sexta-feira, 18 de março de 2011

Silviah Carvalho (O Poeta)


É aquele que ama um pouco mais,
E nunca ama por amar
E sonha um pouco mais, voa um pouco mais alto
E um pouco mais longe...
Chega onde poucos conseguem chegar

Entra nos labirintos da mente
Conhece o passado e presente
Deduz o futuro com tanta exatidão
Que parece viver um passo a frente

Nele existe um pouco mais de emoção
Um pouco mais de atenção
Um pouco mais de alegria
E um pouco mais de solidão

Um pouco mais de sinceridade
Coisa pouca dentro de muita gente
Um pouco mais da louca igualdade
Que o faz assim, tão diferente

Ele tem um pouco mais de quase tudo
Guardado dentro da mente
De tudo faz um poema, revela tudo que sente

Assim é o poeta
Ama sem ser amado; espera sem ser esperado
E muitas vezes, morre abandonado

Por vezes, só depois da morte
Tem seus poemas lembrados...

Fonte:
http://umcoracaoqueama.blogspot.com/

Machado de Assis (A Vida Eterna)


É opinião unânime que não há estado comparável àquele que nem é sono nem vigília, quando, desafogado o espírito de aflições, procura algum repouso às lides da existência. Eu de mim digo que ainda não achei hora de mais prazer, sobretudo quando tenho o estômago satisfeito e aspiro a fumaça de um bom charuto de Havana.

Depois de uma ceia copiosa e delicada, em companhia de meu excelente amigo o dr. Vaz, que me apareceu em casa depois de dois anos de ausência, fomos eu e ele para a minha alcova, e aí entramos a falar de coisas passadas, como dois velhos para quem já não tem futuro a gramática da vida.

Vaz estava assentado numa cadeira de espaldar, toda forrada de couro, igual às que ainda hoje se encontram nas sacristias; e eu estendi-me em um sofá também de couro. Ambos fumávamos dois excelentes charutos que me haviam mandado de presente alguns dias antes.

A conversa, pouco animada ao princípio, foi esmorecendo cada vez mais, até que eu e ele, sem deixarmos o charuto da boca, cerramos os olhos e entramos no estado a que aludi acima, ouvindo os ratos que passeavam no forro da casa, mas inteiramente esquecidos um do outro.

Era natural passarmos dali ao sono completo, e eu lá chegaria, se não ouvisse bater à porta três fortíssimas pancadas. Levantei-me sobressaltado; Vaz continuava na mesma posição, o que me fez supor que estivesse dormindo, porque as pancadas deviam ter-lhe produzido a mesma impressão se ele se achasse meio acordado como eu.

Fui ver quem me batia à porta. Era um sujeito alto e magro embuçado em um capote. Apenas lhe abri a porta, o homem entrou sem me pedir licença, e nem dizer coisa nenhuma. Esperei que me expusesse o motivo da sua visita, e esperei debalde, porque o desconhecido sentou-se comodamente em uma cadeira, cruzou as pernas, tirou o chapéu e começou a tocar com os dedos na copa do dito chapéu uma coisa que eu não pude saber o que era, mas que devia ser alguma sinfonia de doidos, porque o homem parecia vir direitinho da Praia Vermelha.



Relanceei os olhos para o meu amigo, que dormia a sono solto na cadeira de espaldar. Os ratos continuavam a sua saturnal no forro.

Conservei-me de pé durante poucos instantes a ver se o desconhecido se resolvia a dizer alguma coisa, e durante esse tempo, apesar da impressão desagradável que o homem produzia em mim, examinei-lhe as feições e o vestuário.

Já disse que vinha embrulhado em um capote; ao sentar-se, abriu-se-lhe o capote, e vi que o homem calçava umas botas de couro branco, vestia calça de pano amarelo e um colete verde, cores estas que, se estão bem numa bandeira, não se pode com justiça dizer que adornem e aformoseiem o corpo humano.

As feições eram mais estranhas que o vestuário; tinha os olhos vesgos, um grande bigode, um nariz à moda de César, boca rasgada, queixo saliente e beiços roxos. As sobrancelhas eram fartas, as pestanas longas, a testa estreita, coroando tudo uns cabelos grisalhos e em desordem.

O desconhecido, depois de tocar a sua música na copa do chapéu, levantou os olhos para mim, e disse-me:

— Sente-se, meu rico senhor!

Era atrevimento receber eu ordens em minha própria casa. O meu primeiro dever era mandar o sujeito embora; contudo, o tom em que ele falou era tão intimativo que eu insensivelmente obedeci e fui sentar-me no sofá. Daí pude ver melhor a cara do homem, à luz do lampião que pendia do teto, e achei-a pior do que antes.

— Chamo-me Tobias e sou formado em matemáticas. Inclinei-me levemente.

O desconhecido continuou:

— Desconfio que hei de morrer amanhã; não se espante; tenho certeza de que amanhã vou para o outro mundo. Isso é o menos; morrer é dormir, to die, to sleep; entretanto, não quero ir deste mundo sem cumprir um dever imperioso e indispensável. Veja isto.

O desconhecido tirou do bolso um quadrinho e entregou-me. Era uma miniatura; representava uma moça formosíssima de feições. Restituí o quadro ao meu interlocutor esperando a explicação.

— Esse retrato, continuou ele olhando para a miniatura, é de minha filha Eusébia, moça de vinte e dois anos, senhora de uma riqueza igual à de um Creso, porque é a minha única herdeira.

Eu me espantaria do contraste que havia entre a riqueza e a aparência do desconhecido se não tivesse já a convicção de que tratava com um doido. O que eu estava a ver era o meio de pôr o homem pela porta fora; mas confesso que receava algum conflito, e por isso esperei o resultado daquilo tudo.

Entretanto perguntava a mim mesmo como é que os meus escravos deixaram entrar um desconhecido até a porta do meu quarto, apesar das ordens especiais que eu havia dado em contrário. Já eu calculava mentalmente a natureza do castigo que lhes daria por causa de tamanha incúria ou cumplicidade, quando o desconhecido atirou-me estas palavras à cara:

— Antes de morrer quero que o senhor se case com Eusébia; é esta a proposta que venho fazer-lhe; sendo que, no caso de aceitar o casamento, já aqui lhe deixo este maço de notas do banco para alfinetes, e no caso de recusar mando-lhe simplesmente uma bala a cabeça com este revólver que aqui trago.

E pôs à mesa o maço de bilhetes do banco e o revólver engatilhado.

A cena tomava um aspecto dramático. O meu primeiro ímpeto foi acordar o dr. Vaz, a ver se ajudado por ele punha o homem pela porta fora; mas receei, e com razão, que vendo um gesto meu nesse sentido, o desconhecido executasse a segunda parte do seu discurso.

Só havia um meio: ladear.

— Meu rico sr. Tobias, e inútil dizer-lhe que eu sinto imensa satisfação com a proposta que me faz, e está longe de mim a idéia de recusar a mão de tão formosa criatura, e mais os seus contos de réis. Entretanto, peço-lhe que repare na minha idade; tenho setenta anos; a sra. D. Eusébia apenas conta vinte e dois. Não lhe parece um sacrifício isto que vamos impor à sua filha?

Tobias sorriu, olhou para o revólver, e entrou a tocar com os dedos na copa do chapéu.

— Longe de mim, continuei eu, a idéia de ofendê-lo; pelo contrário, se eu consultasse unicamente a minha ambição não diria palavra; mas é no interesse mesmo dessa gentilíssima dama, que eu já vou amando apesar dos meus setenta, e no interesse dela que eu lhe observo a disparidade que entre nós existe.

Estas palavras disse-as eu em voz alta a ver se o dr. Vaz acordava; mas o meu amigo continuava mergulhado na cadeira e no sono.

— Não quero saber de sua idade, disse Tobias pondo o chapéu na cabeça e segurando no revólver; o que eu quero é que se case com Eusébia, e hoje mesmo. Se recusa, mato-o.

Tobias apontou-me o revólver. Que faria eu naquela alternativa, senão aceitar a moça e a riqueza, apesar de todos os meus escrúpulos?

— Caso! exclamei.

Tobias guardou o revólver na algibeira, e disse:

— Pois bem, vista-se.
— Já?
— Sem demora. Vista-se enquanto eu leio. Levantou-se, foi à minha estante, tirou um volume do D. Quixote, e foi sentar-se outra vez; e enquanto eu, mais morto que vivo, ia buscar ao guarda-roupa a minha casaca, o desconhecido tomou uns óculos e preparou-se para ler.
— Quem é este sujeito que está dormindo tão tranqüilo? perguntou ele enquanto limpava os óculos.
— É o dr. Vaz, meu amigo; quer que lhe apresente?
— Não, senhor, não é preciso, respondeu Tobias sorrindo maliciosamente.

Vesti -me com vagar para dar tempo a que algum incidente viesse interromper aquela cena desagradável para mim. Além disso estava trêmulo, não atinava com a roupa, nem com a maneira de vestir.

De quando em quando deitava um olhar para o desconhecido, que lia tranqüilamente a obra do imortal Cervantes.

O meu relógio bateu onze horas.

Subitamente lembrou-me que, uma vez na rua, podia eu ter o recurso de encontrar um policial a quem comunicaria a minha situação, conseguindo ver-me livre do meu importuno sogro.

Outro recurso havia, e melhor que esse; vinha a ser acordar o dr. Vaz na ocasião da partida (coisa natural) e ajudado por ele desfazer-me do incógnito.

Efetivamente, vesti-me o mais depressa que pude, e declarei-me às ordens do sr. Tobias, que fechou o livro, foi pô-lo na estante, rebuçou-se no capote, e disse:

— Vamos!
— Peço-lhe entretanto para acordar o dr. Vaz, que não pode ficar aqui, visto que tem de voltar para casa, disse-lhe eu dando um passo para a cadeira onde dormia o Vaz.
— Não é preciso, atalhou Tobias; voltamos dentro de pouco tempo.

Não insisti; restava-me o recurso do policial, ou de algum escravo se pudesse falar-lhe a tempo; o escravo era impossível. Quando saímos do quarto o desconhecido deu-me o braço e desceu comigo rapidamente as escadas até a rua.

À porta de casa havia um carro.

Tobias convidou-me a entrar nele.

Não tendo previsto este incidente, senti fraquear-me as pernas e perdi de todo a esperança de escapar do meu algoz. Resistir era impossível e arriscado; o homem estava armado com um argumento poderoso; e além disso, pensava eu, não se discute com um doido.

Entramos no carro.

Não sei quanto tempo andamos, nem por que caminho fomos; calculo que não ficou no Rio de Janeiro canto por onde não passássemos. No fim de longos e aflitivos séculos de angústia, parou o carro diante de uma casa toda iluminada por dentro.

— É aqui, disse o meu companheiro, desçamos.

A casa era um verdadeiro palácio; a entrada era ornada de colunas de ordem dórica, o vestíbulo calçado de mármore branco e preto, e iluminado por um magnífico candelabro de bronze de forma antiga.

Subimos, eu e ele, por uma magnífica escada de mármore, até o topo, onde se achavam duas pequenas estátuas representando Mercúrio e Minerva. Quando chegamos ali o meu companheiro disse-me apontando para as estátuas:

— São emblemas, meu caro genro: Minerva quer dizer Eusébia, porque é a sabedoria; Mercúrio, sou eu, porque representa o comércio.
— Então o senhor é comerciante? perguntei eu ingenuamente ao desconhecido.
— Fui negociante na Índia.

Atravessamos duas salas, e ao chegarmos à terceira encontramos um sujeito velho, a quem Tobias me apresentou dizendo:

Aqui está o dr. Camilo da Anunciação; leve-o para a sala dos convidados, enquanto eu vou mudar de roupa. Até já, meu caro genro.

E deu-me as costas.

O sujeito velho, que eu soube depois ser o mordomo da casa, tomou-me pela mão e levou-me a uma grande sala, que era onde se achavam os convidados.

Apesar da profunda impressão que me causava aquela aventura, confesso que a riqueza da casa me assombrava cada vez mais, e não só a riqueza, senão também o gosto e a arte com que estava preparada.

A sala dos convidados estava fechada quando lá chegamos; o mordomo bateu três pancadas, e veio abrir a porta um lacaio, também velho, que me segurou pela mão, ficando o mordomo do lado de fora.

Nunca me há de esquecer a vista da sala apenas se me abriram as portas. Tudo ali era estranho e magnífico. No fundo, em frente da porta de entrada, havia uma grande águia de madeira fingindo bronze, encostada à parede, com as asas abertas, e preparando-se como para voar. Do bico da águia pendia um espelho, cuja parte inferior estava presa às garras, conservando assim a posição inclinada que costuma ter um espelho de parede.



A sala não era forrada de papel, mas de seda branca, o teto artisticamente trabalhado; grandes candelabros, magnífica mobília, flores em profusão, tapetes, tudo enfim quanto o luxo e o gosto sugerem ao espírito de um homem rico.

Os convidados eram poucos e, não sei por que coincidência, eram todos velhos, como o mordomo e o lacaio, e o meu próprio sogro; finalmente velhos como eu também. Introduzido pelo criado, fui logo cumprimentado pelas pessoas presentes com uma atenção que me dispôs logo o ânimo a querer-lhes bem.

Sentei-me numa cadeira, e vieram reunir-se em roda de mim, todos risonhos e satisfeitos por ver o genro do incomparável Tobias. Era assim que chamavam ao homem do revólver.

Acudi como pude às perguntas que me faziam, e parece que todas as minhas respostas contentavam aos convidados, porquanto de minuto a minuto choviam sobre mim louvores e cumprimentos.

Um dos convidados, homem de setenta anos, condecorado e calvo, disse com aplausos gerais:

— O Tobias não podia encontrar melhor genro, nem que andasse com uma lanterna por toda a cidade, que digo? por todo o império; vê-se que o dr. Camilo da Anunciação é um perfeito cavalheiro, notável por seus talentos, pela gravidade da sua pessoa, e enfim pelos admiráveis cabelos brancos que lhe adornam a cabeça, mais feliz do que eu que os perdi há muito.

Suspirou o homem com tamanha força que parecia estar nos arrancos da morte. A assembléia cobriu de aplausos as últimas palavras do orador.

Articulei um agradecimento, e preparei imediatamente os ouvidos para responder a outro discurso que me foi dirigido por um coronel reformado, e outro finalmente por uma senhora que, desde a minha entrada, não tirava os olhos de mim.

— Sra. condessa, disse o coronel quando a senhora acabou de falar, confesse V. Excia. que os rapazes de hoje não valem este respeitável ancião, futuro genro do incomparável Tobias.

— Valem nada, coronel! Em matéria de noivos só o século passado os fornece capazes e bons. Casamentos de hoje! Abrenúncio! Uns peraltas todos pregadinhos e esticados, sem gravidade, sem dignidade, sem honestidade!

A conversa assentou toda neste assunto. O século dezenove sofreu ali um vasto processo; e (talvez preconceito de velho) falavam tão bem naquele assunto, com tanta discrição e acerto, que eu acabei por admirá-los.

No meio de tudo, estava ansioso por conhecer a minha noiva. Era a última curiosidade; e se ela fosse, como eu imaginava, uma beleza, e além do mais riquíssima, que poderia exigir da sorte?

Aventurei uma pergunta nesse sentido a uma senhora que se achava ao pé de mim e em frente à condessa. Disse-me ela que a noiva estava no toucador, e não tardava muito que eu a visse. Acrescentou que era linda como o sol.

Entretanto decorrera uma hora, e nem a noiva, nem o pai, o incomparável Tobias, aparecia na sala. Qual seria a causa da demora do meu futuro sogro? Para vestir-se não era preciso tanto tempo. Eu confesso que, apesar da cena do quarto e das disposições em que vi o homem, estaria mais tranqüilo se ele estivesse presente. É que ao velho já eu tinha visto em minha casa; habituara-me aos seus gestos e discursos.

No fim de hora e meia abriu-se a porta para dar entrada a uma nova visita. Imaginem o meu pasmo quando dei com os olhos no meu amigo dr. Vaz! Não pude abafar um grito de surpresa, e corri para ele.

— Tu aqui!
— Ingrato! respondeu sorrindo o Vaz, casas e não convidas ao teu primeiro amigo. Se não fosse esta carta ainda eu lá estaria no teu quarto à espera.
— Que carta? perguntei eu.

O Vaz abriu a carta que trazia na mão e deu-me para ler, enquanto os convidados de longe contemplavam a cena inesperada, tanto por eles, como por mim.

A carta era de Tobias, e participava ao Vaz que, tendo eu de casar-me naquela noite, tomava ele a liberdade de convidá-lo, na qualidade de sogro, para assistir a cerimônia.

— Como vieste?
— Teu sogro mandou-me um carro.

Aqui fui obrigado a confessar mentalmente que o Tobias merecia o título de incomparável, como Enéas o de pio. Compreendi a razão por que não quis que eu o acordasse; era para causar-lhe a surpresa de vê-lo depois.

Como era natural, quis o meu amigo que eu lhe explicasse a história do casamento, tão súbito, e eu já me dispunha a isso, quando a porta se abriu e entrou o dono da casa. Era outro.

Já não tinha as roupas esquisitas e o ar singular com que o vira no meu quarto; agora trajava com aquela elegância grave que cabe a um velho, e pairava-lhe nos lábios o mais amável sorriso.

— Então, meu caro genro, disse-me ele depois dos cumprimentos gerais, que me diz à vinda do seu amigo?
— Digo, meu caro sogro, que o senhor é uma pérola. Não imaginará talvez o prazer que me deu com esta surpresa, porque o Vaz foi e é o meu primeiro amigo.

Aproveitei a ocasião para o apresentar a todas os convidados, que foram de geral acordo em que o dr. Vaz era um digno amigo do dr. Camilo da Anunciação. O incomparável Tobias manifestou o desejo e a esperança de que dentro de pouco tempo ficaria a sua pessoa ligada à de nós ambos, por modo que fôssemos todos designados: os três amigos do peito.

Bateu meia-noite não sei em que igreja da vizinhança. Ergueu-se o incomparável Tobias, e disse-me:

— Meu caro genro, vamos cumprimentar a sua noiva; aproxima-se a hora do casamento. Levantaram-se todos e dirigiram-se para a porta da entrada, indo na frente eu, o Tobias e o Vaz. Confesso que, de todos os incidentes daquela noite, este foi o que mais me impressionou. A idéia de ir ver uma formosa donzela, na flor da idade, que devia ser minha esposa — esposa de um velho filósofo já desenganado das ilusões da vida —, essa idéia, confesso que me aterrou.

Atravessamos uma sala e chegamos diante de uma porta, meia aberta, dando para outra sala ricamente iluminada. Abriram a porta dois lacaios, e todos nós entramos.

Ao fundo, sentada num riquíssimo divã azul, estava já pronta e deslumbrante de beleza a sra. D. Eusébia. Tinha eu até então visto muitas mulheres de fascinar; nenhuma chegava aos pés daquela. Era uma criação de poeta oriental. Comparando a minha velhice à mocidade de Eusébia, senti-me envergonhado, e tive ímpetos de renunciar ao casamento. Fui apresentado à noiva pelo pai, e recebido por ela com uma afabilidade, uma ternura, que acabaram por vencer-me completamente. No fim de dois minutos estava eu cegamente apaixonado.

— Meu pai não podia escolher melhor marido para mim, disse-me ela fitando-me uns olhos claros e transparentes; espero que tenha a felicidade de corresponder aos seus méritos.

Balbuciei uma resposta; não sei o que disse; tinha os olhos embebidos nos dela. Eusébia levantou-se e disse ao pai:

— Estou pronta.

Pedi que Vaz fosse uma das testemunhas do casamento, o que foi aceito; a outra testemunha foi o coronel. A condessa serviu de madrinha.

Saímos dali para a capela, que era na mesma casa, e pouco retirada; já lá se achavam o padre e o sacristão. Eram ambos velhos como toda a gente que havia em casa, exceto Eusébia.

Minha noiva deu o sim com uma voz forte, e eu com voz fraquíssima; pareciam invertidos os papéis.

Concluído o casamento, ouvimos um pequeno discurso do padre acerca dos deveres que o casamento impõe e da santidade daquela cerimônia. O padre era um poço de ciência e um milagre de concisão; disse muito em pouquíssimas palavras. Soube depois que nunca tinha ido ao parlamento.

À cerimônia do casamento seguiu-se um ligeiro chá e alguma música. A condessa dançou nm minueto com o velho condecorado, e assim terminou a festa.

Conduzido aos meus aposentos por todos os convidados, soube em caminho que o Vaz dormiria lá, por convite expresso do incomparável Tobias, que fez a mesma fineza aos circunstantes.

Quando me achei só com a minha noiva, caí de joelhos e disse-lhe com a maior ternura:

— Tanto vivi para encontrar agora, já quase no túmulo, a maior ventura que pode caber ao homem, porque o amor de uma mulher como tu é um verdadeiro presente do céu! Falo em amor e não sei se tenho direito de o fazer... porque eu sou velho, e tu...
— Cale-se! cale-se! disse-me Eusébia assustada.

E foi cair num sofá com as mãos no rosto.

Espantou-me aquele movimento, e durante alguns minutos fiquei na posição em que estava, sem saber o que havia de dizer.

Eusébia parecia estar chorando.

Levantei-me afinal, e acercando-me do sofá, perguntei-lhe que motivo tinha para aquelas lágrimas.

Não me respondeu.

Tive uma suspeita; imaginei que Eusébia amava alguém, e que, para castigá-la do crime desse amor, obrigavam-na a casar com um velho desconhecido a quem ela não podia amar.

Despertou-se-me uma fibra de D. Quixote. Era uma vítima; cumpria salvá-la. Aproximei-me de Eusébia, confiei-lhe a minha suspeita, e declarei-lhe a minha resolução.

Quando eu esperava vê-la agradecer-me de joelhos o nobre impulso das minhas palavras, vi com surpresa que a moça olhava para mim com ar de compaixão, e dizia-me abanando a cabeça:

— Desgraçado! é o senhor quem está perdido!
— Perdido! exclamei eu dando um salto.
— Sim, perdido!

Cobriu-se-me a testa de um suor frio; as pernas entraram a tremer-me, e eu para não cair assentei-me ao pé dela no sofá. Pedi-lhe que me explicasse as suas palavras.

Por que não? disse ela; se lhe ocultasse seria cúmplice perante Deus, e Deus sabe que eu sou apenas um instrumento passivo nas mãos de todos esses homens. Escute. O senhor é o meu quinto marido; todos os anos, no mesmo dia e à mesma hora, dá-se nesta casa a cerimônia que o senhor presenciou. Depois, todos me trazem para aqui com o meu noivo, o qual...

— O qual? perguntei eu suando.
— Leia, disse Eusébia indo tirar de uma cômoda um rolo de pergaminho; há um mês que eu pude descobrir isto, e só ha um mês tive a explicação dos meus casamentos todos os anos.

Abri trêmulo o rolo que ela me apresentava, e li fulminado as seguintes linhas:

Elixir da eternidade, encontrado numa ruína do Egito, no ano de 402. Em nome da águia preta e dos sete meninos do Setentrião, salve. Quando se juntarem vinte pessoas e quiserem gozar do inapreciável privilégio de uma vida eterna, devem organizar uma associação secreta, e cear todos os anos no dia de S. Bartolomeu, um velho maior de sessenta anos de idade, assado no forno, e beber vinho puro por cima.

Compreende alguém a minha situação? Era a morte que eu tinha diante de mim, a morte infalível, a morte dolorosa. Ao mesmo tempo era tão singular tudo quanto eu acabava de saber, parecia -me tão absurdo o meio de comprar a eternidade com um festim de antropófagos, que o meu espírito pairava entre a dúvida e o receio, acreditava e não acreditava, tinha medo e perguntava por quê?

— Essa é a sorte que o espera, senhor!
— Mas isto é uma loucura! exclamei; comprar a eternidade com a morte de um homem! Demais, como sabe que este pergaminho tem relação?...
— Sei, senhor, respondeu Eusébia; não lhe disse eu que este casamento era o quinto? Onde estão os outros quatro maridos? Todos eles penetraram neste aposento para saírem meia hora depois. Alguém os vinha chamar, sob qualquer pretexto, e eu nunca mais os via. Desconfiei de alguma grande catástrofe; só agora sei o que é.

Entrei a passear agitado; era verdade que eu ia morrer? era aquela a minha última hora de vida? Eusébia, assentada no sofá, olhava para mim e para a porta.

— Mas aquele padre, senhora, perguntei eu parando em frente dela, aquele padre também é cúmplice?
— É o chefe da associação.
— E a senhora! também é cúmplice, pois que as suas palavras foram um verdadeiro laço; se não fossem elas eu não aceitaria o casamento...
— Ai! senhor! respondeu Eusébia lavada em lágrimas; sou fraca, isso sim; mas cúmplice, jamais. Aquilo que lhe disse foi-me ensinado.

Nisto ouvi um passo compassado no corredor; eram eles naturalmente.

Eusébia levantou-se assustada e ajoelhou-se-me aos pés, dizendo com voz surda:

— Não tenho culpa de nada do que vai acontecer, mas perdoe-me a causa involuntária! Olhei para ela e disse-lhe que a perdoava.

Os passos aproximavam-se.

Dispus-me a vender caro a minha vida; mas não me lembrava que, além de não ter armas, faltavam-me completamente as forças.

Quem quer que vinha andando chegou à porta e bateu. Não respondi logo; mas insistindo de fora nas pancadas, perguntei:

— Quem está aí?
— Sou eu, respondeu-me Tobias com voz doce; queira abrir-me a porta. —
– Para quê?
— Tenho de comunicar-lhe um segredo.
— A esta hora!
— É urgente.

Consultei Eusébia com os olhos; ela abanou tristemente a cabeça.

— Meu sogro, adiemos o segredo para amanhã.
— É urgentíssimo, respondeu Tobias, e para não lhe dar trabalho eu mesmo abro com outra chave que possuo.

Corri à porta, mas era tarde; Tobias estava na soleira, risonho como se fosse entrar num baile.

— Meu caro genro, disse ele, peço-lhe que venha comigo à sala da biblioteca; tenho de comunicar-lhe um importante segredo relativo à nossa família.
— Amanhã, não acha melhor? disse eu.
— Não, há de ser já! respondeu Tobias franzindo a testa.
— Não quero!
— Não quer! pois há de ir.

— Bem sei que sou o seu quinto genro, meu caro sr. Tobias.
— Ah! sabe! Eusébia contou-lhe os outros casamentos; tanto melhor! E, voltando-se para a filha, disse com frieza de matar:
— Indiscreta! vou dar-te o prêmio.
— Sr. Tobias, ela não tem culpa.
— Não foi ela quem lhe deu esse pergaminho? perguntou o Tobias apontando para o pergaminho que eu ainda tinha na mão.

Ficamos aterrados!

Tobias tirou do bolso um pequeno apito e deu um assobio, ao qual responderam outros; e daí a alguns minutos estava a alcova invadida por todos os velhos da casa.

— Vamos à festa! disse o Tobias.

Lancei mão de uma cadeira e ia atirar contra o sogro, quando Eusébia segurou-me no braço, dizendo:
— É meu pai!
— Não ganhas nada com isso, disse Tobias sorrindo diabolicamente; hás de morrer, Eusébia.

E segurando-a pelo pescoço entregou-a a dois lacaios dizendo:

— Matem-na.

A pobre moça gritava, mas em vão; os dois lacaios levaram-na para fora, enquanto os outros velhos seguraram-me pelos braços e pernas, e levaram-me em procissão para uma sala toda forrada de preto. Cheguei ali mais morto que vivo. Já lá achei o padre vestido de batina.

Quis ver antes de morrer o meu pobre amigo Vaz, mas soube pelo coronel que ele estava dormindo, e não sairia mais daquela casa; era o prato destinado ao ano futuro.

O padre declarou-me que era o meu confessor; mas eu recusei receber a absolvição do próprio que me ia matar. Queria morrer impenitente.

Deitaram-me em cima de uma mesa atado de pés e mãos, e puseram-se todos à roda de mim, ficando à minha cabeceira um lacaio armado com um punhal.

Depois entrou toda a companhia a entoar um coro em que eu só distinguia as palavras: Em nome da águia preta e dos sete meninos do Setentrião.

Corria -me o suor em bagas; eu quase nada via; a idéia de morrer era horrível, apesar dos meus setenta anos, em que já o mundo não deixa saudades.

Parou o coro e o padre disse com voz forte e pausada:

— Atenção! Faça o punhal a sua obra!

Luziu-me pelos olhos a lâmina do punhal, que se cravou todo no coração; o sangue jorrou-me do peito e inundou a mesa; eu entre convulsões mortais dei o último suspiro. Estava morto, completamente morto, e entretanto ouvia tudo à roda de mim; restava-me uma certa consciência deste mundo a que já não pertencia.

— Morreu? perguntou o coronel.
— Completamente, respondeu Tobias; vão chamar agora as senhoras. As senhoras chegaram dali a pouco, curiosas e alegres.
— Então? perguntou a condessa; temos homem?
— Ei-lo.

As mulheres aproximaram-se de mim, e ouvi então um elogio unânime dos canibais; todos concordaram em que eu estava gordo e havia de ser excelente prato.

— Não podemos assá-lo inteiro; é muito alto e gordo; não cabe no forno; vamos esquartejá-lo; venham facas.

Estas palavras foram ditas pelo Tobias, que imediatamente distribuiu os papéis: o coronel cortar-me-ia a perna esquerda, o condecorado a direita, o padre um braço, ele outro e a condessa, amiga de nariz de gente, cortaria o meu para comer de cabidela.
Vieram as facas, e começou a operação; confesso que eu não sentia nada; só sabia que me haviam cortado uma perna quando ela era atirada ao chão com estrépito.

— Bem, agora ao forno, disse Tobias.

De repente ouvi a voz do Vaz.

— Que é isso, ó Camilo, que é isso? dizia ele.

Abri os olhos e achei-me deitado no sofá em minha casa; Vaz estava ao pé de mim.

— Que diabo tens tu?

Olhei espantado para ele, e perguntei:

— Onde estão eles?
— Eles quem?
— Os canibais!
— Estás doido, homem!

Examinei-me: tinha as pernas, os braços e o nariz. O quarto era o meu. Vaz era o mesmo Vaz.

— Que pesadelo tiveste! disse ele. Estava eu a dormir guando acordei com os teus gritos.
— Ainda bem, disse eu.

Levantei-me, bebi água, e contei o sonho ao meu amigo, que riu muito, e resolveu passar a noite comigo. No dia seguinte, acordamos tarde e almoçamos alegremente. Ao sair, disse-me o Vaz:

— Por que não escreves o teu sonho para o Jornal das Famílias?
— Homem, talvez.
— Pois escreve, que eu o mando ao Garnier.

Fontes:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
http://www2.uol.com.br/machadodeassis Publicado originalmente em Jornal das Famílias 1870
Imagem = http://www.contosdeterror.com.br (Elixir da Juventude)

Epopéias da Índia Antiga (O Râmâyana) Parte I


I
O Poeta

Entre os inúmeros poemas épicos ou epopéias que enriquecem a literatura sânscrita, sobressaem por seus méritos o Râmâyana e o Mahâbhârata, anteriores e superiores, em originalidade e beleza, à Ilíada e à Odisséia.

A língua sânscrita, com sua literatura, continua interessando aos orientalistas do Ocidente e aos eruditos do Oriente, embora há mais de dois mil anos não seja o sânscrito língua viva e não tenha perdido o seu caráter de sagrada.

O Râmâyana e o Mahâbhârata descrevem subalternamente os usos, costumes, crenças e cultura dos antigos monumentos da poesia sânscrita, embora anteriormente tenham sido escritos os Vedas, cuja maior parte está em forma métrica; todavia, na Índia o Râmâyana é considerado como a primeira e mais antiga produção poética.

O autor do Râmâyana foi Valmiki, sobre cuja vida teceram-se muitas conjeturas, do mesmo modo que a respeito de Homero e Shaskespeare no Ocidente, conquanto não caiba dúvida referente à autenticidade de sua existência. Se bem que muitos versos do poema não sejam seus, "mas interpolações, realçam entretanto a poética magnificência dessa obra sem par na literatura mundial.

Havia na Índia um jovem casado que, apesar de possuir compleição robusta, não encontrava trabalho para manter sua família, e que se tomara salteador de estradas, levado por aquele extremo desespero.

Atacava os viajantes, roubando-lhes tudo que levavam e com o fruto dos roubos mantinha seus velhos pais, sua mulher e filhos, sem que nenhum deles suspeitasse a sinistra procedência do dinheiro.

Assim levava a vida, quando certo dia passou pelo caminho em que estava um grande santo chamado Nârada, a quem o salteador deteve para roubar.

Porém Nârada perguntou-lhe:

- Por que queres roubar-me? Gravíssimo pecado é roubar e assassinar o próximo. Por que cometes tão grande pecado?

O salteador respondeu:

- Peco porque preciso manter minha família com o dinheiro que roubo.

O santo replicou:
- Crês que tua família participa do teu pecado?
- Sim certamente.
- Pois bem; prenda-me, ata-me os pés e as mãos e deixa-me aqui, enquanto vais à tua casa e perguntas a todos se querem participar do teu pecado, como participam do teu dinheiro.

O salteador concordou com a proposta, atou o santo foi à casa e perguntou a seu pai:
– Sabes como te sustento?
– Não sei.
– Sou um salteador de estradas, que roubo os viandantes e os mato se não se deixam roubar.
- Como fazes isto, meu filho? Afasta-te de mim! És um pária!

O salteador perguntou depois à sua mãe:
- Sabes como te sustento?
- Não sei.
- É com o produto dos meus roubos e assassinatos.
- Que coisa triste!
- Queres compartilhar de meu pecado?
- Por que haveria de fazê-lo? Nunca roubei a ninguém.

O salteador perguntou depois à sua esposa:
- Sabes como te mantenho?
- Não sei.
- Pois sou um salteador, de estradas e quero saber se estás disposta a compartilhar do meu pecado.
- Absolutamente. És meu marido e tens o dever de manter-me honradamente.

Então o salteador percebeu a maldade de sua conduta, ao ver que seus mais íntimos parentes negavam-se resolutamente a compartilhar a responsabilidade de suas más ações e volvendo ao sitio em que havia deixado o santo Nârada, desamarrou-o, relatou-lhe tudo quanto até então havia feito e caindo de joelhos a seus pés, exclamou compungido:

– Salva-me! Que devo fazer?

O santo respondeu-lhe:

- Abandona para sempre este gênero de vida, pois já viste que nenhum dos teus aprova o que fazes e te desprezam ao saber quem és. Participam de tua prosperidade, porém, quando nada tiveres para dar-lhes, hão de abandonar-te. Não querem compartilhar do teu mal, mas aproveitar-se dos teus bens. Portanto, adora Aquele que sempre está ao nosso lado, no mal e no bem; que nunca nos abandona porque o amor não conhece nem o engano, nem o egoísmo.

Depois Nârada ensinou-lhe a adorar a Deus; e aquele homem, renunciando por completo ao mundo, retirou-se para as selvas e entregou-se à meditação, esquecendo-se inteiramente de sua personalidade, de sorte que nem percebeu os formigueiros que surgiam em torno dele.

No fim de alguns anos ouviu uma voz que lhe dizia:

- Levanta-te, ó sábio!

Ele, porém, respondeu:
Sábio? Sou um ladrão ...

A voz replicou:
- Já não és salteador de estradas. És um sábio purificado. Esquece teu antigo nome. Agora, já que tua meditação foi tão profunda que nem notaste os formigueiros que se formavam ao teu redor, chamar-te-ás Valmiki, que significa: "O que nasceu entre os formigueiros."

Aquele que outrora era salteador de estradas converteu-se em um sábio. Um dia, quando foi banhar-se no sagrado rio Ganges, viu um casal de pombos que cirandavam, beijando-se com carinho; Valmiki contemplava enternecido tão formoso espetáculo, quando de súbito silvou uma flecha ao seu ouvido, indo matar o pombo.

A pomba, ao ver seu companheiro caído sem vida, deu voltas ao redor do cadáver, com mostra de profundo pesar.

Valmiki revoltou-se e ao alongar a vista descobriu o caçador, a quem, possuído de nobre indignação apostrofou:

– És um miserável sem noção de piedade. Nem o amor pôde deter tua mão assassina?

Porém, Valmiki refletiu:

– Que é isto? Que estou dizendo? Nunca falei assim até agora!

Então ouviu uma voz que disse:

– Não temas, porque de teus lábios brota a poesia. Escreve a vida de Rama em linguagem poética, para benefício do mundo.

Assim começou a epopéia. O primeiro verso é uma torrente de piedade brotando do coração de Valmiki.

Fonte:
Vivekananda, Swami. Epopéias da Índia Antiga.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 152 a 154)


Mensagens Poéticas n. 152

Uma Trova Nacional

Um velho muito assanhado,
mas já de carne bem magra,
quis recordar o passado,
e se entupiu de Viagra ...
(AGNELO CAMPOS/SP)

Uma Trova Potiguar

Pijama de seda lisa
neste teu corpo delgado
em si, já caracteriza
o quanto és "delicado".
(ROSA REGIS/RN)

Uma Trova Premiada

2009 > Bandeirantes/PR
Tema > ARRUAÇA > Menção Honrosa

De arruaça em arruaça,
de pinga a cabeça cheia,
surrou a mulher na praça
e foi mulher na cadeia.
(OLGA AGULHON/PR)

Uma Trova de Ademar

Um matuto, por sandice,
ao ver a Praia fez festa...
Olhou para o Mar e disse:
– ô açudão da molesta!!!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Fantasiei-me de rato
e vejam só no que deu:
meu marido foi de gato,
por pouco não me comeu...
(VERA MARIA DE LIMA BRAZ/MG)

Simplesmente Poesia

MOTE.
Cabra safado não morre;
Só se matar de cacete.

GLOSA:
Não há veneno nem porre
pra levar o traste ruim.
Quem é bom logo tem fim,
cabra safado não morre;
o diabo sempre o socorre
por debaixo do colete;
toma coice de ginete,
de cobra leva mordida,
mas não desgruda da vida,
só se matar de cacete.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Estrofe do Dia

Eu vivo assim nesse frevo,
as minhas dívidas pagando,
todo mundo me cobrando,
quanto mais pago mais devo;
já estou que não me atrevo
pagar o que não comprei,
só se chegou essa lei
depois da democracia!
Paguei mais do que devia,
devo mais do que paguei.
(ZEZO PATRIOTA/PB)

Soneto do Dia

– Marcos Satoru Kawanami/SP –
MINHA NORA VIDENTE.

Achei, de minha parte, coisa boa
os zelos e cuidados que agora
ao meu filho dispensa minha nora,
a qual varre, cozinha, e ensaboa.

Pois, antes, nem sequer mesquinha broa
degustava meu filho ao vir da aurora,
moído a sustentar a tal senhora
que ao banho não se dava, tão à toa...

Hoje em dia, meu filho passa bem:
a mulher tomou viço e se perfuma
cuida do lar com ânimo também!

Mas a transformação se deu, em suma,
depois que um anjo lá chegou, de trem,
por benzer as mulheres, uma a uma!


Mensagens Poéticas n. 153

Uma Trova Nacional

Pense bem nas atitudes
antes de emitir conceitos;
quem não conhece as virtudes
não deve apontar defeitos!
(ARLINDO TADEU HAGEN/MG)

Uma Trova Potiguar

Quando a família é rompida
por atos cegos, tiranos;
deixa destroços de vida,
restos de seres humanos.
(MANOEL CAVALCANTE/RN)

Uma Trova Premiada

1999 > Acad. Mineira de Trovas/MG
Tema > “LIVRE” > Venc.

Ao homem Deus deu a Terra
e veja o que o homem faz:
– Cria as hienas da guerra
e mata as pombas da paz.
(OLYMPIO COUTINHO/MG)

Uma Trova de Ademar

Envolta em seu lindo manto,
com seus raios derradeiros,
a lua clareia o pranto
nos olhos dos seresteiros.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Magia... Posso entendê-la
na inspiração que me embala:
é desejar uma estrela
e conseguir alcançá-la!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Simplesmente Poesia

– Henrique Marques Samyn/RJ –
NA FINAL DE 50.

Barbosa, cabisbaixo, se levanta
e segue, a passos lentos, rumo à meta.

Caminha. Numa solidão de asceta,
não vê o mundo em volta. Só a bola

que, morta, jaz na rede, entorpecida.
Barbosa se levanta. Não vê nada,

mas ouve a multidão emudecida.

Estrofe do Dia

Os carinhos de mãe estremecida,
os brinquedos dos tempos de criança,
o sorriso fugaz de uma esperança
e a primeira ilusão da nossa vida,
o adeus que se dá por despedida,
o desprezo que a gente não merece,
o delírio da lágrima quando desce
nos momentos de angustia e de desgraça;
passa tudo na vida, tudo passa
mas nem tudo que passa a gente esquece.
(DIMAS BATISTA/PE)

Soneto do Dia

– Carmen Ottaiano/SP –
ANDORINHAS.

Um dia ele chegou, tal primavera,
fazendo um ninho doce em minha mão,
juntando as folhas de uma longa espera
de andorinha que sonha com verão.

Um dia ele gerou tanta quimera,
tantos frutos já fora da estação,
que me despi das penas que eu tivera,
vendo explodir no peito uma canção!

Um dia ele partiu gerando infernos,
e os meus olhos em lágrimas serenas
cristalizaram temporais eternos...

Juntando versos de um verão apenas,
nua ao sabor de todos os invernos,
eu fiquei só, coberta de outras penas!

Mensagens Poéticas n. 154

Uma Trova Nacional

Vivo a vida, sem rancores;
e as mágoas que tive, um dia,
hoje, são mares de Amores
onde navega a Poesia!
(MARISA VIEIRA OLIVAES/RS)

Uma Trova Potiguar

Busquei no universo um dia,
uma resposta eficaz;
que transformasse a poesia
num hino de amor e paz!!!
(PROF. GARCIA/RN)

Uma Trova Premiada

1994 > Belém/PA
Tema > JANELA > Venc.

Ao sentir que foge a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!
(CAROLINA RAMOS/SP)

Uma Trova de Ademar

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Faço versos se estou triste,
faço versos de alegria,
a minha alma não resiste
aos apelos da poesia.
(CORA LAYDNER/RS)

Simplesmente Poesia

GLOSA:
Por qualquer outra riqueza,
não troca a minha poesia.

MOTE:
É da minha natureza,
achar que tudo está bom
e eu não troco esse meu dom
Por qualquer outra riqueza.
Sei navegar na beleza
de qualquer filosofia,
se o sofrer me deprecia
o amor vem me soerguer;
nem por dinheiro e poder
não troca a minha poesia
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Estrofe do Dia

Eu encontro poesia,
quando vem a madrugada
e quando surge a alvorada
trazendo a barra do dia;
a passarada em folia
da dormida despertando,
de dois em dois debandando
a procura de comer,
em tudo isto se vê
a poesia jorrando.
(ZÉ DE CAZUZA/PB)

Soneto do Dia

– Pedro Ornellas/SP –
REFÚGIO.

Todo poeta tem, por ser poeta,
um mundo à parte, pleno de magia!
Só ele sabe a porta, que é secreta,
fronteira entre o real e a fantasia.

Ali depõe a mágoa que o alfineta,
se o mundo o fere, ali se refugia...
É ali que encontra a paz e se completa
quando conversa, a sós, com a poesia.

Nesse lugar que a mente humana cria
o Amor é a lei, o bem a ordem-do-dia,
o idioma é a Paz e quem governa é a Arte!

Não é um lugar nas dimensões terrenas,
mas um estágio ao qual se eleva apenas
quem da Poesia faz seu mundo à parte!

Fonte:
Ademar Macedo
12, 13 e 14 de março

Carnaval em Versos (Organização de Heloísa Crespo) Parte Final


Organização: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.
heloisacrespo@gmail.com
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Heloisa Crespo

Os poetas foliões
vestiram as fantasias,
desfilaram nos cordões
declamando poesias.
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Pessoa
CARNAVAL DÉCIMA

Neste carnaval, espero,
Que brinque com sensatez
E abraçar todos vocês
Na quarta, é o que mais quero
Eis meu pedido sincero
Que faço e não volto atrás
Gosto de você demais
Se for dirigir, não beba
De Deus a graça receba
Tenha um carnaval de paz.

Fonte:
Heloísa Crespo

1o. Encontro do Selo Brasileiro


Escritores de várias regiões do Brasil se reúnem no primeiro evento oficial do grupo Selo Brasileiro, este que apresenta à literatura um novo mosaico de talentos e singularidades.

Ana Paula Bergamasco, Carolina Estrella, Darlan Hayek, Georgette Silen, Liana Cupini e Marcos Bulzara discutirão, num bate papo informal com os autores e leitores presentes, suas obras, sua arte, suas visões e opiniões sobre os assuntos importantes para a literatura de hoje.

A conversa com os autores será mediada por Hiago Rodrigues, que relacionará as perguntas entre os convidados e a plateia, participando ativamente com perguntas e sugestões.

Ao fim do evento serão sorteados vários brindes pelos autores, que estarão à disposição para consultas, troca de experiências e autógrafos.

Um ótimo programa cultural para quem gosta não só de livros, mas da nova literatura que se faz presente em todos os públicos, por muitas linguagens e de várias formas, com autores para todos os gostos.

Dados do evento:
Data: Sábado – 02/04/2011
Horário: 15h às 17h
Local: Livraria Saraiva- Shopping Center Norte
A entrada é gratuita

Mais informações 11 3449 4366 selobrasileiro@gmail.com selobrasileiro.blogspot.com

Fonte:
Agência Literária AGL
Blog do Agente Literário

Lygia Fagundes Telles (Tigrela)


Encontrei Romana por acaso, num café. Estava meio bêbada mas lá no fundo da sua transparente bebedeira senti um depósito espesso subindo rápido quando ficava séria. Então a boca descia, pesada, fugidio o olhar que se transformava de caçador em caça. Duas vezes apertou minha mão, eu preciso de você, disse. Mas logo em seguida já não precisava mais, e esse medo virava indiferença, quase desprezo, com um certo traço torpe engrossando o lábio. Voltava a ser adolescente quando ria, a melhor da nossa classe, sem mistérios. Sem perigo. Fora belíssima e ainda continuava mas sua beleza corrompida agora era triste até na alegria. Contou-me que se separou do quinto marido e vivia com um pequeno tigre num apartamento de cobertura.

Com um tigre, Romana? Ela riu. Tivera um namorado que andara pela Ásia e na bagagem trouxera Tigrela dentro de um cestinho, era pequenina assim, precisou criá-la com mamadeira. Crescera pouco mais do que um gato, desses de pêlo fulvo e com listras tostadas, o olhar de ouro. Dois terços de tigre e um terço de mulher, foi se humanizando e agora. No começo me imitava tanto, era divertido, comecei também a imitá-la e acabamos nos embrulhando de tal jeito que já não sei se foi com ela que aprendi a me olhar no espelho com esse olho de fenda. Ou se foi comigo que aprendeu a se estirar no chão e deitar a cabeça no braço para ouvir música, é tão harmoniosa. Tão limpa, disse Romana, deixando cair o cubo de gelo no copo. O pêlo é desta cor, acrescentou mexendo o uísque. Colheu com a ponta dos dedos uma lâmina de gelo que derretia no fundo do copo. Trincou-a nos dentes e o som me fez lembrar que antigamente costumava morder o sorvete. Gostava de uísque, essa Tigrela, mas sabia beber, era contida, só uma vez chegou a ficar realmente de fogo. E Romana sorriu quando se lembrou do bicho dando cambalhotas, rolando pelos móveis até pular no lustre e ficar lá se balançando de um lado para outro, fez Romana imitando frouxamente o movimento de um pêndulo. Despencou com metade do lustre no almofadão e aí dançamos um tango juntas, foi atroz. Depois ficou deprimida e na depressão se exalta, quase arrasou com o jardim, rasgou meu chambre, quebrou coisas. No fim, quis se atirar do parapeito do terraço, que nem gente, igual. Igual, repetiu Romana procurando o relógio no meu pulso. Recorreu a um homem que passou ao lado da nossa mesa, As horas, as horas! Quando soube que faltava pouco para a meia-noite baixou o olhar num cálculo sombrio. Ficou em silêncio. Esperei. Quando recomeçou a falar, me pareceu uma jogadora excitada, escondendo o jogo na voz artificial: Mandei fazer uma grade de aço em toda a volta da mureta, se quiser, ela trepa fácil nessa grade, é claro. Mas já sei que só tenta o suicídio na bebedeira e então basta fechar a porta que dá para o terraço. Está sempre tão lúcida, prosseguiu baixando a voz, e seu rosto escureceu. O que foi, Romana?, perguntei tocando-lhe a mão. Estava gelada. Fixou em mim o olhar astuto. Pensava em outra coisa quando me disse que no crepúsculo, quando o sol batia de lado no topo do edifício, a sombra da grade se projetava até o meio do tapete da sala e se Tigrela estivesse dormindo no almofadão, era linda a rede de sombra se abatendo sobre seu pêlo como uma armadilha.

Mergulhou o dedo indicador no copo, fazendo girar o gelo do uísque. Usava nesse dedo uma esmeralda quadrada, como as rainhas. Mas não é mesmo extraordinário? O pouco espaço do apartamento condicionou o crescimento de um tigre asiático na sábia mágica da adaptação, não passava de um gatarrão que exorbitou, como se intuísse que precisava mesmo se restringir: não mais do que um gato aumentado. Só eu sei que cresceu, só eu notei que está ocupando mais lugar embora continue do mesmo tamanho, ultimamente mal cabemos as duas, uma de nós teria mesmo que... Interrompeu para acender a cigarrilha, a chama vacilante na mão trêmula. Dorme comigo, mas quando está de mal vai dormir no almofadão.

Deve ter dado tanto problema, E os vizinhos?, perguntei. Romana endureceu o dedo que mexia o gelo. Não tinha vizinhos, um apartamento por andar num edifício altíssimo, todo branco, estilo mediterrâneo, Você precisa ver como Tigrela combina com o apartamento. Andei pela Pérsia, você sabe, não? E de lá trouxe os panos, os tapetes, ela adora esse conforto veludoso, é tão sensível ao tato, aos cheiros. Quando amanhece inquieta, acendo um incenso, o perfume a amolece. Ligo o toca-discos. Então dorme em meio de espreguiçamentos, desconfio que vê melhor de olhos fechados, como os dragões. Tivera algum trabalho em convencer Aninha de que era apenas um gato desenvolvido, Aninha era a empregada. Mas agora, tudo bem, as duas guardavam uma certa distância e se respeitavam, o importante era isso, o respeito. Aceitara Aninha, que era velha e feia, mas quase agredira a empregada anterior, uma jovem. Enquanto essa jovem esteve comigo, Tigrela praticamente não saiu do jardim, enfurnada na folhagem, o olho apertado, as unhas cravadas na terra.

As unhas, eu comecei e fiquei sem saber o que ia dizer em seguida. A esmera(da tombou de lado como uma cabeça desamparada e foi bater no copo, o dedo era fino demais para o aro. O som da pedra no vidro despertou Romana que me pareceu, por um momento, apática. Levantou a cabeça e vagou o olhar pelas mesas repletas, Que barulho, não? Sugeri que saíssemos, mas ao invés da conta pediu outro uísque, Fique tranqüila, estou acostumada, disse e respirou profundamente. Endireitou o corpo. Tigrela gostava de jóias e de Bach, sim, Bach, insistia sempre nas mesmas músicas, particularmente na Paixão Segundo São Mateus. Uma noite, enquanto eu me vestia para o jantar, ela veio me ver, detesta que eu saia mas nessa noite estava contente, aprovou meu vestido, prefere vestidos mais clássicos e esse era um longo de seda cor de palha, as mangas compridas, a cintura baixa. Gosta, Tigrela? perguntei, e ela veio, pousou as patas no meu colo, lambeu de leve meu queixo, para não estragar a maquilagem, e começou a puxar com os dentes meu colar de âmbar. Quer para você?, perguntei, e ela grunhiu, delicada mas firme. Tirei o colar e o enfiei no pescoço dela. Viu-se no espelho, o olhar úmido de prazer. Depois lambeu minha mão e lá se foi com o colar dependurado no pescoço, as contas maiores roçando o chão. Quando está calma, o olho fica amarelo bem clarinho, da mesma cor do âmbar.

Aninha dorme no apartamento?, perguntei e Romana teve um sobressalto, como se apenas naquele instante tivesse tomado consciência de que Aninha chegava cedo e ia embora ao anoitecer, as duas ficavam sós. Encarei-a mais demoradamente e ela riu, Já sei, você está me achando louca, mas assim de fora ninguém entende mesmo, é complicado. E tão simples, você teria que entrar no jogo para entender. Vesti o casaco, mas tinha esfriado? Lembra, Romana?, eu perguntei. Da nossa festa de formatura, ainda tenho o retrato, você comprou para o baile um sapato apertado, acabou dançando descalça, na hora da valsa te vi rodopiando de longe, o cabelo solto, o vestido leve, achei uma beleza aquilo de dançar descalça. Ela me olhava com atenção mas não ouviu uma só palavra. Somos vegetarianas, sempre fui vegetariana, você sabe. Eu não sabia. Tigrela só come legumes; ervas frescas e leite com mel, não entra carne em casa, que carne dá mau hálito. E certas idéias, disse e apertou minha mão. Eu preciso de você. Inclinei-me para ouvir, mas o garçom estendeu o braço para apanhar o cinzeiro e Romana ficou de novo frívola, interessada na limpeza do cinzeiro, Por acaso eu já tinha provado leite batido com agrião e melado? A receita é facílima, a gente bate tudo no liquidificador e depois passa na peneira, acrescentou e estendeu a mão. O senhor sabe as horas? Você tem algum compromisso, perguntei, e ela respondeu que não, não tinha nada pela frente. Nada mesmo, repetiu, e tive a impressão de que empalideceu, enquanto a boca se entreabria para voltar ao seu cálculo obscuro. Colheu na ponta da língua o cubo diminuído de gelo, trincou-o nos dentes. Ainda não aconteceu mas vai acontecer, disse com certa dificuldade porque o gelo lhe queimava a língua. Fiquei esperando. O largo gole de uísque pareceu devolver-lhe algum calor. Uma noite dessas, quando eu voltar para casa o porteiro pode vir correndo me dizer, A senhora sabe? De algum desses terraços... Mas pode também não dizer nada e terei que subir e continuar bem natural para que ela não perceba, ganhar mais um dia. Às vezes nos medimos e não sei o resultado, ensinei-lhe tanta coisa, aprendi outro tanto, disse Romana esboçando um gesto que não completou. Já contei que é Aninha quem lhe apara as unhas? Entrega-lhe a pata sem a menor resistência, mas não permite que lhe escove os dentes, tem as gengivas muito sensíveis. Comprei uma escova de cerda natural, o movimento da escova tem que ser de cima para baixo, bem suavemente, a pasta com sabor de hortelã. Não usa o fio dental porque não come nada de fibroso, mas se um dia me comer sabe onde encontrar o fio.

Pedi um sanduíche, Romana pediu cenouras cruas, bem lavadas. E sal, avisou apontando o copo vazio. Enquanto 0 garçom serviu o uísque, não falamos. Quando se afastou, comecei a rir, É verdade, Romana? Tudo isso! Não respondeu, somava de novo suas lembranças e, entre todas, aquela que lhe tirava o ar: respirou com esforço, afrouxando o laço da echarpe. A nódoa roxa apareceu em seu pescoço. Desviei o olhar para a parede. Através do espelho vi quando refez o nó e cheirou o uísque. Riu. Tigrela sabia quando o uísque era falsificado, Até hoje não distingo, mas uma noite ela deu uma patada na garrafa que voou longe. Por que fez isso, Tigrela? Não me respondeu. Fui ver os cacos e então reconheci, era a mesma marca que me deu uma alucinante ressaca. Você acredita que ela conhece minha vida mais do que Yasbeck? E Yasbeck foi quem mais teve ciúme de mim, até detetive punha me vigiando. Finge que não liga mas a pupila se dilata e transborda como tinta preta derramando no olho inteiro, eu já falei nesse olho? É nele que vejo a emoção. O ciúme. Fica intratável. Recusa a manta, a almofada e vai para o jardim, o apartamento fica no meio de um jardim que mandei plantar especialmente, uma selva em miniatura. Fica lá o dia inteiro, a noite inteira, amoitada na folhagem, posso morrer de chamar que não vem, o focinho molhado de orvalho ou de lágrimas.

Fiquei olhando para o pequeno círculo de água que seu copo deixou na mesa. Mas Romana, não seria mais humano se a mandasse para o zoológico? Deixe que ela volte a ser bicho, acho cruel isso de lhe impor sua jaula, e se for mais feliz na outra? Você a escravizou. E acabou se escravizando, tinha que ser. Não vai lhe dar ao menos a liberdade de escolha? Com impaciência, Romana afundou a cenoura no sal. Lambeu-a. Liberdade é conforto, minha querida, Tigrela também sabe disso. Teve todo 0 conforto, como Yasbeck fez comigo até me descartar.

E agora você quer se descartar dela, eu disse. Em alguma mesa um homem começou a cantar ao gritos um trecho de ópera, mas depressa a voz submergiu nas risadas. Romana falava tão rapidamente que tive de interrompê-la, Mais devagar, não estou entendendo nada! Freou as palavras, mas logo recomeçou o galope desatinado, como se não lhe restasse muito tempo. Nossa briga mais violenta foi por causa dele, Yasbeck, você entende, aquela confusão de amor antigo que de repente reaparece, às vezes ele me telefona e então dormimos juntos, ela sabe perfeitamente o que está acontecendo. Ouviu a conversa.

Quando voltei estava acordada, me esperando feito uma estátua diante da porta, está claro que disfarcei como pude, mas é esperta, farejou até sentir cheiro de homem em mim. Ficou uma fera. Acho que eu gostaria de ter um unicórnio, você sabe, aquele lindo cavalo alourado com um chifre cor-de-rosa na testa, vi na tapeçaria medieval, estava apaixonado pela princesa que lhe oferecia um espelho para que se olhasse. Mas onde está esse garçom? Garçom, por favor, pode me dizer as horas? E traga mais gelo!

Imagine que ela passou dois dias sem comer, entigrada, prosseguiu Romana. Agora falava devagar, a voz pesada, uma palavra depois da outra com os pequenos cálculos se ajustando nos espaços vazios. Dois dias sem comer, arrastando pela casa o colar e a soberba. Estranhei, Yasbeck tinha ficado de telefonar e não telefonou, mandou um bilhete, O que aconteceu com seu telefone que está mudo? Fui ver e então encontrei o fio completamente moído, as marcas dos dentes em toda a extensão do plástico. Não disse nada mas senti que ela me observava por aquelas suas fendas que atravessam vidro, parede. Acho que naquele dia mesmo descobriu o que eu estava pensando, ficamos desconfiadas mas ainda assim, está me entendendo? Tinha tanto fervor...

Tinha?, perguntei. Ela abriu as mãos na mesa e me enfrentou: Por que está me olhando assim? O que mais eu poderia fazer? Deve ter acordado às onze horas, é a hora que costuma acordar, gosta da noite. Ao invés de leite, enchi sua tigela de uísque e apaguei as luzes, no desespero enxerga melhor no escuro e hoje estava desesperada porque ouviu minha conversa, pensa que estou com ele agora. A porta do terraço está aberta, essa porta também ficou aberta outras noites e não aconteceu, mas nunca se sabe, é tão imprevisível, acrescentou com voz sumida. Limpou o sal dos dedos no guardanapo de papel. Já vou indo. Volto tremendo para o apartamento porque nunca sei se o porteiro vem ou não me avisar que de algum terraço se atirou uma jovem nua, com um colar de âmbar enrolado no pescoço.

Fonte:
TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos ratos.

II Encontro com Poetas Populares e Rodas de Cantoria


Programação

17/03/2011

14h30 - Oficina "O cordel, suas manhas e mumunhas"
Com Sepalo Campelo

16h - "Literatura de cordel: o tempo é hoje! "
Como a literatura de cordel evoluiu e permanece viva como gênero literário e fragmento da cultura popular transitando entre o simbólico e a resignificação dos códigos.
Com Gonçalo Ferreira da Silva, Manoel Monteiro e Maria do Rosário de Fátima Pinto

18h30 - "Roda de cantoria" com Mestre Azulão

18/03/2011

14h30 - Oficina "A literatura de cordel, evolução e firmamento"
Com Mestre Campinense

16h - "Literatura de cordel, desafio e pelejas: o cordel na contemporaneidade"
Como a literatura de cordel se apropriou das novas formas de comunicação e fez material
para a divulgação de seu conteúdo e instrumento para o processo identitário nacional.
Com Dalinha Catunda, João Batista Mello e Ivamberto Albuquerque

18h30 - "Roda de cantoria" com Sergival e Chico Salles

19/03/2011

16h - Sessão plenária na sede da ABLC - Rua Leopoldo Froes, 37 - Santa Teresa
Homenagem ao poeta Manoel Monteiro, eleito o "cordelista do ano de 2010"

Serviço
"II Encontro com poetas populares e rodas de cantoria"
17 e 18 de março de 2011, a partir das 14h30
Auditório do Museu de Folclore Edison Carneiro/CNFCP
Rua do Catete, 179 (metrô Catete), Rio de Janeiro, RJ

Realização
Academia Brasileira de Literatura de Cordel

Parceria
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

Patrocínio
Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro

Informações
Setor de Difusão Cultural/CNFCP
21-2285-0441 / 0891, ramais 204 e 206
difusão.folclore@iphan.gov.br
www.cnfcp.gov.br

Academia Brasileira de Literatura de Cordel
Rua Leopoldo Fróes, 37 - Santa Teresa, Rio de Janeiro, RJ
21-2232-4801
encontro@ablc.com.br
www.ablc.com.br

Produção executiva: Fernando Assumpção
fernandosilvaassumpcao@yahoo.com.br

quinta-feira, 17 de março de 2011

Carnaval em Versos (Organização de Heloísa Crespo) Parte III


Organização: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.
heloisacrespo@gmail.com
======

Sonia Vasconcelos

A vida, palco ilusório,
cada qual se faz artista...
E Momo em seu repertório,
agrada a perder de vista.

Carnaval: corso, confete,
serpentinas no ar, no chão...
Colombinas bem coquetes,
Arlequins em profusão!
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José Lucas de Barros

No desfile da avenida
já perdi a fantasia,
mas no carnaval da vida
sou folião da poesia.

Maria Virgínia Claudino

Nesses dias de folia
Todos podem se alegrar:
Quem brinca, quem fantasia,
Quem fica pra descansar...

Cidinha Frigeri.

Sim, abraços coloridos
de serpentinas envoltos,
nos salões bem construídos
com confetes bons e soltos...

Olympio Coutinho

No Carnaval, meus amores,
eu busco outros carinhos:
o remelexo das flores,
o canto dos passarinhos.

Carlos Augusto Souto de Alencar

Carnaval, festa bonita,
mas não custa sugerir:
não abuse da "birita"
se você vai dirigir.

José Fabiano

Em nossa vida normal,
não há muita hipocrisia?
É durante o carnaval
que se tira a fantasia...

Laérson Quaresma

Dos folclores da Nação,
este aqui não tem rival,
causando espanto, emoção:
"festança do Carnaval!"
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Amilton Maciel Monteiro
MINHA FANTASIA


Eu brinco o Carnaval só com você,
Vestida de cigana ou colombina;
Seu eu for com outro alguém, não sei por que,
O meu entusiasmo desafina!

A minha fantasia “démodé”,
De traje de capiau e até botina,
Espero não causar nenhum auê
Em meio dessa gente tão grã-fina!

Não consegui comprar meu abadá,
O uniforme caro dos baianos,
Se eu não for de caipira então não dá...

Com essa vestimenta já faz anos
Que eu brinco em quase todo Carnaval.
Tomara que você não leve a mal!
===================

Armonia Gimenes de Salvo Domingues
“QUANTO RISO, OH, QUANTA ALEGRIA”

Carnaval no interior. Quanta saudade!
Ainda menininha ganhava meu lança-perfume.
Só os amigos seriam batizados por ele,
Para os demais um lança água de cheiro
Desempenhava a função e era
Inofensivo para o bolso dos pais.

Hoje o instinto maléfico se soltou e desandou
A receita da inocência carnavalesca.
Agora lança-perfume adulterado
Faz ver o sol nascer quadrado.
Os palhaços pintavam o rosto e seu lado lúdico fazia rir.
Hoje são lobos travestidos de palhaços para tumultuar.

O tempo era mais honesto e paciente até com o pierrô
Entre “riso e alegria” ele relembra à sua colombina
“Foi bom te ver outra vez, está fazendo um ano,
Foi no carnaval que passou, eu sou aquele pierrô
Que te abraçou e te beijou, meu amor...
Vou beijar- te agora, não me leve a mal, pois é carnaval”.

A delicadeza entre seres tão diferenciados
Só faz aumentar o respeito mútuo, o que se via
Até nos dias de Rei Momo de outrora,
Hoje os carnavais se prostituíram em bacanais.
Se fosse só saudosismo seria uma dor só do poeta,
Pena é que se tornou fatalidade.
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Nilton Manoel

O coroa num salão
faz o carnaval da vida;
e o jovem com emoção
quer a farra da avenida..

Meio-dia...quarta feira,
com os meus passos ranzinzas,
no trabalho, que canseira...
estou coberto de cinzas...
================

Paulo Walbach Prestes

Meu cordão da poesia
vai unido com o seu,
pelas trilhas da magia...
e no sonho de Orfeu.

Que saudade dos confetes,
serpentinas e pierrôs,
colombinas, marionetes,
das vovós e dos vovôs.

Fonte:
Heloisa Crespo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 149 a 151)


Mensagens Poéticas n. 149

Uma Trova Nacional

As "cinzas" da quarta-feira
são prantos de Carnaval...
Quanta menina faceira
trocou o Bem pelo Mal!...
(HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ)

Uma Trova Potiguar

Na passarela dos sonhos,
num desfile de magia,
passam pierrôs tristonhos,
num carnaval sem folia...
(MARIA CARRIÇO/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
- A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
(RENATO ALVES/RJ)

Uma Trova de Ademar

Quando o carnaval termina,
o que se vê pelas ruas
são jovens em cada esquina,
travestidas... Quase nuas!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

O carnaval bem merece
o prêmio Nobel da paz,
pois nele a gente se esquece
das crises que o mundo traz.
(JORGE MURAD/RJ)

Simplesmente Poesia

– Henrique Marques/RJ –
QUARTA-FEIRA DE CINZAS.

E quando a Quarta-Feira enfim chegou
e em cinzas transformou toda a folia,
rasgou, despudorada, a fantasia
que tantos mascarados deslumbrou;

e quando a Quarta-Feira enfim chegou,
fingiu não ver o mais cinzento dia;
e, em meio à rua clara e tão vazia,
cantou marchinhas e canções de amor.

No corpo nu calou toda a tristeza:
deitou-se, doida de melancolia,
na cama de confetes da calçada.

Tigresa, fez da quarta-feira presa:
lançou-se, incontrolável, sobre o dia –
bebeu, sedenta e só, a madrugada.

Estrofe do Dia

Na quarta-feira de cinzas
como qualquer outro dia,
faço de rimas e versos
toda minha fantasia;
me visto de inspiração
pra ser mais um folião
no bloco da poesia!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Elisabeth Souza Cruz/RJ –
POEMA DA APOTEOSE.

Tem gente que se diz carnavalesca
pensando no vestir da fantasia...
Há gente com ideia gigantesca
de mascarar a dor numa folia...

Outras existem, de ilusão dantesca,
às margens de uma suposta euforia,
não indo além da gula romanesca
de saciar o sonho por um dia...

O Carnaval, não mais de antigamente,
anda mesclado de prazer urgente,
com gente que não tira os pés do chão!

Mas Carnaval não tem dia nem mês...
é aquele em que se perde a sensatez
na apoteose de uma inspiração!

Mensagens Poéticas n. 150

Uma Trova Nacional

O tamanho dos abismos
que puseste em nossas vidas,
não se mede em algarismos,
mas em lágrimas vertidas.
(ADAMO PASQUARELLI/SP)

Uma Trova Potiguar

Necessária é a cultura
no enriquecer da nação;
irmã gêmea da ventura
bandeira do cidadão!
(ADELANTHA S. DANTAS/RN)

Uma Trova Premiada

2010 > Vaxias do Sul/RS
Tema > TRILHO > Venc.

Penso que assim como os trilhos
levam e trazem o trem,
o pai conduz os seus filhos
pelo caminho do bem.
(CLÊNIO BORGES/RS)

Uma Trova de Ademar

Para você sepultar
as mágoas do dia-a-dia,
não precisa se drogar,
use a Trovaterapia!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Quem se julga eterno herdeiro
de um mundo farto e bizarro,
esquece que Deus – o Oleiro –
cobra o retorno do barro.
(ALONSO ROCHA/PA)

Simplesmente Poesia

– Efigênia Coutinho/SC –
CAFÉ DA MANHÃ.

Quem será este poeta
que perpassa pelo caminho,
fazendo minha alma dileta
e me afaga com tanto carinho?

Quem será este poeta
que na manhã meus lábios beija,
e em sua calma me oferta
a doçura de sua alma adeja?

Será só o desejo que alimenta
esta sua alma lisonjeira,
que faz do amor vestimenta
deixando-me a sonhar faceira?

E a sonhar pela madrugada
ponho da brandura o fino véu,
e sob a bela manhã ensolarada
elevo o teu nome ao céu!...

Estrofe do Dia

Essa palavra saudade
conheço desde criança,
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança,
saudade só é saudade
quando morre a esperança.
(PINTO DO MONTEIRO/PB)

Soneto do Dia

– Gilmar Leite/PE –
ALMA DISSONANTE.

Cada verso só torna-se nobreza
quando as cores sagradas da poesia,
mostram a alma do vate na grandeza
das ações do caráter todo dia.

Nada vale as palavras de beleza
se os atos não têm a fidalguia,
pois se perdem na vala da pobreza
onde a luz da virtude é bem vazia.

O sentido poético perfeito
tem que ser da verdade e do respeito,
através da bondade e coerência.

Sem os frutos da ética constante
cada verso se mostra dissonante,
que não diz do poeta a existência.

Mensagens Poéticas n. 151

Uma Trova Nacional

Em minha varanda, a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede!
(DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP)

Uma Trova Potiguar

Muitos, dizem, pertencer,
as castas da cristandade;
mas mantém, no proceder,
presunção e má vontade...
(PEDRO GRILO/RN)

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo-Assinantes/SP
Tema > DESEJO > Venc.

Quando o desejo desponta
e a razão tenta se opor,
eu brinco de faz de conta
e levo em frente esse amor!
(RITA MOURÃO/SP)

Uma Trova de Ademar

Sou qual folha de papel
usada como rascunho
nos versos de um menestrel
escritos de próprio punho.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Minha vida é penitência
na balança de dois braços:
farturas da tua ausência
e ausência dos teus abraços!
(CARMEN OTTAIANO/SP)

Simplesmente Poesia

– Sergio Augusto Severo/RN –
EM-CANTO POTYGUAR.

Fui para longe do Mar,
me afastei da minha Terra
e do Encanto que se encerra
numa Mulher Potiguar.
Fui conhecer nos confins
das plagas interioranas,
belas Mineiras... Goianas,
e as Moças do Tocantins.
Mas, “sem levantar querelas”,
afirmo, nenhuma delas,
me encantou de um modo tal...
Pela graça irrequieta,
pela proporção correta:
-As “Meninas” de NATAL!

Estrofe do Dia

Eu nasci no interior,
Lá vivi com muito gosto.
Correndo pela campina
Sentindo vento no rosto
Hoje morro de saudade
Pois vivendo na cidade
É bem grande meu desgosto.
(DALINHA CATUNDA/CE)

Soneto do Dia

– Thama Tavares/SP –
SONETO DA AMIZADE.
(Para Lisete, Delcy e Divenei)

Eis que a vida me deu grandes riquezas!...
Não me refiro à prata nem ao ouro,
mas a amigos que tive nas tristezas,
que são ainda o meu maior tesouro.

São amigos no incerto e nas certezas,
no efêmero e também no duradouro,
que sabem perdoar minhas fraquezas,
e rir e ser na dor ancoradouro.

Assim, quando eu partir para o outro lado
após pagar, talvez, algum pecado
recobrarei a paz na consciência...

Mas lá, no Céu, serei quem nunca dorme,
só por velar, numa saudade enorme,
os amigos que fiz nesta existência.

Fonte:
Ademar Macedo
9, 10 e 11 de Março

quarta-feira, 16 de março de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 145 a 148)


Mensagens Poéticas n. 145

Uma Trova Nacional

Se entre guizos, eu componho
meu disfarce de Arlequim,
há sempre um Pierrô tristonho,
que chora dentro de mim!
(CAROLINA RAMOS/SP)

Uma Trova Potiguar

Surdo, cuíca e pandeiro,
usando esse arsenal,
mostra para o mundo inteiro,
o Brasil, seu carnaval.
(HÉLIO PEDRO/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

A máscara colorida,
de uma forma original,
transformou a minha vida
num eterno carnaval.
(MARIA NASCIMENTO/RJ)

Uma Trova de Ademar

Aquele amor sem fronteira
no carnaval de nós dois,
durou até quarta-feira
e virou cinzas... Depois.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

A fantasia acabou...
Joguei a máscara a esmo,
e, da farsa, o que restou:
- eu, palhaço de mim mesmo!
(NÁDIA HUGUENIN/RJ)

Simplesmente Poesia

– Mena Moreira/MG –
SONHO DE CARNAVAL.

No carnaval ,
quero tirar a máscara
me despir da fantasia de palhaço
que exibo o ano inteiro!
Quero, de cara limpa,
cair na folia
viver a alegria
dos três dias !
Quero esquecer que sou palhaço
de uma sociedade massificada
de valores deturpados
verdades mascaradas
sentimentos massacrados
pessoas manuseadas ...
No carnaval ! ? ...
Quero esquecer tudo isso...
Me abrir em sorriso
afinal , pelo menos três dias,
ser feliz é preciso !...

Estrofe do Dia

Nos Carnavais sempre eu sofro
do princípio até o fim,
pois sou aquele palhaço
travestido de arlequim
e envolto na multidão
sinto um mundo de ilusão
sambando dentro de mim...
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Milton Souza/RS –
CARNAVAL TRISTE.

No Carnaval, como em meus tantos carnavais,
brinco, em silêncio, com as minhas fantasias...
Relembro sonhos, que já não existem mais,
pinto, com eles, as minhas horas vazias...

Noites tão longas, bem mais longas do que os dias,
horas que passam, sempre, devagar demais.
E estas lembranças, tão tristonhas e tão frias,
sempre gritando, em meus ouvidos, "nunca mais"...

E o "nunca mais" carrega em tudo o teu jeitinho,
beijos e abraços, recheados de carinho,
dos carnavais onde brilhava o nosso amor.

Deus te levou para morar na eternidade,
fiquei perdido, no meio desta saudade,
meu Carnaval agora é só tristeza e dor...

Mensagens Poéticas n. 146

Uma Trova Nacional

É carnaval... e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão...
(GISELDA MEDEIROS/CE)

Uma Trova Potiguar

Carnaval, festa profana,
para qualquer mulheraço!
Quem pega forte na cana
finda perdendo o bagaço...
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Uma Trova de Ademar

O Carnaval irradia
prazeres aos foliões,
mas o melhor da folia
é nos nossos corações!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

No carnaval desta vida,
ou por graça ou por maldade,
a Mentira anda vestida
com a nudez da Verdade!
(ARCHIMINO LAPAGESSE/SC)

Simplesmente Poesia

– Pinhal Dias/PORTUGAL
O CARNAVAL.

O seu viver
é de reflexão…

O Carnaval
vem sempre bem vestido,
d’uma farsa
«Tradicional».
Admite estar rodeado
por esse Carnaval,
que lhe é assistido
por 365 dias…
Diariamente é confrontado
com todo o tipo de máscaras,
do político, económico, social
e com desgaste na saúde.
Basta!!!
Chegou o tempo de serem
todos desmascarados…

Estrofe do Dia

Neste carnaval, espero,
que brinque com sensatez
e abraçar todos vocês
na quarta, é o que mais eu quero;
eis meu pedido sincero
que faço e não volto atrás,
gosto de você demais,
se for dirigir, não beba,
de Deus a graça receba,
tenha um carnaval de paz.
(FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE)

Soneto do Dia

– Sergio Augusto Severo/RN –
MEUS NOVOS CARNAVAIS.

Ontem chegou um Novo Carnaval,
Mais um Tríduo Momesco que inicia.
eu que sempre vesti a Fantasia,
fui revelar-me Nu, ao natural.

E sendo eu, saudoso Folião,
dos Carnavais de Corso, na Avenida,
(A “Rio Branco” a minha preferida),
me preparei, de bengala na mão.

E não “banquei” o “Bat Masterson”.
O “toc” da bengala deu o tom
da minha claudicante alegria.

Ao repuxar da perna (Um “AVC”),
sem imitar o “Saci-Pererê”,
eu, num pé só, pulei...sem Fantasia!

Mensagens Poéticas n. 147

Uma Trova Nacional

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!
(FERNANDO CÂNCIO/CE)

Uma Trova Potiguar

Carnaval – Festa do povo,
dos prazeres, da folia...
Foliões buscam de novo
reviver sua alforria!...
(JOAMIR MEDEIROS/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

De sábado a terça-feira
cai na folia o país...
Diverte-se a pátria inteira,
sem medo de ser feliz!
(A. DE ASSIS/PR)

Uma Trova de Ademar

Carnaval é uma alforria
para quem tem depressão;
quatro dias de alegria
de frevo e de diversão.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

No carnaval de verdade,
da vida não tive nada...
- Quem dera a felicidade,
nem que fosse mascarada!
(J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC)

Simplesmente Poesia

– Roberto P. Acruche/RJ –
MEU CARNAVAL.

Você foi meu carnaval
meu folguedo
minha folia
minha festa
minha alegria
nunca houve nada igual.
Oh... Saudade!...
Daquele tempo que não volta mais.
Coração de morena,
onde está você?
Que vontade de te ver!...
Você foi meu carnaval!
Meu sonho
meu samba
minha fantasia
a mais brilhante e colorida
a mais bela da minha vida
nunca houve outra igual.

Estrofe do Dia

Dancei forró na latada,
Vi vale, vi serrania,
na lida da apartação
esbanjei muita alegria.
Mas, a minha fantasia
era de couro, o gibão,
e o meu cavalo alazão
entrando no matagal,
fazia o meu carnaval
nas quebradas do sertão.
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Soneto do Dia

– Darly O. Barros/SP –
UMA VEZ SAMBISTA...SEMPRE SAMBISTA.

Se o sangue ferve e a pele se arrepia,
ao som da Escola, em novo samba-enredo,
sem mais rodeios, veste a fantasia
e a máscara, que é bom guardar segredo!

Esquece os males, entra na folia,
que é tempo de alegria e de folguedo,
só não te atrases, nossa bateria
vai esquentar seus tamborins mais cedo!

Quero te ver de novo na Avenida,
suada, sorridente, enrouquecida,
rememorando antigos carnavais,

e então, findo o desfile, em plena rua,
te ver sambando, ainda, à luz da lua,
com a alma leve e um ar de quero mais!

Mensagens Poéticas n. 148
TROVAS PARA O DIA DA MULHER

Uma Trova Nacional

Vêm as rugas...e, no entanto,
a mulher não se intimida.
A perda externa do encanto
não desencanta uma vida!
(EDMAR JAPIASSU MAIA/RJ)

Uma Trova Potiguar

Minha mulher reza tanto
aos pés de nosso senhor;
que eu vou precisar ser santo
pra merecer seu amor.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Uma Trova Premiada

1965 > Nova Friburgo/RJ
Tema > MULHER > 1º Lugar.

No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei.
(NYDIA IAGGI MARTINS/RJ)

Uma Trova de Ademar

Deus demonstrando poder,
quando a mulher engravida,
transforma a dor em prazer
na celebração da vida.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Não há poeta ou pintor,
nem outro artista qualquer,
que enalteça com rigor
a perfeição da Mulher.
(ALYDIO C. SILVA /MG)

Simplesmente Poesia

– Vinícius de Moraes/RJ –
A MULHER QUE PASSA.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Estrofe do Dia

Sou Poeta e Trovador,
penso igual a todo vate:
em mulher nunca se bate
nem mesmo com uma flor!
Pra mulher eu dou amor
ponho rosa em seu caminho
escrevo num pergaminho
que é pra poder lhe avisar:
– no dia que eu me zangar
Mato você... de carinho.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Divenei Boseli/SP –
A MULHER QUE EU CONHEÇO.

Conheço uma mulher e as mágoas que a consomem,
dos tempos celestiais, dourada fantasia
que a fez vivenciar efêmera alegria
nos braços infernais do seu primeiro homem.

Excêntrica mulher (que por leviana a tomem),
foi virgem que cedeu à primeira ousadia,
se fez esposa e mãe, mulher com galhardia,
uma leoa, enfim! (Se bem que alguns a domem...)

Excelso querubim, foi quase meretriz,
sem nunca rejeitar o pão que Deus lhe deu,
sem nunca se curvar àquilo que não quis!

E agora, rumo ao fim, pôs fel no que escreveu,
mesclando o casto mel de quem quer ser feliz...
Conheço essa mulher... Essa mulher sou eu!

Fonte:
Ademar Macedo
5,6,7 e 8 de Março