terça-feira, 28 de junho de 2011

III Encontro Catarinense de Escritores em setembro


A pequena e pacata cidade de Alfredo Wagner na região serrana de Santa Catarina receberá, no mês de Setembro, escritores de diversos países, estados e cidades. Será o III Encontro Catarinense de Escritores e o I Encontro Internacional de Escritores de Alfredo Wagner e Região nos dias 2 e 3 de Setembro de 2011 na Sociedade Recreativa União Club na Praça da Bandeira, S/N.

O Encontro receberá muitos escritores que já estão se cadastrando. Destacamos especialmente a presença do Dr. Mário Carabajal Lopes, Presidente da Academia de Letras do Brasil; da Prof. Dra. Lorena B. Ellis da Queensborough Community College, da Universidade de Nova York; do Dr. Prof. Ramesh Chandra, Fundador e Diretor da Ambedkar Center for Biomedical Research, da Universidade de Delhi, ìndia; do Eng. Altair Wagner, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Fundador da Fundação Alfredo Henrique Wagner que mantem o Museu Arqueológico da Lomba Alta e membro fundador e vicepresidente da Academia de Letras do Brasil/SC municipal Alfredo Wagner; da Poetisa Neida Rocha, Coordenadora do Núcleo UBE - Canoas/RS e presidente da Academia de Letras do Brasil/RS, municipal Canoas;
Entre os palestrantes os alunos da Universidade do Planalto Catarinense, que estão se formando no curso de Letras, terão um espaço para apresentar seus trabalhos.

Cabe destacar que a Dra. Lorena Balensifer Ellis virá ao III Encontro para conhecer escritores, entrevista-los e inclui-los na Revista Virtual de Cultura Hispanoamericana e divulgar suas obras. Tornando-se uma ocasião importante para que escritores brasileiros tenham suas obras divulgadas a nível internacional.

A Academia de Letras do Brasil/SC municipal Alfredo Wagner, em Sessão Solene durante o Encontro, entregará diplomação para iniciativas e ações que visem o desenvolvimento humano e sóciocultural no município e no Estado.

Participe você também do III Encontro Catarinense de Escritores e o I Encontro Internacional de Escritores de Alfredo Wagner e Região. Acesse www.encontrodeescritores.com.br e faça sua inscrição.

Fonte:
Poetas del Mundo

José Faria Nunes (A Pessoinha)


Borgelândia, cidade histórica dos tempos do império. A rodoviária mais parece cena de filme de terror. Tudo velho e sujo: dependências de administração, guichês e uma lanchonete em cima, com acesso por mal conservadas escadarias. Embaixo, os boxes dos ônibus e estacionamento. Chega ônibus, sai ônibus, menos o que vem da capital. Impaciente, Danilo caminha de um lado para outro. Vai ao bar do outro lado da rua, volta, vai ao banheiro, aos boxes de embarque e desembarque. O ônibus já tem mais de hora de atraso. A passageira que Danilo espera é gente importante, cunhada do senador amigo do prefeito. Danilo tem que fazer das tripas, coração, e esperar. Levá-la para Carneirópolis, pequena cidade a umas duas horas dali. Sendo quem é a passageira, o prefeito jamais permitiria que ela fizesse aquele trajeto de ônibus, chão batido em boa parte da estrada.

Emprego difícil, Danilo reconhece que em suas condições tem que agüentar todo tipo de imposição. Até sujeitar-se, mesmo fora do horário de trabalho, a ficar ali parado, a esperar por alguém de quem apenas sabe o nome.

- Dona Rosenilda – disse o prefeito.

Danilo sabe que foi ele o escolhido para buscar a preciosa encomenda por ser, na equipe de motoristas, o de mais fino trato. Concluiu o ensino médio pelo projeto EJA. Se parece privilégio, para ele é mais castigo. Preferiria estar em casa com a família ou no Bar do Guim jogando uma canastrinha.

Na Prefeitura todos têm horário de chegar e de sair do trabalho. Os motoristas, assim como Danilo, não. Pior! Não recebem horas extras. Reclamar à Justiça do Trabalho? Nem pensar. Vai pra rua e ainda fica queimado. Ninguém mais lhe daria emprego.

- Ufa! Até que enfim! – Exclama Danilo, aliviado com a chegada do ônibus.

O carro, um Santana herdado da administração anterior, desliza suave e rápido pelo asfalto recapeado na véspera das eleições do primeiro domingo de outubro. Ao lado do motorista, a passageira permanece calada, desde a rodoviária. Poucas palavras trocaram.

- O prefeito disse que a senhora se chama Rosenilda.

- Roseni. Pode me chamar Roseni. Acho melhor. E não precisa me chamar “senhora”. Gosto de respeito, mas pode me chamar apenas Roseni.

Fala em tom terminativo e de autoridade. Danilo percebe a conveniência de permanecer calado. Como lhe ensinou o pai, deve-se falar com estranhos apenas quando tiver algo para dizer melhor que o silêncio. Vale a receita do velho.

Mudos, olham para o asfalto à frente descortinando-se pelo farol alto do carro que corta a escuridão. Ao longe, fagulhas de luz acendem fdaíscas de luz no céu. Daqui a pouco serão labaredas, prenúncio de tempestade.

Embora plantações e pastagens estejam necessitando de chuva, Danilo torce para que ela espere que eles cheguem primeiro. No asfalto, a chuva não seria problema. Na estrada de chão, a situação é outra. Há uns trechos críticos. Poderão encravar.

Os raios riscam o céu com mais intensidade e agora mais perto. Os trovões ressoam, como se o seu controlador estivesse nervoso. O motorista imagina o pior, a chuva deve chegar logo. E depois só Deus sabe do que poderá acontecer.

Enquanto a passageira dorme - ou finge dormir – Danilo percebe, pelo retrovisor, a luz alta dos faróis de outro veículo. Ele avança rápido e, em segundos, como um raio ou uma nave espacial, ultrapassa-os e some de vista à frente.

A placa de sinalização anuncia a proximidade da entrada para Carneirópolis. Danilo desacelera o veículo que perde velocidade. Seta para a esquerda, o carro quase parando, adentra-se pela estrada de chão que, na campanha eleitoral, ganhou promessa de asfaltamento pelo governador que se reelegeu.

Agora acordada a passageira ilustre reclama das bacadas:

- O senhor não pode ter mais cuidado?

- Tô fazendo o possível, dona. É que os buracos são grandes e muitos.

Ela fica a resmungar. Danilo finge nada ouvir, até porque nada tem a dizer e nem a ver com aquela situação. Ele mesmo tem suas críticas aos políticos, mas não as exterioriza fora da intimidade dos amigos. Questão mais de prudência e um pouco de respeito e reconhecimento pelo emprego. O mísero emprego que lha garante o aluguel do barraco, água, luz e o alimento para a mulher e três filhos. Lazer? Dinheiro não sobra.

Pela estrada de chão, agora já a alguns quilômetros da rodovia asfaltada, sem mais e sem menos o carro perde força do motor. Danilo reluta mas o motor apaga. E o carro pára.

Em volta o cerrado ermo que ele conhece bem. Estão pertos do cemitério dos heróis da guerra do Paraguai. O cemitério não o incomoda. Se tiver que ter medo, tem dos vivos, não dos mortos. Mortos não voltam para fazer mal a ninguém. Nem mal nem bem. Eles estão na deles, bem ou mal, onde quer que estejam. Danilo até duvida se há outra vida após a morte. Ainda que haja, nada tem a temer. Não faz mal a ninguém, vive em paz com todos. Alguns probleminhas com os credores, mas nada sério. Verdade que matou um homem, porém em legítima defesa. Até o promotor pediu sua absolvição. Ganhou só bolas brancas. Até a família da vítima reconheceu que ele, Danilo, era o menor culpado. Por que, então, se preocupar?

Chave de ignição e pés no acelerador. Nada consegue. Tem que dar um jeito. Ali parado no meio do cerrado é que não podem ficar. Ainda mais com aquela mulher importante, cunhada do senador. O que o prefeito iria dizer? Talvez até pudesse custar-lhe o emprego. Não, o emprego não. Ele não tinha culpa. Fez revisão no carro antes de sair de viagem, tudo nos conformes. E o prefeito iria acreditar nele? O que aquela mulher poderia dizer? Ali parados no cerrado, sem água, sem comida. Não comeram na rodoviária, preferiram ganhar tempo, chegar logo em casa. Sede não vão passar, o córrego está perto. O que não pode é ficar ali no mato sem cachorro.

Pega a lanterna no porta luvas, desce, vai ver o motor. Abre o capô, tudo lhe parece normal. Ainda inclinado sobre o motor, sente um toque em suas costas. Deve ser a passageira querendo lhe dizer algo, talvez pedir um tempinho para fazer xixi. Vira para dar-lhe atenção. Com a luz da lanterna vê em sua frente uma criança com jeito e trejeitos estranhos. A cara, uma mistura de chinês, coreano, japonês e de extra-terrestre. Talvez nada disso. Lembra-se da personagem que ele viu no filme da TV.

Perde a voz e as forças. Sem ação fita aquela pessoinha. Ato contínuo a pessoinha começa a mudar de cor, ganha uma áurea de luz e ele se sente como se adormecesse. Ao retornar-se à consciência, libertando-se da hipnose, percebe estar em um ambiente estranho com máquinas estranhas, pessoas estranhas, fazendo-lhe lembrar um laboratório. As pessoas, algumas como a Pessoinha, outras pareciam pessoas normais e falantes lusófonos. Ele próprio, Danilo, se sente estranho. Roupas diferentes das suas. O corpo, a princípio bambo, aos poucos ganha energia, uma energia que antes desconhecia. Ação do laser vindo de um ponto no teto direto a um botão de seu estranho casaco, mais parecido uma camisola de hospital.

Sente-se bem quando surge novamente a Pessoinha à porta e, com gesto, indica-lhe que o acompanhe. Ele segue a Pessoinha e, sem nada entender. Mal sente os passos. Como em um sonho. Mas convicto de que é real, segue como se em uma onda rumo à praia. Desliza suave, tranqüilo, apenas a mente percebe a transição. Como se levitasse.

Vê-se novamente junto ao carro. Â Pessoinha desapareceu como uma sombra ao chegar a luz. Entra, liga-o. A passageira ilustre nada percebe. Imagina ter sido uma simples parada para o motorista tirar água do joelho. E prosseguem para Carneirópolis.

Uma aeronave a esbanjar luz corta o espaço sobre eles. Velocidade escomunal. Seria um Miraje da base de Anápolis?

No veículo a caminho de Marte a tripulação comenta o êxito da pesquisa em curso na Terra. Em Carneirópolis o prefeito espera a convidada com uma festa. Danilo vai para casa jantar na companhia da esposa e dos filhos.

A pessoinha continua em sua memória como em um sonho.

Fontes:
Texto enviado pelo autor

Imagem obtida na Universidade Federal de Juiz de Fora

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrino) X – O Rio de Janeiro é avisado


Dona Benta enviou um telegrama para o Rio de Janeiro que dizia assim: “Meus netos acabam de informar-me que o famoso rinoceronte, que andam procurando pelo país inteiro, acha-se escondido nas matas deste meu sítio. Encarecidamente peço providências imediatas. Benta de Oliveira”.

Cléu, a quem ela ditara o telegrama, observou que era bom mudar a assinatura para Dona Benta de Oliveira, avó de Narizinho e Pedrinho e dona do Sítio do Pica-Pau Amarelo, pois do contrário lá no Rio todos ficavam na mesma. Bentas de Oliveira há muitas e “meus sítios” também há muitos.

Dona Benta concordou.

— Façam como quiserem, mas que o telegrama siga quanto antes. Chamem um camarada do compadre Teodorico para o levar à cidade, no galope.

O telegrama foi passado naquele mesmo dia. Na manhã seguinte veio a resposta: “Seguem forças armadas sob comando detetive X B2”

Fazia dois meses que o governo se preocupava seriamente com o caso do rinoceronte fugido, havendo organizado o belo Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte, com um importante chefe geral do serviço, que ganhava três contos por mês e mais doze auxiliares com um conto e seiscentos cada um, afora grande número de datilógrafas e “encostados”. Essa gente perderia o emprego se o animal fosse encontrado, de modo que o telegrama de Dona Benta os aborreceu bastante. Em todo caso, como outros telegramas recebidos de outros pontos do país haviam dado pistas falsas, tinham esperança de que o mesmo acontecesse com o telegrama de Dona Benta. Por isso vieram. Se tivessem a certeza de que o rinoceronte estava mesmo lá, não viriam!

Certa manhã, quando Tia Nastácia se levantou de madrugada e foi abrir a porta da rua, deu com o animalão a vinte passos de distância, olhando para a casa com os seus olhos miúdos. A negra teve um faniquito dos de cair desmaiada no chão. Ouvindo o baque de seu corpo, todos pularam da cama — e foi uma dificuldade fazê-la voltar a si. Desmaio de negra velha é dos mais rijos. Por fim, acordou e, de olhos esbugalhados, disse num fiozinho de voz:

— O canhoto já foi embora?

Ninguém sabia do que se tratava, porque ninguém ainda havia olhado para o terreiro.

— Que canhoto é esse? — indagou Dona Benta.

— O tal de um chifre só na testa — respondeu a negra.

— Estava aí fora quando abri a porta...

Só então os meninos espiaram pela janela e viram que o rinoceronte estava, de fato, no terreiro. Mas quieto, de cara pacífica, sem mostra nenhuma de ânimo agressivo. Olhava para a casa com toda a atenção, como se entendesse de arquitetura rural — isto é, de arquitetura de casas da roça. Depois, mansamente, dirigiu-se à porteira e lá se deitou de atravessado.

— Pronto! — exclamou Narizinho. — Atravessou-se na porteira e quero ver agora quem entra ou sai. Estamos bloqueados...

A aflição de Dona Benta aumentou. Viu que, de fato, estavam com a saída do sítio bloqueada por aquele monstruoso animal que parecia não ter a mínima intenção de afastar-se dali.

Nesse momento viram um grupo de homens que se aproximavam.

— São eles! — gritou Cléu. — São os homens da polícia secreta que receberam o nosso telegrama. Secretas a gente conhece de longe!...

E eram. Era o famoso grupo dos Caçadores do Rinoceronte, que se formara logo em seguida à fuga do misterioso paquiderme e que vinha percorrendo o país inteiro em sua procura. Comandava-os o espertíssimo detetive X B2, que tinha lido todos os fascículos das Aventuras de Sherlock Holmes existentes nas livrarias. Esses homens traziam consigo numerosas armas e armadilhas próprias para caçar rinocerontes — mundéus desmontáveis, ratoeiras de gigantescas proporções, correntes de aço, um canhão-revólver e uma metralhadora. A única coisa que não traziam era intenção real de apanhar o monstro.

Assim que chegaram ao pasto do sítio e deram com o enorme paquiderme atravessado na porteira, começaram a discutir se atiravam ou não. Um queria que se empregasse o “mundéu desmontável”. Outro queria que se armasse a “ratoeira gigante”. Por fim, o detetive X B2 decidiu empregar o canhão-revólver.

— Atirem — disse ele —, mas com pontaria que não venha a prejudicar os nossos empregados.

Disse e piscou. O que todos queriam era passar toda a vida caçando aquele mamífero.

Mas a Emília, que tinha terríveis olhos de retrós, viu de longe a piscadela cavorteira e percebeu a manobra.

— Vão atirar e errar! — gritou ela muito contente, porque já estava criando amor ao “seu rinoceronte” e não queria que lhe estragassem o couro com um furo de bala; apenas admitia que o caçassem vivo.

Ao ouvir aquilo Dona Benta protestou.

— Então não quero! — disse ela. — Se esses homens não têm boa pontaria, as balas podem passar por cima do alvo e virem quebrar algum vidro das nossas vidraças. Não quero!... E voltando-se para a Cléu, que tinha muito boa letra e sabia escrever com todos os ‘Fs’ e ‘Rs’:

— Escreva uma carta ao chefe daqueles caçadores dizendo que não admito que atirem de lá para cá. O Visconde que leve a carta.

Cléu escreveu a carta sem um erro, e pediu ao Visconde que a levasse. Como fosse pequenininho, o Visconde podia passar por trás do rinoceronte sem ser percebido — e ainda que fosse percebido e devorado não fazia mal, pois que era de sabugo e havendo muitos sabugos no sítio, Tia Nastácia num momento fazia outro Visconde.

O nobre mensageiro nem se deu ao trabalho de passar por trás do monstro. Subiu por cima dele como quem sobe um morro, e desceu do outro lado sem ser percebido. Depois foi correndo entregar a carta. Chegou no instantinho em que o artilheiro ia disparar o canhão.

— Alto! — gritou o detetive X B2. — Deixe-me primeiro ler esta carta.

Leu a carta, elogiou a boa letra e depois disse aos seus homens:

— A dona da propriedade não quer saber de tiros daqui para lá. Diz que as balas poderão quebrar os vidros das suas vidraças. Acho que ela tem toda a razão.

— Nesse caso, que fazer? — perguntou o artilheiro.

— Temos de passar para o lado de lá. Podemos colocar o canhão e a metralhadora na escadinha da varanda. Desse modo, se houver balas perdidas, poderão apenas alcançar algum macaco na floresta, lá longe.

Muito bem. Mas como atravessar para o outro lado, com o canhão e a metralhadora, se a única passagem era pela porteira, e o inimigo estava deitado ali, de través? O problema tornava-se dos mais sérios. Requeria estudos. O detetive X B2 reconcentrou-se cheio de rugas na testa, a refletir. Refletiu e, depois de muito refletir, disse:

— Antes de mais nada, temos de construir uma pequena linha telefônica que nos ponha em comunicação com a gente do sítio, a fim de que eu possa debater o caso com a Senhora Dona Benta e agir de acordo com ela e os demais moradores. Assim, por meio de cartas, a coisa levará toda a vida. Não há como o telefone para as comunicações rápidas. Vou telegrafar para o Rio de Janeiro, pedindo a remessa do material necessário para a construção duma linha telefônica.

Resolvido isso, retiraram-se todos para a vila próxima, onde ficaram tocando violão e contando casos pândegos até que o material encomendado chegasse. Isso levou um mês. Mas afinal chegou, e o detetive deu ordem para que no dia seguinte os trabalhos fossem iniciados.

Na manhã do dia seguinte os moradores do sítio viram reaparecer no pasto os caçadores do governo, seguidos duma turma de operários com rolos de arame, postes e mais coisas telefônicas. Nesse dia, porém, o rinoceronte falhou de vir deitar-se de atravessado na porteira, como era seu costume. O trânsito estava completamente livre.

— Ué! — exclamou o detetive X B2, muito admirado. — Para onde terá ido o malandro do rinoceronte?

Dirigiu-se à casa para falar com Dona Benta.

— Como foi isso, Dona Benta? — disse ele, subindo à varanda. — Deixei o rinoceronte deitado na porteira e agora não encontro o menor sinal do bicho.

Dona Benta explicou tudo quanto sucedera durante as semanas em que eles estiveram tocando violão na vila. O rinoceronte adquirira o hábito de passar o dia na Figueira-Brava, só vindo deitar-se à porteira lá pelas três horas da tarde.

— Chega sempre a essa hora, deita-se e fica a cochilar até à noite — explicou a boa senhora. — É um animal bastante sistemático.

— Bem — disse o detetive —, nesse caso teremos toda a manhã livre para trabalharmos na construção da linha telefônica.

Dona Benta arregalou os olhos.

— Que linha telefônica é essa? — perguntou.

— A linha que resolvemos construir para ligar esta casa ao nosso acampamento. Como naquele dia o rinoceronte estivesse atravessado na porteira, impedindo a passagem, eu não pude discutir com a senhora vários assuntos importantes. Tive então a excelente idéia de construir essa linha, com os fios passando por cima do “obstáculo”.

Dona Benta admirou-se da complicação.

— Sim — disse ela —, mas já que o senhor pôde chegar até aqui, creio que a linha telefônica já não é mais necessária.

O detetive sorriu da ingenuidade da velha e explicou que o material já havia chegado e que, portanto, a linha ia ser construída. Terminou piscando o olho vermelho e dizendo: — O Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte sabe o que faz, minha senhora.

— Pois façam lá como entenderem — concluiu Dona Benta. — Não entendo de tais serviços, nem quero entender. Aqui estamos nós para prestar aos senhores toda a ajuda possível. O que quero é que o quanto antes me livrem desse animalão. Mas, meu caro senhor, esse negócio não está me parecendo sério...

O detetive sorriu indulgentemente e respondeu:

— É que a senhora não conhece as condições. Para nós é um negócio da maior importância, visto como dele tiramos o pão de cada dia…
––––––––––––-
continua ... XI – Inaugura-se a linha
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 257)

Eduardo Bajzek Barbosa
(pintura em aquarela -Ronda/Espanha)

Uma Trova Nacional

Na vida a gente imagina
tudo poder suplantar.
Olho os seus olhos, menina,
já começo a fraquejar.
–GILSON FAUSTINO MAIA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Não sou chegado a festança,
mas se algo me satisfaz,
é quando eu entro na dança
pra dela não sair mais.
–ZÉ DE SOUZA/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Um dia, mesmo te amando,
meu coração se calou
e eu passo a vida chorando
a audácia que me faltou!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova de Ademar

Tenha sempre isso na mente
pois serve pra vida inteira:
a verdade é permanente
e a mentira é passageira.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

–DELCY CANALLES/RS–
Ser Triste...

Todos querem saber
por que sou triste
e esta mania de andar
sozinha?
Alguém sabe, em verdade,
por que existe,
ou cala, ou fala,
ou para, ou caminha?
Existe um sentimento
assaz profundo,
que me causa ansiedade,
angústia e dor,
que me joga com força
neste mundo
de indiferença,
fome, desamor!

Estrofe do Dia

Quantos homens pregaram liberdade
ensinando a viver com união,
o amor, a justiça e o perdão
mas esquece na hora da verdade;
não entende o que é a caridade
e nem sabe o que é ser coerente,
porque toda pessoa prepotente
contradiz tudo aquilo que falou;
quem não vive a verdade que pregou
é um Judas traindo outro inocente.
–LÚCIA LAURENTINO/PB–

Soneto do Dia

–RACHEL RABELO/PE–* e GILMAR LEITE/PE–**
Recomeço

Repousei cada medo na verdade
Para lhe mostrar meu interior.
Vou buscando no Ser superior
Os caminhos pra minha liberdade.*

É preciso buscar profundidade
Onde a vida demonstre seu valor;
Renovar o viver com mais vigor
Avançar, sem temer qualquer maldade.**

O perdão, um pilar pro recomeço!
Os carinhos, afagos, não esqueço.
São as fontes sutis do coração. *

Renascer no perdão a consciência,
E plantar a mudança na existência
Irrigando os atos com atenção.**

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 256)


Uma Trova Nacional

O Sol e a Lua se amaram
às escondidas, ao léu!
Tempo depois, despontaram
milhões de estrelas no céu!
–DORALICE GOMES DA ROSA/RS–

Uma Trova Potiguar

Quando os versos vão rimando
na mais perfeita harmonia,
a trova vai se tornando
a mais linda sinfonia.
–IVANISO GALHARDO/RN–

Uma Trova Premiada

2006 - Amparo/SP
Tema: RESPEITO - M/H.

Em vez de grito e pancada,
quando um filho se excedia,
meu pai só dava uma olhada
- e a gente logo entendia!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova de Ademar

A grande dor da saudade,
disse alguém experiente:
dói o dobro da metade
dentro do peito da gente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Nasceu na Terra a Bondade,
por ordem do Criador.
Tem por mãe a Caridade
e tem como pai o Amor.
–MARIINHA MOTA/SP–

Simplesmente Poesia

–CELINA FIGUEIREDO/MG–
Apelo

Força que anima
meu viver sem vida,
doce miragem
a embalar meus sonhos,
deixa ao menos
eu seguir teus passos
e, na poeira que teus pés levantam,
sufocar o pranto de esperança,
matar para sempre esta paixão.

Estrofe do Dia

Contemplar as sextilhas do nordeste
é um prazer nessas tardes catarinas,
o valor e a riqueza de seu povo
a cadência de seus versos bem ensina,
vai assim, seduzindo quem as lê
alcançando com louvor a sua sina.
–ELIANA RUIZ JIMENEZ/SC–

Soneto do Dia

–MARIA JOSÉ FRAQUEZA/Portugal–
Meu Portugal Eterno

Tanta foi a tormenta e a vontade
Dos nobres e valentes marinheiros
Vencendo as ondas com heroicidade...
Só tendo Céu e Mar... Por companheiros

Somente a Fé em Deus, na unidade
Nas rotas de mais luz, dos mensageiros
Guiados p’las estrelas, seus luzeiros...
E o coração batendo de Saudade!

Em Terra, seu Infante lá ficara...
E na réstea do Sonho que deixara
A mensagem mais bela renascida.

É que lá longe... firme, o pedestal
Ergue-se nosso herói sempre imortal
De Portugal maior, além da Vida!

Fonte:
Textos e imagem enviadas pelo autor

José Tavares de Lima (Vozes do Coração) Parte V


A mendiga não tem nada;
leva um viver vagabundo;
mas, ao filhinho abraçada
se sente a dona do mundo!

A morte não me intimida;
mas, por ser tão inclemente,
eu tenho medo da vida
que mata os sonhos da gente!....

As dunas que o vento forte
faz e desfaz de inopino,
têm, na incerteza da sorte,
um pouco do meu destino...

Cansado de levar tombo
pela vida o negro insiste
na procura de um quilombo
que ele nem sabe se existe!

Das esperas e cansaços
recompensa igual não tem,
como o dilúvio de abraços
que ela me traz quando vem!...

De outros grilhões me desfiz...
do teu amor, todavia,
sou um escravo feliz
que não reclama alforria!...

Derrota não intimida
aquele que, persistente,
esquece a luta perdida
e vai lutar novamente!

Dói mais meu sonho frustrado
ao ver, com tristeza imensa,
o meu afeto humilhado
pela tua indiferença !

Esta renúncia forçada
ao teu amor me dói tanto,
que a minha alma inconformada
nem se consola no pranto!...

Eu planto boa semente,
mesmo assim por mais que eu plante,
minha colheita, desmente
o que o provérbio garante! ...

Eu, por ser um pecador,
em ter o céu não me empenho;
na terra, com teu amor,
o céu que eu quero já tenho!

Faço uma fonte de sonho
desta vida; e, sem chorar,
quando um sonho morre eu ponho
outro sonho em seu lugar!

Lembra, na ajuda prestada
que outro interesse resume,
que as flores não pedem nada
em troca de seu perfume!

Luta, e com mão destemida
traça teu rumo e conduta,
antes que sejas na vida
um derrotado sem luta! ...

Mesmo depois de desfeito,
um grande amor de verdade
fica escondido no peito
sob a forma de saudade!

Na cartilha do incapaz
consta um lema: prometer..
É fácil dizer que faz,
difícil mesmo é fazer! ...

Não sou feliz, todavia
escondo o desgosto meu
simulando uma alegria
que a vida nunca me deu !

Não temo envelhecer.
Tudo na terra é finito...
Repara que o entardecer
é sempre um quadro bonito!

Nas ruas, pobre menino,
vagueias sem pão, sem teto;
mas sei que no teu destino
dói mais a fome de afeto!

Nem todos, tenho certeza,
abrem mão de seu prazer...
Porque renúncia é grandeza
que só os bons podem ter!

Num quilombo bem distante,
palco de uma luta inglória
um sonho foi importante
muito mais do que a vitória!...

Ouço o mar nas madrugadas;
e sinto, em seu murmurar,
os gemidos das jangadas
que não puderam voltar!...

Para Deus, capaz de ver
a fé no peito contrito,
um murmúrio pode ser
mais eloqüente que um grito!

Podes ir... mas, se um lamento
ouvires de vez em quando,
não é murmúrio de vento...
É minha voz te chamando!...

Quem nos erros se aferrenha,
não sabe que a chave torta,
por mais força que se tenha
não abre nenhuma porta!

Quem visa em seu desvario
tudo ter, de imediato,
se esquece que o grande rio
é no princípio um regato.

Saudade... Um sorriso brando
para uma dor esconder...
Alguém partindo, tentando
me dar adeus sem querer!...

Se a vida é penosa e bruta
não fraquejo, sigo em frente,
como um náufrago que luta
contra a força da corrente...

Se quer colher mais adiante
desde já plante a semente,
que o futuro se garante
trabalhando no presente!

Ser bom consiste em sentir
que no mundo da amizade,
entre servir-se e servir,
servir tem prioridade!

Sozinho, sem ter na vida
quem preencha os dias meus,
sou como o altar de uma ermida
num povoado de ateus!...

Tua luta amarga aceita
sem perder a confiança,
que a passagem mais estreita
se alarga à perseverança!

Um grão só nunca é de menos,
muito importa na colheita...
Pois é com elos pequenos
que a grande corrente é feita!

Voltaste. Esquecido, agora,
de mágoas e de abandono,
sinto um fascínio de aurora
na minha tarde de outono! ...

Fonte:
Colaboração de Darlene A. A. Silva
LIMA, José Tavares de. Vozes do Coração.

Monteiro Lobato (Caçadas de Pedrinho) IX - Emília vende o rinoceronte


Emília tratou de procurar outro freguês. Foi à cozinha e propôs o negócio à Tia Nastácia. A negra, que estava depenando uma galinha, nem a ouviu no começo; depois, como Emília amolasse, disse apenas, em tom de brincadeira:

Era só o que faltava, esse bicho de nome esquisito aqui para meter medo na gente! Se fosse uma chocolateira eu fazia negócio, porque a minha está vazando.

Para Dona Benta era inútil oferecer. A pobre senhora tinha horror a bichos, sobretudo depois que teve de meter-se em pernas de pau no dia do assalto das onças.

O Visconde seria capaz de aceitar, porque os fidalgos adoram as grandes caças — mas o pobre Visconde pertencia à classe dos fidalgos arruinados que só possuem o seu título de nobreza. Nunca teve de seu nem sequer um tostão furado.

Narizinho... Rabicó...

Estava Emília na maior indecisão quando a Cléu apareceu.

Cléu — disse a boneca —, tenho um negócio excelente que ando a propor a todos e ninguém aceita. Pedrinho não acredita, Tia Nastácia não quer, o Visconde não tem dinheiro, com Rabicó e Narizinho ainda não falei.

Que espécie de negócio é? — perguntou a menina. — Venda ou troca?

Venda ou troca de um animal preciosíssimo que descobri na mata.

Vai ver que é um rinoceronte! — sugeriu Cléu.

Emília ficou admiradíssima.

Como sabe? Como adivinhou?

Esperteza — respondeu Cléu. — Estou lendo nos seus olhos, Emília, que você é dona dum enorme rinoceronte de verdade.

Sério?

Seriíssimo!

Emília foi examinar-se ao espelho e achou que realmente estava com cara de dona de rinoceronte. Os sábios chamam a esse fenômeno “sugestão”.

Bem — disse Emília, de volta do espelho. — Você adivinhou, Cléu. Tenho mesmo um rinoceronte para vender. Quer comprar?

Não. Mas posso associar-me a você no negócio. Arranjarei jeito de vendê-lo a Pedrinho e metade do dinheiro é meu. Serve?

Não quero vendê-lo por dinheiro e sim trocá-lo pelo carrinho de cabrito.

Nesse caso eu terei metade do carrinho, as rodas, por exemplo — lembrou Cléu, mais para amolar a boneca do que por desejar realmente possuir as tais rodas.

Emília refletiu uns instantes. Depois disse:

E você mais tarde me dá de presente as rodas?

Cléu teve dó da afliçãozinha dela.

Dou, sim, dou desde já. Estou brincando. Não preciso, nem quero roda nenhuma. Ajudarei você a vender o rinoceronte sem cobrar comissão nenhuma.

Emília deu dois pinotes — e as duas foram ter com Pedrinho, que ainda estava lendo o jornal.

— Escute, Pedrinho — disse a boneca, tirando-lhe o jornal das mãos. — Vou ser franca. O tal rinoceronte que fugiu do circo existe, sim, e por um acaso descobri o lugar onde ele está. Juro! Ora, se você nos promete dar o carrinho de cabrito em troca, o negócio está feito.

Pedrinho estranhou aquele ‘nos’.

— Nos? — repetiu ele, admirado. — Nos, quem?

— Eu e Cléu. Ela é sócia, tem metade do rinoceronte. O tom com que Emília falava começou a convencer o menino.

— Sério, Emília? Está falando sério?

— Nunca na minha vida falei tão a sério, Pedrinho. Sei onde está o rinoceronte fugido, mas só direi se você me der...

— Nos der... — corrigiu Cléu.

— Sim, se você nos der o carrinho.

Um rinoceronte de verdade por um carrinho de cabrito era o melhor negócio do mundo. Pedrinho não vacilou um instante.

Pois está fechado! — gritou ele. — Onde anda o bicho?

— Na mata dos Taquaruçus.

— Como o descobriu, Emília?

— Os meus besouros espiões são uns amores. Tudo o que se passa no mato eles correm a me contar. Inda há pouco vieram, muito assustados, dizer do aparecimento dum animalão enorme, assim, de chifre único na testa — e percebi que se tratava do rinoceronte fugido.

Era espantoso aquilo. Pedrinho sentiu o seu coração palpitar com violência. Um rinoceronte! Um rinoceronte de verdade, morando no sítio de Dona Benta! Não podia haver nada mais fantástico...

— Resta agora decidir o que faremos dele — murmurou o menino, atrapalhado. — Matá-lo, caçá-lo, prendê-lo, devolvê-lo ao circo, amansá-lo, conservá-lo?... Que fazer?

— Acho que vocês devem amansá-lo e fazê-lo entrar para o bandinho — sugeriu Cléu. — Sempre achei que fazia muita falta aqui um bicho assim, dos grandes.

— Impossível, Cléu — disse Pedrinho. — Esses animais, além de ferocíssimos e traiçoeiros, são incomodamente grandes. Não cabem em parte nenhuma. E depois há ainda vovó e Tia Nastácia — as duas maiores medrosas do mundo. Se conservarmos o rinoceronte aqui no sítio, elas se trancarão em casa pelo resto da vida. São bobíssimas. Mas é coisa que veremos depois. Agora temos de ir espiar o bicho.

Guiados pela Emília, foram os três ao encontro dos besouros, que justamente naquele instante estavam voltando a si do longo desmaio.

— Onde está o rinoceronte? — perguntou-lhes Pedrinho, ao chegar.

Mal acordados ainda, e ignorantes do que significava a palavra “rinoceronte”, os pobres besouros olharam apatetada-mente para o menino.

Emília interveio, explicando que só ela sabia falar com aqueles bichinhos.

— Escutem — disse ela -—, queremos saber onde ele está.

Os besouros entenderam e deram indicações do ponto exato onde ele se achava escondido.

Pedrinho, que conhecia a moita de taquaruçus, encaminhou-se para lá.

Meia hora depois chegaram todos a um ponto onde a moita se abria em clareira, tendo dum lado a Figueira-Brava, debaixo da qual os bichos costumavam reunir-se em assembléia, e do outro, a tal moita de taquaruçus. Chegaram, espiaram e nada.

— Vejo lá adiante uma pedra preta — disse Cléu, apontando para um rochedo de dorso redondo que os capins altos meio escondiam. — De cima talvez possamos avistar o monstro.

Correram todos para a tal pedra, treparam-lhe em cima e do alto espiaram por entre as árvores em todas as direções. Nada! Nem sombra de rinoceronte.

— Emília — disse Pedrinho, desapontado —, não há rinoceronte nenhum por aqui. Os senhores besouros nos tapearam da maneira mais indigna. Como castigo, merecem ser depernados de todas as perninhas. Se eu fosse você...

Pedrinho não pôde concluir. A pedra mexeu-se! Não era pedra — era o próprio rinoceronte que se tinha deitado naquele ponto para dormir...

O pulo que eles deram merecia ir para um quadro na parede, com moldura de ouro, pois foi o mais rápido e belo pulo que ainda se deu no mundo. Mas como o rinoceronte era pesadão, enquanto se punha em pé os quatro caçadores alcançavam o mais alto galho da Figueira-Brava, donde podiam vê-lo sem perigo nenhum.

— Realmente! — exclamou Pedrinho, lá no seu poleiro. — É rinoceronte dos legítimos. Vejam que formidável chifre tem na testa e que terrível couraça no corpo...

— A onça nós matamos — disse Narizinho —, mas este bicho cascudo não há meio. Bala não entra, faca não entra. Como iremos nos arranjar?

— O jeito é passarmos um telegrama para o Rio de Janeiro, contando às autoridades que o rinoceronte que elas procuram está aqui. O pessoal lá tem canhões e metralhadoras. Que acha, Emília?

Emília estava de ruguinha na testa, sinal de “idéia-mãe” em formação.

— Acho — respondeu — que não devemos mandar telegrama nenhum nem falar nisto a ninguém. Do contrário o sítio se entope de gente grande e adeus! Gente grande estraga tudo. Eu não aturo gente grande.

Os outros também, mas o caso era muito especial, muito sério mesmo, de modo que não havia remédio senão pedirem socorro à gente grande. Pelo menos Dona Benta tinha de ser avisada. O sítio, afinal de contas, era dela; o rinoceronte invadira a sua propriedade — natural pois que, como dona, ela resolvesse o caso. E foi decidido darem parte a Dona Benta do extraordinário acontecimento.

Mas como descer da árvore com aquele perigo chifrudo embaixo? O rinoceronte se havia posto de pé, embora sem mostrar intenção nenhuma de afastar-se dali. Tosava as copas dos arbustos vizinhos e mascava as folhas com um sossego de boi de carro.

Quem salvou a situação foi a boneca.

— Tenho cá no meu bolsinho do avental uma isca do pó de pirlimpimpim. Se não perdeu a força, poderá levar-nos até ao terreiro.

Pedrinho arregalou o olho. Pó de pirlimpimpim no bolso da Emília? Como isso? Será que a boneca virará gatuna?

— Não furtei coisa nenhuma — protestou Emília, percebendo na cara de Pedrinho a desconfiança. — Não sou nenhuma ladrona, fique sabendo.

— Como então obteve esse pó?

— Muito simples. Quando fomos ao País das Fábulas e você me deu a pitada que eu devia tomar, tomei só meia pitada. O resto guardei no meu bolsinho para o que desse e viesse. Chegou agora a ocasião.

Foi uma grande alegria. Graças à providência da boneca iam todos salvar-se daqueles apuros. Mas no bolso da Emília só se encontrava meia pitada. Dividida entre quatro, caberia um oitavo de pitada a cada um.

— Bastará, Pedrinho? — perguntou Cléu.

— Basta. Com um oitavo iremos parar justamente no terreiro da casa.

Assim sucedeu. Tomaram a pitadinha do pó maravilhoso e imediatamente se acharam no terreiro do sítio. Dona Benta estava na varanda, conversando com Tia Nastácia sobre assunto agrícola — um pé de couve que Rabicó havia tosado na horta.

— Esse Marquês duma figa está precisando mas é de ir para o forno — dizia a preta, que nunca tomara muito a sério a fidalguia do leitão. — Nesse andar, protegido desse jeito pelos meninos, acaba virando aí um cachaço inútil, que ainda nos há de dar muito trabalho. Mas vá a gente falar nisso a Narizinho! A casa cai...

Nesse momento surgiram no terreiro os meninos. Detiveram-se um instante, cochichando entre si, e depois se encaminharam para a varanda.

— Temos novidade — resmungou Tia Nastácia. — Pedrinho está de mão no bolso e Emília, de ruguinha na testa. Esses sinais não falham. Credo!

Pedrinho subiu à varanda e, sem nenhum preparo do terreno, foi contando a Dona Benta a história do rinoceronte encontrado.

— Quê? Um rino... — repetiu a velha sem poder concluir a palavra.

— ... ceronte, vovó, um rinoceronte real de chifre único na testa e aquela couraça duríssima no corpo. Está lá perto da Figueira-Brava.

Dona Benta olhou para Tia Nastácia com ar de quem pede misericórdia.

— Um rinoceronte! — gemeu a boa senhora, com voz moribunda. — Era só o que faltava, santo Deus! Que irá ser de nós?...

A negra, que nada sabia a respeito de rinocerontes, ofereceu-se para ir espantar o bicho com o cabo da vassoura. Mas quando Narizinho lhe mostrou, na História natural, o retrato dum desses paquidermes e lhe explicou que tamanho tinham e que terrível era o chifre que possuem no meio da testa, a pobre criatura pôs-se a tremer da cabeça aos pés.

— E agora, sinhá? E agora, sinhá? — murmurava, no meio dos credos e figarabudos e pelo-sinais que não cessava de murmurar e desenhar na cara e no peito.

— Agora? — respondeu Dona Benta, depois de refletir uns instantes. — Agora temos que avisar a polícia do Rio para que tome providências, e enquanto isso ninguém tem ordem de sair desta casa. Dizem os naturalistas que o rinoceronte é talvez a fera mais traiçoeira e perigosa da África. Se apanha um de nós!...

Emília quis meter a sua colherzinha torta e começou:

— Dona Benta, eu acho que... Mas foi interrompida.

— Pelo amor de Deus, Emília, não ache mais coisa nenhuma. É por causa de tantos achados que vivo aqui de susto em susto, com a alma na boca, atacada por onças e agora até com feras africanas perto de casa...

Emília, desapontada, botou-lhe a língua, logo que a velha voltou as costas.
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continua ... X – O Rio de Janeiro é avisado
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho/Hans Staden. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. III. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Olivaldo Junior (Migalhas)


Lá vou eu...
Mais uma vez, mais uma noite...
Lá vou eu...
Mais um freguês da mesma noite...
Lá vou eu...
Mais um rapaz, aquele homem...
Lá vou eu...
Mais um a mais, o mesmo nome.
Lá vou eu...

Cansado de ter que espalhar migalhas
pra saber por onde eu volto, migalhas...
Migalhas pra lembrar se tenho alguém,
alguém pra lembrar que sou só alguém
que se esqueceu de ser o que sonhava...

Pensei que teria amigos, alguém aqui.
Pensei que teria amores, um bem-te-vi...
Pensei que teria a música no quartinho...
Meu quarto está cheio de livros: ninho.
Mas o ninho da amizade está sem “ti”.

Só me resta fechar meu rosto, o resto,
a réstia de mim.

Pensei que estaria cantando, cantando...
Mas estou assim.

Fonte:
Poema enviado pelo autor

domingo, 26 de junho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 255)


Uma Trova Nacional

Rasgando o ventre da serra
num parto de luz e cor,
o sol vem brindar a terra
numa oferenda de amor!
DOMITILLA BORGES BELTRAME–

Uma Trova Potiguar


No horizonte do poente
o sol deita a fronte langue,
queimando-se em febre ardente,
tingindo as nuvens de sangue.
–IVORY/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - São Paulo/SP
Tema: PORTÃO - Venc.

O sol, cumprida a rotina,
cerra o painel em que atua,
some por trás da colina
e abre o portão para a lua.
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova de Ademar

Minha alma se concretiza
nos versos que são só meus.
E minha fé se eterniza
nas graças que vem de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Chego ao fim, com pés sangrando,
abandonado e sozinho;
meus sonhos foram ficando
um a um pelo caminho...
–JOUBERT DE ARAUJO/ES–

Simplesmente Poesia

MOTE:
Eu vim ao mundo chorando,
Mas meu destino é cantar.

GLOSA:
Mamãe me disse que quando
A parteira entrou no quarto,
Sem prejudicar seu parto
Eu vim ao mundo chorando;
A vida foi-me ensinando
Sorrir mais do que chorar,
Pela sorte ou pelo azar,
Que não vale viver triste;
Por isso, a tristeza existe,
Mas meu destino é cantar.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Estrofe do Dia

João de barro bem alto faz seu ninho
preparado com argila e argamassa,
com as asas e os pés o barro amassa
e a colher de pedreiro é seu biquinho;
quem teria ensinado ao passarinho
construir sua casa com firmeza,
que lhe serve de abrigo e de defesa
contra o sol, contra a chuva, contra tudo
pequenino arquiteto sem estudo
que nos mostra o poder da natureza.
–DIMAS BATISTA/PE–

Soneto do Dia

–FRANCISCO MACEDO/RN–
Meu Ecossistema

Tenho um ecossistema preservado,
no recôncavo do meu coração,
habitat principal de uma paixão,
santuário que abriga o ser amado.

Sou um sexagenário apaixonado
com medo da pior devastação,
que seria ficar na solidão,
tendo este ecossistema devastado!

Tuas flores, sementes e raízes,
tem feito de nós dois, seres felizes,
sem qualquer motosserra corte e dor.

Eu te peço Senhor, Deus da beleza,
assim como preserva a natureza,
preservai para sempre o nosso amor!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (Ao Leitor)


Quando escrevo me assalta um pensamento
indeciso de não saber a quem
possa atingir meu louco sentimento
e duvidar assim não me faz bem...

Espero apenas que o meu sofrimento
não vá prejudicar... ferir ninguém...
Ponho aqui realidade e fingimento
para a escolha daqueles que me lêem.

Segue junto comigo se te apraz
conhecer solidão e fantasia,
às vezes desespero, às vezes paz:

meus “Sonetos e Cânticos Dispersos”
dizendo que no mundo da poesia
cada qual é o poeta dos seus versos...

(Do livro “SONETOS E CÂNTICOS DISPERSOS”, em preparo).

CANOAS, 20.4.84 - O TIMONEIRO - PÁG. 17


Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem = http://alcochete12.blogspot.com