o falecido. O Belisário se estivesse em meu lugar, com paletó ou sem paletó ia acompanhar o meu enterro. Foi o melhor amigo que tive, marido exemplar.

Ela moveu a cabeça, aborrecida:

– E tem mais, papai, o dinheiro que vou receber é importante para pagar a mercearia. De outro jeito, se duvidar, vamos ter de passar fome... E mesmo...

– Mesmo o quê?

– O senhor, aos oitenta, não tem mais condições para sair de casa, desacompanhado.

– Minha companhia é Deus. Me considero forte, me levanto sozinho de noite para ir ao banheiro... e...

– Mas não pode.

– Alugo um menino do vizinho. Ainda tenho uma pontinha de dinheiro da aposentadoria.

– Compreenda, papai! A família do tal Belisário na certa nem sabe se o senhor existe. Bem, a hora está passando e preciso, agora digo como o senhor, preciso cumprir meu trato.

– Meu Deus, a que ponto cheguei na vida! Minha própria filha quer que eu fique desmoralizado. Contando não tem quem acredite!

– Ela tornou a insistir em tom amável:

– Papai, vá sentar-se na sua cadeira de vime, perto da porta... Prometo, prometo de verdade! Vou ficar atenta aos jornais! Podemos ir juntos à missa de sétimo dia.

– Missa de sétimo dia não é enterro. Não aceito esse tipo de solução.

E com convicção, exaltando-se:

– Vou ao enterro, VOU!

– Papai...

– VOU, VOU!

Foi só um instante, tempo em que ela apreensiva consultou o relógio, a ver que horas davam, e decidiu:

– Não tem acordo, não tem paletó, não tem enterro! Vá sentar na cadeira como estou mandando, que preciso ganhar o meu dinheiro. É isso!

– Deus castiga a quem maltrata os pais.

– É sentar bem direitinho e não deixar a casa só. Os ladrões, repito, andam por aí. Se duvidar vão entrar aqui e carregar o seu rádio. Vá, vá, vá, me obedeça!

Fê-lo arriar-se na cadeira de vime, nervosa, considerando que se não partisse quanto antes não teria como passar a roupa, tarefa a que se obrigara de véspera.

– Não deixe ninguém entrar. Ninguém mesmo!

Ele esteve para altear o tom da voz e protestar mais uma vez, chutar os móveis da sala, gritar palavrão, chorar, até chorar...

Mas se reconheceu trêmulo, esmorecido, e na realidade sucumbido por não poder, como prometera, honrar o compromisso com o Belisário.

E se deixou ficar batendo o pé no chão, perdidamente magoado.

Dolorosamente cão.

Fonte:
Nilto Maciel e Soares Feitosa. Jornal do Conto.

Eduardo Campos (1923)



Eduardo Campos (Manuel EDUARDO Pinheiro CAMPOS), nasceu em Guaiúba, então distrito de Pacatuba (Ceará), no dia 11 de janeiro de 1923, filho de Jonas Acióli Pinheiro e Maria Dolores Eduardo Pinheiro.

Órfão de pai, aos 4 meses, foi entregue aos cuidados dos tios João Pereira Campos e Isabel Eduardo Campos (Irmã de Maria Dolores).

Até 7 anos de idade viveu ao sopé da Serra da Aratanha, em Pacatuba. Pelos 8 anos, em companhia dos pais adotivos, foi morar na Rua do Imperador, 90, em Fortaleza (1930), circunstância que o inspirou, já adulto, ao resgate da memória desses idos, quando a sala de visita das casas ia parar virtualmente nas calçadas, os vizinhos aí reunidos depois do jantar.

Eduardo Campos jamais se distanciaria da moldura ecológica da Serra, nem da paisagem rural desse território geográfico, com ares de sertão.

Estreou em 1943, com o livro de contos Águas Mortas.

Seguiram-se, neste gênero, em 1946 Face Iluminada, em 1949 A Viagem Definitiva, em 1965 Os Grandes Espantos, em 1967 As Danações, em 1968 O Abutre e Outras Estórias (constituído por uma seleção dos presumíveis melhores contos), em 1970 O Tropel das Coisas, em 1980 Dia da Caça, em 1993 O Escrivão das Malfeitorias, em 1998 A Borboleta Acorrentada e em 1999 O Pranto Insólito.

Tem também peças de teatro, livros de folclore, romances, ensaios, biografias, memórias, além de grande número de produções especiais para o rádio e televisão. Seus principais romances são O Chão dos Mortos e A Véspera do Dilúvio.

Durante dez anos dirigiu a Academia Cearense de Letras; foi Secretário de Cultura do Estado, Presidente do Conselho Estadual de Cultura, e é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará.

Figura em antologias nacionais e internacionais de contos. É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Iniciou-se nas letras escrevendo, dirigindo e representando peças de teatro.

Sua peça O Morro do Ouro foi representada 350 vezes; A Rosa do Lagamar, mais de 500. Sua obra teatral foi reunida em dois volumes, contendo O Demônio e a Rosa, O Anjo, Os Deserdados, A Máscara e a Face, Nós, as Testemunhas, no primeiro, A Donzela Desprezada, O Julgamento dos Animais, O Andarilho, além das já mencionadas.

Tem pequenas histórias incluídas em dez antologias, das quais duas no Uruguai e uma na Alemanha.

Fonte:
Nilto Maciel e Soares Feitosa. Jornal do Conto.

Artur Azevedo (Morta que Mata)



(CONTO MEIO PLAGIADO E MEIO ORIGINAL)

Um dia em que o Barreto, acabado o expediente, palestrava com alguns dos seus colegas de repartição, queixou-se da mesquinhez dos ordenados.

- Ora! Tu nada sofres! Acudiu um dos colegas, com um sorriso impertinente.

- Nada sofro?! Ora esta! Por quê?!.

- Porque és rico!

- Rico, eu?!...

- Naturalmente. Se não fosses rico, tua mulher não poderia andar coberta de brilhantes!

O Barreto soltou uma gargalhada.

- Ah, meu amigo, os brilhantes de minha mulher são falsos, são baratinhos, não valem nada!

- Não parece.

- Não parece, mas são. Minha mulher é de uma economia feroz, e tudo quanto economiza emprega em toilettes e jóias... mas que jóias!... Falsas, falsas como Judas... Já lhe tenho dito um milhão de vezes que se deixe disso; que não use jóias uma vez que não pode usá-las verdadeiras; que ela somente a si mesma se ilude, tornando-se ridícula aos olhos do mundo; mas não há meio: aquilo é mania! Tirem tudo, tudo à Francina, mas deixem-lhe as suas jóias de pechisbeque!...

Realmente assim essa Francina, de vez em quando, mostrava ao marido um par de bichas de brilhantes ou um colar de pérolas, que produziam o mais deslumbrante efeito, mas não passavam de jóias de teatro, compradas com os vinténs que ela poupava nas despesas da copa.

Barreto, que fora sempre um pobretão, nada entendia de pedras finas e por isso achava que as de sua mulher, apesar de falsas, eram bonitas; mas, no íntimo, ele envergonhava-se daquela fulgurante exibição no pescoço, nos braços, nos dedos e nas orelhas de Francina.

- Os que sabem que essas jóias são falsas, pensava ele, hão de me achar ridículo; os que as supõem verdadeiras poderão fazer de mim um juízo ainda mais desagradável. Toda a gente sabe quanto ganho: os meus vencimentos figuram na coleção de leis, na tabela anexa ao regulamento da minha repartição...

O Barreto pensava bem; mas a sua debilidade moral não permitia que ele contrariasse Francina.

Um dia o fracalhão percebeu - com que alegria! - que ela estava no seu estado interessante.

Eram casados havia oito anos e só agora se lembrava o céu de abençoar a sua união, mandando-lhes um filho! Ele esperava que os cuidados maternos modificassem o que sua mulher tinha de ridícula e vaidosa.

Mas as suas esperanças foram cruelmente frustradas pela fatalidade: a criança, extraída a ferros, nasceu morta, e Francina morreu de eclampsia.

O Barreto sentiu tanto, tanto, que quase morreu também.

Havia um mês que era viúvo quando um dia lhe apareceu em casa um homem que ele não conhecia, e se deu a conhecer como um dos joalheiros mais conhecidos da capital.

O Barreto perguntou-lhe o motivo da sua visita.

- É muito simples. A falecida sua senhora tinha jóias. É natural que o senhor não precisando delas pretenda desfazer-se de algumas, senão de todas. Venho pedir-lhe que me dê a preferência.

- Preferência para quê?

- Para comprá-las.

- Mas, meu caro senhor, as jóias de minha mulher são falsas.

- Falsas? Ora essa! E é a mim que o senhor diz isso, a mim que lhas vendi! A sua senhora seria incapaz de pôr uma jóia falsa!

- O senhor engana-se!

- Tanto não me engano, que lhe ofereço por essas jóias, se se conservam todas em seu poder, sessenta contos de réis!

O Barreto ficou petrificado; entretanto, disfarçou como pôde a comoção, e despediu o joalheiro, dizendo que o procuraria na loja.

Logo que ficou só, encaminhou-se para o quarto da morta, e abriu a cômoda onde se achavam as jóias; mas ao vê-las sentiu uma onda de sangue subir-lhe à cabeça e caiu para trás.

Quando lhe acudiram estava morto.

Fonte:
CD Rom Livros Eletronicos. Digerati.
Imagem = http://www.territoriofeminino.blogtv.uol.com.br/

terça-feira, 13 de julho de 2010

Rubem Alves (Jardim)


Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos "conhecimento de palavras e ignorância da Palavra". A poesia é uma busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo. Eu acho que Deus, ao criar o universo, pensava numa única palavra: Jardim! Jardim é a imagem de beleza, harmonia, amor, felicidade. Se me fosse dado dizer uma última palavra, uma única palavra, Jardim seria a palavra que eu diria.

Depois de uma longa espera consegui, finalmente, plantar o meu jardim. Tive de esperar muito tempo porque jardins precisam de terra para existir. Mas a terra eu não tinha. De meu, eu só tinha o sonho. Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes de existirem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou realidade, revelação de nossa verdade interior escondida, a alma nua se oferecendo ao deleite dos outros, sem vergonha alguma... Mas os sonhos, sendo coisas belas, são coisas fracas. Sozinhos, eles nada podem fazer: pássaros sem asas... São como as canções, que nada são até que alguém as cante; como as sementes, dentro dos pacotinhos, à espera de alguém que as liberte e as plante na terra. Os sonhos viviam dentro de mim. Eram posse minha. Mas a terra não me pertencia.

O terreno ficava ao lado da minha casa, apertada, sem espaço, entre muros. Era baldio, cheio de lixo, mato, espinhos, garrafas quebradas, latas enferrujadas, lugar onde moravam assustadoras ratazanas que, vez por outra, nos visitavam. Quando o sonho apertava eu encostava a escada no muro e ficava espiando.

Eu não acreditava que meu sonho pudesse ser realizado. E até andei procurando uma outra casa para onde me mudar, pois constava que outros tinham planos diferentes para aquele terreno onde viviam os meus sonhos. E se o sonho dos outros se realizasse, eu ficaria como pássaro engaiolado, espremido entre dois muros, condenado à infelicidade.

Mas um dia o inesperado aconteceu. O terreno ficou meu. O meu sonho fez amor com a terra e o jardim nasceu.

Não chamei paisagista. Paisagistas são especialistas em jardins bonitos. Mas não era isto que eu queria. Queria um jardim que falasse. Pois você não sabe que os jardins falam? Quem diz isto é o Guimarães Rosa: "São muitos e milhões de jardins, e todos os jardins se falam. Os pássaros dos ventos do céu - constantes trazem recados. Você ainda não sabe. Sempre à beira do mais belo. Este é o Jardim da Evanira. Pode haver, no mesmo agora, outro, um grande jardim com meninas. Onde uma Meninazinha, banguelinha, brinca de se fazer Fada... Um dia você terá saudades... Vocês, então, saberão..." É preciso ter saudades para saber. Somente quem tem saudades entende os recados dos jardins. Não chamei um paisagista porque, por competente que fosse, ele não podia ouvir os recados que eu ouvia. As saudades dele não eram as saudades minhas. Até que ele poderia fazer um jardim mais bonito que o meu. Paisagistas são especialistas em estética: tomam as cores e as formas e constróem cenários com as plantas no espaço exterior. A natureza revela então a sua exuberância num desperdício que transborda em variações que não se esgotam nunca, em perfumes que penetram o corpo por canais invisíveis, em ruídos de fontes ou folhas... O jardim é um agrado no corpo. Nele a natureza se revela amante... E como é bom!

Mas não era bem isto que eu queria. Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora; era a poética dos espaços de dentro. Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas. Em busca do tempo perdido... Uma pessoa, comentando este meu jeito de ser, escreveu: "Coitado do Rubem! Ficou melancólico. Dele não mais se pode esperar coisa alguma..." Não entendeu. Pois melancolia é justamente o oposto: ficar chorando as alegrias perdidas, num luto permanente, sem a esperança de que elas possam ser de novo criadas. Aceitar como palavra final o veredicto da realidade, do terreno baldio, do deserto. Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade. Entendem agora por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim ele teria que ser capaz de sonhar os meus sonhos...

Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso que espera... Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas... Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se perdeu. Pois, como o disse o místico medieval Angelus Silésius:

Se, no teu centro
um Paraíso não puderes encontrar,
não existe chance alguma de, algum dia,
nele entrar.

Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino:

"No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta."

Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).

Fonte:
Casa de Rubem Alves.

domingo, 11 de julho de 2010

Luis Fernando Verissimo (Clic)



Cidadão se descuidou e roubaram seu celular. Como era um executivo e não sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o número do telefone. Atendeu uma mulher.

— Aloa.

— Quem fala?

— Com quem quer falar?

— O dono desse telefone.

— Ele não pode atender.

— Quer chamá-lo, por favor?

— Ele está no banheiro. Eu posso anotar o recado?

— Bate na porta e chama esse vagabundo agora.

Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se. Ligou de novo.

— Aloa.

— Escute. Desculpe o jeito que eu falei antes. Eu preciso falar com ele, viu? É urgente.

— Ele já vai sair do banheiro.

— Você é a...

— Uma amiga.

— Como é seu nome?

— Quem quer saber?

O cidadão inventou um nome.

— Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou primo dele.

— Primo do Amleto?

Amleto. O safado já tinha um nome.

— É. De Quaraí.

— Eu não sabia que o Amleto tinha um primo de Quaraí.

— Pois é.

— Carol.

— Hein?

— Meu nome. É Carol.

— Ah. Vocês são...

— Não, não. Nos conhecemos há pouco.

— Escute Carol. Eu trouxe uma encomenda para o Amleto. De Quaraí. Uma pessegada, mas não me lembro do endereço.

— Eu também não sei o endereço dele.

— Mas vocês...

— Nós estamos num motel. Este telefone é celular.

— Ah.

— Vem cá. Como você sabia o número do telefone dele? Ele recém-comprou.

— Ele disse que comprou?

— Por que?

O cidadão não se conteve.

— Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo? Roubou. De mim!

— Não acredito.

— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do banheiro e pergunta.

— O Amleto não roubaria um telefone do próprio primo.

E Carol desligou de novo.

O cidadão deixou passar um tempo, enquanto se recuperava. Depois ligou.

— Aloa.

— Carol, é o Tobias.

— Quem?

— O Taborda. Por favor, chame o Amleto.

— Ele continua no banheiro.

— Em que motel vocês estão?

— Por que?

— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do Amleto...

— Recém nos conhecemos.

— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade. O Amleto pode Ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?

— Esta é a primeira vez.

— Vocês nunca tinham se visto antes?

— Já, já. Mas, assim, só conversa.

— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade você não sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.

— Pensei que fosse goiano.

— Ai esta, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por goiano...

— Não, não. Eu é que pensei.

— Carol, ele ainda está no banheiro?

— Está.

— Então sai daí, Carol. Pegue as suas coisas e saia. Esse negocio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. — Saia daí enquanto é tempo, Carol!

— Mas...

— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a amizade. Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol. Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.

— Ele esta saindo do banheiro.

— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.

Clic.

Dez minutos depois, o cidadão liga de novo.

— Aloa.

— Carol, onde você está?

— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.

— Carol, eu...

— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só brincadeira. Jurou que não vai fazer mais isso.

O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns segundos falou:

— Como ele vai devolver o telefone?

— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.

— Carol, não...

Mas Carol já tinha desligado.

O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.

—Aloa.

Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.

— Carol, é o Torquatro.

— Quem?

— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem na mão, esta me entendendo? Esse telefone que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse salafrário roubou meu celular!

— Mas ele disse que vai devolver na...

— Não existe Tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.

— Então você também mentiu!

— Carol...

Clic.

Cinco minutos depois, quando o cidadão se ergueu do chão, onde estivera mordendo o carpete, e ligou de novo, ouviu um "Alô" de homem.

— Amleto?

— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de descer do carro.

— Olha aqui, seu...

— Você já tinha liquidado com o nosso programa no motel, o maior clima e você estragou, e agora acabou com tudo. Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu. Em plena Cavalhada. Parabéns primo. Você venceu. Quer saber como ela era?

— Só quero meu telefone.

— Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não teria topado o programa. E se não fosse o celular, nós ainda estaríamos no motel. Como é que chama isso mesmo? Ironia do destino?

— Quero meu celular de volta!

— Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios, impressionar clientes, enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol...

— Ladrão

— Executivo

— Devolve meu...

Clic.

Cinco minutos mais tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca várias vezes. Atende uma voz diferente.

— Ahn?

— Quem fala?

— É o Trola.

— Como você conseguiu esse telefone?

— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou.

— Onde você está?

— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Trovar. Andei até pelo Paraguai.

— Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa por este telefone. Me diga onde você está que eu vou buscar.

— Bem. Fora a Dalvinha, tudo bem. Sabe como é mulher. Quando nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo...

— Onde você está? Eu quero saber onde!

— Aqui mesmo, embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...

Fontes:
VERÍSSIMO, Luis Fernando. As Mentiras que os Homens Contam. RJ: Objetiva, 2000.
Imagem = http://doisdedosdeprosa.wordpress.com

Direitos Aurtorais e de Acesso à Cultura


Artistas, produtores cultuais, ativistas sociais e todo o cidadão interessado podem contribuir com elaboração da nova lei do direito autoral, através do processo instituído pelo Ministério da Cultura, chamado de Consulta Pública para a Modernização da Lei do Direito Autoral, a Lei nº 9.610/98. Este canal de consulta e participação permanecerá aberto até o dia 14 de julho.

A idéia é convidar toda a sociedade a se envolver e aperfeiçoar o texto do projeto, que busca assegurar a efetiva realização do direito autoral e a garantir o direito de acesso da população às obras de autoria. Como justificativa, o MinC cita o estudo de 1998, formulado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), revelando que os os setores impactados direta ou indiretamente pela criação das obras intelectuais representaram 6,7% do PIB do Brasil, o que exige maior equilíbrio oferecido pelas garantis da Lei do Direito Autoral com os interesses das pessoas. Entre as muitas mudanças sugeridas pelo projeto elaborado pelo Minc, está a correção de algumas distorções existentes na atual legislação, que é de 1973, que pode penalizar criminalmente, por exemplo, atitudes corriqueiras como a simples cópia de um CD para outra mídias.

A seguir, algumas das principais pontos da mudança sugerida:

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O que muda para o Autor:
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Maior controle da própria obra
: o novo texto torna explícito o conceito de licença (autorização para uso sem transferência de titularidade). No caso dos contratos de edição, necessários para exploração comercial das obras, não serão admitidas cláusulas de cessão de direitos. A cessão de direitos terá de ser feita em contrato específico para isso.

Reconhecimento de autoria: arranjadores e orquestradores, na música, e diretores, roteiristas e compositores da trilha sonora original, nas obras audiovisuais, passam a ser reconhecidos de forma mais clara como autores das obras.

Obra encomendada: o criador poderá recobrar o direito em certos casos; terá garantia de participação em usos futuros não previstos; e poderá publicá-la em obras completas.

Prazo de proteção das obras: continua de 70 anos. Nas obras coletivas, será de 70 anos a partir de sua publicação.

Supervisão das entidades de gestão coletiva: associações de todas as categorias e o escritório central de arrecadação e distribuição de direitos de execução musical devem buscar eficiência operacional, por meio da redução dos custos administrativos e dos prazos de distribuição dos valores aos titulares de direitos; dar publicidade de todos os atos da instituição, particularmente os de arrecadação e distribuição.
Elas terão ainda de manter atualizados e disponíveis o relatório anual de suas atividades; o balanço anual completo, com os valores globais recebidos e repassados; e o relatório anual de auditoria externa de suas contas.

Instância para resolução de conflitos: será criada uma instância voluntária de resolução de conflitos no âmbito do Ministério da Cultura. Hoje, conflitos relacionados aos direitos autorais só podem ser resolvidos na justiça comum.
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O que muda para os cidadãos:
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Acesso à cultura e ao conhecimento: haverá novas permissões para uso de obras sem necessidade de pagamento ou autorização. Entre elas: para fins didáticos; cineclubes passam a ter permissão para exibirem filmes quando não haja cobrança de ingressos; adaptar e reproduzir, sem finalidade comercial, obras em formato acessível para pessoas com deficiência.

Reprodução de obra esgotada: está permitida a reprodução, sem finalidade comercial, das obras com a última publicação esgotada e também que não têm estoque disponível para venda.

Reprografia de livros: haverá incentivo para autores e editoras disponibilizarem suas obras
para reprodução por serviços reprográficos comerciais, como as copiadoras das universidades. Cria-se para isso a exigência de que haja o licenciamento das obras com a garantia de pagamento de uma retribuição a autores e editores.

Cópias para usos privados: autorizadas as cópias para utilização individual e não comercial das obras. Por exemplo, as cópias de segurança (backup); as feitas para tornar o conteúdo perceptível em outro tipo de equipamento, isto é, para fins de portabilidade e interoperabilidade de arquivos digitais. Medidas tecnológicas de proteção (dispositivos que impedem cópias) não poderão bloquear esses atos.

Segurança para o patrimônio histórico e cultural: instituições que cuidam desse patrimônio poderão fazer reproduções necessárias à conservação, preservação e arquivamento de seu acervo e permitir o acesso a essas obras em suas redes internas de informática. Não se trata de colocar as obras disponíveis na internet para acesso livre.
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O que muda para os investidores:
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Punição para quem paga jabá: o pagamento a rádios e televisões para que aumentem a execução de certas músicas será alvo de punição, caracterizada como infração à ordem econômica e ao direito de acesso à diversidade cultural.

Remuneração aos produtores de obras audiovisuais: produtores de obras audiovisuais passam a ter direito de remuneração pela exibição em cinemas e emissoras de televisões.

Permissão para explorar obras de acesso restrito: passam a ter a possibilidade de pedir uma autorização para comercializar obras que estejam inacessíveis ou com acesso restrito. Para isso, devem solicitar ao Estado a licença não voluntária da obra.

Estímulo a novos modelos de negócios no ambiente digital: prevê claramente direitos em redes digitais, definindo a modalidade de uso interativo de obras e a quem cabe sua titularidade. As mudanças no texto darão mais segurança para que os titulares se organizem para exercerem seus direitos e melhorarão a relação entre autores, usuários, consumidores e investidores. Dessa forma, essa revisão já coloca o funcionamento da economia digital no Brasil no rumo certo e prepara as bases para uma discussão mais ampla, que deverá ser feita nos próximos anos no mundo todo.

Com base nas contribuições recebidas, o governo federal promete consolidar o texto final do anteprojeto de lei que será encaminhado ao Congresso Nacional ainda em 2010.


Vicência Jaguaribe (Na Palma da Minha Mão )


Na palma da minha mão,
Cabe, irmão, a felicidade e a alegria
Que, com ousadia, não pedem para entrar.

Na palma da minha mão,
Cabe, irmão, a esperança verde e lustrosa
Que, nervosa, pede licença para falar.

Na palma da minha mão,
Também cabe, irmão, aquele amor
Que, ditador, um dia me deixou aflito.

Na palma da minha mão,
Cabem, irmão, as estrelas do céu e as do mar
Que vão se multiplicar pelo tempo infinito.

Na palma da minha mão só não cabem,
Irmão, a dor da perda e a angústia da solidão.

Como esconder essa dor e essa angústia,
Que com furor por entre os dedos escapam?
No solo se infiltram?
Por baixo da porta vasam?
As paredes escalam?
O ar contaminam?
Os rios e os oceanos emporcalham?

- Sinto muito,
Mas não há como escondê-las.
Só resta incinerá-las
E as cinzas, ao vento lançá-las.

Fontes:
Editora Protexto

Carlos Alberto Omena (Crime na Mansão)


De repente, quebrando o silencio daquela madrugada fria e chuvosa, ouve-se um grito estridente de pavor seguido de dois estampidos de revolver, saindo de uns dos inúmeros cômodos da mansão do Sr. Marques.

O Sr. Marques com a idade já beirando os 60 anos, mas com aparência de 50, era um empresário bem sucedido, muito rico e poderoso, enérgico, rigoroso, mas um bom coração, gostava de tratar bem os empregados da casa e funcionários de suas empresas. Sempre que algum deles aparecia com algum problema, o Sr. Marques tratava logo de ajudá-lo, pois entendia que se o funcionário estivesse bem, seus negócios também iriam bem e apesar de toda a sua fortuna, era um homem de atitudes muito simples. Não gostava de pompas, de festas badaladas, gostava de dirigir seu próprio carro, que alias não era novo, mas se sentia confortável com ele, comia no refeitório da empresa juntamente com seus funcionários, enfim, uma pessoa muito simples.

Ao contrario de sua esposa, dna. Vera, uma mulher muito bonita, esbelta e muito jovem pois tinha apenas 30 anos, metade da idade do Sr. Marques, que gostava de badalações, de festas, gastava dinheiro como se eles nascessem em arvores, mulher muito fútil ,gastava somente pelo prazer de gastar igualmente com seu filho Silas, um rapaz com 14 anos, muito mimado.
Dna. Vera odiava a maneira do Sr.Marques de ser e por conta disso as brigas eram constantes. Ela achava que pelo dinheiro e a posição que tinha, não deveria se misturar com os empregados,mas ele simplesmente ignorava os desmandos da mulher.

A mansão do Sr. Marques ficava numa rua muito arborizada, tipo daquelas que só se vê em filmes estrangeiros e tinha como vizinhos outras mansões não tão diferentes ou imponentes da dele. Os carros importados na garagens dava a real e nítida visão do poder aquisitivo dos moradores da rua. Nessa rua ficavam sempre a postos dois seguranças particulares, um de cada lado da rua e andando de um lado para outro, fazendo o patrulhamento da área.

A rua era regada pela tranqüilidade e paz, brindada por um silencio mórbido e às vezes assustador, principalmente ao cair da noite quando as luzes dos postes de iluminação sombreavam os muros altos das casas dando um ar ainda mais sombrio ao local.

E todo esse silencio e tranqüilidade fora quebrado naquela madrugada onde a garoa fina aliada a um frio gélido e cortante caia sobre a cidade por aquele grito pavoroso e os tiros.

Logo as luzes das mansões vizinhas começam a se acender e os moradores sem saber o que estava de fato acontecendo, dirigem-se ainda meio sonolentos à casa do Sr. Marques.

-Ninguém entra na casa antes da polícia chegar! Grita um.

- Mas se tiverem precisando de ajuda? Grita outro.

- Deve ter sido um assalto! Exclama mais um.

Minutos depois a policia chega à mansão, arromba a porta e entra encontrando em um dos cômodos da casa, mais precisamente no escritório o corpo inerte e já sem vida do Sr. Marques.

Ele fora morto com um tiro fatal na região da cabeça bem próximo ao ouvido.

Logo a notícia tomou conta da rua, deixando perplexa a multidão de vizinhos que se aglomerava diante da mansão, pois não acreditavam que um homem tão bom e generoso como aquele pudesse ter um fim tão trágico.

Quem teria assassinado aquele pobre homem? Ou teria sido suicídio?Afinal a arma foi encontrada na mão do morto. Essa era a pergunta dos curiosos e da policia que iniciava seu trabalho de investigação.

De cara a policia chega a conclusão de que assalto não teria sido, pois da casa nada foi roubado. Suicídio também não, tendo em vista a posição da arma e o tiro, pois segundo as testemunhas que ouviram os gritos e os tiros juraram terem ouvido dois disparos, fato que chamava atenção dos investigadores porque no corpo só fora encontrado uma perfuração e numa detalhada vistoria pelo escritório, palco da tragédia, não foi encontrado nenhum outro projétil.

Era um mistério.

Restava então interrogar parentes e empregados que moravam com ele e que estavam na mansão naquela noite.

Os primeiros a serem interrogados foram D.Vera, a esposa, e o filho Silas, que acabavam de chegar tão logo foram informados do ocorrido.

D.Vera e seu filho tinham saído cedo para uma visita a sua mãe, onde passaria a noite e só retornariam no dia seguinte.

Abalada e totalmente descontrolada, D.Vera mal podia falar, inclusive foi necessário a presença do médico da família para acalmá-la através de sedativos.

Depois vieram os empregados da casa: mordomo, cozinheira, faxineira, motorista. Todos um a um foram interrogados. E a cada interrogatório, mais difícil ficava a conclusão do caso, pois todos aparentemente inocentes poderiam ter cometido o crime.

Porque justamente naquela noite a esposa fora visitar a mãe, coisa que não fazia há meses?

Muito estranho e conveniente, inclusive porque nunca durante sua vida de casada dormiu fora de casa.

O mordomo tivera dias antes uma leve discussão com o patrão porque descobriu que ele mantinha um casso amoroso com a cozinheira e se utilizavam dos aposentos da empregada para seus encontros noturnos e o Sr. Marques por não admitir essa situação chamou-o às falas inclusive ameaçando-o de demissão caso perdurasse esses encontros, isso tornava o empregado e a serviçal também como suspeito do crime.

A faxineira alegou que dormia profundamente naquela noite e não viu e ouviu nada, mas, descobriu-se no entanto que ela entrou em casa por volta da 1 hora da madrugada,cerca de duas horas antes do crime pois jovem encontrava-se no portão lateral da casa com seu namorado Sebastião, jardineiro de uma das mansões vizinhas , que inclusive também tinha sido empregado do Sr. Marques alguns meses antes mas fora demitido após ameaçar bater no menino Silas,filho do patrão,por ter pisado no jardim onde trabalhava e estragado algumas flores.

Sebastião no dia de sua demissão estava muito nervoso e gritava muito pronunciando palavras obscenas, afrontando Sr.Marques, a Dna Vera chegando até a jurar vingança.

Para a polícia, estava ali um verdadeiro candidato a réu. Sebastião tinha todos os motivos e pelo seu jeito estourado, rude e violento e por já ter ido parar na delegacia uma vez por ter agredido um homem num bar da cidade tornou-se um suspeito em potencial, só faltava a confissão.

Mas e o segundo tiro? O que foi feito daquele projétil? A polícia não tinha a resposta ainda e isso intrigava os investigadores.

O único com álibi perfeito e que facilmente provou sua inocência no caso foi o motorista da casa.

Ele encontrava-se na casa de sua mulher juntamente com suas duas filhas depois que seu patrão dispensou seus serviços por aquela noite.

Mas apesar de ser considerado acima de qualquer suspeita tinha que ficar ali, participando de tudo, dando depoimentos, consolando a pobre viúva, tentando distrair Silas, que se encontrava desolado. O motorista era muito querido por todos na casa, por sua conduta sempre seria e responsável e pelo seu comportamento amável e prestativo.

Enquanto o entra e sai da policia e dos vizinhos curiosos continuava, o corpo do Sr. Marques permanecia ali estendido no chão e coberto com um lençol que já não era mais branco devido ao sangue que verteu de suas têmporas.

A primeiro plano, para os investigadores,o caso estava prestes a ser resolvido pois para eles o raciocínio utilizado era que Dna Vera cansada do controle do marido sobre seus gastos e por estar ainda na flor da idade, e a repressão devido as festas que dava na mansão, planejou o crime e contratou Sebastião,o jardineiro, a executá-lo. Pronto. Estava ali a solução do enigma.

Agora era só fazer a acareação ,colocar os dois um em frente do outro e aguardar que eles confessassem, simples.

Mas...e o outro projétil?

O dia já estava clareando e aquela chuva fina acompanhada do frio teimava em cair chegando até a trazer um certo desconforto, quando de repente entra na sala, vindo dos fundos da casa, uma mulher completamente encharcada , com suas vestes sujas de lama, carregando algo no colo enrolado num cobertor.

Todos se viram para a mulher, atônitos e sem entenderem nada . Ela, sem falar nada, completamente atordoada, com ar de sofrimento estampado no rosto totalmente desfigurado pela chuva e lama, caminha lentamente como se estivesse dopada e parecendo um zumbi , aproximou-se do corpo do Sr. Marques, abaixou-se, levantou o lençol que cobria seu rosto, acariciou-o carinhosamente ,deu-lhe um beijo , depositou o pacote que carregava junto ao corpo, cobriu-o novamente e levantou-se calmamente em direção dos policiais e num tom sereno e anestesiado fala:

- Pronto. Agora está tudo acabado; e desmaia.

Refeitos do susto e do clima sheaskeperiano que se instalara naquele momento, o médico da família que ainda se encontrava na casa reanima a mulher. Foram minutos de muita emoção e tensão.

Já reanimada e envolta de uma colcha para que se aquecesse pois estava tremendo muito de frio devido a chuva que pegara, a mulher começa a falar:

-Meu nome é Mirtes, eu entrei nessa casa enquanto todos estavam dormindo, já fizera isso antes, depois que sai fiquei assustada e me escondi num canto próximo a casa dos empregados atrás de uma árvore grande.

- Sabe, eu fui amante do Sr.Marques por muitos anos, eu era muito feliz ao lado dele ate o dia em que ele descobriu tudo. A partir daí ele mudou totalmente comigo, não me procurava mais, mandava recados que estava ocupado e por isso eu vim aqui hoje trazer o presente que ele tanto queria e por isso me chantageava.

- Isso mesmo, eu estava sendo vítima de chantagem por parte dele. Ele dizia que se eu não entregasse o que lhe pertencia, ia acabar comigo e ia conseguir a qualquer custo me tomar o que achava que era seu.

-Inclusive tentou me comprar, oferecendo-me muito dinheiro e eu não aceitei.

Todos estavam paralisados diante daquela confissão e ainda sem entenderem nada. E ela continuou num tom mais seguro e firme e agora mais amargurada.

- Eu entrei aqui de madrugada para dar um fim em tudo isso, pois já não aguentava mais a pressão sofrida por esse monstro, então vim aqui dar-lhe finalmente o presente que ele tanto queria, dar-lhe o que achava que era só seu.

Fui eu, sr. delegado, quem deu os tiros, fui eu ! gritou histericamente a mulher.

- Primeiro nós discutimos, ele estava irredutível, então no auge da discussão ele me arrancou dos braços o que eu havia lhe trazido dizendo que não ia levar de volta, foi ai, dr.que eu fiz a besteira.

- Tomada pelo ódio e vendo parte da minha vida sendo arrancada de mim não pestanejei. Peguei a arma que trouxera na bolsa, fechei os olhos e atirei. Atirei duas vezes.

-Mas o destino brincou comigo, eu errei um dos tiros. Um dos tiros não acertou onde devia.
Nesse momento, Mirtes levanta-se da cadeira onde estava sentada, caminha novamente ao encontro do corpo do Sr. Marques, de novo abaixa-se e levanta o cobertor que embrulhava o pacote que trouxera.

Todos arregalam os olhos, como se não acreditassem no que estavam vendo e continua:

- Esse era o presente que ele queria tomá-lo de mim. Ele queria só para ele.

- Esse era nosso filho!

Todos chocados com a cena dantesca que presenciavam não puderam deixar de notar um fato.
O bebê enrolado no cobertor tinha uma perfuração próximo ao coração.

Era o segundo tiro que faltava.

Neste exato momento e diante desse clima de grande tensão, rouba a cena um outro grito que invade completamente o ambiente, misturando a ficção com a realidade:

- Corta! Beleza pessoal, ficou perfeito. Amanhã continuaremos com as filmagens...

Fonte:
Editora Protexto

Marcia Sanchez Luz (Poemas Avulsos)


REMENDOS

Muitos são pequenos excertos
De grandes paixões
De poemas que falam
O que minha boca cala.
Muitos são pequenos remendos
De poucos retalhos
Que consegui obter
A duras penas.
Poucos são grandes acertos
Que me dispus a contar
Nas noites de insônia
Nos dias chuvosos
Nublados
Turvos
Frios.

O AMOR NO SONHO

O amor é tão perfeito quando durmo,
que mal me dá vontade de acordar!
Mas não tem jeito – o dia vem soturno
e o sonho acaba. É duro acreditar.

O amor no sonho é como o deus Saturno,
num farto, afoito e intenso festejar;
o adeus ao laço – algoz e taciturno –
que avilta, agride e evita o libertar.

O amor de sonho é sempre um aconchego;
permite ao colibri (que não descansa)
um beijo à flor que finge desapego.

Amor assim é sábado constante;
acalma o que guardado a dor alcança
e afasta a realidade lancinante.

RÉQUIEM PARA UM HOMEM SIMPLES, BRASILEIRO

Não dá pra não chorar por quem partiu
e que passou por nós deixando amor
em gestos simples como aguar a flor
e dar-se inteiro, mesmo que febril.

Não dá pra não chorar homem gentil,
que mesmo fraco, retorcendo em dor,
tirava forças e perdia a cor
para seu mal fingir que era sutil.

Sua viagem hoje começou,
eu sei. E sei também que a dor findou,
que não mais pesa a sua grande cruz.

Entre as estrelas ele agora brilha,
e no infinito, eis que a sua trilha
é, finalmente, de alegria e luz!

LUA NEGRA

Amo demais que até ferida brota
na cálida, escondida lua negra
dos meus delírios (dor que desintegra
calma desnuda em chuva de gaivota).

Os olhos choram mares, geram grotas,
fabricam densa nuvem que se integra
ao corpo equivocado pela entrega
sofrida num adeus desfeito em gotas.

Amo demais, eu sei, mas o que faço
se de outro jeito não conheço o amor?
A minha sina é nunca combater

o que me atrai e gera descompasso.
Se por um lado existe o dissabor,
tenho da vida a flor que vi nascer.



Fonte:
Stammtisch Confraria e Patotas
. http://www.stmt.com.br/marcialuz.htm

Marcia Sanchez Luz em Xeque



Apresentação

Falar de Márcia Sanchez Luz é falar de modernidade, de contemporaneidade. Márcia é, com certeza, uma das mais frequentes escritoras na maior ferramenta de comunicação da atualidade , a internet – para nós, brasileiros – ou a WEB, para o resto do mundo.

Entretanto estar presente na internet pode não significar nada, como pode significar muito. Afinal, alguém já disse que a internet deixa passar o que há de pior e o que há de melhor qualidade do mundo. Bem, o espaço é livre e, enquanto livre, é lugar que todos podem freqüentar sem censuras.

E é aí que Márcia se diferencia. Márcia é o que de melhor qualidade a internet tem deixado acessar em termos de literatura. Sua poesia, seus sonetos, suas trovas, tudo em Márcia traz o selo da qualidade. Não é para menos que esteja presente em tantos sítios (ou sites para os poliglotas), além dos seus. E olha que ela tem sido publicada por gente de indiscutível qualidade. Não é por menos ainda que seus sites, de tão atraentes e de tanta qualidade têm sido agraciados com diversos prêmios.

Talvez porque Márcia escreva com a alma. Sua pena é dotada de sentimento. Pena viva, que respira, não como respiram os seres humanos, mas inspira, vagarosamente, para sentir o tocar suave da inspiração e expira para expelir, suavemente, em versos o que lhe ditam as emoções. E Márcia se faz... simplesmente poeta. Poetisa, melhor dizendo!

Márcia é isto e mais um pouco, mas deixemos que vocês possam senti-la em sua entrevista e em seus textos neste espaço. E já que este espaço se chama “Frühstück”, e já que “Frühstück” é um momento de pausa, quem sabe não é momento de deixar espaço para o escasso tempo de cada um a fim de que possam curtir nossa convidada, não?!
Luiz Eduardo Caminha

Entrevista

Vamos começar pelo clássico: Quem é Márcia Sanchez Luz definida por Márcia Sanchez Luz?

Uma pessoa simples na forma de viver, mas complexa e cheia de questionamentos acerca do mundo e da vida. Alguém que vive um dia de cada vez, como se cada dia fosse uma caixinha a ser aberta e descoberta a cada instante.
Dizem que sou zen... devo ser mesmo...rss... Não fico pensando no amanhã, como também não vivo o passado. Relembrá-lo já me basta.

Qual a sua profissão e quais as atividades em que você está envolvida atualmente?

Sou escritora, poeta, tradutora e professora de inglês e francês.

Quando e como começou o seu interesse pelas letras.

Acho que desde que me conheço por gente, Caminha. Aos nove anos já escrevia bastante, em especial poesias, pois tanto em casa como no colégio sempre tive muito contato com as letras. Quando pequena, enquanto todos os meus amigos iam ao clube, eu fazia longas caminhadas para chegar à Biblioteca Municipal e lá passava as tardes devorando livros. Àquela altura, já havia lido toda a coleção de Monteiro Lobato, assim como já declamava, timidamente, Fernando Pessoa (a escola onde estudei priorizava múltiplas atividades voltadas para a arte, entre elas teatro, literatura e música).

Em que aspectos ser poeta e escrever influencia ou influenciou a sua vida?

Não sei viver sem escrever, em especial poemas. Preciso disto como o ar que respiro. Assim, independente de ser ou não lida, escrever faz parte de mim. Mas é muito gratificante quando recebo e-mails e comentários de pessoas que me leem e dizem o quanto minha poesia faz diferença na vida delas! Este é meu maior presente – saber que minhas palavras tocam algumas almas.

Você já publicou algum livro? Qual o nome do primeiro, seu gênero (poesias? crônicas? contos?) e sobre o que tratava?

Tenho dois livros publicados pela Editora Protexto. O primeiro, “No Verde dos Teus Olhos”, foi lançado em 2007. Trata-se de uma coletânea de poesias, com prefácio de Airo Zamoner.

Como você se sentiu na época. O que significou aquela 1ª. Publicação para o seu ser escritora, poetisa...

Foi e ainda está sendo a realização de um sonho, o reconhecimento de meu trabalho – algo difícil num país com tanta falta de oportunidade em todos os sentidos, não só no que tange à Literatura.

Fale-nos um pouco de suas outras publicações.

Fui agraciada pela Editora Protexto, em 2008, em razão do sucesso de “No Verde dos Teus Olhos”, com a publicação de “Porões Duendes”, meu livro de sonetos, prefaciado por Leila Míccolis.

Poeta, escritora. Qual o gênero que você mais se identifica?

Adoro me comunicar através da poesia! É como digo em um de meus poemas, intitulado Expurgo:

Transborda em mim
a alma de poeta que,
mesmo em festa,
apura o que não presta.”

Sua experiência em publicações na Internet é riquíssima. Seu blog “O imaginário” é leve, solto, gostoso de navegar e mostra toda a sua sensibilidade para a poesia. Além destes há muitos outros em que você mesma é autora ou publica. Como começou isto tudo?

Obrigada, Caminha! Levo muito a sério tudo o que faço, estudo muito e trabalho cada poema como se fosse um filho.
Minha experiência com a internet começou no final de 2006, a partir de um contato que tive com Leila Míccolis, editora do Portal Blocos Online, para onde comecei a enviar minhas colaborações literárias. Até então, minha opção era pelo anonimato. Em abril de 2007, fui convidada a participar da antologia digital “Saciedade dos Poetas Vivos”, de Blocos.
Como a internet é um espaço democrático, achei que seria interessante divulgar poesia e torná-la algo mais acessível à população que não tem como escolher entre a comida e a leitura. Assim, decidi criar um blog, o “Márcia Sanchez Luz”, com o intuito de publicar não só meus poemas, mas também os de diversos escritores. Como não queria me ater só à poesia, optei por divulgar eventos e notícias culturais.
“O Imaginário” surgiu a partir da idéia de centralizar parte de minha obra em um blog, diferentemente do primeiro – o qual continuo sempre atualizando.
Como a interação com os leitores é grande e extremamente gratificante em blogs, comecei a pensar na possibilidade de reunir os melhores comentários em um outro espaço, o “Repercussão Literária – Fortuna crítica da obra de Márcia Sanchez Luz”, como uma forma de retribuir o carinho imenso que recebo de todos que me leem.
Quanto aos outros espaços que me divulgam, são todos blogs, sites e portais muito bons, o que para mim é uma honra. E fico muito feliz com essa divulgação. Afinal, as palavras tem força, ainda mais quando escritas. Não vejo modo mais eficaz de mudar a realidade.

Você acredita em Deus. O que isto significa em sua vida?

Deus é luz, amor, está presente em minha vida em todos os momentos – bons e ruins. Na verdade, Ele está presente em cada ser...é só prestar atenção. Ele vive nos dando alertas e dicas. Não acredito na Igreja como instituição, pois que feita pelos Homens; e cada um tem um modo de interpretar as palavras do Criador. O problema é que tem tanto maluco querendo ganhar dinheiro às custas da fé!

Você considera a Internet uma ferramenta que acabou por despertar a literatura? Há chances da literatura tomar mais impulso através deste instrumento?

Acho que me adiantei, não é mesmo? Eu quero crer que sim, Caminha! Os blogs são um bom exemplo disto, exatamente por terem ferramentas que possibilitam ao leitor interagir com o escritor. Nada melhor do que essa proximidade para estimular o hábito de ler. Leitura é alimento para a alma, é também fonte de aquisição de conhecimento, o que capacita o ser humano a atuar mais em sua realidade e saber-se agente transformador, sujeito apto a mudar sua condição no mundo. E esta conscientização deve vir através de diferentes fontes – a internet é hoje uma das mais acessíveis fontes de conhecimento, além de possibilitar escolhas diversas. O acesso à literatura pela internet tem até um caráter lúdico, o que estimula o leitor a buscar, a partir das referências encontradas (citações, links), outros espaços literários.

Que recado que você daria a todos os que gostam de escrever e ainda não tiveram uma oportunidade de publicar um livro?

Que leiam muito, muito mesmo. E sempre. E que escrevam muito também, encarando o ato de escrever como um exercício. Que entendam que escrever exige trabalho árduo e constante. O poema, depois de feito, precisa ser lapidado, o que demanda humildade, paciência e senso crítico por parte de quem o escreve. O mesmo se aplica ao texto linear.

Qual o recado que você daria a todos os escritores e poetas?

Não sei se daria algum recado. Talvez diria que precisamos nos unir no sentido de fortalecer a classe e fazer com que o escritor seja reconhecido profissionalmente.

Escrever, para você, significa mais uma auto-realização ou você acha que a literatura e os seus trabalhos podem servir para a realização dos leitores? Para a construção de consciências?

Escrever é tudo isso. A realização pessoal acontece em dois momentos distintos: ao terminar um poema e gostar do resultado do que antes estava na esfera do idealizado e sentido. O segundo momento é receber o retorno dos leitores, que carinhosamente afirmam a importância de meus poemas em suas vidas.

O que significou e significa a leitura em sua vida?

O alimento que meu espírito precisa. A leitura abre caminhos, sejam eles cognitivos ou oníricos.

Um gênio aparece em sua frente e lhe diz: Faça três pedidos que poderiam mudar o mundo. O que você pediria?

Que todos sejam vistos como seres especiais e capazes de grandes realizações. Que haja paz na humanidade. Que o respeito aos direitos fundamentais dos Homens sejam cumpridos; nisto incluo a alimentação, moradia e garantia de estudo e de assistência médica.

Vou lhe dar um mote: um verso de Jalaludin Rumi, um dos maiores poetas do mundo, um afegão, que viveu entre 1207-1273 no seu poema “Em um dia, quando o vento é perfeito”:

Em um dia, quando o vento é perfeito,
As velas apenas precisam abrir-se,
E o mundo se encherá de beleza.
Hoje é um dia como este.”

Agora é com você!

O vento vem chegando, é tão bem-vindo!
Vem vento, vem buscar os sonhos meus!
Não é preciso muito para o mundo
vir a tornar-se espaço só de paz.

Obrigado Márcia. Deus lhe abençoe. Seu recado final.

Eu é que agradeço, Caminha. Foi um prazer estar aqui com você. Espero ter correspondido às suas expectativas e lhe desejo todo o sucesso do mundo.
Queria aproveitar a oportunidade para deixar os links de meus blogs e do site para aquisição de meus livros, pode ser?

[Márcia Sanchez Luz] – http://marciasl2001.blogspot.com
[O Imaginário] – http://poemasdemarciasanchezluz.blogspot.com
[Repercussão Literária] – http://marciasanchezluz.blogspot.com
[No Verde dos Teus Olhos] - http://www.protexto.com.br/livro.php?livro=145
[Porões Duendes] - http://www.protexto.com.br/livro.php?livro=197

Fonte:
Stammtisch Confraria e Patotas.
http://www.stmt.com.br/marcialuz.htm