quarta-feira, 22 de junho de 2011

JB Xavier (O Homem que Não Tinha Amanhã)


Acabo de ler o livro que meu avô escreveu há muitos anos. Por que não o li antes? Porque, como a maioria dos que me lêem agora, nunca tive tempo! .

Cresci assim, com essa imensa curiosidade a respeito do meu avô, ou como eu o chamava, O Senhor do Tempo!

Todos, inclusive eu, até certa altura de minha adolescência, achávamos que ele era meio doido. E nem poderia ser diferente diante de um homem que sempre – desde que eu me entendi como gente – se recusava a discutir o amanhã. Eu disse “meio” doido, porque em tudo o mais ele era absolutamente normal. Apenas se recusava terminantemente a falar do futuro.

Não foram poucas as brigas que vi meus pais terem com ele, pelo fato de não ser possível planejar nada, quando esse planejamento envolvia de alguma forma sua pessoa.
Nenhuma ação que não fosse imediata e iminente o interessava.

Sempre que eu lhe perguntava por que ele agia assim, ele respondia simplesmente com um sonoro “não vale a pena”.

Obviamente, como todo mundo, eu vivia mais no futuro que no presente, e à medida que fui avançando na vida , fui também vivendo grande parte de minha existência no passado, pelo simples motivo de que quanto mais se vive, mais se tem a recordar.

Ah! O passado! Quem não gosta de recordar? Meu avô! Ele não gostava de recordar nada! Raríssimas vezes ouvi dele alguma referência ao passado, e quando o fazia era apenas para ratificar que se naqueles dias passados ele tivesse pensado no presente, não estaria pensando neles agora.

Devo registrar que por vezes, enquanto criança, e depois, na adolescência, cheguei a sentir vergonha dele, porque meus amigos zombavam, chamando-o – alguns à boca pequena, e outros, abertamente – de louco, gagá, esquizofrênico etc.

Mas vovô não acusava os golpes baixos que lhe aplicavam, e como todo aquele que atingiu níveis elevados de sapiência, ele apenas sorria condescendentemente e mudava de assunto, abordando invariavelmente algum tema que dominava – e eram muitos! – de maneira a calar o zombeteiro apresentando-o à própria ignorância.

Isso confundia os que dele zombavam e na maioria das vezes continha os debochados, porque quase sempre eles não tinham nível para sustentar uma conversa com vovô.

Minha mãe – filha dele – o defendia sempre que podia, mas até ela às vezes se irritava com sua mania de viver “aprisionado” no presente, e quando meu pai perdia a paciência com o velhinho, era quase sempre apoiado por ela, e aí sim, eu via meu avô realmente triste.

Cresci com esses sentimentos antagônicos. A vergonha que às vezes sentia, a vontade de convencer meu avô a ser uma pessoa “normal” e a tristeza por vê-lo triste, quando meus pais ralhavam com ele.

Em tudo o mais ele era um avô maravilhoso, que se divertia realmente por me ver feliz.
Criado como filho único, fui uma criança como tantas outras, com pouco tempo disponível dos pais, que corriam loucamente pela vida, planejando o futuro e perseguindo metas que pareciam nunca serem atingidas.

Hoje, finalmente, após a leitura deste livro, posso entender o que acontecia. Não é que as metas não fossem atingidas; é que mal meus pais as atingiam, ou as viam realmente próximas, automaticamente estabeleciam outras, ainda mais desafiadoras – como, alíás, faz a maioria das pessoas – de maneira que eles estavam sempre “em dívida” consigo mesmos.

Jamais achei esse comportamento estranho, tanto que eu vivi assim a maior parte de minha vida. Afinal, pensava eu, esse é o padrão universal de comportamento do mundo em que vivemos atualmente.

Já meu avô estabelecia metas de curtíssimo prazo. Não falo de anos, meses ou dias, falo de horas! Nunca o vi planejar algo que não fosse para ser realizado no mesmo dia.

Ainda assim, com todos os problemas que esse comportamento causava aos meus pais, porque meu avô jamais garantia que iria à qualquer lugar agendado com dias de antecedência, ele era o mais divertido da família, e eu percebia que, em cada momento meu, ele estava realmente presente.

Digo “realmente” porque ele parecia nunca ter pressa. Quando estava comigo, era como se tivesse à disposição toda a eternidade para desfrutar de minha companhia. Isto desde minha mais tenra idade! Com meus pais, ao contrário, eu me sentia em segundo plano, pois eles estavam sempre olhando para o relógio, e parecia sempre haver algo que eles precisavam fazer com a máxima urgência.

Por favor, não me entendam mal. Não pensem que não tive carinho dos meus pais. Tive, e muito! Sou filho único, esqueceram? Mas, mesmo não tendo irmãos, eu tinha que dividir o carinho deles com centenas de outras coisas. À vezes eram coisas realmente importantes e inadiáveis, mas a maioria eram coisas triviais, como não poder chegar atrasada no cabeleireiro ou a uma partida de boliche com os amigos.

Mas com meu avô era diferente! E não pensem também que ele fosse o típico velhinho simpático que tudo faz para agradar o netinho único, como costuma ser o comportamento padrão dos avôs. Não! Ele tinha muitos afazeres, e mantinha-se ocupado o tempo todo! Ou estava escrevendo o livro que pretendia publicar – e que acabo de ler - ou cuidando das flores de seu orquidário, que amava profundamente, ou viajando para ministrar suas palestras, cujos temas formam o livro, que finalmente acabou por publicar.

A verdade, é que, por alguma razão que desconheço, não levamos a sério as pessoas mais velhas, que julgamos terem chegado àquela idade em que voltam a ser tornar dependentes.

Não sei exatamente por que isso acontece, pois se pensarmos bem, ali está o resumo do que vamos encontrar pela frente, em algum grau, se não em conteúdo, talvez em intensidade, ou vice-versa, se preferirem.

Sendo uma pessoa ocupada, como ele poderia ser diferente de meus pais, que não tinham tempo para nada? “Creio que posso reduzir a resposta a uma frase que ele usava constantemente, quando respondia os questionamentos de meus pais, e que os irritava profundamente: “Tempo é uma questão de preferência” – costumava repetir – e acrescentava:” Todos temos o mesmo tempo disponível. O que define uma pessoa, é a maneira como o emprega”.

Muitas vezes ele me disse, ensinando-me uma das maiores lições de minha vida:

“Para ter tempo basta fazer bem feito. Assim não há necessidade de fazer de novo, porque se você não tem tempo de fazer bem feito, como vai ter tempo de fazer outra vez?”

Diante de argumentos assim, minha mãe costumava girar nos calcanhares e abandonava a discussão, quase sempre emburrada e resmungando frases irritadas como “tempo não se emprega, se gasta!” Ao que meu avô imediatamente retrucava: “Você” gasta o seu. O meu tempo eu invisto”.

A mim, que ouvia essas discussões com certa freqüência, pouco importava quem estava com a razão. O que eu gostava mesmo era de desfrutar da companhia de meu avô, porque eu podia dispor da companhia dele completamente, intensamente, pelo tempo que desejasse.

Meu avô parecia nunca ter pressa, e mesmo assim, parecia cumprir com tudo o que se propunha, no tempo certo. À medida que eu crescia e meu entendimento das coisas ia se ampliando, comecei a perceber que, mesmo com o dobro da idade de meus pais, ele produzia muito mais, e com alegria!

No tocante a mim, cada vez que eu o procurava para uma conversa, ele simplesmente deixava de lado o que estava fazendo e sua atenção se voltava inteira para nosso encontro. Muitas vezes o vi redigindo um dos seus muitos artigos para o jornal do bairro, e sabia que ele precisava enviá-lo à redação rapidamente. Ainda assim, ele parava tudo o que estava fazendo e conversava comigo como se nada mais tivesse a fazer.

É incrível a sensação de bem estar que a atenção genuína produz! Com ele eu sentia o amigo, o protetor, o confidente e principalmente o aliado.

Por “atenção genuína” me refiro àquele tipo de atenção total, interessada, comprometida, aliada; não àquela superficial, que leva o pensamento de quem ouve para longe, muitas vezes inclusive “desligando-o” do momento presente.

Vovô era assim - interessado, comprometido, aliado. Pouco importava se o assunto que eu lhe falava tratava do namorico adolescente, de minha decisão sobre qual curso superior escolher, ou simplesmente de minha alegria por uma boa nota. Ele estava sempre inteiro em nossas conversas, dando-me a impressão, pela intensidade e paciência com que me ouvia, de que o futuro não existe!

Meu pai ao contrário, estava sempre com pressa, sempre tendo que ir urgentemente a algum lugar, para fazer sei lá o quê. Minha mãe idem. Ou eram as coisas domésticas ou as profissionais que a preocupavam , mas sempre havia alguma coisa que a afastava de mim, após alguns momentos de sua companhia.

Por isso, cresci numa perene saudade de meus pais e na idolatria ao meu avô!

Eu desejava ser como ele, e por isso, um dia, já adulto lhe dei um apelido: “Senhor do Tempo.”

“Gostei” – disse ele me abraçando, na primeira vez que o chamei assim – “Um ótimo apelido. Tente um dia merecê-lo também. Você vai ver que vale a pena.“
Então chegou o dia que nunca pensei viver. O dia mais triste de minha vida.

Cheguei do colégio próximo das seis horas da tarde. O dia morria morno e as luzes das ruas começavam a ser acesas.

Entrei e fui até meu quarto, onde costumava deixar minha mochila sobre a cama. Para minha surpresa vi meu avô sentando junto â janela, com o olhar perdido no infinito, tendo parte do rosto iluminado pela luz amarelada do sol que morria atrás das árvores, no outro lado da rua.

Achei estranha aquela atitude. Primeiro porque raramente ele entrava em meu quarto em minha ausência, e segundo porque eu nunca o havia visto assim, ensimesmado.
Aproximei-me alegremente e vi algo brilhar em seu rosto. Era uma trilha brilhante, como se um diamante tivesse se derretido em seus olhos e descido por sua face.

Parei indeciso e confuso sobre o que via, quando outro diamante tremeluziu em seus cílios e se desfez, engrossando a trilha brilhante sob a luz do crepúsculo.

Aproximei-me devagar e sem mesmo acreditar no que via, perguntei em seu ouvido.
“vovô...o senhor está...chorando”?

Outra lágrima brotou de seus olhos e um leve tremor no queixo acusou o furacão que devastava seu coração.

Eu ia dizer mais alguma coisa, mas minha mãe entrou no quarto, e dirigindo-se até ele, pôs as mãos em seus ombros.

“Vovô vai nos deixar” – disse ela, num tom no qual eu jurava não haver tristeza. “ele resolveu ter sua própria vida”.

Não me peçam para descrever o eu senti diante daquelas palavras. Eu não conseguiria. Apenas desabei. Atirei-me sobre a cama e enfiei a cabeça no travesseiro, chorando convulsivamente.

Minha mãe ainda tentou me acalmar e de todas as coisas que me disse, recordo-me apenas de uma frase: “Com ele você jamais aprenderia a planejar sua vida. Assim será melhor para todos nós”

Dizendo isso ela saiu, deixando a porta do quarto entreaberta.

Meu avô permaneceu imóvel, olhando para o infinito, até que eu me acalmei um pouco e fui até ele, com os olhos inchados abraçando-me ao seu pescoço enquanto sentava em seu colo.

“Por quê?” – perguntei – “Por que você quer ir embora?” O que vou fazer quando acordar amanhã e não tiver mais você aqui?

Ele acariciou meus cabelos e respondeu:

“O amanhã não existe...Não fique triste pelo amanhã...”

“Mas eu estou triste – respondi – “por que você quer ir embora?”

“Seus pais precisam de privacidade, e de fato estou atrapalhando a vida deles...” ” Eles correm demais, e vivem de menos...” tento mostrar isso a eles todos os dias, mas parece que só consigo irritá-los...

“Faça parar o tempo! O senhor consegue! O tempo não existe para o senhor...não é o que sempre diz? O senhor é “O Senhor do Tempo!”

No silêncio que se seguiu, senti um solavanco em seu peito e seu abraço me estreitou ainda mais.

“Ah, meu querido, meu querido...O tempo não existe. Ele é apenas uma coisa inventada para organizar a vida do mundo! Ele não tem Senhor, porque simplesmente não existe!

“Mas a mamãe e o papai vivem dizendo que não tem tempo para nada! Então ele existe, sim!”

Vovô depositou um beijo em meus cabelos e falou como se discursasse ao sol moribundo:

“Se as pessoas fossem gentis com o agora, querido, o passado não importaria porque teria sido, feliz, o futuro, menos ainda, porque seria esperançoso. Mas o presente, este sim teria sido pleno! E o que fazem seus pais? Acabam por lamentar o passado que perderam, e se ocupam por antecipação com o futuro, ocupando assim seus próprios presentes, com algo que ainda não existe.”

“É por isso que o senhor vai nos deixar?”

“Prefiro ficar longe de minha filha, a vê-la sofrer numa vida da qual é prisioneira...Ela é teimosa...sempre foi...nunca consegui ganhar dela numa discussão. Ela acha que tem sempre razão, mesmo quando está deixando de lado a vida maravilhosa que poderia ter nesta família maravilhosa que construiu.”

“Mas o senhor não precisa ir embora por causa disso...”

Vovô me apertou novamente em seu abraço protetor.

“Ela precisa ter consciência do que está perdendo: Ela está perdendo você! Minha ausência talvez a faça ver isso mais facilmente... E depois, não vou para longe...Há uma casa de repouso aqui perto...é para lá que eu vou, Você pode ir me visitar quando quiser.”

Agarrei-me a ele de maneira quase histérica. Eu simplesmente não conseguia imaginar minha vida sem meu avô.

“Não vá. Por favor, não vá!” Eu vou pedir para a mamãe não brigar mais com o senhor...

Outro solavanco fez estremecer o peito de vovô, e uma lagrima dele caiu sobre minha mão. Ainda hoje sinto em minha pele o calor do desespero nela contida.

“Eu simplesmente não sei mais o que fazer para torná-los conscientes do presente. Sua mãe e seu pai perdem o que há de melhor na vida, o Agora! O que resta mais para ser vivido senão o agora?

Eu não compreendia direito o que ele dizia, mas olhei para a janela e vi uma estrelinha que começava a aparecer no céu violeta. Aconchegando-me ao vovô, fiz de conta que ela era uma fada, e pensando nos dias de Natal de minha infância pedi a ela que me ajudasse.

Após um momento de silêncio, meu avô continuou falando coisas que eu nunca o ouvi falar, mas que me fizeram compreender porque ele não acreditava no futuro.

De tudo o que ele disse, no entanto, uma coisa me marcou, seja pela intensidade com que foi dita, seja pelo efeito que produziu:

“Minha única duvida sobre minha partida, é se eles vão conseguir ensinar a você a viver o ‘aqui’ e o ‘agora’ ou vão transformá-lo num deles, e arrastá-lo para essa corrida desenfreada que eles fazem em direção ao incerto e ao inexistente.Tudo o que eu quero e ver todos vocês felizes”

Então a mágica aconteceu!

A porta do quarto se abriu lentamente. Eu e vovô nos voltamos e vimos minha mãe parada, com uma mão na maçaneta e outra na boca, tentando conter as lágrimas. Seus olhos faiscavam sob a luz que ainda restava do dia e seus ombros se sacudiam num incontido choro.

“Me perdoa, papai – disse ela entre soluços – me perdoa! Fiquei ali ouvindo o que conversavam. Me perdoa! Como pude pensar em viver longe de você? Você tem razão! Estou deixando escapar o presente – ESTE presente – disse ela abraçando a mim e ao vovô.

Então olhei para a estrelinha. Podem ter sido minhas lágrimas, mas juro que a vi tremeluzir nas alturas do céu.

Hoje vovô é uma das estrelinhas do céu, mas nos legou esse livro, que vou ler novamente, para aprender mais ainda sobre O Homem Que Não Tinha Amanhã...

Fonte:
JB Xavier

Pedro Ornellas (As Artes do Pedro IV)


Lírico-filosóficas:

2428
Não há roceiro que possa
na cidade ser contente...
Porque a gente sai da roça
e a roça não sai da gente!

2429
Que delícia o beijo doce
que te dei com emoção!
Melhor fora, se não fosse
somente imaginação...

2430
Sei disso, e tenho certeza,
mesmo sem ser professor:
Não se diz “Mãe Natureza”,
o certo é “Pai Criador”!

2431
Com certeza Deus se agrada
do gesto nobre de quem
com outros que não têm nada
divide o pouco que tem!

2432
Tenho o rancho, a propriedade,
mas minha Maria... Quede?
Em vez dela, hoje, a saudade
deita comigo na rede!

Humorísticas:

2424
Diz, manguaçado, o freguês,
olhando o amigo de frente:
“E então, quando é que nós três
vamos beber novamente?”

2425
Flagrando no ato o noviço,
pergunta o frei a berrar:
- Pode explicar o que é isso???
- Posso sim: tremendo azar!

2426
- Como um cão, doutor, me trata
o meu marido cruel...
- Quer dizer que ele a maltrata?
- Não!... Quer que eu seja fiel!

2427
“Melhor dar que receber”
diz alguém numa entrevista.
“Muito bem, gostei de ver!
- E o que faz?” “Sou pugilista.”

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Erich Maria Remarque)


In Memoriam Nascimento do escritor em 22.6.1898 –

“Nada de Novo no Front”, do escritor
Erich Maria Remarque, que li
há muitos anos e quase esqueci,
a história de um bom homem sofredor...

Em suas páginas quanto aprendi
das tristezas da guerra e do valor
e brio do soldado lutador,
que enfrenta a morte a combater ali.

E jovens, quais crianças assustadas,
que pela estupidez foram lançadas
aos campos de batalha sem sentido;

nem compreendiam o porquê lutavam,
maltrapilhas, neuróticas, lembravam
um exército trágico e perdido...

Fonte:
Soneto enviado pelo Autor

Concursos da Academia Ponta-Grossense De Letras E Artes-APLA (Classificação Final)


A Academia Ponta-Grossense De Letras E Artes-APLA, através de sua Presidente, tem a grata satisfação de comunicar o resultado final dos concursos-APLA-2011. Todos os Classificados serão comunicados também Via Postal.

Poesia Clássica: Vencedores:


1º Lugar: "Ainda Mais...": António José B Barroso- Parede- Portugal

2º Lugar: "Lição"- Maria Helena Oliveira Costa - Ponta Grossa - Pr

3º Lugar: "Pivô" - Maria Madalena Ferreira-Magé-Rj

4º Lugar: "Roda Gigante" - Reginaldo C De Albuquerque- Campo Grande- Ms

5º Lugar: " Amarras De Amor" - Sônia Mª De Faria-Paraisópolis -Mg

Menções Honrosas:

- "In-Decisão" :António Dos Santos B Pinheiro-Lisboa - Portugal

- " Eu Sou Assim." - Wanderley R Moreira - Santos- Sp

- "Divina Tragédia" - André Luiz A Costa Amora- Rio De Janeiro -Rj

- " Beleza Pagã - Diamantino Ferreira- Campo Dos Goytacazes-Rj

- " Olhar Para Dentro"-António José B Barroso- Parede- Portugal

Poesia Moderna: Vencedores:

1º Lugar: " A Cor Da Lágrima "- António Dos Santos B Pinheiro -Lisboa- Portugal

2º Lugar: " A Canção De Um Tempo"- Amélia M Raposo Da Luz - Pirapetinga-Mg

3º Lugar: "Um Sentir Diferente "- António José B Barroso- Parede- Portugal

4º Lugar: " Caminhos Diversos "- Gilmar Garcia De Lima - Castro - Pr

5º Lugar: " Profê, Eu Amo Você " - Marivete Souta De Moura - Ponta Grossa -Pr

Menções Honrosas:

- "Cepa Tropeira "- Ana Mairlene M Retko - Ponta Grossa - Pr

- " Os Impressionistas "-Lina Mª Lisboa Da Silva- Belo Horizonte -Mg

- " Um Canto De Amor Nas Ruelas De Assis - Maria Helena Oliveira Costa-Ponta Grossa Pr

- " Tempo Também Chora" - Lucília Alzira T Decarli - Bandeirantes-Pr

- " Alegria De Bolhas " Rosecler A Alves Gomes- Ponta Grossa-Pr

Crônica: Vencedores:

1º Lugar: " A Liberdade Está Em Suas Mãos" - Coracy Teixeira Bessa- Salvador- Ba

2º Lugar:" Efêmero Encanto"- Sônia Mª De Faria- Paraisópolis-M G

3º Lugar: " O Castelinho Encantado"- Ernestina R Rennó - Itajubá-Mg

4º Lugar: " Cotidiano"- Tatiana A Soares Caldas - Rio De Janeiro-Rj

5º Lugar : " Por Que Passar A Vida Sem Ser Notado?"- Tânia Regina Du Bois - Itapema-Sc

Menções Honrosas:

- " Quando Os Reis Iam À Guerra"- Coracy Teixeira Bessa- Salvador-Ba

- " Recordar É Viver" - Abílio Kac - Rio De Janeiro- Rj

- " Máscaras" - Luiz Gondim De Araújo Lins - Rio De Janeiro- Rj

- " Ah! O Brasileiro"- Sônia Maria De Faria- Paraisópolis - Mg

- " Momento De Definição "- Tâia Regina Du Bois- Itapema-Sc

Conto: Vencedores

1º Lugar : " Esperar...Ou Correr Atrás "- Sônia Mª De Faria -Paraisópolis -Mg

2º Lugar : " Orelha De Pau "- Coracy Teixeira Bessa- Salvador-Ba

3º Lugar: " Didi" - Amélia M Raposo Da Luz - Pirapetinga- Mg

4º Lugar : " O Homem Transparente" -Cecy B Campos - Luiz De Fora-Mg

5º Lugar: " Simplesmente Maria" - Marluce A Ferreira Portugaels- São Paulo-Sp

Menções Honrosas :

- " Bodas De Solidão "- Sarah De Oliveira Passarella - Campinas- Sp

- " A Ponte E O Arco Íris - Araí T Borges Dos Santos- Campo Largo-Pr

- " Meus Adoráveis Brinquedos " - Sônia Mª De Faria- Paraisópolis -Mg

- " Mundo Perdido "- Amélia M Raposo Da Luz - Pirapetinga -Mg

- " Encontro"- Maria Apparecida Coquemala - Itararé- Sp

Troféu Originalidade :
- " ArVore- Reginaldo C De Albuquerque - Campo Grande -Ms

Parabéns a Todos ! ... A Solenidade de Premiação dar-se-á no próximo dia 30 de Setembro, Sexta Feira, durante as festividades de 18 anos de fundação da APLA, Tendo por local o Centro De Cultura Cidade De Ponta Grossa, sito À Rua Dr Colares , 4 3 6 , A partir das 1 9,3 0 Horas. no Sábado, dia 01 de Outubro haverá almoço de confraternização. Vamos comemorar juntos a maioridade de nossa gloriosa instituição ! .

Maiores Informações : Fones (42) 3028-1717 (42) 3028-7681 (42) 9975-5234

Sônia Mª Ditzel Martelo
Presidente-APLA

Fonte:
Sonia Ditzel Martelo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 246)


Uma Trova Nacional

Para quem o bem semeia,
praticando a caridade,
a felicidade alheia
é a própria felicidade.
–JOÃO COSTA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Eu já vi o mar chorando,
em grandes ondas de dor,
ao ver um barco voltando
sem trazer seu pescador.
–LUIZ XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Niterói/RJ
Tema: CRENÇA - Venc.

Terá justa recompensa
quem mantém com galhardice
a liberdade da crença
ante a prisão da crendice!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

Uma Trova de Ademar

Esse amor que foi só nosso
fez de mim um ser cativo,
porque, vivê-lo, não posso...
Viver sem ele eu não vivo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É sempre assim a mulher:
vive se contradizendo;
pois quando diz que não quer,
é porque está querendo.
–MÁRIO BARRETO/PE–

Simplesmente Poesia

–CLEVANE PESSOA/RN–
Cepa

Como o cajado
de Moisés
que floriu ao comando
de Javeh,
mesmo após talhado
e lustrado
por humanas mãos,
ramo arrancado,
morto, mas guardando
o código secreto
da vida,
meu espírito
sofrido
desbastado
à revelia,
de quando em vez,
floresce
de si, sem alarido
e explode em cor,
cepa que jamais
se acaba...

Estrofe do Dia

Por cima dos areais
a terra engole a semente,
conserva no organismo
vomita depois que sente,
que o vômito de sua boca
enche a barriga da gente.
–DINIZ VITORINO/PB–

Soneto do Dia

–AUGUSTO DOS ANJOS/PB–
A Louca

Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.

Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.

Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
- O segredo d’um peito torturado -

E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.


Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://dary-yoga.webnode.com.br/

Coletânea Coleção Amigos (Joaquim Moncks) (Inscrição até 30 de Junho)


Em função de ter sido eleita Patrona da 27ª Feira de Canoas/RS, que aconteceu de 4 a 19 de junho, e por solicitação de alguns autores, prorrogamos o prazo para inscrição na Coletânea Coleção Amigos (Joaquim Moncks), até dia 30/06.

Informamos que para manter nossos compromissos de lançamentos da mesma em diversas cidades do Brasil, o prazo final será IMPRETERIVELMENTE:
30 de junho para recebimento dos textos
5 de julho para pagamentos
Neida Rocha
–––––––-
O Núcleo Canoas/RS da União Brasileira de Escritores (UBE), através de sua Coordenadora NEIDA ROCHA em parceria com a Editora Alternativa, está organizando a COLEÇÃO AMIGOS (Coletânea Cooperativada), cujo primeiro homenageado será o conceituado Escritor JOAQUIM MONCKS (*), cuja obra terá o título: "JOAQUIM MONCKS & AMIGOS”.

A participação é aberta a escritores em geral, com número ilimitado de páginas, cuos textos NÃO precisam ser inéditos (Artigos, Contos, Crônicas, Ensaios e Poemas) e tema livre.

O livro terá o formato 16x23 cm/capa plastificada e cuidadoso acabamento/encadernação costurada.

O custo será de R$ 74,00 por página (com direito a 4 exemplares por página).

O lançamento da obra COLETÂNEA "JOAQUIM MONCKS & AMIGOS" realizar-se-á em data e local a confirmar, em Jantar de Adesão em Porto Alegre e Sessão de Autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre de 2011, a maior da América Latina e lançamento no III Congresso de Escritores, em Ribeirão Preto.

Os textos, e breve currículo poderão ser enviados, IMPRETERÍVELMENTE, até 30.06.2011, devidamente revisados, para neidarocha@ube.org.br ou neidarocha@terra.com.br .

O depósito deverá ser feito no Banco do Brasil (ag. 2663-8 c/c 196.749-5) ou Santander (ag. 1105 c/c 01.000091-6).

Fonte:
Neida Rocha

Lino Mendes (O Idoso)


Quando na rua encontrares
um homem de certa idade,
olha-o com muito respeito,
não o trates com maldade.

É velho?...não é inútil,
por inteiro , é cidadão;
é teu igual, nada menos,
e rejeita a compaixão!

Se ser idoso é ser drama,
é porque o novo se esquece,
que não lhe faltando a vida,
ele mais tarde envelhece.

E deves ter bem presente,
que àquele idoso, velhinho,
na rua passando cansado,
deves amor e carinho.

Pois se no mundo que é nosso,
justiça for por medida,
o ser jovem ou idoso
são simples ciclos da vida.

Fontes:
Poesia enviada pelo autor
Imagem = pix.com.ua

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) V – A defesa estratégica


— Eles mataram minha esposa! — clamava com voz trêmula de cólera um enorme onção (como dizia a Emília). — Estou viúvo da minha querida onça por artes daqueles meninos daninhos do sítio de Dona Benta. Mataram-na e levaram-na de arrasto, amarrada com cipós, até o terreiro da casinha onde moram. Tiraram-lhe a pele, que depois de esticada e seca ao sol está servindo de tapete na varanda. Ora, isto é crime que pede a mais completa vingança. Guerra, pois! Guerra de morte a essa ninhada de malfeitores.

— Guerra! Guerra! — exclamaram as jaguatiricas e suçuaranas e cachorros-do-mato e irarás ali reunidas (como queria a Emília).

O onço agradou-se daquele entusiasmo.

— Combinemos o seguinte — disse ele. — Amanhã de manhã cercaremos a casa de modo que ninguém escape. As irarás e cachorros-do-mato guardarão os lados e nós, onças, atacaremos pela frente.

— Bravos! Bravos! Assim o faremos! — gritaram, em coro, as feras.

— Assaltaremos a casa — prosseguiu o viúvo — e mataremos todos os seus moradores.

— Sim, matá-los-emos a todos! — repetiu o coro.

— E depois os comeremos um por um!

— Sim, sim, comê-los-emos a todos, um por um! — uivou a bicharia, com as línguas vermelhas a lamberem a beiçaria feroz.

A assembléia dissolveu-se, indo cada qual para sua toca sem que nenhuma daquelas feras pensasse em caça naquele dia. Estavam a preparar uma fome especial para o almoço de carne humana que iam ter no dia seguinte.

Os besouros espiões tudo ouviram do seu galhinho e lá se foram, a zumbir, dar parte a Emília dos grandes acontecimentos. A boneca estava ansiosa por eles, visto como não os tinha visto na véspera.

— Então? — perguntou logo que os dois sonsos entraram na varanda como se fossem besouros à-toa, desses que se deixam atrair pela luz dos lampiões.

— É amanhã o ataque — responderam os dois besouros, que eram gêmeos e sempre falavam e agiam juntos. —- As onças acabam de resolver isso numa reunião que tiveram debaixo da Figueira-Brava. Os cachorros-do-mato e as irarás guardarão os lados da casa, e as onças, guiadas pelo onço viúvo, darão o assalto. Também juraram matar e comer a todos.

Emília não empalideceu de susto, nem tremeu que nem vara verde, como aconteceria se ela fosse gente de verdade. Emília era a mais corajosa boneca que ainda existiu no mundo. Apenas disse:

— Isso de dizer que cerca e assalta e mata e devora é fácil. O difícil é cercar, assaltar, matar e devorar realmente. Nós saberemos defender-nos. Que venham as tais onças duma figa!

Os dois besouros não deixaram de admirar-se daquele espantoso sangue-frio.

— Mas de que armas dispõem vocês para lutar contra tantas feras raivosas? — perguntaram eles gemeamente, isto é, cada um dizendo uma palavra. O modo dos besouros conversarem com a boneca era esse. Um dizia as palavras pares e o outro dizia as palavras ímpares.

— Não sei — respondeu Emília. — Isso é com Pedrinho, o nosso generalíssimo. Ele está estudando o assunto — e eu também. Não sei ainda o que o General Pedrinho vai fazer, mas sei o que vou fazer. Pensei, pensei e repensei sobre o caso e já tenho cá uma idéia que vale ouro em pó.

— Qual — disse o primeiro besouro, é — disse o segundo, essa — continuou o primeiro, idéia? — concluiu o segundo.

— Não posso dizer em voz alta — respondeu Emília.

— Só ao ouvido — e chegando-se bem pertinho dos gêmeos cochichou-lhes ao ouvido a sua idéia pelo mesmo sistema, isto é, dizendo a palavra par ao besouro número 1 e a palavra ímpar ao besouro número 2.

Os besouros admiraram-se da esperteza da boneca e partiram — zunn! — a fim de cumprir as ordens recebidas.

Logo que os viu se sumirem no espaço, Emília foi correndo contar a Pedrinho o que acabava de ouvir dos seus espiões de casaca preta.

Pedrinho já havia resolvido o problema da defesa.

—- Como não temos armas de fogo para enfrentar as onças — disse ele — lembrei-me do seguinte. Faço uma porção de pernas de pau bem compridas; um par de pernas para cada morador do sítio, inclusive o Marquês e as galinhas. Quando as onças nos atacarem, subiremos sobre essas pernas de pau, bem lá no alto — e quero ver!...

— E se as onças também subirem pelas pernas de pau acima? — perguntou a menina.

— Impossível — respondeu ele. — Além de serem pernas muito compridas e de bambu, que é liso, ainda serão ensebadas. Cada uma corresponderá a um verdadeiro pau-de-sebo. Nem macaco será capaz de subir.

Foi considerada ótima a idéia e Pedrinho correu em busca da foice e do serrote. Com a foice cortou no bambuzal próximo meia dúzia de compridas varas de bambu, e com o serrote serrou-as do tamanho necessário. Depois, com um formão, abriu furos, nos quais fixou um estribo, isto é, uma travessinha em que um pé pudesse apoiar-se.

Prontas que foram as pernas de pau, tinham de exercitar-se um bocado. Nada mais fácil do que o equilíbrio sobre pernas de pau, mas mesmo assim não dispensa um pouco de prática. Quem começou foi Pedrinho, e como as pernas fossem muito altas teve de trepar a uma escada para colocar-se sobre elas. Assim fez, dando em seguida umas passadas tontas pelo terreiro, até acertar o equilíbrio. Em poucos minutos ficou tão hábil naquele pernilonguismo que até parecia ter anos de experiência.

Vendo a facilidade, Narizinho imitou-o. Trepou à escada e ajeitou-se sobre o par de pernas que lhe cabia. Também em minutos ficou adestrada a ponto de dar carreirinhas.

Emília e o Visconde não ficaram atrás. Eram jeitosos. Restava Rabicó.

— Vai começar a encrenca — disse Narizinho, quando chegou a hora do ilustre Marquês.

Assim aconteceu. A dificuldade principiou com aquele negócio de Rabicó ter quatro pernas, em vez de duas, como todas as criaturas decentes — os homens, as galinhas, as escadas. Rabicó tinha duas pernas mais que os outros, inutilíssimas pernas, porque se uma criatura pode viver muito bem com duas, ter quatro é ter pernas demais.

— Se eu tivesse clorofórmio e instrumentos cirúrgicos, fazia uma operação em Rabicó, transformando-o em bípede. Não deixa de ser uma vergonha um quadrúpede em nosso bando — disse Pedrinho.

Seguramente uma hora foi gasta naquilo de amarrar quatro pernas de pau nas perninhas do leitão e fazê-lo equilibrar-se sobre os espeques. Bem que ele esperneou, gritou, como se o estivessem matando com uma faca de ponta bem pontuda. Atraída pelos seus gritos, Tia Nastácia apareceu na porta da cozinha para ver o que era — e quase desmaiou de susto vendo o bandinho lá em cima, pernejando pernilongalmente pelo terreiro.

— Corra, sinhá! — gritou para dentro. — Venha ver o “felómeno” que aconteceu com a criançada. Está tudo pernilongo!...

Dona Benta apareceu à janela e assombrou-se da habilidade com que seus netos corriam e brincavam sobre pernas daquele comprimento, como se tivessem nascido pernaltas.

— Cuidado! — exclamou ela. — Se um de vocês perde o equilíbrio e vem ao chão, esborracha o nariz para o resto da vida. Mas que idéia foi essa, meninos?

Não houve remédio senão explicar-lhe tudo, mesmo porque Dona Benta e Tia Nastácia tinham também de colocar-se sobre tais pernas quando as onças chegassem.

—- Às onças vão atacar o sítio amanhã, vovó, umas cinqüenta — disse Pedrinho — e como não temos carabinas com que nos defender, a defesa que achei foi esta.

— Onças? Cinqüenta? — repetiu Dona Benta, com os olhos arregaladíssimos. — Quem contou semelhante coisa?

— Os besouros gêmeos da Emília, vovó — disse Narizinho. — Acabam de nos avisar que as onças, para vingarem a morte da que matamos, organizaram um ataque ao sítio para amanhã.

As duas pobres velhas ficaram na maior aflição do mundo, como era natural. Com semelhantes travessuras, o terrível bandinho acabaria dando cabo delas, não havia dúvida. Tia Nastácia, de olhos arregalados do tamanho de xícaras de chá, até perdeu a fala. Limitava-se a fazer pelo-sinais, um em cima do outro.

— Mas isto não tem propósito, Pedrinho! — ralhou Dona Benta. — Vocês põem-me doida. Onças e logo cin-qüen-ta!... Como irei arranjar-me aqui embaixo, sozinha com Tia Nastácia?

— O remédio, vovó, é a senhora e Tia Nastácia meterem-se em pernas de pau também. Olhe, as suas já estão ali prontinhas, feitas sob medida — e as de Tia Nastácia são aquelas acolá...

A aflição das duas velhas cresceu ainda alguns pontos. O medo de serem comidas pelas onças se somou ao medo de caírem de cima de tão compridas pernas. Mas que fazer? Ficarem embaixo, sozinhas, era suicídio puro, porque seriam fatalmente comidas pelas onças.

Dona Benta cocou a cabeça, desanimada.

— Inútil procurar outra saída, vovó — disse Pedrinho.

— As onças amanhã de manhã estarão aqui para o assalto e ou a senhora se utiliza desta defesa pernil que inventamos, ou deixa-se devorar viva. Escolha.

Não havia escolha possível e, apesar dos seus sessenta anos e dos seus vários reumatismos, a pobre Dona Benta teve de trepar na escada e ajeitar-se sobre o par de andaimes que Pedrinho lhe destinara.

Custou! Além de ter os músculos emperrados, a boa velhinha era medrosíssima. Por várias vezes quis desistir, e só não desistiu porque os meninos não cessavam de lembrar que nesse caso seria fatalmente devorada, como a avó da Menina da Capinha Vermelha. Afinal aprendeu o equilíbrio, dando uns passos muito desajeitados pelo terreiro.

— Serve — disse Pedrinho, que dirigia a aprendizagem. — Já dá para escapar de onça. Tratemos agora de Tia Nastácia.

Aí é que foi a dificuldade. A pobre negra era ainda mais desajeitada do que Rabicó e Dona Benta somados. Quando depois de inúmeras tentativas, ia se tenteando sobre as pernas de pau, perdeu de súbito o equilíbrio e veio ao chão, num berro. Felizmente caiu sobre um varal de roupa e não se machucou.

— Não trepo mais nesses andaimes — exclamou ela, ainda enganchada no varal. — Prefiro que as onças me comam viva. Figa, rabudo!...

Mas isso de preferir que as onças nos comam vivos é conversa. Na hora em que onça aparece, até em pau-de-sebo um aleijado é capaz de subir. A pobre da Tia Nastácia ia ficar sabendo disso no dia seguinte…
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continua ... VI – Aparece uma nova menina
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_San

terça-feira, 21 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 245)


Uma Trova Nacional

Seu orgulho, em linda imagem,
na outra margem pontifica...
Um dia, cria coragem
atravessa a Ponte... E fica!
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

Uma Trova Potiguar

É da musa a inspiração
fluida, ligeira, envolvente...
vem do espaço, em gradação,
para os poetas somente.
–MARIA GORETTI DANTAS/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Ribeirão Preto/SP
Tema: ÁRVORE - 1º Lugar.

Brincando, na meninice,
uma árvore plantei...
Na solidão da velhice,
à sua sombra eu chorei...
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA/SP–

Uma Trova de Ademar

Comigo ninguém concorre,
nem ama como eu te amei;
por AMOR se mata e morre...
Eu nem morri, nem matei!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Menino não tenha medo,
a Lei do retorno é certa;
se a vida quebra o brinquedo,
a mão do tempo conserta!
–CARMEN OTTAIANO/SP–

Simplesmente Poesia

–GISLAINE CANALES/SC–
Distante

A dor
renasce em mim
a cada dia,
quando acordo,
e te vendo
a meu lado,
tento falar-te,
tento tocar-te,
e não consigo,
pois estás
a milhões
de anos-luz
distante
de mim.

Estrofe do Dia

Nos caminhos do universo,
sigo o rastro da poesia...
Encontro-a na Estrela d’Alva
e em tudo quanto Deus cria,
mas só fico satisfeito
quando ela sonha em meu leito
e acorda ao romper do dia.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Soneto do Dia

–HÉRON PATRÍCIO/SP–
Colheita

É no riscar do solo, no trabalho
que torna o chão estéril em fecundo;
é na escolha do bom e melhor talho
que o arado irá ferir, de leve ou fundo…

É, do nascer do sol que seca o orvalho
até depois que o dia, moribundo,
busca da noite o fúnebre agasalho,
que o lavrador não pára, um só segundo…

E é, juntando esperanças às sementes,
com chuva certa e sol – sempre presentes -,
que a recompensa vem, mais que perfeita,

pois o plantio, para Deus, é prece
que tem resposta pronta… quando a messe
transborda no celeiro, na colheita!…

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Carlos Nóbrega (Antologia Poética)


EM RISTE

de que um obelisco
acusa o céu?

ele mesmo tão impuro
entre potência e solidão

MATÉRIA DE CONSUMO

Quando a primeira luz
caiu no primeiro olhar
nunca mais a paisagem foi a mesma

O BANCO DA GARE

tu que estás morto
sentado num banco da gare
esperando
- vieste pegar o trem?

não não
vim esperar o trem passar:
- vim pegar o tempo.
mas para tu que estás morto
- o tempo não já
passou?
sim sim
o tempo já passou
- Mas eu vim pegá-lo.

O MAR

Oh grande falta de sombra
incendiada
Azul que arde.
Só sal e
vento e sol e
coisa infinda.
Eterna tarde.

O MAR II

O Insone. O que é um abraço só
cheio de nomes: o índico...
O impaciente. O sêmen espumante
de todos os entes.
E o bolero-de-ravel
que ele repete sempre

O PASSADO

Tudo vive a cair
lentamente
Lentamente
indo ao chão
como um som
vem caindo
em busca de repouso
- lentamente
à sua cova de silêncio

O VENTO


Já tão velhinho
o velhinho
que não envelhece
mais -
Se dissipa
em cabelos e olhares
Vai no vento
como os jornais

OS OLHOS IDOS


oh por que
o olho morre antes da vida
como se o pássaro
antes do vôo
e o homem antes do sonho
como se tudo fosse apenas
uma grande lua
sem haver noite

OS RELÓGIOS


1 galo que é feito de sol
canta sua canção de sangue
canta com sua voz de sonho,
com seu olho de cor e sal
para as sombras que estão por vir

SUBSTANTIVO CONCRETO

No quarto do morto
ainda sentíamos
das noites mais fundas
A matéria dos seus sonhos
- -
Tocar-nos

UM GATO

meio de louça
meio de sombra
imóveis sobre
si mesmo
o objeto de carne
e espera
espera que a tarde
se vá
de seus olhos
de tédio e sono

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/carlos.html

Carlos Nóbrega (Entrevistado pelo poeta Nilto Maciel)

Como a maioria dos escritores brasileiros, Carlos Nóbrega é um desconhecido. Mora em Fortaleza (como outras dezenas de bons poetas, contistas e romancistas), não aparece nos jornais (e quem aparece?), publicou cinco “livrinhos” (por pequenas editoras, é claro) e, vez por outra, sai de casa ou da empresa onde trabalha, para tomar um chope e conversar com os poucos amigos, também escritores. Um deles sou eu, que gosto de ser jornalista (do tipo antigo, sem formação em curso de jornalismo) e de ouvir quem tem muito a dizer. Conversei com ele (via correio eletrônico) durante alguns dias do final do ano passado. Só então fiquei sabendo de seu nome completo: Carlos Alberto Medeiros Nóbrega, descendente de paraibanos. “Nasci no Henrique Jorge (bairro popular da capital cearense), poucos anos depois da inauguração do Conjunto Residencial Casa Popular. Foi uma infância bárbara, selvagem, no mato. Tão maravilhosa que ainda hoje, 45 anos depois (tenho 55) me fornece alumbramento. Depois cresci, fiquei careca, fiz um curso de Gerência Financeira na UFC, casei, descasei, recasei, extraí cinco filhos daí, e escrevi uns versinhos bobos que ficaram enfeixados nos livrinhos A sono solto, Outros poemas, Breviário, Árvore de manivelas, O quanto sou e 8verbetes. Mais nada que mereça ser relatado, lembrado ou registrado, a biografia é magrela mesmo”.

ENTREVISTA
Nilto Maciel – Saiba que não quero história. Evito isto. Talvez para os pesquisadores do futuro, quando você for morto e famoso, para os biógrafos sua história vá interessar. Quero falar de hoje. Onde você se insere, em que nicho da poesia brasileira você se sente (ou se senta)? Você se sentaria ao lado de quem (sem constrangimento, para você)? Ou não há cadeiras vazias para você?

CN – No joguinho de palavras sente/senta, vou dizer primeiro o que sinto sobre o assunto poesia. Nós, os milhões de poetas soltos por aí como poeira no vento, compreendemos muito bem que fazemos uma arte menor, uma arte pobre, uma arte coitadinha... sempre achei que poetas como eu não passam de músicos que não deram certo, contistas preguiçosos, romancistas frustrados... ou poetas pela metade. Mas fazer o que, não é?, a não ser ficar se (me) repetindo em tudo quando é texto só por causa de um vício que eu peguei quando conheci Manoel Bandeira. Que me levou a João Cabral, que me levou a Lorca, e por aí vai. Depois disso curti cada cara em seu tempo: Francisco Alvim, outro tempo com Leminski, etc. Mas os três primeiros ainda me perseguem. E como eles já estão muito longe de mim no espaço, no tempo e na glória, eu me sentaria, sim, e ficaria muito à vontade e muito honrado, ao lado do nosso conterrâneo Horácio Dídimo. Gosto muito dele, me ensinou muita coisa. Quanto às cadeiras vazias, talvez eu responda melhor assim: leio e repercuto tudo, e aqui e ali até livro didático de matemática que não consigo entender. Hoje estou lendo o Corão. Sei que se eu não dormisse, nem comesse, nem trepasse, nem trabalhasse na Caixa Econômica há três décadas (e confesso, para estranheza de muita gente que eu adoro esse trabalho), se eu não fizesse outra coisa a não ser ler, não daria para conhecer um décimo por cento do que eu desejo, parece que a falta e a ânsia de ler o que não leu vão aumentando à medida que você vai lendo cada vez mais, isto é uma constatação, até Pascal já disse uma vez. Para a minha resposta ser mais clara sobre as cadeiras vazias: para mim não há cadeiras vazias, de todo livro e autor com quem me deparo eu aprendo um pouco ou muito, tenho medo até de um dia ser apanhado em flagrante delito, este pequeno texto, por exemplo, eu botei o nome dele de plágio por medo de ele ter existido realmente antes:
O PLÁGIO

teu braço me lembra
Vênus

Pelo muito que teu braço
me falta

Por que não és
pelo menos
apenas uma simples
estátua?

Pode perfeitamente ter sido roubado de Ferreira Gular, ou de Waly Salomão ou de Nilto Maciel ou sei lá mais de quem.

NM – Você prefere papas na língua ou línguas na papa?

CN – Dependendo da pressão sanguínea, do momento, eu uso três, quatro, sei lá mais quantas formas de papa. Agora, por exemplo, estou respondendo com as cujas na língua. Do contrário eu diria: ô perguntinha escrota! Mas é isso mesmo. Às vezes digo o que me vem na telha, às vezes me policio e refaço o pensamento nas palavras. Não se trata de ficar em cima do muro, é que, quando dá tempo, eu temo mesmo as consequências. Afinal, como dizem por aí, quem fala o que quer ouve o que não quer. Muitas vezes eu falei ou escrevi (e ainda falo ou escrevo) o que quis e depois quebrei a cara por calcular quanta energia gastei naquilo e que foi inútil, pois eu estava errado. Mas infelizmente ainda não consigo me controlar e lá vai prejuízo. Afinal, por falar em papas, eu não sou o papa nem o dalai lama, – então: ô perguntinha escrota!

NM – Foi uma brincadeira, mas consegui arrancar de você alguma preciosidade. Agora vai outra casca de banana. Poeta (escritor, de maneira geral) deve “falar” muito ou só precisa escrever? Entrevista, memória, depoimento e outros gêneros extraliterários têm alguma importância? Você se sente à vontade ao desnudar-se assim ou prefere se esconder ou se revelar no poema?
CN – Nilto, estou bêbado, e quero responder bêbado (corrigi a palavra bêbado três vezes). Se o cara estiver bêbado do que escreve, se fizer com gozo, então faça o que lhe der na telha. Eu não faço nada além do que uns versinhos bestas porque não tenho força pra fazer alguma coisa grande. Quem puder tentar isso de outro jeito que tente. Que jogue flechas do ar. Que arrisque. Alguns atingem o alvo na mosca. Pelo que me consta Baú de ossos é um livro de memórias, e é um monumento. O Diário de Anne Frank é um caderno de adolescente (abstraiamos a situação em que foi escrito), e é mais lido no mundo do que Machado de Assis e do que Ezra Pound juntos. E eu não me desnudo nas besteiras que escrevo: nunca o que escrevi tem a ver com o que vivo. A verdade está na cerveja, como não diziam os gregos. Não estou pensando em nada, não estou calculado nada, mas estou super inspirado. Escreverei alguma coisa. Se passar pelo controle de qualidade de quando eu sóbrio, eu te mostro. Ich! Tin-tin.

NM – Escrever é prazer, dor ou nada disso? Se for prazer, é muito natural, humano. Se for dor, é masoquismo (que também é um prazer). Pode ser também sadismo. Fazer o leitor sofrer. Sim, o leitor sofre quando lê, tanto quanto o escritor. Isso não o enche de culpa?

CN – Ao contrário da música, da dança, que muitas vezes expressam felicidade, o fato é que a literatura é o muro das lamentações da arte. Não foi à toa que Vinícius disse numa canção que o poeta só é grande se sofrer. Mesmo nos contos infantis, que têm final feliz, o assunto central é o sofrimento, a humilhação ou a impotência. Quando rimos dos devaneios de D. Quixote nem imaginamos que estamos rindo de nós mesmos, de quando temos esperança. Por isso não me coloco de uma forma pessoal no centro da pergunta. Todo autor explora o lado escuro das pessoas, isto é, o lado escondido (pode ver: rimos em público, mas choramos às escondidas). Não é, portanto, uma questão de se ser masoquista, é lidar com a matéria prima da literatura.

NM – Poesia e livro, poesia e internet. Você tem medo de se perder no universo virtual e prefere ser visto nos livros? De qualquer forma, você (e muitos outros) é apenas uma fagulha? Ou acredita ser uma galáxia, uma estrela, um brilho perpétuo no firmamento? Ter cinco leitores é o suficiente?

CN – 1) Não faço restrição nenhuma ao computador, a ter um blog, a ter um site com textos literários, é um meio de publicar barato e prático e que tende, inevitavelmente a ter prevalência sobre os meios tradicionais; mas o fato de passar 6, 8 horas no escritório onde trabalho lidando exclusivamente com a máquina, me daria a impressão de que meus poemas seriam mais uma de minhas atividades burocráticas, então por enquanto fujo disso, a poesia me é uma atividade lúdica, e eu não quero absolutamente confundi-la com o lado árduo de meu outro trabalho. Por isso ainda prefiro publicar em papel. Portanto, não é uma questão de temor, é uma opção justificável pelas circunstâncias da minha relação constante com a máquina. Um dia, quando eu me aposentar, certamente tratarei disso.
2) Responderei ao tamanho sideral desta pergunta com bem pouquinho. Nunca serei um ser espaçoso nem no tempo nem no ar (noir?), não sou porque primeiro não sou mesmo e depois não faço questão, ou seja, não sofro chiliques pelo fato de não ser, jamais irei ao Saara buscar a água rara da glória. Faço sincera autocrítica das coisinhas que eu escrevo: são umas tolices que a mim me divertem e a poucos interessam, nada mais do que isto. Então talvez eu chegue apenas a um pouco além da fagulha, para ficar na metáfora que você está usando, digamos que se trate de no máximo o tempo do palito de fósforo se queimar. E não ria o riso dos irônicos por achar que estou usando de falsa modéstia ou que seja o reconhecimento da minha santa mediocridade, esse é um sentimento sincero que possuo a respeito dos meus livros, e acrescento que não sou absolutamente infeliz ou incomodado ou injustiçado por causa de me sentir mero fogo fátuo, sou comum mesmo e trivial, gosto de futebol, de tomar umas, de ouvir piadas infames (só de ouvir, porque não sei contar)... – você acha que alguém assim poderia entrar no reino da imortalidade? Nunquinha. Quero a mortalidade e me belisco todo dia para saber se está tudo bem.
3) Ter somente cinco leitores realmente não é uma coisa boa, mas fazer o que? Há algo que dói mais do que isto quando a gente publica um livro: é a sobra. Minha primeira publicação foi de 1000 exemplares. Quanta inexperiência, quanta ilusão neste número! Consegui me desfazer (sic, sic – mas é este o termo) de uns duzentos e poucos, e aquela imagem, aquela coluna negra (a capa era preta) que, em vez de diminuir, cada vez mais crescia aos meus olhos, me aborrecia de verdade, me torturou durante uns quatro anos seguidos, quando finalmente resolvi juntar todinhos e fragmentá-los, queimá-los ou vender para o papel velho, nem sei mesmo o que foi que eu fiz, sei que tirei da minha frente aquele pesadelo, aquele abandono. Hoje publico 300, 500 exemplares no máximo, e ainda sobra... quem sabe não chegue o dia de eu publicar os tais cinco exemplares para sentir o prazer de lançar (que glória!) uma 2ª edição?

NM – Falamos de você e de quem é poeta (os outros), do poema, do prazer e da dor de escrever, do livro de poemas e dos poemas em computador, dos leitores (esses outros que somos também nós). Você pode falar do que é poema? O que você quer, quando escreve? Poema é para ser lido/ouvido/visto? Quem lê, ouve e vê, precisa ser bom leitor e bom ouvinte? Ler com (ou por) avidez/paixão.

CN – Poesia é uma manifestação dos espíritos (no plural), por isso se mostra de formas absolutamente diferentes. Alguns se confessam poetas cerebrais, outros intuitivos, há quem construa textos como se estivessem fazendo desenhos, outros compõem coisas herméticas, tudo igualmente bom ou igualmente ruim. Mas eu não acredito que exista a criação puramente cerebral nem puramente intuitiva, vejo nessas classificações apenas estágios do fazer. Quando esses impulsos (sentimentos, insights, ou seja, o que for) se materializam, aí os textos refletem um pouco (e às vezes apenas um mínimo) da idéia ou do sentimento original do criador; partindo de mim, portanto, não acredito em sinceridade absoluta, em fidelidade absoluta, entre o produto final e a embrião imaterial do poema. É algo totalmente transformado. Veja bem, quantas coisas foram iniciadas a partir de um impulso, e o cara ao tentar melhorá-las sob o aspecto estético, terminou dizendo o contrário ou algo muito distante de seu sentido original? Acho que esse “desvio-padrão” acontece com todo escritor e em qualquer gênero. O que eu acabei de dizer significa exatamente minha vivência com a poesia, ou seja, é uma coisa desmistificada, embora que eu jamais me definiria cerebral... Na verdade, nunca penso muito sobre o modo de fazer, eu a faço de maneira selvagem, primitiva, sem estilo. O que eu posso dizer com segurança é que:
1) algo sem nome acontece quando eu percebo que surgirá na minha frente uma fileira de palavras que me farão arrepiar, e aí se dá uma fuga da realidade que dura alguns segundos (chamam isto de inspiração, mas eu considero pejorativa essa denominação);
2) Repito quase sempre as mesmas temáticas; são recorrentes, por exemplo, o tempo e o destino; e sempre busco ser simples para ser compreendido (ainda assim, uma tia minha – e também muitas pessoas cultas falam que não compreendem bulhufas); e
3) finalizado o texto, o que eu sinto é: ora uma sensação de prazer parecido com o fato de ter comido uma coisa boa, ora a de alívio por me desfazer de um peso que estava carregando. Por fim, eu não chamaria de paixão o sentimento que tenho pela poesia, chamaria de alegria, pois paixão nos chega sem ser chamada e depois se acaba, e alegria a gente busca.

NM – Para finalizar, você está contente com o que escreveu? Pretende escrever mais? Ou escrever não é pretensão? É sina?

CN – Não estou contente de jeito nenhum. Noventa e tanto por cento é ruim. Um por cento talvez seja bom. Mas eu vou continuar tentando, um dia, quem sabe, eu termine alguma coisa que considere o resto excessivo. Por enquanto, não. Embora eu já me veja como um veterano das tentativas e perceba as possibilidades se escasseando, vou continuar caçando esmeraldas, (por si só isso me diverte pra caramba), e um dia, quem sabe, eu encontre uma pedrinha comum, mas bem bonita. Se isto acontecer, e quando acontecer, eu te digo, você vai ser o primeiro a saber. Combinado? Obrigado pelas oportunidades que você me deu aqui no seu blog.
Fortaleza, janeiro de 2011.

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/carlosnobrega.html

Machado de Assis (Frei Simão)


CAPÍTULO PRIMEIRO

FREI SIMÃO era um frade da ordem dos Beneditinos. Tinha, quando morreu, cinqüenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito. A causa desta velhice prematura derivava da que o levou ao claustro na idade de trinta anos, e, tanto quanto se pode saber por uns fragmentos de memórias que ele deixou, a causa era justa.

Era frei Simão de caráter taciturno e desconfiado. Passava dias inteiros na sua cela, donde apenas saía na hora do refeitório e dos ofícios divinos. Não contava amizade alguma no convento, porque não era possível entreter com ele os preliminares que fundam e consolidam as afeições.

Em um convento, onde a comunhão das almas deve ser mais pronta e mais profunda, frei Simão parecia fugir à regra geral. Um dos noviços pôs lhe alcunha de urso, que lhe ficou, mas só entre os noviços, bem entendido. Os frades professos, esses, apesar do desgosto que o gênio solitário de frei Simão lhes inspirava, sentiam por ele certo respeito e veneração.

Um dia anuncia se que frei Simão adoecera gravemente. Chamaram se os socorros e prestaram ao enfermo todos os cuidados necessários. A moléstia era mortal; depois de cinco dias frei Simão expirou.

Durante estes cinco dias de moléstia, a cela de frei Simão esteve cheia de frades. Frei Simão não disse uma palavra durante esses cinco dias; só no último, quando se aproximava o minuto fatal, sentou se no leito, fez chamar para mais perto o abade, e disse lhe ao ouvido com voz sufocada e em tom estranho:

Morro odiando a humanidade!

O abade recuou até a parede ao ouvir estas palavras, e no tom em que foram ditas. Quanto a frei Simão, caiu sobre o travesseiro e passou à eternidade.

Depois de feitas ao irmão finado as honras que se lhe deviam, a comunidade perguntou ao seu chefe que palavras ouvira tão sinistras que o assustaram. O abade referiu as, persignando se. Mas os frades não viram nessas palavras senão um segredo do passado, sem dúvida importante, mas não tal que pudesse lançar o terror no espírito do abade. Este explicou lhes a idéia que tivera quando ouviu as palavras de frei Simão, no tom em que foram ditas, e acompanhadas do olhar com que o fulminou: acreditara que frei Simão estivesse doido; mais ainda, que tivesse entrado já doido para a ordem. Os hábitos da solidão e taciturnidade a que se votara o frade pareciam sintomas de uma alienação mental de caráter brando e pacífico; mas durante oito anos parecia impossível aos frades que frei Simão não tivesse um dia revelado de modo positivo a sua loucura; objetaram isso ao abade; nuas este persistia na sua crença.

Entretanto procedeu se ao inventário dos objetos que pertenciam ao finado, e entre eles achou se um rolo de papéis convenientemente enlaçados, com este rótulo: "Memórias que há de escrever frei Simão de Santa Águeda, frade beneditino".

Este rolo de papéis foi um grande achado para a comunidade curiosa. Iam finalmente penetrar alguma cousa no véu misterioso que envolvia o passado de frei Simão, e talvez confirmar as suspeitas do abade. O rolo foi aberto e lido para todos.

Eram, pela maior parte, fragmentos incompletos, apontamentos truncados e notas insuficientes; mas de tudo junto pode se colher que realmente frei Simão estivera louco durante certo tempo.

O autor desta narrativa despreza aquela parte das Memórias que não tiver absolutamente importância; mas procura aproveitar a que for menos inútil ou menos obscura.

CAPíTULO II

As NOTAS de frei Simão nada dizem do lugar do seu nascimento nem do nome de seus pais. O que se pôde saber dos seus princípios é que, tendo concluído os estudos preparatórios, não pôde seguir a carreira das letras, como desejava, e foi obrigado a entrar como guarda livros na casa comercial de seu pai.

Morava então em casa de seu pai uma prima de Simão, órfã de pai e mãe, que haviam por morte deixado ao pai de Simão o cuidado de a educarem e manterem. Parece que os cabedais deste deram para isto. Quanto ao pai da prima órfã, tendo sido rico, perdera tudo ao jogo e nos azares do comércio, ficando reduzido à última miséria.

A órfã chamava se Helena; era bela, meiga e extremamente boa. Simão, que se educara com ela, e juntamente vivia debaixo do mesmo teto, não pôde resistir às elevadas qualidades e à beleza de sua prima. Amaram se. Em seus sonhos de futuro contavam ambos o casamento, cousa que parece mais natural do mundo para corações amantes.

Não tardou muito que os pais de Simão descobrissem o amor dos dois. Ora é preciso dizer, apesar de não haver declaração formal disto nos apontamentos do frade, é preciso dizer que os referidos pais eram de um egoísmo descomunal. Davam de boa vontade o pão da subsistência a Helena; mas lá casar o filho com a pobre órfã que não podiam consentir. Tinham posto a mira em uma herdeira rica, e dispunham de si para si que o rapaz se casaria com ela.

Uma tarde, como estivesse o rapaz a adiantar a escrituração do livro mestre, entrou no escritório o pai com ar grave e risonho ao mesmo tempo, e disse ao filho que largasse o trabalho e o ouvisse.

O rapaz obedeceu. O pai falou assim:

Vais partir para a província de ***. Preciso mandar umas cartas ao meu correspondente Amaral, e como sejam elas de grande importância, não quero confiá las ao nosso desleixado correio. Queres ir no vapor ou preferes o nosso brigue?

Esta pergunta era feita com grande tino.

Obrigado a responder lhe, o velho comerciante não dera lugar a que seu filho apresentasse objeções.

O rapaz enfiou, abaixou os olhos e respondeu:

Vou onde meu pai quiser.

O pai agradeceu mentalmente a submissão do filho, que lhe poupava o dinheiro da passagem no vapor, e foi muito contente dar parte à mulher de que o rapaz não fizera objeção alguma.

Nessa noite os dous amantes tiveram ocasião de encontrar se sós na sala de jantar.

Simão contou a Helena o que se passara. Choraram ambos algumas lágrimas furtivas, e ficaram na esperança de que a viagem fosse de um mês, quando muito.

À mesa do chá, o pai de Simão conversou sobre a viagem do rapaz, que devia ser de poucos dias. Isto reanimou as esperanças dos dous amantes. O resto da noite passou se em conselhos da parte do velho ao filho sobre a maneira de portar se na casa do correspondente. Às dez horas, como de costume, todos se recolheram aos aposentos.

Os dias passaram se depressa. Finalmente raiou aquele em que devia partir o brigue. Helena saiu de seu quarto com os olhos vermelhos de chorar. Interrogada bruscamente pela tia, disse que era uma inflamação adquirida pelo muito que lera na noite anterior. A tia prescreveu lhe abstenção da leitura e banhos de água de malvas.

Quanto ao tio, tendo chamado Simão, entregou lhe uma carta para o correspondente, e abraçou o. A mala e um criado estavam prontos. A despedida foi triste. Os dous pais sempre choraram alguma cousa, a rapariga muito.

Quanto a Simão, levava os olhos secos e ardentes. Era refratário às lágrimas; por isso mesmo padecia mais.

O brigue partiu. Simão, enquanto pôde ver terra, não se retirou de cima; quando finalmente se fecharam de todo as paredes do cárcere que anda, na frase pitoresca de Ribeyrolles, Simão desceu ao seu camarote, triste e com o coração apertado. Havia como um pressentimento que lhe dizia interiormente ser impossível tornar a ver sua prima. Parecia que ia para um degredo.

Chegando ao lugar do seu destino, procurou Simão o correspondente de seu pai e entregou lhe a carta. O Sr. Amaral leu a carta, fitou o rapaz e, depois de algum silêncio, disse lhe, volvendo a carta:

Bem, agora é preciso esperar que eu cumpra esta ordem de seu pai. Entretanto venha morar para a minha casa.

Quando poderei voltar? perguntou Simão.

Em poucos dias, salvo se as cousas se complicarem.

Este salvo, posto na boca de Amaral como incidente, era a oração principal. A carta do pai de Simão versava assim:

Meu caro Amaral,
Motivos poderosos me obrigam a mandar meu filho desta cidade. Retenha o por lá como puder. O pretexto da viagem é ter eu necessidade de ultimar alguns negócios com você, o que dirá ao pequeno, fazendo lhe sempre crer que a demora é pouca ou nenhuma. Você, que teve na sua adolescência a triste idéia de engendrar romances, vá inventando circunstâncias e ocorrências imprevistas, de modo que o rapaz não me torne cá antes de segunda ordem. Sou, como sempre, etc.

CAPÍTULO III

PASSARAM SE DIAS e dias, e nada de chegar o momento de voltar à casa paterna. O ex romancista era na verdade fértil, e não se cansava de inventar pretextos que deixavam convencido o rapaz.

Entretanto, como o espírito dos amantes não é menos engenhoso que o dos romancistas, Simão e Helena acharam meio de se escreverem, e deste modo podiam consolar se da ausência, com presença das letras e do papel. Bem diz Heloísa que a arte de escrever foi inventada por alguma amante separada do seu amante. Nestas cartas juravam se os dous sua eterna fidelidade.

No fim de dous meses de espera baldada e de ativa correspondência, a tia de Helena surpreendeu uma carta de Simão. Era a vigésima, creio eu. Houve grande temporal em casa. O tio, que estava no escritório, saiu precipitadamente e tomou conhecimento do negócio. O resultado foi proscrever de casa tinta, penas e papel, e instituir vigilância rigorosa sobre a infeliz rapariga.

Começaram pois a escassear as cartas ao pobre deportado. Inquiriu a causa disto em cartas choradas e compridas; mas como o rigor fiscal da casa de seu pai adquiria proporções descomunais, acontecia que todas as cartas de Simão iam parar às mãos do velho, que, depois de apreciar o estilo amoroso de seu filho, fazia queimar as ardentes epístolas.

Passaram se dias e meses. Carta de Helena, nenhuma. O correspondente ia esgotando a veia inventadora, e já não sabia como reter finalmente o rapaz.

Chega uma carta a Simão. Era letra do pai. Só diferençava das outras que recebia do velho em ser esta mais longa, muito mais longa. O rapaz abriu a carta, e leu trêmulo e pálido. Contava nesta carta o honrado comerciante que a Helena, a boa rapariga que ele destinava a ser sua filha casando se com Simão, a boa Helena tinha morrido. O velho copiara algum dos últimos necrológios que vira nos jornais, e ajuntara algumas consolações de casa. A última consolação foi dizer lhe que embarcasse e fosse ter com ele.

O período final da carta dizia:

Assim como assim, não se realizam os meus negócios; não te pude casar com Helena, visto que Deus a levou. Mas volta, filho, vem; poderás consolar te casando com outra, a filha do conselheiro ***. Está moça feita e é um bom partido. Não te desalentes; lembra te de mim.

O pai de Simão não conhecia bem o amor do filho, nem era grande águia para avaliá lo, ainda que o conhecesse. Dores tais não se consolam com uma carta nem com um casamento. Era melhor mandá lo chamar, e depois preparar lhe a notícia; mas dada assim friamente em uma carta, era expor o rapaz a uma morte certa.

Ficou Simão vivo em corpo e morto moralmente, tão morto que por sua própria idéia foi dali procurar uma sepultura. Era melhor dar aqui alguns dos papéis escritos por Simão relativamente ao que sofreu depois da carta; mas há muitas falhas, e eu não quero corrigir a exposição ingênua e sincera do frade.

A sepultura que Simão escolheu foi um convento. Respondeu ao pai que agradecia a filha do conselheiro, mas que daquele dia em diante pertencia ao serviço de Deus.

O pai ficou maravilhado. Nunca suspeitou que o filho pudesse vir a ter semelhante resolução. Escreveu às pressas para ver se o desviava da idéia; mas não pôde conseguir.

Quanto ao correspondente, para quem tudo se embrulhava cada vez mais, deixou o rapaz seguir para o claustro, disposto a não figurar em um negócio do qual nada realmente sabia.

CAPÍTULO IV

FREI Simão de Santa Águeda foi obrigado a ir à província natal em missão religiosa, tempos depois dos fatos que acabo de narrar.

Preparou se e embarcou.

A missão não era na capital, mas no interior. Entrando na capital, pareceu lhe dever ir visitar seus pais. Estavam mudados física e moralmente. Era com certeza a dor e o remorso de terem precipitado seu filho à resolução que tomou. Tinham vendido a casa comercial e viviam de suas rendas.

Receberam o filho com alvoroço e verdadeiro amor. Depois das lágrimas e das consolações, vieram ao fim da viagem de Simão.

A que vens tu, meu filho?

Venho cumprir uma missão do sacerdócio que abracei. Venho pregar, para que o rebanho do Senhor não se arrede nunca do bom caminho.

Aqui na capital?

Não, no interior. Começo pela vila de ***.

Os dous velhos estremeceram; mas Simão nada viu. No dia seguinte partiu Simão, não sem algumas instâncias de seus pais para que ficasse. Notaram eles que seu filho nem de leve tocara em Helena. Também eles não quiseram magoá lo falando em tal assunto.

Daí a dias, na vila de que falara frei Simão, era um alvoroço para ouvir as prédicas do missionário.

A velha igreja do lugar estava atopetada de povo.

À hora anunciada, frei Simão subiu ao púlpito e começou o discurso religioso. Metade do povo saiu aborrecido no meio do sermão. A razão era simples. Avezado à pintura viva dos caldeirões de Pedro Botelho e outros pedacinhos de ouro da maioria dos pregadores, o povo não podia ouvir com prazer a linguagem simples, branda, persuasiva, a que serviam de modelo as conferências do fundador da nossa religião.

O pregador estava a terminar, quando entrou apressadamente na igreja um par, marido e mulher: ele, honrado lavrador, meio remediado com o sítio que possuía e a boa vontade de trabalhar; ela, senhora estimada por suas virtudes, mas de uma melancolia invencível.

Depois de tomarem água benta, colocaram se ambos em lugar donde pudessem ver facilmente o pregador.

Ouviu se então um grito, e todos correram para a recém chegada, que acabava de desmaiar. Frei Simão teve de parar o seu discurso, enquanto se punha temia ao incidente. Mas, por uma aberta que a turba deixava, pôde ele ver o rosto da desmaiada.

Era Helena.

No manuscrito do frade há uma série de reticências dispostas em oito linhas. Ele próprio não sabe o que se passou. Mas o que se passou foi que, mal conhecera Helena, continuou o frade o discurso. Era então outra cousa: era um discurso sem nexo, sem assunto, um verdadeiro delírio. A consternação foi geral.

CAPÍTULO V

O DELÍRIO de frei Simão durou alguns dias. Graças aos cuidados, pôde melhorar, e pareceu a todos que estava bom, menos ao médico, que queria continuar a cura. Mas o frade disse positivamente que se retirava ao convento, e não houve forças humanas que o detivessem.

O leitor compreende naturalmente que o casamento de Helena fora obrigado pelos tios.

A pobre senhora não resistiu à comoção. Dous meses depois morreu, deixando inconsolável o marido, que a andava com veras.

Frei Simão, recolhido ao convento, tornou se mais solitário e taciturno. Restava lhe ainda um pouco da alienação.

Já conhecemos o acontecimento de sua morte e a impressão que ela causara ao abade.

A cela de frei Simão de Santa Águeda esteve muito tempo religiosamente fechada. Só se abriu, algum tempo depois, para dar entrada a um velho secular, que por esmola alcançou do abade acabar os seus dias na convivência dos médicos da alma. Era o pai de Simão. A mãe tinha morrido.

Foi crença, nos últimos anos de vida deste velho, que ele não estava menos doudo que frei Simão de Santa Águeda.

Fonte:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Machado de Assis)

– In Memoriam
Data de aniversário do seu nascimento que foi em 21.6.1839

Se foram os romances obras-primas
do magnânimo e maior escritor,
também falaram alto suas rimas
nos versos que cantou com grande ardor !

Foi Carolina, vinda de outros climas,
a culta portuguesa, o seu amor,
para quem dedicou suas estimas,
durante toda a vida com louvor...

E quando a perde, sente sobremaneira
a falta que lhe faz a companheira,
compondo seu soneto mais famoso...

Sendo poeta, Machado de Assis,
sofreu demais no momento infeliz
em que permaneceu triste e saudoso...

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) IV - Os espiões da Emília


Entre os animais da floresta que iam atacar o sítio de Dona Benta havia traidores. Eram os espiões da Emília. A terrível bonequinha fizera amizade com um casal de besouros cascudos, muito santarrões, que viviam fingindo estar a dormir mas que não perdiam coisa nenhuma do que se passava na floresta. Na reunião dos animais também eles estiveram presentes, vendo e ouvindo tudo lá do seu cantinho. Em seguida foram dar parte do acontecido à boneca.

— Eles vão atacar a casa e comer toda a gente do sítio — disse o besouro com voz cautelosa.

— Eles quem? — indagou Emília.

— As onças, as irarás e os cachorros-do-mato.

— Elas, então — disse Emília, que implicava muito com a regra de gramática que manda pôr pronome no masculino quando há diversos sujeitos de sexos diferentes. Elas vão atacar o sítio, não é? Pois que venham. Serão muito bem recebidas. Tenho lá um espeto próprio para espetar onça, irará, jaguatirica e cachorro-do-mato.

Mas os besouros contaram minuciosamente tudo quanto tinham ouvido na assembléia da capivara e a boneca viu que o caso não era de brincadeira. Resolveu lá consigo ir incontinenti avisar Pedrinho, mas para não dar a perceber os seus receios fez-se de valentona.

— Veremos! — disse aos besouros, muito admirados daquele sangue-frio. — Veremos! Nós matamos há pouco uma onça-pintada, a maior que existia por aqui, e faremos a mesma coisa até para leões e hipopótamos, se aparecerem. A bicharia há de convencer-se de que conosco ninguém brinca. Atacar o sítio! Desaforados... E para quando é a guerra?

— O dia ainda não está marcado. A jaguatirica anda a correr a mata para reunir os atacantes.

— Muito bem — concluiu Emília, sem pestanejar. — Continuem espionando e avisando-me de tudo quanto souberem. Vou prevenir Pedrinho.

Emília voltou para casa de carreira e, já de longe, foi gritando pelo menino. Encontrou-o na varanda, a fazer uma arapuca de talos de folhas de embaúva para apanhar rolinhas.

— Largue disso — gritou Emília, ao galgar a escada. — Temos novidade grande. O sítio vai ser assaltado pelas onças, cachorros-do-mato e irarás.

Pedrinho olhou para ela com os olhos arregalados.

— Que bobagem está você dizendo, Emília? Assaltado, por quê? Como?

A boneca desfiou toda a conversa tida com os besouros e concluiu:

— Temos guerra, é isso. Matamos a onça e agora a onçada inteira quer a desforra.

Pedrinho refletiu por alguns instantes. Depois recomendou:

— Não diga nada a vovó, nem a Tia Nastácia, pois são capazes de morrer de medo. Vou estudar o caso e organizar a defesa. Vá depressa ver Narizinho e o Visconde. Diga-lhes que me esperem no pomar, debaixo da jabuticabeira grande. Aqui na varanda não podemos tratar disso. Vovó descobriria tudo.

Minutos depois realizava-se, debaixo da jabuticabeira grande, uma segunda assembléia, menos numerosa que a dos bichos. Compareceram todos, inclusive o Marquês de Rabicó. Pedrinho pediu à boneca que repetisse a sua conversa com os besouros espiões. Emília repetiu-a, terminando assim:

— É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta. As onças estão preparando as goelas para devorar todos os bípedes do sítio, exceto os de pena.

O Marquês de Rabicó sorriu. Se as onças iam devorar todos os bípedes, ele, na sua nobre qualidade de quadrúpede, estaria fora da matança. “Que felicidade ser quadrúpede!”, refletiu, lá consigo, o maroto.

Pedrinho começou a estudar a defesa.

— Sabem do que mais? — disse ele. — Vou abrir uma linha de trincheiras em redor da casa.

— Inútil isso, Pedrinho — objetou a menina. — As onças são umas danadas para saltar. Pulam qualquer trincheira.

Pedrinho achou razoável a observação e refletiu um pouco mais. Depois disse:

— Nesse caso, podemos rodear a fazenda duma cerca de paus-a-pique, bem pontudos. Construir uma estacada, como faziam os índios.

— Impossível — objetou outra vez Narizinho. — Para fazer semelhante estacada teríamos de contratar vários homens para cortar os paus e fincá-los — e vovó desconfiaria e viria a saber de tudo. Com estacada não vai. Temos de descobrir outro meio.

E, voltando-se para o Visconde que ainda não pronunciara uma só palavra:

— Qual a sua opinião, Visconde?

Como tivesse corpo de sabugo, o Visconde jamais mostrou o menor medo de onça, ou de qualquer outro animal carnívoro. Só tinha medo de vaca, bezerro, cavalo e outros animais comedores de sabugo. Por isso, caçoou:

— Ataque de onça! Ora, ora. Que valem onças? Se fosse um ataque de vacas, sim, compreendo que estivéssemos assustados. Mas de onças...

— E você, Rabicó, que acha? — perguntaram ao Marquês.

O Marquês nunca achava coisa nenhuma. Sua preocupação única era descobrir coisas de comer. Quando lhe pediam opinião sobre abóboras, chuchus, cascas de bananas ou mandioca, ele dava opiniões ótimas. Mas sobre onças...

— Eu acho que... que... que... — e engasgou.

— Quequerequeque... Para achar isso não valia a pena ter aberto a boca — disse Pedrinho. — Temos que achar qualquer coisa. Temos que resolver. O caso é dos mais sérios. Nossas vidas correm perigo, bem como as vidas de vovó e Tia Nastácia. Vamos! Venham idéias. Dêem tratos à bola e resolvam.

— Tenho uma idéia excelente! — gritou Narizinho, batendo palmas.

— Qual é? — exclamaram todos, voltando-se para ela.

— É deixarmos isto para amanhã. As grandes coisas devem ser bem pensadas e não podem ser decididas assim, do pé para a mão. A guerra não é para já, pois que a jaguatirica ainda anda a avisar as companheiras. Até que fale com todas e organizem o plano de ataque, passar-se-ão alguns dias. Para agora tenho uma coisa excelente a fazer. Uma surpresa...

Disse e ergueu-se, correndo para a margem do ribeirão, onde na véspera Tia Nastácia havia escondido qualquer coisa. Todos a seguiram, curiosos.

— Que é, que é, Narizinho? Que surpresa é essa?

Em vez de responder, a menina espalhou um montinho de folhas secas que havia junto às pedras do rio e revelou, aos olhos do bando, um lindo cacho de brejaúvas.

— Viva! Viva! — gritou Pedrinho, que se pelava por brejaúvas. — Como arranjou isto, Narizinho?-

— Foi o Antônio Carapina que nos mandou de presente ontem à noite. Tia Nastácia recebeu o cacho e veio escondê-lo aqui para que não acontecesse como da outra vez, que sujamos de cascas a varanda.

— E por que não me disse nada?

— Para fazer uma surpresa. Não acha que foi melhor assim?

Sentaram-se todos em redor do cacho de brejaúvas e começaram a partir os cocos sobre uma grande laje que havia ali.

— Ótimas! — exclamou o menino, comendo com gula a deliciosa polpa branca e macia daqueles cocos no ponto. — O Antônio Carapina tem as melhores lembranças do mundo. Prove, Emília, este pedacinho...

Minutos depois estava o chão coberto de cascas, por entre as quais passeava o focinho de Rabicó, lambiscando o que podia. Enquanto isso, as onças lá na mata marcavam o ataque ao sítio para o dia seguinte. Felizmente os dois besouros encapotados estiveram presentes à reunião e tudo ouviram dum galhinho seco.
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continua ... V – A defesa estratégica
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_San