sábado, 7 de agosto de 2010

Pedro César Batista (Lançamento do Livro de Poemas “Candeeiro do Tempo”)


Candeeiro do tempo – é uma coletânea de poemas dividida em três tempos, cada um representando uma década. Fala das utopias que ainda existem para o autor. Sonhos que marcaram sua caminhada da adolescência aos dias atuais na busca de um mundo melhor, usando como principal arma a palavra escrita, tornando a poesia combustível para animar a alma e a esperança.

O livro é uma síntese do trabalho poético de Pedro César Batista. Começou a publicar ainda na geração que ficou conhecida como do mimeógrafo, no final da década de 1970, quando residia em Brasília. Na abertura de seu primeiro livro Tudo tem, no poema “Gritemos”, escreve: “O poder tem os canhões. Nós temos o grito”. Um garoto que declamava seus versos em defesa da liberdade e contra a tortura dos militares que insistiam em ficar no poder.

Vieram outros títulos com poemas, biografias e um romance. Seus poemas sempre usaram a metáfora para falar da utopia por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Poesia e prosa comprometidas com a vida.

Em Candeeiro do tempo – Poemas volta a mostrar sua veia poética, com poemas como “Iluminado”: “Toda luz vem do céu/ da boca aberta, faminta / por sonhos e beijos”, destacado pelo prefaciador como “pensa e age o poeta cidadão”.

Na apresentação de seu novo livro, Pedro César Batista escreve que Candeeiro do tempo – Poemas são “três partes que desnudo, mostrando-me, assim, fatiado, apesar de tentar ser inteiro na direção” que vem trilhando com seus livros e em sua vida. Na primeira parte do livro, em Tempos áridos, tem poemas escritos até 1989. Tempo de Germinar, a segunda, poemas elaborados até 2003 e em Sementes do amanha, poemas escritos na década que atual. Em Manhas de domingo de abril retrata Brasília, onde “muitos seguem no asfalto do eixão, passando sobre as marcas bem definidas das freiadas bruscas e desesperadas antes dos pardais”. Em Cetro do Rei escreve que “a frieza toma conta dessa humanidade, que disso nada tem, somente deseja o cetro do rei”. “Não quero o lucro, nem o mercado, nem o cercado do consumo”, desabafa em Chamado.

Candeeiro do tempo – Poemas é prefaciado pelo jornalista Guido Heleno, com capa e ilustração de Léo Pimental.

O autor é jornalista, escritor e poeta, pauta sua carreira em temas sociais, políticos e em questões relacionadas aos Direitos Humanos. Candeeiro do tempo – Poemas é seu 14º livro.

Publicou ainda
Tudo tem – poemas (1979),
E ai – poemas (1980),
Poesia Matutaí – poemas (1982),
Letras Livres – poemas (1982),
Coração de Boi – poemas (1983),
Sonhos reais – poemas (1997) e
63 poemas de amor para uma flor dos pampas no cerrado (2004).

Participou das coletâneas
Revoada de poetas em Ilhéus (1980) e
Enluadonovo (1983).

Em 1991 escreveu Conivência e Impunidade (CEPE);
em 2004, Gilson Menezes, o operário prefeito e ,
em 2008, João Batista, mártir da luta pela reforma agrária.
Em 2006 lançou o romance Marcha interrompida.

Sua atividade profissional tem sido assessorar os movimentos sociais. Integra a Organização Não Governamental Movimento de Olho na Justiça.

Serviço:
Candeeiro do tempo – Poemas – 115 páginas
Verbis Editora – Brasília – DF

Contatos e pedidos:
Pedro Batista (61) 9162 6682 - pcbatis@gmail.com

Fonte:
Poetas del Mundo

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Paulo Leminski (Pareça e Desapareça)


Parece que foi ontem.
Tudo parecia alguma coisa.
O dia parecia noite.
E o vinho parecia rosas.
Até parecia mentira,
tudo parecia alguma coisa.
O tempo parecia pouco,
e a gente se parecia muito.
A dor, sobretudo,
parecia prazer.
Parecer era tudo
que as coisas sabiam fazer.
O próximo, eu mesmo.
Tão fácil ser semelhante,
quando eu tinha um espelho
pra me servir de exemplo.
Mas vice versa e vide a vida.
Nada se parece com nada.
A fita não coincide
Com a tragédia encenada.
Parece que foi ontem.
O resto, as próprias coisas contem.

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Travessia)


Peguei o rumo da estrada
Marcando firme o compasso
E fui buscar meu espaço
No romper da madrugada.

Atravessei as cancelas,
Saltei valas e valões,
Abri portas e janelas,
Penetrei pelas favelas,
Andei muitos quarteirões.

Busquei fé e esperança,
Dividi o pão que tinha,
Rezei muitas ladainhas,
Pedi a DEUS proteção...
Dei o abraço apertado
No meu tão sofrido irmão!

Passei fome, senti sede,
Pisei em pedras e espinhos,
Nunca fugi dos caminhos
Que pela vida encontrei
Pois quem foge é covarde
E eu nunca me acovardei.

Fui em busca de um amor,
Movido pela paixão.
Machuquei meu coração,
Que tanto tinha pra dar,
Mas fingi não sentir dor
Conjugando o verbo amar.

Fonte:
Colaboração do Poeta

Moreira Campos (As Vozes do Morto)


É possível acreditar nas vozes do morto. Elas devem estar em tudo. Na maneira simplória de Seu Damião, na sua aquiescência, nos seus monólogos e no seu próprio declínio. Ele emagrece sob o enorme paletó caqui. Urina no quintal da sapataria e as formigas miúdas, infinidade delas, vêm sugar o açúcar nas bordas do líquido. Seu Damião toma regularmente uma pílula e bebe água no copo de madeira medicinal, que guarda na prateleira por trás das caixas de sapatos. Mas perde peso: a pele do rosto se desprega a papada. Dança dentro da roupa. Dança todo, por sestros também, que ele é simplório. Leva sempre as mãos à cabeça, escusando-se. Ou melhor, não sabe onde pôr as mãos grandes. Põe-nas na cabeça redonda (cabelo cortado à escovinha) ou as esfrega uma na outra. Parece traduzir nos seus trejeitos um permanente pedido de desculpas por tudo que fez e pelo que não fez. Perdão até de se ter casado com Dona Leonor, que, novinha (e não agora, aquela máscara de pó), não era para se ter dado a ele, um sapateiro de origem, impregnado pelo cheiro da sola, os dedos curtos e chatos grudados de verniz. Dona Leonor estudou em colégio de freiras, segundo ela mesma diz, sem propósito de diminuir o marido. Apenas uma alusão saudosa a outra época:

– A meninice da gente.

Somente isso, com os olhos grandes calmamente perdidos na distância. Ainda hoje experimenta o velho piano na sala, encimado pela toalhinha e pelo jarro de flores artificiais, onde já dormitam moscas, quietas, e reclama os seus dedos:

– Já não são os mesmos!

Tem um riso brando na máscara branca do rosto e tem também na sala de casa uns quadros seus, estudos a óleo natureza morta e um pôr de sol. Vem daí certamente, senão uma inibição, pelo menos aquela dúvida de Seu Damião diante da mulher. O jeito seu de, em presença de visitas ou pessoas mais importantes (como se não coubesse entre elas), não externar idéia de maior responsabilidade sem antes consultar Dona Leonor por cima dos seus óculos grossos de míope. Como que teme dizer inconveniência ou mesmo disparate, ele tão grosso! Mas Dona Leonor aprova. Então ele leva as mãos repetidamente à cabeça, olhando para o chão ou para os pés:

– Pois muito bem! Muito bem!

Ainda um dia desses, ao receber o casal inesperadamente ali na calçada, à noite, a visita de Dona Cristina, da casa em frente e mulher de Dr. Mário, que vinha para uma palavrinha ligeira (indagar se na sapataria tinha certo tipo de sandália), Seu Damião foi até precipitado. Procurou as chinelas debaixo da cadeira de vime, quase espatifando os óculos. Finalmente calçou um dos pés, e o mais que pôde foi proteger-se por trás da cadeira. E isso tudo porque estava de pijama, assim íntimo! Pedia desculpas, cobria-se e ainda tapava a braguilha com a mão sem necessidade:

– Ora!

– Está em casa, Seu Damião!

– Ora!

E por isso mesmo, e por muitas coisas mais, não se pode a rigor conciliar Seu Damião com a morte do outro. Mas o fato é conhecido e ainda murmurado, apesar do tempo:

– Seu Damião já matou um.

– Sei.

– Por causa da mulher.

– Sei.

Evidentemente um desastre, que teve de fechar sua casa de negócio em Belém do Pará, sapataria de luxo, vindo para aqui, onde reabriu oficina modesta, mas limpa, pegada à sua casa: o bom arranjo das prateleiras, a cortina de gorgorão vermelho na porta do centro do escritório. E ali no balcão Seu Damião recebe a freguesia, surpreendido sempre por cima dos óculos grossos:

– Ah!

Dona Leonor, empoada, funciona na registradora:

– O troco, minha filha.

É delicada.

Possível sem dúvida acreditar nas vozes do morto. Estarão presentes sobretudo nos monólogos de Seu Damião. Os trejeitos, o tique nervoso dos olhos, ajeitando os óculos, os repetidos gemidos, dar de ombros ou a rabiçaca brusca do pescoço. Particularmente enquanto toma a sua pílula. É como se conversasse com o próprio vidro de remédio:

– Ahn... ahn!

Essas vozes, para no fim admitir-se também a inutilidade de tudo, Dona Leonor continuou a ter amante. Uma preferência por rapazes, quando mais nova. Mas chegou a aceitar o chofer do ônibus, que faz ponto na esquina sob o grande tamarindo. Esse tinha bigode caprichado e usava costeletas. Escorava-se no tronco do tamarindo, em conversa com outros, os condutores. Dilatava tempo de partida. Dona Leonor, disfarçada, mãos para trás, vinha até a porta da sapataria, num toque leve do cabelo curto. Olhares, Uma ordem qualquer que ela repentinamente quase gritava lá para dentro, para as oficinas, sem muita convicção, talvez apenas para se fazer mais presente. O das costeletas acendia mais um cigarro. Movimentos, todos esses, que eram vigiados por Mercedes, a solteirona da casa próxima. Vigiava-os pela banda de janela, e logo mais estabanadamente largava-se por dentro de casa, cantarolante e arrastando as chinelas:

– Ai, ai, meu Deus!

E depois do chofer, fugaz, veio este de agora, como que definitivo e já aceito pela vizinhança, Alfredo. Faz às vezes de gerente na sapataria. Dá ordem aos empregados. Unhas polidas, poupado de esforços. Será decerto ainda o substituto de Seu Damião no negócio, Dona Leonor muito ciosa dele, de sua saúde, do seu bem-estar, o que por vexes o aborrece:

– Ora, Leonor!

Isso, quando Seu Damião não está, ainda que, por cautela, olhe para os lados. Enfarado. Há de explorá-la: terá exigências, requintes. São sempre vistos os dois em tarde de sábado vindo no mesmo ônibus e na mesma poltrona, descem na esquina e voltam a brigar surdamente, Então os olhos grandes de Dona Leonor parecem aflitos.

– Vem cá, rapaz.

Ele dá de ombros:

– Não, não! Depois.

E larga-se, ela vem para casa trepada nos seus sapatos de salto alto, já pesada de passo, como se pisasse em ovos. A bolsa pendente do braço, a máscara de pó, os cabelos curtos de acaju, hoje mais amarelados. Cumprimenta grave, uma das vizinhas:

– Boa tarde.

– Boa tarde.

Mercedes, a solteirona da casa próxima, fecha devagar a banda de janela. E logo mais será noite, e com ela o isolamento e a decadência de Seu Damião, ao balanço lento de sua cadeira de vime na calçada. Urinou no quintal da sapataria, e as formigas miúdas, infinidade delas, vieram sugar o açúcar do líquido. Há de ter tomado também a sua pílula com regularidade. Põe água de molho no seu copo medicinal, que guarda na prateleira atrás das caixas de sapatos. E agora está ali na sua calçada, só, sozinho, sob o beiral baixo da casa. Dá repentinamente de ombros, ajeita os óculos e solta golpe brusco do pescoço:

– Ahn...ahn!

Possivelmente afugenta o morto e aceita a inutilidade de tudo. No mais, a rua é calma e mosquitos voejam em torno da lâmpada triste no poste da esquina, que ontem choveu.

Fontes:
http://universomoreiracampos.blogspot.com/2010/08/as-vozes-do-morto.html
Imagem = http://etablissements.ac-amiens.fr/

Moreira Campos (1914 – 1994)


José Maria Moreira Campos (Senador Pompeu, 1914 – Fortaleza, 1994)) ingressou na Faculdade de Direito do Ceará, bacharelando-se em 1946.

Em 1924 a família, após andanças pelo interior do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, por ser o pai construtor de estradas, fixa-se em Lavras da Mangabeira. Em 1930, passando por sérias dificuldades, mudam-se para Fortaleza. Em 30 de outubro, falece em Quixadá o pai do escritor, Francisco José Gonçalves Campos, aos 47 anos. Em abril de 1932, falece Adélia Moreira Campos, mãe do escritor, aos 47 anos.

Em 14 de dezembro de 1937, casa-se com Maria José Alcides Campos. Deste casamento, nascem três filhos: Natércia, Marisa e Cid.

Em 1943 dá-se a fundação do Grupo Clã. Em 1946 é bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Publica em 1949 Vidas Marginais.

No ano de 1957 sai Portas Fechadas.

Em 1958 recebe o Prêmio Artur de Azevedo, do Instituto Nacional do livro.

Em 1962 ingressa na Academia Cearense de Letras.

No ano seguinte, lança As Vozes do Morto. Em 1965 torna-se catedrático de Literatura Portuguesa do curso de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará.

Licenciou-se em Letras Neolatinas em 1967, na antiga Faculdade Católica de Filosofia do Ceará.

Exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará, Curso de Letras, como titular de Literatura Portuguesa. Integrante do Grupo Clã.

Em 1969 é publicado O Puxador de Terço.

Nos anos de 1970-1971 é chefe do Departamento de Letras Vernáculas, membro do Conselho Departamental da mesma unidade. Decano do Centro de Humanidades da UFC.

Em 1971 publica Contos Escolhidos, nos anos de 1973-1979 é escolhido Pró-reitor de Graduação da UFC.

Em 1976 publica Momentos.

Ingressa na Academia Cearense da Língua Portuguesa no ano de 1977 e recebe no mesmo ano a Comenda Senador Fernandes Távora da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.

No ano de 1978 publica Os 12 Parafusos.

No ano de 1981, sai os 10 Contos Escolhidos.

Seus Contos Escolhidos tiveram três edições, Contos foram editados em 1978 e Contos – Obra Completa se publicaram, em dois volumes, em 1996, pela Editora Maltese, São Paulo, com organização de Natércia Campos. Tem também um livro de poemas, Momentos (1976).

Ingressa na Academia Cearense da Língua Portuguesa no ano de 1977 e recebe no mesmo ano a Comenda Senador Fernandes Távora da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.

No ano de 1978 publica Os 12 Parafusos. No ano de 1981, sai os 10 Contos Escolhidos.

Em 1985 lança A Grande mosca no copo de leite.

Em 1987, Dizem que os cães vêem coisas.

Em dois de dezembro de 1992, recebe o título de professor emérito da Universidade Federal do Ceará.

No ano de 1993, no dia cinco de novembro, é agraciado com a Medalha da Abolição, a maior comenda concedida pelo governo do Estado do Ceará e recebe a placa de Honra ao Mérito da prefeitura Municipal de Fortaleza.

Falece aos 80 anos.

Em agosto, é instituída a Comenda “Moreira Campos” em Senador Pompeu, sua terra natal a ser entregue anualmente a três pessoas de destaque no município. os Encontros Literários do Departamento de Letras da UFC passam a se denominar “Moreira Campos”. É descerrada uma placa com o seu nome na sala dos professores do curso de Letras. Em novembro, é inaugurada a Sala Literária “Moreira Campos” no Palácio da Cultura.

Participou de diversas antologias nacionais. Algumas de suas peças ficcionais foram traduzidas para o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

Sua obra está estudada em importantes livros, como o de José Lemos Monteiro, intitulado O Discurso Literário de Moreira Campos, o de Batista de Lima, Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e outros mais abrangentes, como Situações da Ficção Brasileira, de Fausto Cunha; 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, de Temístocles Linhares; e A Força da Ficção, de Hélio Pólvora. Em jornais e revistas se estamparam quase uma centena de artigos e ensaios sobre os seus livros.

Fonte:
Colaboração de Nilto Maciel.

Ubiratã vai participar do Projeto Viva Leitura



Em solenidade realizada na última quarta-feira, dia 16, em Campo Mourão, foi lançado o Projeto Viva Leitura, que vai envolver os municípios da Comcam – Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão.

O município de Ubiratã esteve presente, através do prefeito Fábio D´Alécio e da Secretária de Educação Jane Pessoa. Ubiratã está incluído no projeto que vai proporcionar uma série de atividades, sempre visando um maior acesso aos bens culturais, através da leitura e outros eventos.

O projeto é realizado pela Regional 11 de Cultura em parceria com a Comcam – Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão, com recursos viabilizados Governo Federal, através do Ministério da Cultura, contando ainda com contrapartida do Município de Campo Mourão (Fundacam).

O deputado federal Ângelo Vanhoni e o diretor de Programas Integrados da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, Vinicius Cavalcante Palmeira, participaram da solenidade de assinatura do convênio, juntamente com o prefeito de Campo Mourão Nelson Tureck e do vice-presidente da Comcam, Fábio D`Alécio, que representou a entidade.

A coordenadora da Regional 11 de Cultura e secretária especial de Cultura de Campo Mourão, Sônia Singer, explicou sobre todas as etapas do projeto em que serão investidos R$ 420 mil, sendo R$ 336 mil do Ministério da Cultura e outros R$ 84 mil como contrapartida do município, parte em serviços.

Na ocasião o prefeito Fábio D´Alécio, que representou a Comcam, enalteceu o projeto que buscará resultados culturais incentivando a leitura em todos os municípios da região. Ele destacou a importância da parceria com os municípios, enquanto que Palmeira, o representante do Ministério da Cultura falou da melhoria da sociedade com atividades de leitura.

Também participaram da solenidade, a vice-prefeita de Campo Mourão, Regina Dubay; os prefeitos Osvaldo Changai (Quarto Centenário); João Pietrowski (Prefeito em exercício de Boa Esperança); vice-prefeitos Renato Toaldo (Araruna), Oscar Hayatawa (Altamira do Paraná) e Márcia Matozo (Mamborê), vereadores Ademir Franco de Lima, José Pochapski e Edoel Rocha; presidente da Adama, Luciane D´Alécio; diretora geral da Fundacam, Marlei Formentini e diretora da Secretaria de Cultura, Elza Paulino de Moraes; rainha da 20º Festa Nacional do Carneiro no Buraco Mariana Hernandes.

Fonte:
Jornal O Vale do Piquiri

Antonio Augusto de Assis (Luolhar)


Duas luas
viu Ismália
na noite em que enlouqueceu:
“viu uma lua no céu,
viu outra lua no mar”.

Bem mais louco,
vejo três,
quando me ponho a cismar:
a terceira é a que flutua
tentadoramente nua
na noite do teu olhar

Imagem obtida em http://mel-poemasepoesia.blogspot.com

Elisa Meirelles (Literatura na Educação Infantil: para começar, muitos livros)


Garantir o contato com as obras e apresentar diversos gêneros às crianças pequenas é a principal função dos professores de creche e pré-escola para desenvolver os comportamentos leitores e o gosto pela literatura desde cedo

Todos os especialistas concordam que, num país como o Brasil, a escola tem um papel fundamental para garantir o contato com livros desde a primeira infância: manusear as obras, encantar-se com as ilustrações e começar a descobrir o mundo das letras. É nas salas de Educação Infantil que você, professor, deve apresentar os diversos gêneros à turma. Nessa fase, o que importa é deixar-se levar pelas histórias sem nenhuma preocupação em "ensinar literatura". Ler para os pequenos e comentar a obra com eles é fundamental para começar a desenvolver os chamados comportamentos leitores.

POR QUE LER

Mesmo antes de aprender a ler, as crianças devem ser colocadas em contato com a literatura. Ao ver um adulto lendo, ao ouvir uma história contada por ele, ao observar as rimas (num poema ou numa música), os pequenos começam a se interessar pelo mundo das palavras. É o primeiro passo para se tornarem leitores literários - percurso que vai se estender até o fim do Ensino Fundamental.

QUEM LÊ

Como a maioria das crianças de creche e pré-escola não é alfabetizada, a leitura deve ser feita pelo professor. Mas é essencial deixar que todos manipulem os exemplares. Incentive-os a folhear as páginas, observar as imagens e os textos e levar as obras para casa.

COMO LER

Existem dois modelos básicos: o contato pessoal da criança com o livro, como foi explicado acima, e a roda de leitura, em que o professor lê para toda a turma. Nesse caso, é preciso sempre planejar a atividade, da escolha do texto às formas de interação. "A apresentação, a seleção e a preparação prévias, os motivos explicitados, a consideração do leitor, o incentivo aos comentários posteriores e o clima criado devem ser intencionais, e não obras do acaso", explica Virgínia Gastaldi, formadora do Instituto Avisalá, em São Paulo, no texto Quem Conhece Pode Escolher Melhor. Da mesma forma, o momento da leitura exige postura adequada, entonação de voz e uso correto das ilustrações para ajudar a conduzir a narrativa. No fim, é muito importante coletar as impressões da garotada, o que pode ser feito com perguntas simples: de qual parte da história cada um mais gostou (e por quê), o que chamou mais a atenção em cada personagem, qual ponto provocou mais alegria (ou medo, preocupação etc.). Esse momento de pensar sobre o que foi lido e expressar opiniões é um comportamento típico de quem gosta de ler - e vale para toda a vida. E não se esqueça de que essas opiniões podem (e costumam) ser diferentes. Essa troca também é boa para estimular os pequenos a aprender a ouvir o que os outros têm a dizer.

QUANDO LER

Já é amplamente sabido que a leitura deve ser uma atividade diária na Educação Infantil. Mas nunca é demais lembrar que as crianças pequenas não têm paciência para ficar muito tempo fazendo a mesma coisa. Portanto, reserve dez ou 15 minutos por dia no início dessa "caminhada". Sobrecarregar os pequenos pode transformar a hora da leitura num momento chato. E, aos poucos, vá aumentando esse tempo. À medida que criam o hábito da leitura, os pequenos começam a prestar atenção em histórias mais longas.

ONDE GUARDAR OS LIVROS

É muito comum cada sala de Educação Infantil ter um cantinho de leitura, com uma pequena estante. O ideal é que todo o acervo fique ao alcance das crianças (perto do chão e sem obstáculos entre obras e leitores). "Nessa fase da escolarização, o educador deve ensinar os cuidados básicos que devemos ter com o livro", diz Renata Junqueira, coordenadora do Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil Maria Betty Coelho Silva (CELLIJ), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Presidente Prudente.

O QUE LER

As histórias de ficção (como os contos de fadas) são as que mais encantam as crianças, mas é importante oferecer a elas diversas obras para que criem um repertório amplo. Como explica Renata, "os livros são um ótimo caminho para ampliar o universo cultural dos pequenos porque permitem entrar em contato com situações desconhecidas". Virgínia, em seu texto sobre a leitura na Educação Infantil, dá outra dica preciosa: "Preocupe-se com a qualidade literária, e não com o conteúdo moral". Isso não quer dizer que você pode escolher histórias amorais, mas que uma história bem escrita tem mais chances de prender a atenção de todos. Por isso, fique sempre com os textos que têm descrições ricas, misturem mistério e comédia e estimulem a imaginação, criando uma aventura interessante (no quadro abaixo, confira algumas indicações para turmas de Educação Infantil). E fuja dos materiais "escolarizados", cujo principal objetivo não é entreter a criançada, mas apenas ensinar que isso é o pato e aquilo é azul ou verde, sem nenhuma preocupação com a linguagem literária.

OS ERROS MAIS COMUNS

- Ignorar as opiniões das crianças. Ouvir as considerações da turma e estimular esse compartilhamento ajuda a criar o gosto pela literatura.

- Impor uma interpretação. Ao terminar o livro, o educador "resume" sua visão da história - e não percebe que ninguém é obrigado a ter a mesma opinião.

- Substituir o livro por figuras ou fantoches. Variar o modo de ler é desejável - mas não se pode esquecer que a hora de leitura precisa... de um livro.

- Ater-se aos clássicos. As crianças adoram os contos de fadas, mas é essencial apresentar outros gêneros, como a poesia.

Fonte:
Colaboração da Revista Nova Escola. Ed. 234. agosto 2010.

Lançamento da Antologia Literária Cidade - volumes IV, V e VI.

Antonio Cândido (Literatura e Cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiro) Parte 5 - final



Tendo feito a síntese interpretativa do movimento literário nos últimos cinquenta anos, podemos agora fazer algumas considerações sociológicas sobre a função da literatura na cultura brasileira e a sua posição atual.

Constatemos de início (como já tive oportunidade de fazer em outro escrito) que as melhores expressões do pensamento e da sensibilidade têm quase sempre assumido, no Brasil, forma literária. Isto é verdade não apenas para o romance de José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos; para a poesia de Gonçalves Dias, Castro Alves, Mário de Andrade, como para Um estadista do Império, de Joaquim Nabuco, Os sertões, de Euclides da Cunha, Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre — livros de intenção histórica e sociológica. Diferentemente do que sucede em outros países, a literatura tem sido aqui, mais do que a filosofia e as ciências humanas, o fenômeno central da vida do espírito.

O exemplo da sociologia é elucidativo a este respeito. Esboçados os trabalhos e a orientação sociológica desde o último quartel do século XIX, sobretudo com A mulher e a sociogenia, de Lívio de Castro, e alguns trabalhos de Sílvio Romero, o primeiro livro propriamente sociológico, no sentido estrito da palavra, só veio a aparecer entre nós em 1939: Assimilação e populações marginais no Brasil, de Emílio Willems. Antes, de Euclides da Cunha a Gilberto Freyre, a sociologia aparecia mais como "ponto de vista" do que como pesquisa objetiva da realidade presente. O poderoso ímã da literatura interferia com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil, e à qual devemos a pouco literária História da literatura brasileira —, de Sílvio Romero, Os sertões, de Euclides da Cunha, Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Viana, a obra de Gilberto Freyre e as Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Não será exagerado afirmar que esta linha de ensaio, — em que se combinam com felicidade maior ou menor a imaginação e a observação, a ciência e a arte — constitui o traço mais característico e original do nosso pensamento. Notemos que, esboçada no século XIX, ela se desenvolve principalmente no atual, onde funciona como elemento de ligação entre a pesquisa puramente científica e a criação literária, dando, graças ao seu caráter sincrético, uma certa unidade ao panorama da nossa cultura.

Ora, nos nossos dias houve uma transformação essencial deste estado de coisas. Deixando de constituir atividade sincrética, a literatura volta-se sobre si mesma, especificando-se e assumindo uma configuração propriamente estética; ao fazê-lo, deixa de ser uma viga mestra, para alinhar-se em pé de igualdade com outras atividades do espírito. Se focalizarmos não mais o ritmo estético da nossa literatura (que parece desenvolver-se conforme a dialética do local e do cosmopolita), mas o seu ritmo histórico e social, poderíamos talvez defini-la como literatura de incorporação que vai passando a literatura da depuração.

Com efeito, é fácil perceber que o verbo literário vai perdendo terreno, não apenas em relação à matéria que lhe cabia, mas ao prestígio que tinha como padrão de cultura. Para dar um único exemplo: hoje não compreenderíamos mais fenômenos como a escola baiana de medicina, ou o prolongamento que lhe deram, na Faculdade do Rio, Francisco de Castro e os seus discípulos. Não se poderia admitir, de um lado, a ciência médica expressa em retórica literária; de outro, a literatura considerada como requisito de preeminência científica e social.

A longa soberania da literatura tem, no Brasil, duas ordens de fatores. Uns, derivados da nossa civilização européia e dos nossos contatos permanentes com a Europa, quais sejam o prestígio das humanidades clássicas e a demorada irradiação do espírito científico. Outros, propriamente locais, que prolongaram indefinidamente aquele prestígio e obstaram esta irradiação. Assinalemos, entre os fatores locais (que nos interessam mais de perto), a ausência de iniciativa política implicada no estatuto colonial, o atraso ainda hoje tão sensível da instrução, a fraca divisão do trabalho intelectual.

A literatura se adaptou muito bem a estas condições, ao permitir, e mesmo forçar, a preeminência da interpretação poética, da descrição subjetiva, da técnica metafórica (da visão, numa palavra), sobre a interpretação racional, a descrição científica, o estilo direto (ou seja, o conhecimento). Ante a impossibilidade de formar aqui pesquisadores, técnicos, filósofos, ela preencheu a seu modo a lacuna, criando mitos e padrões que serviram para orientar e dar forma ao pensamento. Veja-se, por exemplo, o significado e a voga do Indianismo romântico, que satisfazia tanto às exigências rudimentares do conhecimento (graças a uma etnografia intuitiva e fantasiosa), quanto às da sensibilidade e da consciência nacional, dando-lhes o índio cavalheiresco como alimento para o orgulho e superação das inferioridades sentidas.

Uma consequência interessante foi a supremacia dos estudos de direito. Aos problemas coloniais de estabelecimento de fronteiras e consolidação do território, sucederam no século XIX os graves problemas de estabelecimento e consolidação do Estado, inclusive a ordenação de uma sociedade pouco organizada além dos limites paternalistas da família. É pois compreensível que se tenha propiciado a cultura jurídica (provida desde logo de bases universitárias), com toda a sua tendência para o formalismo, como orientação, através da retórica, como técnica. Se lembrarmos que o discurso e o sermão (sobretudo este) foram os tipos mais frequentes e prezados de manifestação intelectual no tempo da Colônia, veremos quanto a sua fusão no corpo da jurisprudência importa em triunfo do espírito literário como elemento de continuidade cultural.

Justamente devido a essa inflação literária, a literatura contribuiu com eficácia maior do que se supõe para formar uma consciência nacional e pesquisar a vida e os problemas brasileiros. Pois ela foi menos um empecilho à formação do espírito científico e técnico (sem condições para desenvolver-se) do que um paliativo à sua fraqueza. Basta refletir sobre o papel importantíssimo do romance oitocentista como exploração e revelação do Brasil aos brasileiros.

No período em que a nossa literatura ganhou corpo (do século XVIII ao século XIX) eram muito restritos os grupos sociais ao seu alcance. Foi justamente em função destes que ela trabalhou, dando-lhes de certo modo alimento espiritual e recursos mentais para compreender o país. As ciências naturais e humanas, a despeito do belo início que tiveram aqui em fins de século XVIII e início do XIX (quando delimitam a nossa breve Aufklärung), não se desenvolveram em seguida no mesmo ritmo que as letras ou o direito. Em parte, porque não tinham ressonância ou possibilidade, como demonstra simbolicamente o ineditismo em que os poderes conservaram os escritos de Alexandre Rodrigues Ferreira, ou a odisséia das pranchas de frei Mariano da Conceição Veloso; em parte, porque a tarefa social mais urgente era, como ficou indicado, de ordem política e jurídica. Desde modo, o espírito da burguesia brasileira se desenvolveu sob influxos dominantemente literários, e a sua maneira de interpretar o mundo circundante foi estilizada em termos, não de ciência, filosofia ou técnica, mas de literatura. Toda a renovação intelectual do Naturalismo, a partir do que Sílvio Romero chamou a Escola do Recife, nos aparece hoje sobretudo como um sistema de retórica. Bacharéis de mente acesa, alastrando de literatura, e mesmo literatice, noções científicas vagamente aprendidas em Haeckel, Huxley ou Büchner. É difícil encontrar maior verbalismo do que, por exemplo, nos estudos em que Fausto Cardoso pretendeu consolidar cientificamente os fundamentos da sociologia por meio do monismo haeckeliano.

Toda essa onda vem quebrar n'Os sertões, típico exemplo da fusão, bem brasileira, de ciência mal digerida, ênfase oratória e intuições fulgurantes. Livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, Os sertões assinalam um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira (no caso, as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior).

A obra de Euclides da Cunha foi escrita num tempo em que já estavam bastante modificadas as condições de formação do nosso pensamento, com indícios vivos de superação da tirania jurídico-retórica. Mas, como vimos acima, a literatura se caracterizava, no início do século XX, por uma acentuada inconsciência desta transformação. Ajustava-se à superfície da vida burguesa, sem pressentir as novas exigências de sensibilidade e conhecimento, percebidas apenas por alguns.

Nesta ordem de considerações, o Modernismo representa um esforço brusco e feliz de reajustamento da cultura às condições sociais e ideológicas, que vinham, desde o fim da Monarquia, em lenta mudança, acelerada pelas fissuras que a Primeira Guerra Mundial abriu também aqui na estrutura social, econômica e política. A força do Modernismo reside na largueza com que se propôs encarar a nova situação, facilitando o desenvolvimento até então embrionário da sociologia, da história social, da etnografia, do folclore, da teoria educacional, da teoria política. Não é preciso lembrar a sincronia dos acontecimentos literários, políticos, educacionais, artísticos, para sugerir o poderoso impacto que os anos de 1920-1935 representam na sociedade e na ideologia do passado.

Mas, apesar da cultura intelectual se haver desenvolvido em ritmo acelerado desde o início do século; apesar da intensa divisão do trabalho intelectual, com o estabelecimento da vida científica, em escala apreciável; apesar do surto das ciências humanas a partir sobretudo de 1930; apesar de tudo isto, a literatura permaneceu em posição-chave. Vimos que alguns dos produtos mais excelentes dessa época no campo dos estudos sociais, como Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos, Raízes do Brasil, lhe são tributários, não apenas pelo estilo mas principalmente pelo ritmo da composição e a própria qualidade da interpretação. Por outro lado, o romance social e narrativo do decênio de 1930 segue a tradição naturalista de concorrência ao conhecimento científico; só que, neste caso, conhecimento mais sociológico e político, não obstante a ciência já haver, neste setor, alcançado e superado os recursos da ficção. Em todo o caso, os decênios de 1920 e de 1930 ficarão em nossa história intelectual como de harmoniosa convivência e troca de serviços entre literatura e estudos sociais.

Hoje, vemos que é necessário chamar Modernismo, no sentido amplo, ao movimento cultural brasileiro de entre as duas guerras, correspondente à fase em que a literatura, mantendo-se ainda muito larga no seu âmbito, coopera com os outros setores da vida intelectual no sentido da diferenciação das atribuições, de um lado; da criação de novos recursos expressivos e interpretativos, de outro.

A inteligência tomou finalmente consciência da presença das massas como elemento construtivo da sociedade; isto, não apenas pelo desenvolvimento de sugestões de ordem sociológica, folclórica, literária, mas sobretudo porque as novas condições da vida política e econômica pressupunham cada vez mais o advento das camadas populares. Pode-se dizer que houve um processo de convergência, segundo o qual a consciência popular amadurecia, ao mesmo tempo em que os intelectuais se iam tornando cientes dela. E este alargamento da inteligência em direção aos temas e problemas populares contribuiu poderosamente para criar condições de desenvolvimento das aspirações radicais, que tentariam orientar, dar forma, ou quando menos sentir a inquietação popular. O que se poderia, no melhor sentido, chamar de libertinagem espiritual do Modernismo contribuiu para o fermento de negação da ordem estabelecida, sem o qual não se desenvolvem a rebeldia social e o consequente radicalismo político. Aquilo que chamei o V Narod do decênio de 1930 apresenta, visto de hoje, uma configuração nitidamente renovadora, a despeito da atitude política e filosófica assumida ulteriormente pelos seus protagonistas. É preciso colocá-los no contexto daquele momento para compreender o sentido da sua ação. Um autor como Gilberto Freyre, que parece hoje um sociólogo conservador, significou então uma força poderosa de crítica social, com a desabusada liberdade das suas interpretações. A destruição dos tabus formais, a libertação do idioma literário, a paixão pelo dado folclórico, a busca do espírito popular, a irreverência como atitude: eis algumas contribuições do Modernismo que permitiriam a expressão simultânea da literatura interessada, do ensaio histórico-social, da poesia libertada.

Paralelamente, a ameaça aos valores tradicionais estimulou, no plano intelectual, manifestações que, embora tributárias em parte do Modernismo (como vimos), constituem sobretudo um prolongamento ou uma superação da linha espiritualista originada do Simbolismo e que hauriu no Modernismo alguns instrumentos formais, mas sobretudo o nacionalismo e a pesquisa do eu profundo. A poesia espiritualista, o romance de orientação problemática, o ensaio católico tradicionalista constituem modos, bastante diversos, e nem sempre ligados entre si, de reagir no sentido de uma preservação, ou reajustamento de valores sociais, políticos, ideológicos, ameaçados pelas manifestações modernistas. Diante da crise das velhas estruturas, e portanto dos valores tradicionais, a literatura reagiu com bastante sensibilidade — quer no sentido da reforma, contribuindo para a formação de uma atitude crítica, quer no da reação, intensificando o apelo daqueles valores.

Em nossos dias, estamos assistindo ao fim da literatura onívora, infiltrada como critério de valor nas várias atividades do pensamento. Assistimos, assim, ao fim da literatice tradicional, ou seja, da intromissão indevida da literatura; da literatura sem propósito. Em consequência, presenciamos também a formação de padrões literários mais puros, mais exigentes e voltados para a consideração de problemas estéticos, não mais sociais e históricos. É a maneira pela qual as letras reagiram à crescente divisão do trabalho intelectual, manifestado sobretudo no desenvolvimento das ciências da cultura, que vão permitindo elaborar, do país, um conhecimento especializado e que não reveste mais a forma literária.

Vista à luz da evolução literária, esta divisão do trabalho significa o aparecimento de um conflito no interior da literatura, na medida em que esta se vê atacada em campos que haviam sido até aqui (numas fases mais, noutras menos) seus campos preferenciais. Um Alencar ou um Domingos Olímpio eram, ao mesmo tempo, o Gilberto Freyre e o José Lins do Rego em seu tempo; a sua ficção adquiria significado de iniciação ao conhecimento da realidade do país. Mas hoje, os papéis sociais do romancista e do sociólogo já se diferenciaram, e a literatura deve retrair, se não a profundidade, certamente o âmbito da sua ambição. Daí as modernas tendências estetizantes aparecerem ao sociólogo e ao historiador da cultura como reação de defesa e ajustamento às novas condições da vida intelectual; uma delimitação de campo que, para o crítico, é principalmente uma tendência ao formalismo, e por vezes à gratuidade e ao solipsismo literário. Tanto para o crítico quanto para o estudioso da cultura e da sociedade, ela é, contudo, uma elaboração de novos meios expressivos e um desenvolvimento de nova consciência artesanal, que produzirão novas formas de expressão literária, mais ou menos ligadas à vida social, conforme os acontecimentos o solicitem.

Não há dúvida, porém, que o presente momento é de relativa perplexidade, manifestada pelo abuso de pesquisas formais, a queda na qualidade média da produção, a omissão da crítica militante. Se encararmos estes fatos de um ângulo sociológico, veremos que eles estão ligados — entre outras causas — à transformação do público e à transformação do grupo de escritores.

Vejamos o primeiro caso. Os analfabetos eram no Brasil, em 1890, cerca de 84%; em 1920 passaram a 75%; em 1940 eram 57%. A possibilidade de leitura aumentou, pois, consideravelmente. Muito mais, todavia, aumentou o número relativo de leitores, possibilitando a existência, sobretudo a partir de 1930, de numerosas casas editoras, que antes quase não existiam. Formaram-se então novos laços entre escritor e público, com uma tendência crescente para a redução dos laços que antes o prendiam aos grupos restritos de diletantes e "conhecedores". Mas este novo público, à medida que crescia, ia sendo rapidamente conquistado pelo grande desenvolvimento dos novos meios de comunicação. Viu-se então que no momento em que a literatura brasileira conseguia forjar uma certa tradição literária, criar um certo sistema expressivo que a ligava ao passado e abria caminhos para o futuro, — neste momento as tradições literárias começavam a não mais funcionar como estimulante.

Com efeito, as formas escritas de expressão entravam em relativa crise, ante a concorrência de meios expressivos novos, ou novamente reequipados, para nós, — como o rádio, o cinema, o teatro atual, as histórias em quadrinhos. Antes que a consolidação da instrução permitisse consolidar a difusão da literatura literária (por assim dizer), estes veículos possibilitaram, graças à palavra oral, à imagem, ao som (que superam aquilo que no texto escrito são limitações para quem não se enquadrou numa certa tradição), que um número sempre maior de pessoas participasse de maneira mais fácil dessa quota de sonho e de emoção que garantia o prestígio tradicional do livro. E para quem não se enquadrou numa certa tradição, o livro apresenta limitações que aquelas vias superam, diminuindo a exigência de concentração espiritual.

O grupo de escritores, aumentado e mais claramente diferenciado do conjunto das atividades intelectuais, reage ou reagirá de maneira diversa em face deste estado de coisas: ou fornecerá ao público o "retalho de vida", próximo à reportagem jornalística e radiofônica, que permitirá então concorrer com os outros meios comunicativos e assegurar a função de escritor; ou se retrairá, procurando assegurá-la por meio de um exagero da sua dignidade, da sua singularidade, e visando ao público restrito dos conhecedores. São dois perigos, e ambos se apresentam a cada passo nesta era de incertezas. O primeiro faria da literatura uma presa fácil da não-literatura, subordinando-a a desígnios políticos, morais, propagandísticos em geral. O segundo, separá-la-ia da vida e seus problemas, a que sempre, esteve ligada pelo seu passado, no Brasil. E a alternativa só se resolverá por uma redefinição das relações do escritor com o público, bem como por uma redefinição do papel específico do grupo de escritores em face dos novos valores de vida e de arte, que devem ser extraídos da substância do tempo presente.

Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas III)


A minha infância tão pobre
com tantas dificuldades,
mas não deixou de ser nobre,
pois dela sinto saudades.

Amor de triste memória
que me envolveu tantos dias,
hoje é uma simples estória
de falsas alegorias...

Ando à procura de alguém
que me venha dar carinho,
como estou não me convém,
não quero viver sozinho.

À noite sonho contigo
em meu céu de fantasia,
mas depois pra meu castigo
não te encontro noutro dia.

A noite toda em vigília
esperando amanhecer,
pois quando enfim o sol brilha
hei de te ouvir e te ver.

A poesia que me invade
em horas de inspiração,
além de cantar saudade,
também canta solidão!

As cartas que me escrevias
com tanto amor e saudade,
acalentavam meus dias
cheios de felicidade.

As trovas que aqui deponho
à apreciação dos leitores,
são os frutos do meu sonho
que colhi nos meus amores...

Cada dia uma rotina
que devo sempre seguir,
entretanto a vida ensina
que não posso desistir.

Certa saudade descobre
o que ficou à distância:
velha esperança de pobre
dos tempos da minha infância...

“C’est la vie!”, diz o francês
em meio do burburinho...
“Time is money!”, diz o inglês
ao seguir o seu caminho...

Contigo no pensamento
não lembro de mais ninguém:
és meu prazer e tormento,
mas algo que me faz bem...

Contigo no pensamento
tento dormir e esquecer;
no entanto, pra meu tormento
tu não sais do meu viver...

Dediquei-me tanto ao estudo
que quase fiquei mais louco,
procurando saber tudo,
vejo que aprendi tão pouco...

Deve a trova ser singela
e atingir os corações;
quanto mais simples mais bela,
embora tenha “chavões”.

És a musa dos meus versos
que me inspira quando canto
e nos momentos adversos
o motivo do meu pranto.

Esperava compreender
o que me causa aflição,
para não permanecer
nesta horrível confusão.

Esperava o teu sorriso
em teus lábios e nos olhos;
quase perdi o juízo
quando me lançaste abrolhos...

Esta grande desventura
que me causa tanta dor;
eu já creio: não tem cura...
pois perdi o teu amor.

Eu faço trovas sentidas
nestas noites de luar:
são as “paixões recolhidas”
que não consigo olvidar.

Eu que já fiz do meu sonho
um castelo de ilusão,
hoje somente componho
pra matar a solidão.

Faze o verso sem barulho
de trovador solitário,
que se usares falso orgulho
não passarás de um otário.

Já fiz trovas de improviso,
mas com muita reflexão,
pois de uma coisa preciso:
é não perder a razão...

Meus versos estão presentes
na tristeza e na alegria,
e nisso são procedentes
da luta do dia-a-dia.

Minha vida está repleta
de amores incompreendidos
que me fazem ser poeta
de versos arrependidos.

Não adianta querer tanto,
nem amar sem ser amado,
foi assim meu desencanto
ao me sentir desprezado.

Não tarda vir a alvorada
trazendo nova esperança
de prosseguir na jornada
com mais fé e mais confiança.

Não te direi novamente
de minha mágoa sem causa,
ficarei indiferente
como quem pede uma pausa.

Nesta vida quotidiana
cuja rotina me cansa,
apesar do que me engana
sempre resta uma esperança.

No “Meu Caminho até Ontem”
busquei no amor esperanças,
pretendendo que despontem
“Minhas Amáveis Lembranças”.

Nosso amor sem persistência
teve pouca duração,
assim foi sua existência
como chuva de verão.

No tumulto desta vida
nos encontramos um dia,
e sendo minha escolhida
você não me escolheria.

Ouvindo o rumor das águas
eu me ponho a suplicar:
que levem as minhas mágoas
e as afoguem lá no mar.

O verso nasce espontâneo
quando surge a inspiração;
é tal qual um ritmo estranho
a formar uma canção.

Pablo Neruda, o cantor
que leio de madrugada:
“Veinte Poemas de Amor”
e a “Canción Desesperada”.

Perambulando sozinho,
andando por aí a esmo,
eu vejo que este caminho
me faz fugir de mim mesmo.

Por que será que a saudade
traz tanta contradição?!
Pode ser felicidade
e também desilusão...

Quando te vi num relance
meu coração despertou,
sonhando um novo romance
que não se concretizou.

“Quem ama sempre perdoa...”
diz um dito popular,
mas o desprezo magoa
por mais que se queira amar.

“Quem canta os males espanta...”;
certo ditado assim diz,
porque chorar não adianta
e torna o ser infeliz...

Quem ler meus versos verá
que procurei ser feliz;
e afinal entenderá
que nunca tive o que quis.

Se a tristeza me visita
canto uma trova somente,
e desta forma a desdita
foge e me torno contente.

Sou um simples trovador
que vive cantando ao léu
e faço apenas do amor
o meu precioso troféu.

Tantas trovas, tantos versos...
afinal me convenci,
que embora sejam diversos
são dedicados a ti.

Tens razão quando me dizes
que não queres meu amor,
para os pobres infelizes
existe somente a dor.

Uma trova pequenina
demonstra como um teorema,
a realidade que ensina
e diz mais do que um poema.

Vamos em frente, vencendo
as agruras da jornada
e estaremos compreendendo
que não lutamos por nada.

Vem reclinar-te em meus braços
para que eu sinta em meu peito
o calor dos teus abraços
e viva assim... satisfeito.

Viver contigo não posso,
te deixar é o meu destino;
pois quero ver se remoço
e retorno a ser menino.

Vou cantar a noite inteira
até surgir a alvorada,
que minh’alma seresteira
vive sonhando acordada.

Fonte:
Colaboração do Trovador

XXIV Jogos Florais e VII Jogos Florais Estudantis de Ribeirão Preto 2011



XXIV JOGOS FLORAIS DE RIBEIRÃO PRETO
XII JOGOS FLORAIS ESTUDANTIS DE RIBEIRÃO PRETO
2011

Nacional / internacional;
VICIO (Lírico)
LOROTA (Humoristico)

Municipal (somente aos trovadores de Ribeirão Preto)
BRILHANTE –( Lirico ou filosófico)
PROMOÇÃO – (Humorístico)

Estudantil para alunos de 5ª a 8ª e ensino médio de todas as redes de ensino
PERSONAGENS DO FOLCLORE NACIONAL – (Lírico ou filosófico)
SACI ( Humorístico)

Não se aceitam variantes.

3 Trovas por Concorrente

A recepção de trovas será a partir de 2 de janeiro e encerrar-se-á a 15 de abril e a Comissão divulgará a listagem de vencedores até 20 de maio de 2011.

As festividades acontecerão durante as atividades da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto e Aniversário da Cidade, na semana de 19 de junho.

A premiação será:

05 vencedores (troféu e diploma)
05 menções honrosas (medalha e diploma)
05 menções especiais (medalha e diploma)

Os primeiros cinco vencedores em cada tema do concurso nacional terão direito a estada paga (pernoite e refeições) em hotel, como convidados dos organizadores nos três dias de festividades. Todos os concorrentes estão convidados a participar das festividades.

apoio do Instituto do Livro e das Faculdades COC

Fonte:
Colaboração de Nilton Manoel

Andréa Motta (Folhas Soltas ao Vento)


HAICAIS À SERRA DO MAR

Entre uma curva ou outra
correm na serra do mar
rios de água cristalina
*
Bromélias floridas
nos caminhos da Graciosa
Um caso de amor

ESCRITOR

Para ser escritor não basta
vestir-se de palavras
há de despir-se da própria pele.

AREIA

nessa areia branca
desenho meu passado
e busco no vento
arrimo ao futuro

fujo dos ditames
e regulamentos

nessa areia branca
onde o tempo
entre os dedos
escapa
sou tão breve
como breve
é a vida.

NAQUELA CASA DA ESQUINA

Naquela casa da esquina
ao cair das tardes, reunem-se os intelectuais,
as prostitutas e os desocupados do meu bairro.
Chegam aos grupos ou desacompanhados.

Aos poucos ao solo solitário d'um violão
mistura-se um bulício de vozes.
Ao verde das paredes incorpora-se euforia,
talvez nostalgia. A tristeza fica do lado de fora.

Naquela casa da esquina
os quitutes saborosos
juntam-se à poesia e à vadia.
O que era happy hour invade a madrugada.

Até que os olhos fiquem embaçados,
as vozes embargadas
e o violão se cale.

Mas nunca há silêncio
naquela casa da esquina,
ali moram os pássaros do meu bairro.

Mal o dia amanhece
mansamente iniciam nova cantoria.
A alegria reside
naquela casa da esquina.

RESPOSTA AO TEMPO

Silhuetas delineadas a pó de arroz
rasgam o oculto do espelho
não tenho voz

apenas o vento esvoeja no tempo
cerrado pelas minhas mãos vazias.

Nas profundezas do silêncio
o reflexo duma floresta de algas
[avermelhadas]

D'onde emergem sorrateiras verdades
O mar não aniquila nem suga, sustenta.

Não tenho voz, tenho uma força que impele
endorfina da palavra viandante que não disfarça,
oscila, é verdade, feito areia solta pela brisa
[assinalada pelas horas].

Não tenho voz, em resposta ao tempo
há uma força que impele e medra,
exorciza medos como ficção bordada
[na safira dos olhos].

HAIGATOS

Miado forte ecoa.
Um gato maracajá
do caçador foge.

Um gato selvagem
nascido no cativeiro.
Raça preservada.

Noite de inverno,
um vulto acorda a menina.
Gatinha em vigília.

TEMPO

Cada momento ultrapassa
no ensejo da lida
ao som dos impasses
trilhas de despedida
Assumo sou caiçara!

TEMPLO IMPLACÁVEL

voa ao vento
vai
oh tempo
faz da vida
um belo templo
dentro desta canção

se puderes
tempo amigo
me leva contigo
clareia meu destino
mostra-me as pedras
e as regras do caminho

vai
oh tempo
faz da vida
um belo templo
dentro desta canção

Oh tempo implacável
voa nas teias leves
espalha teus ardis
ganha os céus
e suas cores
espanta o gris
desta manhã

se preciso for
deixa teu próprio
tempo
carregar os bons ventos
toda paz
todo amor

VISITA

Recebo-te de braços abertos
para que me possuas sobre
as rochas plantadas sob meus pés.
Vens assim, agitado espumante

verde-azul-branco-verde- branco
muito branco azul azul azul
pigmentas minh'alma e sentes
meu gosto de destino

Vens agora e
me levas às tuas areias profundas
onde minha pele confunde-se com a tua
sem inúteis explicações

Sem timidez
ou resistência
recebo-te nos meus sonhos
vens viver as minhas fantasias

Vens e me beijas
(os pés!)
as mãos
encharcas meus cabelos
ensopas-me, devoras-me

azul-branco-verde-azul
muito azul verde verde verde
envolves-me em tuas águas
festejando o encontro ritmado

Dos braços - toques
das pernas - abraços
da pele dos poros - arrepios
verde azul branco azul azul azul

Vens,
recebo-te em mim
mar mar atlântico!
meu mar..verde azul azul azul.

É PRA TI QUE ESCREVO

Mote: Porque tu deixas em mim tanto de ti
Pedro Abrunhosa

É p'ra ti que escrevo, nesta manhã chuvosa
porque tu deixas em mim tanto de ti
me fazes sentir tua alma no balanço das folhas,
no vôo irrequieto das andorinhas

É p'ra ti que escrevo, no reflexo do espelho
pois é na inversão da imagem que teus dedos sorriem
porque tu deixas em mim tanto de ti
no silêncio das madrugadas.

Porque tu deixas em mim tanto de ti,
é p'ra ti que escrevo, por acreditar que além da mente
o corpo também voa, e cada passo deixa de ser
um sonho cruel no rastro de teus segredos.

Porque tu deixas em mim tanto de ti,
é p'ra ti que escrevo, para te dizer que aprendi
com este misto de saudade e ansiedade impregnada
na ausente presença delineada na janela embaçada.

É p'ra ti que escrevo, na fechadura do instante,
porque tu deixas em mim tanto de ti
na tua voz rebelde de poeta, no desejo apertado
de abraçar o vento e ancorar tua nau inquieta.

Porque tu deixas em mim tanto de ti, é p'ra ti que escrevo
para que saibas que no leito das tuas palavras
eu me deito e encontro sossego, seco meu pranto
e adormeço na saliva que do teu peito brota.

É p'ra ti que escrevo
para desvendar tua teia sagrada
para entender por que tu deixas em mim tanto de ti
porque teces a luz da manhã e preenches meu olhar vazio.

ENIGMA

Quem é esta sereia
que me habita a cada insônia
e com seu canto lamurioso
desvenda meu avesso?

quem é?

Esta mulher oculta
por longas madeixas
que me despe a pele
me deflora sem pânico

em querer ora cúmplice
ora cético
incendeia -me
viscera por viscera.

transformando-me num grande dilúvio
de desejos e medos.
Quem é?

NOITE

Anoitece em tons vibrantes
prenuncio de noite fria
e geada densa.

Sombras azul-róseo -amarelo-lilás
deambulam pelos vértices da anima
estancando o tempo - como se isto
fosse possível - fora dos sonhos...

Seus ponteiros em triangulação indócil
agasalham-se na sintonia afinada
de pernas e braços

encaixe perfeito
aquecendo versos não acabados..

IRREVERÊNCIA

Na boleia do vento
do sul ele veio prematuro.
Inundou o verão
18.02.07

BORDANDO ESSÊNCIAS

Dentro de cada um há um jardim
cravos, rosas e camélias,
há sim.

mão e contramão
silêncios e algazarras
há sim

um jardim dentro de cada um
araucárias, ipês eucaliptos
uma selva povoada por querubins

há sim
segredos de passarinhos
cazuza, metralhadoras
delitos contravenções

in(quieta)ções
tantas imperfeições
há sim

indiferença saudade
intuição atrevimento
pelo sim e pelo não

há um jardim em cada um
----------
Fonte:

Antonio Cândido (Literatura e Cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiro) Parte 4



Depois de 1940, ou pouco antes, vamos percebendo a constituição de um período novo. Nos dois decênios de 1920 e 1930, assistimos o admirável esforço de construir uma literatura universalmente válida (pela sua participação nos problemas gerais do momento, pela nossa crescente integração nestes problemas) por meio de uma intransigente fidelidade ao local. A partir de 1940, mais ou menos, assistiremos, ao lado disso, a um certo repúdio do local, reputado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência formal e de pesquisa interior. O Modernismo regionalista, folclórico, libertino, populista, se amaina, inclusive nas obras que os seus próceres escrevem agora, — revelando preocupação mais exigente com a forma ou esforço anti-sectário no conteúdo. Não obstante, é o momento em que os próceres dos dois decênios publicam algumas das suas melhores produções (Fogo morto, de José Lins do Rego, e Terras do sem-fim, de Jorge Amado, por exemplo, ambos de 1943; Sentimento do mundo e Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, em 1940 e 1946).

Até 1945, mais ou menos, vemos uma produção intensa, favorecida por grande surto editorial, em que brilham veteranos e novos, estes com tendência crescente para repudiar a literatura social e ideológica, o que veio finalmente a predominar sob a forma de uma queda da qualidade média do romance e uma grande voga de pesquisas formais e psicológicas na poesia. Entretanto, o abandono da linha modernista não se deu segundo os rumos previstos e propugnados pelos espiritualistas, — a saber, a atenção para o drama moral e o catolicismo poético. Os novos manifestaram pouco interesse pela literatura ideológica de esquerda e de direita, e os que tinham vocação política desleixaram não raro a literatura, passando diretamente à militância. Desenvolve-se, desse modo, o que parece constituir um dos traços salientes dessa fase: a separação abrupta entre a preocupação estética e a preocupação político-social, cuja coexistência relativamente harmoniosa tinha assegurado o amplo movimento cultural do decênio de 1930. Com a definição cada vez mais clara das posições políticas (não só entre direita e esquerda, como antes, mas dentro da própria esquerda e da própria direita), os escritores políticos se tornaram cada vez mais sectários, no sentido técnico da expressão. Tornaram-se especializados na direção propagandística e panfletária, enquanto por outro lado os escritos de cunho mais propriamente estético (sobretudo a poesia e a crítica, os dois gêneros em expansão nos nossos dias) se insulavam no desconhecimento, propositado ou não, da realidade social.

O decênio de 1930 nos aparece agora como um momento de equilíbrio entre a pesquisa local e as aspirações cosmopolitas, já novamente dissociadas em nossos dias de sectarismo estreito acotovelando-se com o formalismo. A queda do movimento editorial, a voga avassaladora da rádio-novela e do rádio-teatro, do cinema e dos strips; o conflito entre a inteligência participante e a inteligência contemplativa, que se vão tornando, uma e outra, cada vez mais estritas e inconciliáveis; a própria mobilidade da opinião culta, sempre fascinada pela Europa e agora também pelos Estados Unidos: — eis alguns traços que ajudam a compreender as contradições literárias dos nossos dias e o afastamento em relação ao período precedente. Vivemos uma fase crítica, demasiado refinada nuns, demasiado grosseira noutros; em todo o caso, pouco criadora, embora muito engenhosa.

Em poesia, as melhores vozes ainda nos vêm de antes, com a de Henriqueta Lisboa (Flor da morte, 1949) ou Vinícius de Moraes (Poemas, sonetos e baladas, 1946), para não citar Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, cujos primeiros livros são de 1930, ou Manuel Bandeira, pré-modernista e modernista da primeira hora. No romance, é significativo o êxito de um veterano, José Geraldo Vieira, cuja obra é revalorizada depois da publicação, em 1943, de A quadragésima porta. Obra de cunho cosmopolita, às voltas com problemas intemporais do destino humano, não raro tendo a Europa por cenário, carregada de intenções simbólicas, de vistosa erudição e complicados arrojos vocabulares. Não menos significativo, o de Clarice Lispector (Perto do coração selvagem, 1944; O lustre, 1946), que situa os seus romances fora do espaço, em curiosas encruzilhadas do tempo psicológico.

Mais significativo do que tudo, porém, são as revistas e agrupamentos poéticos e críticos, as mais das vezes fascinados por problemas de organização formal da sensibilidade, de clarividência poética, e manifestando irritada impaciência com as impurezas literárias da geração anterior. Rapazes frequentemente afeitos à nova crítica, neoformalista, ou à dialética existencial; admiradores de T. S. Eliot e Rilke, umas vezes excessivamente maduros, outras com o ingênuo egotismo da adolescência. Em qualquer caso, raras vezes passando além da habilidade superficial, do drama simulado ou da revolta aparente. Para quem lê com mais atenção a poesia brasileira dos últimos anos, impressiona desde logo o pouco ou nada que ela tem para dizer. E quando tem, o quanto é devido à sensibilidade e aos temas da geração anterior. Salvo num ou noutro mais bem dotado (um Bueno de Rivera, um Wilson Figueiredo, sobretudo um João Cabral de Melo Neto, para citar apenas três), esta poesia é de pouca personalidade e menor ressonância humana. Em vão buscaríamos entre estes jovens o sopro ardente das Cinco elegias, de Vinicius de Moraes, ou a comovedora profundidade de Henriqueta Lisboa em Flor da morte.

No entanto, como conjunto e como experiência, os novos poetas representam algo apreciável: com a sua exigência crítica e psicológica, representam a barragem que será estourada quando as correntes represadas da inspiração adquirirem, na experiência individual e coletiva, energia suficiente para superar as atuais experiências técnicas, mais de poética do que de poesia.

É uma constante não desmentida de toda a nossa evolução literária que a verdadeira poesia só se realiza, no Brasil, quando sentimos na sua mensagem uma certa presença dos homens, das coisas, dos lugares do país. Esta presença pode ser ostensiva em certas obras-primas, como o LEITO DE FOLHAS VERDES, de Gonçalves Dias, e mais ainda O NAVIO NEGREIRO, de Castro Alves; e pode ser implícita, misteriosamente pressentida, como em JUVENÍLIA, de Varela. De qualquer modo, ela é por assim dizer o penhor de eficácia dos nossos poetas, e a condição de que dependem para chegar a esferas menos presas às condições locais. Para alçarem o vôo dos HINOS, (Gonçalves Dias), de SUB TEGMINE FAGI (Castro Alves), do CÂNTICO DO CALVÁRIO (Varela). Pouco sentimos desta impregnação nos atuais poetas. Terão eles superado realmente uma etapa de poesia mais contingente, toda cheia de modismos, pitoresco, sentimentos, para lançar a nossa literatura em sendas mais largas, nas quais seja definitivamente sublimada a dialética do local e do geral? Ou representam (ao mesmo título que os últimos parnasianos, embora sob aspectos totalmente diversos) um momento de cosmopolitismo, que convém ultrapassar rapidamente? Não é possível responder desde já. Apenas parece que orientações como as deles (ou melhor, dos mais característicos dentre eles) são antes experiências do que realizações; neste caso, terão cumprido o papel de fornecer aos sucessores um instrumento renovado e ajustável às necessidades de uma sensibilidade nova, que se desenvolverá certamente quando transpusermos este limiar de coletivismo em que vivemos. A sua consciência artesanal poderá, então, ser conservada e fecundada.

Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

Rui Cavallin Pinto (Lançamento do Livro “Molduras Paranaenses: cenas da nossa história”)


O Instituto Memória Editora convida para o lançamento
da mais nova obra de RUI CAVALLIN PINTO,
que acontecerá em sua sede, dia 10/08/2010,
das 18h00 às 22h00, à Rua Lourenço Pinto,
N. 222, Centro - Curitiba - PR.
.

O Instituto Memória fica exatamente em frente ao Instituto Forlanini - diagnóstico por imagem.
A Rua Lourenço Pinto fica entre a Av. Visconde de Guarapuava e a Rua André de Barros,
entrando pela Visconde, com diversos estacionamentos disponíveis.

MOLDURAS PARANAENSES: CENAS DA NOSSA HISTÓRIA

Este livro reúne cenas e personagens da história paranaense.

Entre outros, os que, a nosso ver, representam momentos expoentes de nossa trajetória histórica. Tentamos contribuir para compor o debuxo de nossa identidade e apontamos as variantes que estão à origem de Curitiba. Quisemos resgatar Rocha Pombo do esquecimento e do maltrato da intelligentsia nativa. Os crimes explicam as sociedades, porque estão à raiz mesmo das menores delas. Penso que o padre Pinto se deixou envolver por uma disputa política que não era dele; mas ele a personalizou. Bento tinha um destino grande, num contexto pequeno, daí porque não se completou. O Norte do Paraná foi nosso Eldorado, e o café o ouro à flor da terra. Por fim, nossa história conta apenas o que já sabemos; precisamos voltar a fazê-la em casa e incluir o que sucedeu depois. Não tiramos conclusões, fizemos sugestões, para que se multipliquem as soluções.

A procura da nossa identidade passou a ser um anátema e um desafio ainda sem resposta para muitos de nós paranaenses, desde quando nosso jovem conterrâneo Pinheiro Machado, então mero estudante no último ano de Direito, no Rio de Janeiro, cometeu a blasfêmia de dizer, em artigo da revista católica “A Ordem”, que o Paraná era um Estado sem relevo humano, sem identidade própria, incaracterístico, ao inverso do gaúcho, do paulista, do baiano e outros nossos irmãos de maior presença na vida nacional.

Rui Cavallin Pinto é membro da Academia Paranaense de Letras e Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

Fonte:
Colaboração do Instituto Memória.

Pedro Ornellas (Livro de Poemas)


A FIGUEIRA

Orgulho da casa de outrora, na frente,
altiva figueira, frondosa, se erguia...
seu porte soberbo me fez reverente
sem nunca supor que tombasse algum dia!

Mas num vendaval que se armou de repente,
partiu-se a figueira, e sem crer no que via,
então constatei que a gigante imponente
por dentro era podre e ninguém percebia!

Também muita gente que bem nos parece
perdendo valores por dentro apodrece
mantendo por fora a aparência altaneira.

Ilude algum tempo com falsa nobreza,
porém, cedo ou tarde, terá com certeza
o mesmo destino da velha figueira!

O LAMPIÃO

Meu velho lampião a querosene,
relíquia que conservo com cuidado,
herdei de quem também legou-me o gene
de homem de bem, guerreiro, honesto e honrado!

Sinto-lhe a falta e a dor castiga, infrene,
quando te olhando lembro inconformado
quanta festança e quanto ato solene
nós três compartilhamos no passado!

A casa então se torna o antigo rancho,
no canto o esteio, e nele o velho gancho...
e o pranto de saudade aflora e cai...

e ao transmutar-se assim todo o ambiente
- magia da lembrança - em minha frente
não vejo o lampião, vejo meu pai!

FANTASIA

Na casa tosca e pobre a mesa parca,
Coração cheio e mãos sempre vazias...
Fartura de ilusões e fantasias
No reino em que, soberbo, eu fui monarca!

Por sobre a areia fina dos meus dias
O tempo deslizou deixando a marca,
Sulcos profundos que o meu pranto encharca
Quando o passado volta em noites frias!

Como era doce a antiga brincadeira...
Meu trono: um simples banco de madeira,
E de esperanças meu castelo eu fiz!

Hoje, à mercê da vida que me afronta,
Já não sou mais o rei do faz-de-conta...
Já não sei mais brincar de ser feliz!

RECAÍDA

Há tempos que a mantenho controlada,
mas hoje esta saudade bateu forte
e quase conseguiu ferir de morte
meu peito, qual profunda punhalada!

Sem vacilar duvido quem suporte
quando ela bate, súbito, acordada
pela lembrança a repisar magoada
de um grande amor a malfadada sorte...

Recordações julgadas esquecidas
promessas de venturas não cumpridas
vêm no seu rastro em repentinidade.

Quem muito amou tem dessas recaídas
em explosões de mágoas reprimidas
que voltam - quando bate uma saudade!

**********************************
Soneto Vencedor entre os dez primeiros, de um total de 195 participantes, em concurso da Academia Niteroiense de Letras, junho 2007

Fonte:
Recanto das Letras

Pedro Ornellas (1952)


Pedro Ornellas (Nome artístico de Pedro Augusto de Ornellas) é um poeta, compositor e cantor de música caipira, nascido em Marialva, estado do Paraná, em 1952, e radicado na cidade de São Paulo.

Pedro Ornellas é poeta dedicado ao cultivo do que convencionou-se chamar de trova, isto é, o poema monostrófico de 4 versos em redondilhas menores. Neste gênero, Pedro Ornellas consagrou-se junto à União Brasileira de Trovadores, onde é conhecido como um grande trovador.

Neste movimento, Pedro Ornellas ingressou na década de 80, após desligar da FEBET (Federação Brasileira de Entidades Trovistas), entidade da qual participou da fundação com Eno Teodoro Wanke e outros escritores.

Na UBT, Pedro Ornellas alcançou grande projeção, sendo premiado em diversos certames de trova, a maioria conhecida como "Jogos Florais".

Em Nova Friburgo, (década de 90) obteve o título de "Magnífico Trovador" no gênero lírico/filosófico, após três classificações subsequentes entre os 10 primeiros colocados. Em 2003, obteve novamente o título de Magnífico Trovador após três classificações no gênero humorístico.

Conforme supracitado, Pedro Ornellas venceu muitos concursos de trova, logrando centenas de prêmios. Entre todas as suas premiações, no entanto, destacam-se as obtidas na cidade fluminense de Nova Friburgo, nos seus importantes Jogos Florais, o mais antigo concurso literário realizado no Brasil, ininterruptamente desde 1960.

Pedro Ornellas destacou-se principalmente no gênero humorístico, no qual obteve seis vezes o 1o. lugar, a saber, em 1984, 1987, 1993, 1998, 2001 e 2003, além de vencedor entre o 2o. e o 5o. lugar, menções honrosas e menções especiais.

Pedro Ornellas também se dedica ao soneto, gênero que cultiva menos.

Fonte:
Wkipedia

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mário Quintana (Os Poemas)

Laé de Souza (Lançamento: As 50 Melhores Crônicas do Ler é Bom, Experimente!)


De 12 a 22 de agosto acontece a Bienal Internacional do Livro de São Paulo e a expectativa é muito grande para chegada desse evento.

Na ocasião, estaremos presente na Bienal com muitas novidades. Entre elas, o lançamento de uma coletânea, escrita por alunos da Rede Pública de Ensino.

A obra intitulada “As 50 melhores crônicas do Ler é Bom, Experimente! “, é o resultado do concurso dos estudantes participantes do projeto “Ler é Bom, Experimente!”.

Neste ano o projeto, patrocinado pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil, contou com a participação de cem mil estudantes de várias regiões do país.

Os textos foram selecionados por professores e alunos da UNICID – Universidade Cidade de São Paulo e, para enriquecer ainda mais o conteúdo, a obra também trará crônicas de Laé de Souza e Luiz Fernando Verissimo.

Lançamento do Livro

A obra, comercializada pelo preço de custo (R$5,00), será lançada no dia 14 de agosto (sábado), às 16h, no Estande “Projetos de Leitura”, Rua “B” nº 42, na Bienal do Livro, no Pavilhão de Exposições do Anhembi, São Paulo.

O livro surpreende por trazer textos bem conduzidos e uma série de elementos com grande força de atração, compostos pelos adolescentes e jovens participantes dos Projetos de Leitura. Emoções, paixões, aventuras, encontros, desencontros e muitos sonhos marcam essa obra da Editora Ecoarte.

Participe dessa grande festa! Durante o lançamento o escritor Laé de Souza e os estudantes irão autografar a obra.

Informações: (11) 2743-9491 e 2743-8400 - site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Colaboração de Laé de Souza.

Mário Quintana (Quintana de Bolso)


CANÇÃO DE UM DIA DE VENTO

O vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule.
As mãos da menina morta
Estão varadas de luz.
No colo, juntos, refulgem
Coração, ancora e cruz,
Nunca a água foi tão pura...
Quem a teria abençoado?
Nunca o pão de cada dia
Teve um gosto mais sagrado.
E o vento vinha ventando
Pelas cortinas de tule...
Menos um lugar na mesa
Mais um nome na oração.
Da que consigo levara.
Cruz, ancora e coração
(E o vento vinha ventando...)
Daquela de cujas penas
Só os anjos saberão !

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

TROVA

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO
Para Augusto Meyer

Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.

Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?

Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...

No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.

O AUTO-RETRATO

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

A CANÇÃO DA VIDA

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

AH! OS RELÓGIOS

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
------------

Fonte:
QUINTANA, Mário. Quintana de Bolso: Ria dos Cataventos & Outros Poemas. Porto Alegre: L&PM, 2006.

Lairton Trovão de Andrade (Baú de Trovas)


Faço trovas noite e dia,
minto à imaginação...
Vivo, então, minha alegria
na magia da ilusão.

Quão exímia pensadora
é a coruja que se cala.
É tão nobre esta doutora,
que besteira nunca fala.

Dinheiro e felicidade
são coisas que nos convém;
sem ele a calamidade
nos leva cedo pro além.

Que coisa descomunal
aquele curvo nariz
que, ao assoar, é um temporal...
- e escorrer qual chafariz

Naqueles tempos de antanho,
ninguém era assim tão homem:
Havia pavor tamanho
das noites de lobisomem.

Há coisa que não te explico
na desditosa paixão:
Com quem me quer eu não fico,
com quem quero me diz “não”.

Com seu instinto de fome,
no casório está o glutão;
guloso, tudo consome
e cobre de ossos meu chão.

Mulher é anjo da guarda,
seiva de vida na terra;
em tudo, sempre vanguarda,
pomba de paz e...de guerra.

O tal velhaco, ao comprar,
é labioso em sua história;
mas, depois, não quer pegar,
diz até não ter memória.

Na trova – mau aprendiz,
na bola – perna de pau,
na foice – quebra os quadris,
mas toca bem berimbau!

Minha cara, dá-me a mão,
é por ti que vivo e morro!
Dá-me afeto, sim, do cão,
Não, porém, de um “cão cachorro”

As horas todas do mundo
pertencem ao joão-preguiça;
dá vida em ser vagabundo,
- nem por viver tem cobiça.

Nos horários de verão,
os galos em trapalhada,
sem saber que horas são,
cantam sempre em hora errada.

Vive o invejoso feliz
com toda alheia desgraça;
fingindo, é o que sempre diz:
- “Coitado! Ele é boa praça”!
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Fonte:
ANDRADE, Lairton Trovão de. Sinos de Trovas II. Portal CEN, 2006. Livro inteiro disponível em http://www.caestamosnos.org