terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 431)


Uma Trova Nacional

Cristo Deus feito criança,
que a sublime estrela tua
encha de luz de esperança
os moradores de rua.
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar

É Natal, noite feliz,
na capela bate o sino,
e o coro alegre assim diz:
– nasceu Jesus, Deus menino.
–UBIRATAN QUEIROZ/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema: “NATAL” - M/H

Vencendo o tempo e a distância
num clima de eternidade,
os Natais de minha infância
permanecem na saudade.
–IVO DOS SANTOS CASTRO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Noel quase nunca vem
visitar nossas favelas,
pois lá, crianças não têm
nem sapatos, nem janelas...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!...
–CAROLINA A. DE CASTRO/PE–

Simplesmente Poesia

Jesús El Salvador.
–LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI–ARGENTINA

Navidad es todo el año
si predicamos amor.
Al conocido, al extraño
que JESÚS es el Salvador.

Es él que vino a traernos
paz a nuestro corazón,
olvidando los infiernos
que nos causan desazón.

Que nuestras voces unamos
en canto de adoración
pues hacia el cielo marchamos
busquemos su aprobación.

Estrofe do Dia

Eu só vou ter alegria
nessa festa de Natal,
havendo a paz mundial
em cada raiar do dia;
peço pela primazia
reforçando o meu pedido,
pra que ele seja atendido
vamos todos dar as mãos,
na ceia dos meus irmãos,
quero cristo renascido.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Soneto do Dia

Prece de Natal.
–OLGA DIAS FERREIRA/RS–

Ouço bem longe, doces tons divinos,
a penetrar-me a alma com fulgor,
diviso sons, suaves, cristalinos,
a propagar a vinda do Senhor.

Pobres pastores, rumam campesinos,
na atmosfera de cadeia em flor,
escutam forte badalar de sinos,
em grandes festas para o Salvador.

Os três Reis Magos, com prazer intenso,
transportam joias, o mais raro incenso,
com vestes santas, para um festival...

Brilhando o sol, com o raiar mais denso,
formulo prece, com amor imenso:
bendito sejas, Pai, neste Natal!!!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Adélia Prado (Poesias Avulsas)


IMPRESSIONISTA

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

EXPLICAÇÃO DE POESIA SEM NINGUÉM PEDIR

Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
(in Bagagem)

A SERENATA

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.

Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que ele vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

DONA DOIDA

Uma vez, quando eu era menina,
choveu grosso, com trovoada e clarões,
exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

CORRIDINHO

O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.

DOLORES

Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.

MOÇA NA SUA CAMA

Papai tosse, dando aviso de si,
vem examinar as tramelas, uma a uma.
A cumeeira da casa é de peroba do campo,
posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir,
tomo a bênção e fujo atrás dos homens,
me contendo por usura, fazendo render o bom.
Se me tocar, desencadeio as chusmas,
os peixinhos cardumes.
Os topázios me ardem onde mamãe sabe,
por isso ela me diz com ciúmes:
dorme logo, que é tarde.
Sim, mamãe, já vou:
passear na praça em ninguém me ralhar.
Adeus, que me cuido, vou campear nos becos,
moa de moços no bar, violão e olhos
difíceis de sair de mim.
Quando esta nossa cidade ressonar em neblina,
os moços marianos vão me esperar na matriz.
O céu é aqui, mamãe.
Que bom não ser livro inspirado
o catecismo da doutrina cristã,
posso adiar meus escrúpulos
e cavalgar no torpor
dos monsenhores podados.
Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros tem seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.

Eliana Ruiz Jimenez (Tarde no Molhe)


Uma tarde de inverno parecendo primavera. Bênção da estação para uma cidade que vive do turismo e das boas previsões do tempo.

No canto sul da praia há um molhe, uma extensão feita de pedras que adentra no mar, dando aos pescadores esportivos um lugar privilegiado para lançarem suas tralhas sofisticadas e fisgarem minúsculos peixinhos que assim perdem a chance de crescer.

O molhe também separa as águas do rio das águas do mar e o motivo principal dessa necessidade de deixá-las bifásicas é o fato do esgoto urbano não receber o tratamento devido na sua totalidade e, clandestinamente ou não, acaba sendo despejado na água doce.

As famílias lotavam o agradável recanto naquela tarde e as crianças divertiam-se no parquinho, andavam de bicicleta, empinavam pipas, nadavam. Outras comiam milho cozido e pipoca acompanhados de água de coco.

As mães entretinham-se nas lojinhas de artesanato e os pais tiravam fotos e conversavam, sentados nos bancos de madeira maciça, observando os caríssimos iates que passavam em direção ao mar aberto.

Seria um final de semana normal, não fosse o que vinha boiando no rio; primeiro algumas, como num abre-alas, depois muitas e seguidas de centenas de garrafas pet, além de embalagens de produtos de limpeza, potes de margarina, copos descartáveis, espuma, isopor e outros materiais não identificáveis, mas que também boiavam nesse ondular grotesco.

Um pai que fotografava o filho baixou a câmera sem acreditar no que via. As bicicletas pararam e as pipas enrolaram-se no céu. As pipocas caíram dos saquinhos e as mães puxaram rapidamente para fora da água as crianças que nadavam.

Lentamente, todos os que ali se divertiam vieram à margem do rio e observaram em silêncio o que era levado pela correnteza em direção ao mar.

A cidade ficou menos turística naquele momento e quem ali estava desejou estar em outro lugar.

O sol já se punha por detrás dos prédios da orla em um anoitecer alaranjado. No horizonte a primeira estrela despontava com seu brilho.

As pessoas ficaram ali paradas, estupefatas diante do próprio descaso, num jogo de empurra em que cada um não faz a sua parte pensando que somente o outro deva se incomodar com isso.

E na cidade onde os moradores misturam todo o lixo numa mesma embalagem, embora seja disponibilizada a coleta seletiva, os observadores se deram conta de que os descartes, mesmo não mais estando em suas casas, permanecem no meio ambiente, poluindo, deteriorando, prejudicando os ciclos da natureza.

Noite adentro continuou aquela procissão de detritos levados ao mar, nas incontáveis embalagens plásticas que testemunharão nos próximos 500 anos, em seu lento e imperceptível degradar, o fortuito destino da humanidade.

Fonte:
http://elianaruizjimenez.blogspot.com/

J. B. Donadon-Leal (Tapete)


sobre chão
decorativo e belo
sob pés
incrédulo e submisso

eis o tapete
felpudo e macio
abrigo de pó e ácaros
em fino pano
em grosso capacho

eis o tapete
do terreno baldio
a erva daninha
do campo de futebol
o gramado
do sertão de Minas
o cerrado

eis o tapete
que protege o chão
do peso dos pés
ou os pés
do frio do chão

eis o tapete
do amparo
o amor
que se desenrola
para amaciar a caminhada

eis o tapete
do vermelho glamour dos astros
às lentes dos fãs

eis o tapete
amigo que se deixa pisar
para a glória dos outros
santificados
às custas do capacho.

Fonte:
Jornal Aldrava Cultural ANO XII /// NO. 94 /// Novembro/Dezembro / 2011 – Mariana/MG

Jeanette Monteiro De Cnop (Tecelã de Textos)


Jeanette Monteiro De Cnop não se considera uma escritora, na acepção mais usual do termo, apesar de se sentir honrada por pertencer à Academia de Letras de Maringá, desde a sua fundação. Define-se como trabalhadora na seara da palavra, artesã da linguagem, ofício pelo qual se encantou desde menina, em Itaperuna (RJ). Vocação antiga!

Neste livro, Tecelã de Textos, expõe sua trajetória de vida, desde as primeiras experiências com o estudo e com o trabalho, mas especialmente com o seu fazer de professora. E é a esse abençoado labor que dedica a maior parte de sua obra. Delineia seu percurso de professora universitária e pesquisadora. Inclusive presenteia universitários de cursos ligados à docência e a professores de Língua Portuguesa (mas não só) com uma exposição minuciosa de sua prática pedagógica e dos projetos que desenvolveu na Universidade Estadual de Maringá (UEM), em especial a coordenação das “Oficinas de produção textual”.

Faz uma incursão na história do movimento trovadoresco no Estado do Rio de Janeiro e ainda recorda episódios que testemunhou nos eventos culturais de Maringá (PR), desde a primeira estada na cidade, em 1970.

Além de dedicar capítulo especial à sua obra-prima (4 filhos maringaenses), narra experiências como internauta, fala do afetivo envolvimento com alunos, com amigos e com a família, apresentando, junto a uma retrospectiva da vida, crenças, valores, justificativas para o teimoso otimismo que caracteriza toda a sua história, em construção.

No capítulo final, expõe sua maneira de ver a vida pelo ângulo da Doutrina Espírita, o que seguramente norteou a condução de sua trajetória, tanto pessoal quanto profissional, e no relacionamento com as pessoas

Permeia a obra de fotos, trovas e poemas, e conclui com pequena coletânea de textos de alunos, acadêmicos de Letras da UEM.

***

TECENDO O TEMPO
(Sobre Tecelã de textos, de Jeanette Monteiro De Cnop)

* Luciana Rabelo

“Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepção de toda espécie… Ali repousa tudo o que a ela foi entregue, que o esquecimento ainda não absorveu nem sepultou… Aí estão presentes o céu, a terra e o mar, com todos os pormenores que neles pude perceber pelos sentidos, exceto os que esqueci. É lá que me encontro a mim mesmo e recordo das ações que fiz, o seu tempo, lugar, e até os sentimentos que me dominavam ao praticá-las. É lá que estão também todos os conhecimentos que recordo, aprendidos pela experiência própria, ou pelo testemunho de outrem.” (Santo Agostinho, Confissões)

Os leitores de Jeanette Monteiro De Cnop (e a própria Tecelã) que me perdoem o tamanho da epígrafe mas penso que os cinco períodos supraditos compõem um bloco inteiriço de poesia e realidade (que andam sempre juntas – sublinhemos – , ao contrário do que pensa muita gente desatenta). Desse modo, temi mutilá-lo, e daí a extensão demasiado longa da epígrafe, a qual me pareceu apropriada para dar início às minhas palavras sobre o livro de minha amiga, a Tecelã Jeanette Monteiro De Cnop. Seus leitores não precisam se assustar: serei breve e leve, mas não supérflua nem leviana (espero).

Tecelã de textos, que agora se reedita, tem, sim, tudo a ver com Santo Agostinho. Por quê? Porque tem a ver com esta deusa que pouco cultuamos e que muito nos enriquece, Mnemosyne, também conhecida como Memória, mãe das musas. É com o auxílio dessa deusa que Jeanette Monteiro De Cnop recupera para si e para nós a sua história e a dos seus, desde a Itaperuna natal até os nossos dias, lá na cidade que saiu da música de Joubert de Carvalho, a bucólica Maringá. Assim, pela anamnese, ou anamnésia, ou anámnesis, como queiram, a Tecelã fluminense-paranaense vai mais além das “vivências de uma professora de Língua Portuguesa”, subtítulo de seu livro. Vai ao encontro de si, de sua nascente (passado ou futuro?), de seu curso e de sua foz (futuro ou passado?), criança, adolescente-professora, mulher adulta, esposa, mãe, Professora, com todos os efes e erres, haja vista a foto da página 224, da qual sinto alguma inveja (sadia), saiba-o, Jeanette Monteiro De Cnop. Anamnese (minha forma preferida), é bom que frisemos aqui, que difere daquela que é tão-somente manobra literária, à Roland Barthes. Trata-se, portanto, de memória deliberada, voluntária (“memória-hábito, como a chama um dos grandes estudiosos do assunto, Henri Bergson), apesar de os “borbotões, numa madrugada após dias de chuva, numa temporada de férias em balneário Canoas, perto de Praia de Leste, no litoral do Paraná” fazerem-nos pensar o contrário, na “memória-pura”, espontânea, conforme ainda a tipologia bergsoniana. A “madeleine” de Jeanette é outra, não entra pela memória gustativa, como a de Marcel; mas sim pela memória intelectual.

Com isso não queremos dizer, por outro lado, que falte à Tecelã de textos a memória social, objetiva, histórica (basta que leiamos, por exemplo, logo de entrada, à página inicial, “Menininha tímida pede licença para chegar”), nem tampouco literariedade. Não, decididamente não. Quer pelo plano do conteúdo, em que a matéria é a memória da mulher e da profissional, quer pelo plano da expressão, pelo qual a “memorialista” arma seus textos verbais e não-verbais, o que dá ao livro o sentido mesmo de uma bem-acabada tessitura. A princípio, atrai-nos a experiência existencial e didática da Autora, o quê ela nos conta; à medida que a leitura avança, porém, percebemos-lhe a mensagem poética, o como ela se conta a nós. Depois da leitura de Tecelã de textos, o que nos resta é um gosto de “quero-mais”…

Obrigados nós, leitores, Tecelã Jeanette Monteiro De Cnop!

Jardim, MS, 8 de junho de 2005.

* Luciana Rabelo é professora universitária (UEMS) e Mestre em Literatura Brasileira (UNESP), com a dissertação Tempo e Memória em Os tambores de São Luís, em que analisa essa obra memorialista de Josué Montello.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Guerra Junqueiro (O Rico e o Pobre)


Martinho era um rapazito, que ganhava a sua vida a fazer recados; um dia, tornando de uma aldeia muito distante da sua, morto de fadiga, deitou-se debaixo de uma árvore, à porta de uma estalagem, na beira da estrada. Principiava a comer um bocado de pão que tinha trazido para jantar, quando chegou uma bela carruagem, em que vinha um fidalguinho, com o seu preceptor. O estalajadeiro correu logo a perguntar aos viajantes se queriam apear-se, mas responderam-lhe que não havia tempo, e que lhes trouxesse ali mesmo um frango assado e uma garrafa de vinho.

O Martinho ficou pasmado a olhar para eles; olhou depois a sua côdea de broa, a sua velha jaqueta, o seu chapéu todo roto, e suspirando exclamou baixinho:

– Quem me dera a mim no lugar daquele menino tão rico! Antes ele aqui estivesse, e eu dentro da sua carruagem!

O preceptor ouviu o Martinho e repetiu as palavras dele ao seu aluno; este, lançando a cabeça fora da berlinda, chamou pelo Martinho com a mão.

– Diz-me lá é rapaz: ficavas satisfeito, podendo trocar a minha sorte pela tua?

Desculpe, meu senhor, replicou o Martinho corando, aquilo que eu disse não foi por mal.

– Olha que me não zango, tornou o fidalguinho. Ao contrário, vamos fazer a troca.

– Isso é mangação!... tornou o Martinho; um menino tão rico punha-se mesmo agora no meu lugar! Papo muitas léguas ao dia, como broa e batatas, e o senhor fidalguinho anda de carruagem, janta frangos e bebe do melhor.

– Pois se me dás o que tens e que eu não tenho, levas em troca e de boa vontade a minha riqueza toda.

O Martinho ficou de olhos pasmados, sem saber o que havia de responder; mas o preceptor continuou:

– Aceitas a troca?

– Ora essa! concluiu o Martinho, é boa a pergunta! Oh! como toda a gente da aldeia vai ficar assombrada quando me virem rodar numa carruagem tão bonita.

Então o fidalguinho chamou o trintanário, que abriu a portinhola e o ajudou a descer. Mas qual foi o espanto do Martinho, vendo-lhe uma perna de pau e a outra tão fraca, que se via obrigado a andar em duas muletas! Depois observando-o de mais perto, notou que era muito pálido, com cara triste de doente.

O fidalguinho sorriu e acrescentou com ar benévolo:

– Vê Já, sempre desejas a troca? Darias, se pudesses, as tuas pernas valentes e as tuas faces vermelhas, pelo gozo de ter uma carruagem e de andar bem vestido?

Oh! não, já não quero! replicou o Martinho.

– Pois eu, antes desejaria ser pobre e ter saúde. Mas, quis o destino que fosse aleijado e doente; sofro os achaques com paciência, dando graças a Deus pelos bens que me entregou na sua infinita misericórdia. Faz tu o mesmo, e lembra-te que, se és pobre e comes mal, tens força e saúde, coisas que valem bem uma carruagem, e que não podem comprar-se com dinheiro.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 430)


Uma Trova Nacional

Deus-menino não reclama
mas a verdade é cruel:
- no natal, quem leva a fama,
é sempre o papai Noel!
–FRANCISCO PESSOA/CE–

Uma Trova Potiguar

Eu fico feliz porque,
em Dezembro em peço assim:
Feliz Natal pra você...
como eu desejo pra mim.
–LUIZ XAVIER–

Uma Trova Premiada

2007 - Caicó/RN
Tema: NATALINO - 2º Lugar

Na manjedoura em Belém,
nasce um mistério profundo:
Uma luz vinda do além,
que se fez a luz do mundo!
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!...
–CAROLINA A. DE CASTRO/PE–

Uma Trova de Ademar

Num Natal que nos irmana,
onde o vinho é o que reluz,
numa ceia assim profana...
Não há lugar pra Jesus.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Natal Moderno.
–NEMÉSIO PRATA/CE–

É dezembro, mês de festa,
Festejamos o Natal,
Não existe festa igual!
Festa simples e modesta,
Não há festa tal qual esta!
Tem anjo, tem querubim,
Tem arcanjo e serafim,
Tem rei mago com presente;
O coral canta dolente
O chegar do “meninim”!

Mas também tem muita gente
Correndo, daqui pra ali,
Num terrível frenesi,
Atrás de comprar presente;
Êta Natal diferente!
Nesse “fuxico” infernal,
De cunho comercial,
Vê-se o povo em “agonia”,
Falsificando alegria;
Nem parece que é Natal!

Estrofe do Dia

Nos “Natais” eu me comovo,
Mas, é, pelo Deus menino;
e não vou na onda do povo
nem aceito o desatino
desse velho barrigudo,
dá presente a quem tem tudo,
nem vai na periferia;
é na verdade um engano,
ele só vem de ano em ano
e Jesus, vem todo dia!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Soneto Natalino.
–REGINALDO ALBUQUERQUE/MS–

Quando Se deixou ir ao vil calvário
entre os braços horríveis de um madeiro,
cheio de amor, de paz, mas solitário,
Jesus morrendo salva o mundo inteiro.

Com sublimado verbo O humilde obreiro,
liberto de Si mesmo, em cruel fadário,
pregando o ideal de amor bem verdadeiro,
resgata os homens de um viver nefário.

Natal!... A imagem de Jesus pendida...
No Seu olhar piedoso a indagação:
– “Todos vós, que fazeis por esta vida?”

Quanta gente carente de luz, temos
e se não cremos no outro como irmão,
como aceitar um Deus que nunca vemos?

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Conto Popular Árabe (História da Donzela de Pau)


Contam os livros do passado muitas histórias verdadeiras. Por exemplo, que um dia quatro homens: um carpinteiro, um ourives, um alfaiate e um monge, foram viagem. Depois de viajarem certo tempo, aconteceu terem que tiveram de passar a noite numa região perigosa. Temendo ser agredidos por animais ferozes, resolveram que cada um deles, por sua vez, vigiaria algum tempo. O primeiro foi o carpinteiro. Enquanto os outros dormiam, sentiu-se ele invadido de cansaço e, para afugentar o sono, pegou suas ferramentas. Derrubou uma árvore delgada, pôs-se a talhar a madeira, e acabou formando uma figura de donzela, com a cabeça, a mãos e os pés.

Depois foi a vez do ourives. Ao cabo de certo tempo, também este sentiu sono e procurou em que se ocupar. Então seus olhos encontraram a donzela de pau.

Admirou a arte com que estava feita e, para não ceder à sonolência, também deu provas de sua habilidade, fabricando para a estátua brincos, braceletes e outros adornos femininos, com os quais a enfeitou maravilhosamente.

Terminada a vigília do ourives, o alfaiate, por seu turno, ao despertar, avistou, com forte surpresa, o lindo figurino, e exclamou:

- Eu também tenho de mostrar a minha arte.

E fez um encantador vestido de festa para a donzela e vestiu-a da cabeça aos pés Quem a visse sem saber que era apenas uma figura esculpida, toma-la-ia por um ser vivo, tão parecido estava com um espírito encarnado.

Quando a vigília do alfaiate chegou ao fim, ele acordou o monge e foi deitar-se. Mal o monge abriu os olhos, viu a formosa figura. Teve a impressão de um viandante a cujos olhos, em meio as trevas noturnas, de repente rebrilha uma luz - e aproxima-se dela. Que viu? Uma linda figura de tal formosura que nem ascetas e anacoretas a deixariam de adorar; uma bela donzela sem-par; suas sobrancelhas, um oratório, para o amante suplicante rezar; os rubis dos lábios numa tez de marfim prometiam prazeres sem fim. Logo o monge os braços alçou implorando a Quem as almas criou:
– Ó Deus todo-poderoso, que do seio do nada brumoso -para os campos floridos do ser arrancaste o homem e a mulher, tu, só tu, tens o poder de fazer brotar do córtice duro fruto doce, fofo, maduro; ó Deus, demonstra-me tua graça, não me precipites na desgraça, ante os meus companheiros não me humilhe; eu te invoco, empresta alma a este corpo oco a fim de que goze da existência exaltando a tua clemência.

Assim rezava com todo fervor. Como fosse homem de coração puro, o Senhor ouviu-lhe a prece. Com sua inesgotável misericórdia, o Eterno presenteou a estátua com uma alma, e mandou-a viver. Ela se tornou uma linda donzela, cola a vida ligada a uma brilhante estrela; - começou a andar, a se balancear, como os ciprestes oscilam no ar e sem demora se pôs a falar, e tudo o que dizia era gaio como a fala de um papagaio.

Ao chegar da aurora e, com ela, do Sol, delicia do mundo, as olhos dos quatro viandantes caíram sobre o ídolo arrebatador chamado à vida durante a noite.

Apenas viram a esplêndida mulher, uma louca paixão lhes invadiu o ser, os anéis de seus cabelos prenderam-nos em cadeias e feitos moscas ao redor e candeias, voaram em torno dela, dementes, e de paixão doentes -os quatro começaram a brigar.

Sou eu - disse o carpinteiro - de sua vida o autor verdadeiro. Meu direito a vós outros vence; a mim, só a mim ela pertence

Porém o ourives falou assim:

Não lhe dei brincos, braceletes, enfim? Isso, como todos devem saber, é metade da alma de uma mulher. Ora, se tanto fiz por ela, claro que é minha esta donzela.

Disse o alfaiate, por sua vez:

Despesas com da minha bolsa também fez; vesti-a seda e brocado, tomando o seu encanto perfeito e acabado comunicando-lhe um brilho tal que acendeu nela a chama vital. Portanto, sou eu o sou dono, e a ninguém a abandono.

Mas o monge exclamou:

Não! - Tudo o que disseste é vão. Então esqueces me sua vida é fruto de minhas preces? Foi a mim que deu o Supremo Juízo, como antegozo das huris do Paraíso. Para mim a requisito; meu direito é manifesto!.

Em poucas palavras. não encontraram outra saída a não ser se meter suas reivindicações à decisão de um tribunal; e iam-se caminhar ao mais próximo, quando aparece diante deles um viandante vestido de pano de chita. Logo os quatro resolvem fazê-lo árbitro de sua divergência o aceitar qualquer sentença ele pronunciasse. Chamaram-no, pois. e contaram-lhe minuciosamente todo o sucedido. Mas logo o daroês viu a linda donzela - apaixonou-se por ela e, como flauta plangente, entrou a gemer de repente, refletiu no momento e, para curar o seu próprio tormento, assim falou aos quatro viajantes:

- Ó muçulmanos que palavras estultas acabais de pronunciar! Não temeis o Todo-Poderoso ao cometer tamanho crime querendo-me roubar minha legítima esposa?

Um de vós até ousa pretender havê-la talhado na madeira; outro ter pronunciado uma prece por ela. Dizei, afinal, algo de razoável, algo de possível segundo a lei divina! Esta é a minha mulher e as vestes e os objetos que ela usa, fui eu que mandei fazê-los. Alguns dias atrás, houve entre nós uma briga sem importância; aborrecida com isso, minha mulher deixou a casa esta noite. O desejo de encontrá-la fez-me ir à procura dela. Graças a Deus consegui encontrá-la, efetivamente. Cuidai vós outros pois, de não vos tonardes ridículos com conversas, destituídas de qualquer fundamento.

Assim o daroês, em vez de resolver a contenda, sobrepujou as reivindicações dos quatro viajantes, e então foram cinco a pretender cada um estar com razão contra os demais. Em discussões e brigas chegaram a uma cidade, e sem demora se dirigiram ao chefe de polícia para expor o seu caso. Mal o chefe de policia viu a jovem, apaixonou-se por ela com veemência mil vezes maior do que a dos cinco forasteiros, e, no intuito de obtê-la para si investiu deste modo contra eles:

- Homens pérfidos, esta criatura era mulher de irmão mais velho. Este foi morto por ladrões, que lhe roubaram a esposa. Mas, graças a Deus, sangue derramado não se perde e vossos pés vos conduziram ao laço.

Destarte o chefe de policia terminou sendo um rival mais impetuoso ainda que os outros cinco; mandou citá-los sem tardança perante a justiça e ele mesmo os acompanhou ao cádi. Cada um se esforçava por explicar sua pretensão àquele respeitável personagem, quando ele de súbito olhou para o rosto da mulher, e

Surgiu-lhe ante os olhos formosa menina,
Dos pés a cabeça – graciosa, divina!
Altivo cipreste, perdido deixava,
Enfermo de amores, a quem fitava.

Quando o cádi viu ante si essa criatura, sentiu-se presa do desejo de possuí-la.

- Meus amigos, disse ele, a contenda que estais levantando é nula. Esta linda mulher é uma escrava crescida em minha casa e tratada desde criança como se fora minha filha. Seduzida por homens maus, abandonou-me, levando as jóias e as vestes com que a vedes. Graças sejam dadas ao Altíssimo que ma restitui mercê de vossa obsequiosidade. Espero que Deus, que tudo sabe, leve em conta o serviço que me acabais de prestar e vos dê merecido prêmio.

Ao ouvir tais palavras, quatro dos competidores de apartaram, porque sabiam que o cádi lhes poderia infligir humilhações e castigos sem que eles se pudessem defender. Mas o darôes teve coragem para levantar a voz:

- Achas lícito, tu que pretender estar sentado no tapete do Profeta, não resolver uma contenda de muçulmanos ortodoxos segundo a lei sagrada, mas, pelo contrário, levantar tu mesmo uma pretensão, procurando arrebatar-nos esta donzela? Que religião te autoriza semelhante injustiça? Como te atreverás a comparecer amanhã, perante o Criador do mundo?

- Olha, ladrão de estátuas – respondeu o cádi, tu que por meios de jejuns encovaste as faces para enganar as gentes; tu que pretender fazer crer que andas curvado pelo temor de Deus, olha o provérbio que diz: “Um bom mentiroso deve ter não só excelente memória, mas também uma inteligência penetrante e aguda.”

Onde a tua inteligência? Querendo contar-nos patranhas, procura, ao menos, dar-lhes uma aparência decente. Será possível fazer um ser humano de um pedaço de madeira? Renuncia a pretensões tão ridículas e vai-te para onde quiseres. Eu felizmente recuperei minha escrava.

Havia no pátio do tribunal alguns cidadãos que assistiam à disputa. Referindo-se a estes, disse o monge:

- Os cidadãos aqui presentes, como ignoram o verdadeiro estado das coisas, devem supor, ó cádi, que a verdade está contigo Mas nós outros sabemos bem o que aconteceu.Teme pois, a Deus, e, em respeito ao Santo Profeta, decide o caso segundo a lei sagrada.

O cádi replicou ao monge, o monge por sua vez respondeu ao cádi com as palavras que lhe pareceram mais violentas, e de pronto o diálogo se transformou em veemente discussão.Os sete homens, todos mortalmente apaixonados, preparavam-se para a luta. Porém, os mais razoáveis dos circunstantes deliberaram reconciliá-los e disseram-lhes:

- Muçulmanos, a vossa contenda é um nó insolúvel, a menos que o Magnífico se digne desatá-lo. Portanto, atendendo ao conselho de um ditado do Profeta que nos foi transmitido:
Se a um caso da vida não sabes achar solução,
Consulta os que dormem seu sono debaixo do chão.

- Vamos todos juntos ao cemitério; ali vós rezareis e nós pronunciaremos o amém Destarte se pode esperar que Aquele-Que-Tudo-Segura elucide o mistério.

A proposta foi aceita e transportaram-se todos ao cemitério, onde o monge, erguendo os braços ao céu, e com lágrimas nos olhos, pronunciou com o mais intenso fervor, esta oração:

- Ó Fortíssimo, cujo poder não tem lindas, - que os pensamentos mais secretos deslindas -, cuja mente de antemão conhece – a nossa prece, - imploramo-te que desates o nó, que nos causa tanto dó – e declares bondosamente – quem diz a verdade e quem mente.

Quando acabou de pronunciar estas palavras, toda a assembléia exclamou a uma voz:

- Amém!

Nesse instante aconteceu que uma grande árvore, à qual se recostara a linda donzela durante a oração, fendeu-se de súbito, engoliu a donzela, e novamente se fechou, ficando como dantes. Dessa maneira se verificou mais uma vê a verdade da misteriosa sentença: “Todas as coisas voltam a sua origem.”

Tal desfecho pôs fim a qualquer discussão. Com os olhos da certeza, todos reconheceram que os quatro viajantes haviam dito a verdade e os outros homens haviam mentido. Assim a razão dos peregrinos se manifesta e desmascara-se a fraude infesta. O darôes, o chefe de polícia e o cádi ali ficaram e quedaram de todos desprezados e envergonhados.

Mas os quatro peregrinos – apaixonados pelo lindo figurino, ficaram perplexos ao ver a virgem – tornar destarte à sua origem.

Fonte:
Jô Andrada (seleção). Contos Populares do Mundo.

Júlia Cortines Laxe (Poesias Escolhidas)


COLOMBINA

Mascarada mulher o rabecão trouxera.
Morrera em pleno baile a frágil Colombina
E, no egrégio salão de culto à Medicina,


O professor leciona, em voz veemente e austera:
-"Rapazes, contemplai! É rameira e menina.
Tombou ébria novicio e com certeza era
Devassa meretriz, mistura de anjo e fera,
Flor de lama e prazer, Vênus e Messalina.”.

Em seguida, a cortar, rompe a seda sem custo,
Desnuda-lhe, solene, a alva pele do busto,
Afasta, indiferente, as flores de rendilha...

No entanto, ao descobrir-lhe a face triste e bela,
O mestre cambaleia e chora junto dela...
Encontrara na morta a sua própria filha.

INTERROGAÇÃO

Contemplo a noite: a cúpula estrelada
do firmamento sobre mim palpita;
meu olhar, que a interroga, embalde fita
o olhar dos astros, que não veem nada:

“Nessa amplitude lôbrega e infinita
que inteligência ou força inominada
numa elipse traçou a vossa estrada,
estrelas de ouro, que o mistério habita?

Dizei-me se, transpondo a imensidade,
alguma cousa a vós minha alma prende,
um vínculo de amor ou de verdade.

Dizei-me, o fim da nossa vida agora:
para que serve a luz que em vós resplende,
e a oculta mágoa que em meu seio mora?...”

O LAGO

Um pouco d'água só e, ao fundo, areia ou lama,
Um pouco d'água em que, no entanto, se retrata
O pássaro que o voo aos ares arrebata,
E o rubro e infindo céu do crepúsculo em chama.

Água que se transmuda em reluzente prata
Quando do bosque em flor, que as brisas embalsama,
A lua, como uma áurea e finíssima trama,
Pelos ombros da noite a sua luz desata.

Poeta, como esse lago adormecido e mudo
Onde não há, sequer, um frêmito de vida,
Onde tudo é ilusório, e passageiro é tudo,

Existem, sobre um fundo, ou de lama ou de areia,
Almas em que tu vês, apenas, refletida
A tua alma, onde o sonho astros de ouro semeia!

ÚLTIMA PÁGINA

Antes de mergulhar no silêncio da morte,
Ou da idade sentir a fraqueza e o torpor,
Eu quisera lançar, num supremo transporte,
Meu grito de revolta e meu grito de horror.

Mas sei que por mais forre e por mais estridente
Que ela corra através do infinito, até vós,
Ó céus, que além brilhais numa paz inclemente,
Nem qual brando rumor chegará minha voz!

Mas sei que não há dor que a natureza vença,
E que nunca a fará de leve estremecer
Na sua eternidade e sua indiferença
O lamento que vem dum transitório ser.

Mas sei que sobre a face execrável da terra,
Onde cada alma sente, em torno, a solidão,
Esse grito, que a dor duma existência encerra,
Não irá ressoar em nenhum coração.

Contudo, num clamor de suprema energia,
Eu quisera lançar minha voz! Mas a quem
Enviar esse brado imenso de agonia,
Se para o compreender não existe ninguém?!

FRACOS

Fracos, odeio a inércia e detesto a fraqueza.
Prefiro a mão que esmaga ou que vibra o punhal
À doce e inconsciente e nefasta moleza,
Que é para a alma do forte um veneno mortal.

Como de encontro à costa, em ondas remansadas
Chora o mar, ou se atira em bravos vagalhões,
Assim de encontro a vós, almas adormentadas,
Fremem de ódio e de amor os nossos corações.

Almas fracas, fugindo à aspereza das lides,
Sem um esforço para às correntes opor,
Pelo rio do tempo arrebatadas ides,
Desta ou daquela vaga a boiar ao sabor.

Que vos importa a vós a agonia da luta,
A ânsia de possuir, o infinito aspirar?
Que vos importa a vós a decepção que enluta,
Se não sabeis querer, nem sabeis adorar?!

A VINGANÇA DE CAMBISES

Disseram — diz o rei a Prexaspes — que o vinho
Sobe presto à cabeça em denso torvelinho
De vapores, e a febre, o delírio produz,
Que irradiam no olhar uma sinistra luz.

Ou, pouco a pouco, pelo organismo se entorna,
Qual onda de torpor, voluptuosa e morna?
Disseram; e tu tens a ousadia de vir
Em face de teu rei palavras repetir
De estultos, e afirmar que o vinho afrouxa braços
Que fazem, como os meus, os reinos em pedaços?
Ao contrário; verás; (e bêbado entesou
No arco a flecha) porém é preciso que aponte

Um alvo; — o coração de teu filho.
E atirou,
Da criança, que nele o doce olhar fitava,
— Olhar que o etéreo azul do infinito espelhava, —
Varando lado a lado o peito e o coração.

E o pai disse, curvando humildemente a fronte:
— "Nem de Apolo é mais firme e mais certeira a mão.”

Fontes:
Frâncisco Cândido Xavier. Antologia dos Imortais.
http://literaturaemvida2.blogspot.com/2010/11/julia-cortines-laxe-poeta-e-mulher.html
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/julia_cortines.html

Júlia Cortines Laxe (1868-1948)


Júlia Cortines Laxe nasceu em Rio Bonito, Província do Rio de Janeiro, no dia 12 de dezembro de 1868, e faleceu no Rio de Janeiro (então Capital Federal), no dia 19 de março de 1948. Apesar de sua longevidade (viveu quase oitenta anos), pouco se sabe de sua vida, supondo-se que haja sido professora

Não reconhecida devido ao preconceito de então, visto que o crítico literário, José Veríssimo, após a publicação de seu segundo livro, em 1905, tenha declarado que "Os poemas de Júlia Cortines distanciam-se magnificamente da poesia de água-de-cheiro e de pó-de-arroz da musa feminina brasileira, e revelam em Júlia, mais que uma mulher que sabe sentir, alguém que sente com alma e coração e de forma que disputa primazias com nossos melhores poetas contemporâneos.”

Sua poesia é carregada e vibrante, como se pode ver no poema “Fracos”.

Poeta parnasiana, como Francisca Júlia, Júlia Laxe também colaborou em revistas como A semana e A Mensageira, da paulista Presciliana Duarte de Almeida, lançada em 19 de outubro de 1897, que se tornou um dos principais espaços da mulher escritora do final de século XIX/início de XX e onde também escreveram a citada Narcisa Amália, Anália Franco, Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia (link para minha postagem), Auta de Souza (confira a postagem), nomes igualmente de peso na época. (Informação in Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922)) de Ana Luiza Martins – Fapesp – Edusp – pág. 374-375)

Obras

Versos (1894) e Vibrações (1905), a respeito do qual, José Veríssimo fez os elogios.

“Júlia Cortines” – diz Péricles Eugênio da Silva Ramos (Pan.III, pág.246) – “é uma das poetisas selecionadas por Valentim Magalhães para figurarem na parte antológica de A Literatura Brasileira (1870 -1895). Sua poesia afigura-se realmente parnasiana, de um comedimento e boleio de frases semelhantes ao de Francisca Júlia.” É ela, segundo afirma o poeta e ensaísta Darcy Damasceno (in A Lit. no Brasil, III. T.1, pág.376). quem “abre o desfile dos epígonos parnasianos”.

Sentimento, emoção, cuidado da forma, beleza expressional e correção étrica caracterizam-lhe os poemas, levando José Veríssimo a compará-la a celebre poetisa italiana Ada Negri (Apud E. Werneck, Ant. Brasileira pág. 507. (Rio Bonito, Estado do Rio, 12 de Dezembro de 1868 – Desencarnou em 19 de março de 1948.)

Fontes:
Frâncisco Cândido Xavier. Antologia dos Imortais.
http://literaturaemvida2.blogspot.com/2010/11/julia-cortines-laxe-poeta-e-mulher.html
http://www.globaleditora.com.br/NEWSITE2/Gaia/Loader.aspx?ucontrol=ZmljaGFBdXRvcg==&autorID=3482

Adélia Prado (Cacos para um Vitral)


No caderno de Glória: um romance é feito das sobras. A poesia é núcleo. Mas é preciso paciência com os retalhos, com os cacos. Pessoas hábeis fazem com eles cestas, enfeites, vitrais, que por sua vez configuram novos núcleos. Será este pensamento vaidoso? Por certo. Quero ser um poeta extraordinário e desejo poder escrever um teatro muito engraçado pra todo mundo rir até ficar irmão.

Glória decifrou o garrancho na nota de um cruzeiro: "Ontem fiz quinze anos e fui a primeira vez na Figueirinha. Dei Cr$ 50,00 pra mulher ela ainda me deu troco. Não tava ruim nem bom."

Juca entrou esfregando as mãos: — Tá um frio de matar velho! — Se quer capote, na segunda prateleira da cozinha tem. Juca bebeu e saiu. Tivesse ou não, brigado com a Naná, a cada dia ele bebia mais. Estará certo, pensou Glória, facilitar desse modo a cachaça do Juca? Estarei sendo leviana? Estava.

Ritinha: — Mãe, se eu morrer cê chora? Glória: — Ih! Choro até secar.

Glória ouviu de relance os peões almoçando na obra: — Rico tinha que nascer tudo morfético. — Tem rico legal, sô! — Tem não.

Ritinha chegando da escola: — Mãe, eu laía e a Fostina envinha. Ela envinha aqui?

— Que é isso? Existe o verbo lair e envir?

— A senhora também fala assim.

— Falo mesmo.

— Então...

— Então nada. É porque eu gosto muito da minha filhinha e quando a gente gosta, chateia um pouquinho.

Anselmo Vargas beijava Sônia Margot na novela das sete. O menininho de Matilde pediu: mãe, muda o programa. Meu pintinho fica ruim.

— Dona Glória, eu fiquei incurvida.

— O quê?

— É, sobrou pra mim a obrigação de catar neste quarteirão as esmolas pro Natal dos pobres.

— Ah! — O apostolado, cuja eu sou membra é que me incurviu.

— Entra, Fostina.

— Não, se eu delatar, atrasa pra mim.

A placa indicava na estradinha de chão: Sítio do AU PURO. Alguém tinha consertado: Sítio do AR PURO. Gabriel parou o carro e escreveu em baixo, sítio do AL PURO. No lugar voava sem pressa uma linda borboleta amarela e preta.

Copiado por Gabriel, do sanitário da rodoviária: PEDE NÃO HORINAR NO VÁS.

Remexendo papéis, Glória achou uma notação com sua letra: "retalho de poesia dá excelente prosa." Não se lembrava mais por que escrevera aquilo. "Retalho de poesia dá excelente prosa, como retalho de hóstia dá excelente sopa", descobriu escrito mais embaixo. Ainda: "Privada pública" é uma impropriedade. Empregada chama as amigas invariavelmente de colegas. Deus é fiel, no entanto vacilo, amo com reservas, deixo que pequenas nódoas confundam minha alegria. Quando serei evangelicamente generosa, confiante como um menino para quem o Reino está preparado?"

Fonte:
"Cacos Para Um Vitral", Editora Rocco, 1989.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 429)


Uma Trova Nacional

Seria o Natal agora
de valor mais consistente,
se a luz que brilha por fora
brilhasse dentro da gente!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar

Neste Natal Reluzente
de uma ternura sem fim,
não peço a Deus um presente,
peço Deus presente em mim!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema: NATAL - 1º Lugar

Papai Noel, por favor,
no Natal, afasta os medos,
e coloca mais amor
no meio dos teus brinquedos!
–DELCY CANALES/RS–

Uma Trova de Ademar

Peço a Noel que ele faça
com toda bondade sua,
um grande Natal na praça
para as crianças de rua.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal... Com humildade
faço um pedido, em segredo:
- que eu ganhe a felicidade
nem que seja de brinquedo!
–J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC–

Simplesmente Poesia

Sempre Natal.
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Pelas voltas do tempo, houve mudança
nos festejos da data do Natal,
mas não me esqueço quando era criança,
e tudo era mais simples afinal.

Papai montava caixas, lá no canto
da sala tão modesta e pequenina.
Mamãe armava o presépio. E que encanto
fascinava minha alma de menina!

Os três magos, em fila, meio sérios,
olhavam Jesuzinho no seu berço.
À luz da vela eu via mil mistérios,
e então a minha mãe puxava o terço.

Papai partiu. Depois, mamãe também.
Hoje, tudo se fez modernidade.
Mas eu conservo o amor, a luz e o bem
do Natal do meu lar, que hoje é saudade.

Se o mundo ao meu redor parece novo,
persiste o verdadeiro, o essencial.
Seja quando e onde for... na alma do povo
nasce Jesus! Natal sempre é Natal.

Estrofe do Dia

No barraco da favela,
não existe luz acesa;
lá na noite de Natal,
falta luz, sobra pobreza;
Natal, lá, é o mesmo drama,
falta presente na cama,
e pão em cima da mesa.
–LUIZ DUTRA/RN–

Soneto do Dia

Novo Natal
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Eu fiz um soneto falando da dor,
de pobres crianças, em mais um Natal.
Carentes de tudo, de pão e de amor,
um sonho maior, que se fez sazonal.

Eu quero dizer ao Noel, ”parcial”:
lembrai cada filho do trabalhador,
querendo somente um olhar paternal,
recebe uma noite, sem luz e sem cor!

Você, Pai Noel, sem amor pelos pobres,
desfila o trenó pelos bairros mais nobres,
esquece, no morro, a criança infeliz.

Em nome dos pobres, eu tenho uma queixa:
você, velho ingrato, retorna e não deixa,
sequer um brinquedo, que um rico não quis.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cara De Coruja – IV - O Pequeno Polegar


O Visconde gritou mais uma vez:

— Vem vindo uma poeirinha tão pequenininha que até parece poeira de camundongo!...

— Quem poderá ser? — exclamaram as princesas, interrompendo a conversa.

Logo depois ouviu-se um tic, tic, tic, na porta, e Rabicó anunciou:

— Um senhor pingo de gente com umas botas maiores do que ele!

— O Pequeno Polegar! — gritaram as princesas — e acertaram.

Esquecidas de que eram famosas princesas, foram correndo receber o pequenino herói.

Era ele o chefe da conspiração dos heróis maravilhosos para fugirem dos embolorados livros de dona Carocha e virem viver novas aventuras no sítio de dona Benta. Polegar já havia fugido uma vez, e apesar de capturado estava preparando nova fuga — dele e de vários outros. Emília ficou num assanhamento jamais visto. Agarrou o heroizinho e o não largou mais. Botou-o no colo, fê-lo contar toda a sua vidinha.

Depois levou-o ao seu quarto de boneca para mostrar-lhe a porção de brinquedos que tinha.

— Antes de mais nada, tire as botas. Nem sei como o senhor tem coragem de andar com tamanho peso nos pés...

— É que sem elas não valho nada. Sou pequenino demais e fraco, mas com estas botas não tenho medo nem de gigante.

— E de elefante?

— Nem de elefante, nem de hipopótamo, nem de rinoceronte, nem de girafa, nem de anão mau, nem de serpente...

— E de jacarepaguá? — perguntou ainda a boneca, para quem jacarepaguá devia ser o monstro dos monstros.

— Nem de jacarepaguá, nem de nada. Cada passo desta bota anda sete léguas. Acha que um jacarepaguá , pode me pegar?

— Que beleza! — exclamou Emília extasiada. — Eu, se fosse o senhor, deixava-as aqui no sítio por uma semana. Que bom! Poderíamos brincar o dia inteiro de estar aqui e estar lá no mesmo instante...

Das botas passou aos seus brinquedos. Mostrou-lhe uma coleção de feijões pintadinhos que tia Nastácia lhe dera, o pincel de goma-arábica que lhe servia de vassoura e mil coisas. Polegar gostou de tudo, principalmente dum pito velho que tinha sido de tia Nastácia — um pito sem canudo. Gostou tanto que a boneca lhe disse:

— Pois se gosta, leve, que arranjo outro. Mas, com perdão da curiosidade, para que é que o senhor quer esse pito?

— Para brincar de esconder — respondeu o pingo de gente dando um pulo para dentro do pito e ficando tão bem escondidinho que ninguém seria capaz de o descobrir.

Emília era muito interesseira. Gostava de receber presentes, mas não de dar. O único presente que deu em toda a sua vida foi aquele pito. Mesmo assim, mais tarde, quando se lembrava do pito vinha-lhe um suspiro.

Estavam naquilo quando rompeu um grande rumor na sala. A boneca foi correndo ver o que era. Encontrou Branca de Neve muito assustada dizendo a Rabicó:

— Não abra! É o malvado que matou seis mulheres!...
–––––––
Continua... Cara de Coruja– V – Barba Azul

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte XVIII


SINAIS.

Faça o til e o cedilha com nitidez, e não simples rabiscos ou traços confusos e inexpressivos.

SINESTESIA.

É uma espécie de metáfora que consiste na união de impressões sensoriais diferentes.

Use-a, se puder, para, através de duas sensações, indicar mais vivamente um objeto ou ser.

Um grito áspero, palavras douradas, cheiro quente.

O cheiro doce e verde do capim trazia recordações da fazenda...

A presença inesperada do sumo pontífice no encontro comoveu a todos. O toque de mão suave, o semblante sereno, o leve odor de rosas que emanava de sua presença provocou em todos uma sensação de paz.

SOLECISMOS.

Ocorre quando há desvios de sintaxe quanto à concordância, regência ou colocação.

Obedeça o chefe.

Quem fez isso foi eu.

Faltou muitos alunos no dia do jogo da Seleção do Brasil.

Que fique bem claro uma coisa: as frases acima estão gramaticalmente incorretas.

SUBSTANTIVO, VERBO.

Abuse do uso de substantivos e verbos. Seja sovina com adjetivos e advérbios. Eles são os inimigos do estilo enxuto.

Matar ou matar. De quebra, morrer. No campo de batalha o soldado pouca chances tem de escolhas diferentes dessas.

A tarde cai. O céu escurece rapidamente, como convém à estação outonal. O silêncio vai se instalando na pequena vila onde, a partir de agora, só o luar iluminará as ruas.

SUJEITO.

A menos que queira enfatizar muito o sujeito, ou precise evitar confusão na interpretação sobre quem está falando, omita o pronome sujeito, ou não abuse de seu emprego.

Ao longe, avistaram um velho abatido vindo ao encontro deles. Decidiram parar. “Credo! Isso é coisa do demo!”, falou o terceiro se benzendo. É... e eles tinham razão.

Pedro resolveu omitir seu nome. Na verdade, ninguém precisaria saber que era filho de empresário famoso; nada lhe acrescentaria de bom e, ao contrário, poderia tornar-se alvo de bandidos naquela região perigosa do Rio.

SUPERLATIVOS.

Cuidado com “superlativos criativos” do tipo “mesmamente”, “apenasmente”, etc.

SUSPENSE.

Quando quiser criar suspense, acumule dados, ação inesperada, apresente conseqüências, deixando a causa para o final.

Todos estavam apreensivos, esperando o anúncio do vencedor do concurso. O mestre-de-cerimômias abre a solenidade com uma longa lista de agradecimentos. A cada nome, a ovação da platéia interrompe o correr da solenidade. Começa agora a leitura dos nomes dos vencedores. Juliano está com o coração na mão. O envelope vai ser aberto. Mas tudo escurece subitamente. Não é que falta luz no exato momento em que os nomes seriam anunciados! Juliano não agüenta a ansiedade.

TAMANHO DAS LETRAS.

Escreva com letras médias (nem muito grandes, nem muito pequenas). Letras muito pequenas vão dificultar a correção do texto e letras muito grandes vão proporcionar poucas palavras em cada linha e, conseqüentemente, uma abordagem superficial do assunto.

TELEGRAMA.

É utilizado para comunicação urgente. Deve-se suprimir do pequeno texto qualquer palavra dispensável, como artigos, preposições, conjunções e sinais de pontuação. Ponto será grafado com PT e vírgula com VG.

TEMA.

Leia o tema que vai desenvolver com atenção, analisando com profundidade as idéias nele contidas.

Fácil ou difícil, agradável ou não, o tema terá que ser enfrentado. A melhor atitude será recebê-lo com simpatia, disposição e otimismo.

Redija usando argumentos fortes e consistentes. O floreio e o enche lingüiça nada acrescentam à qualidade do texto de uma redação.

O tema é o assunto sobre o qual se escreve, ou seja, a idéia que será defendida ao longo da dissertação. Deve tê-lo como um elemento abstrato. Nunca se refira a ele como parte do texto.

Não fuja do tema proposto, nem invente títulos, escolhendo outro argumento com o qual tenha maior afinidade. O distanciamento do assunto pode custar pontos importantes na avaliação da redação.

Não fugir do tema significa abordá-lo da maneira como foi proposto, isto é, nem restringindo demais a abordagem nem extrapolando para assuntos que não tenham relação direta com ele.

Se o seu objetivo é ser favorável à privatização das estradas, use argumentos sólidos que justifiquem o porquê de sua posição. Tente convencer o leitor e mantenha clara a sua opção.

Se o tema for “O clima do Brasil”, não adiantará fazer uma obra-prima versando sobre “O clima de Minas Gerais”, porquanto o seu trabalho resultará inútil. Os corretores vão considerar que houve fuga ao tema proposto. Sabe qual a nota que terá nesse caso? ZERO!

Quais os temas que podem cair nas provas de Redação? A tendência das bancas examinadoras tem sido solicitar dois tipos de temas: objetivos, os relacionados aos problemas atuais, presentes na mídia (sociais, tecnológicos, econômicos, etc.); subjetivos, os que envolvem o comportamento e o sentimento das pessoas.

TEMPO.

Não acelere o ritmo para acabar logo a redação nem demore demais para não perder tempo.

TEMPOS VERBAIS.

Procure tirar proveito da mudança dos tempos verbais, usando-os, por exemplo, para fazer generalizações.

O larápio não deixou de roubar após ter passado um bom tempo na prisão. Ora, por esse caso podemos ver que nem sempre a prisão recupera os criminosos.

TEORIA.

Se precisar provar a alguém, ou a você mesmo, uma teoria, use o raciocínio lógico e, se for o caso, hipotético.

Democracia verdadeira não existe sem educação. O indivíduo sem estudo é presa fácil do engodo, da retórica vazia, das promessas irrealizáveis. Imagine alguém que mal sabe escrever o nome ouvindo o discurso embolado de um de nossos políticos. Poderá julgar com clareza o que estão lhe dizendo, avaliando a proposta que melhor satisfaz aos seus interesses?

TERCEIROS.

Não utilize exemplos contando fatos ocorridos com terceiros, que não sejam de domínio público.

TEXTO.

O fato que contou, em seu texto, é interessante?
Gostaria de ouvi-lo de outra pessoa?
Tenha sempre senso crítico.

Não utilize os termos “eu acho”, “penso”, “para mim”, etc. O texto já é sua opinião pessoal, não precisa enfatizar, ser repetitivo. Em vez de escrever “Eu acho a internet legal”, escreva: “A internet é legal”.

Não use expressões como “vou ir” e “de leve”, mas, sim, “irei” e “levemente”.

TÍTULO.

Evite o uso das aspas no título.

Pule uma ou duas linhas entre o título e o início do texto.

Evite iniciar a redação com as mesmas palavras do título.

Os títulos devem ser escritos de forma abreviada (resumida).

Não há pontuação após o título, a não ser que seja frase ou citação.

Coloque o título centralizado (no centro da folha), antes do início da redação.

É uma expressão, geralmente curta e sem verbo, colocada antes da dissertação.

Em títulos de redação, por questão de ênfase, usam-se iniciais maiúsculas:

Minhas Férias de Julho, Nossa Visita ao Frisuba.

Não coloque a palavra título antes do TÍTULO nem o termo FIM ao terminar a redação. O óbvio não precisa ser explicado.

“TRANSPIRAÇÃO”.

É a hora da montagem do texto, a escolha do que deve ficar e do que deve sair.

Após a seleção das idéias que serão usadas, ordene as frases, percebendo a diferença entre o principal e o secundário, hierarquizando a seqüência de parágrafos de modo a tornar claro o seu texto.

TRAVESSÃO.

Na redação, o travessão tem a função dos parênteses ou das vírgulas usadas em dupla, sendo empregado para separar expressões intercaladas.

Pelé — o maior jogador de futebol de todos os tempos — hoje é um empresário bem-sucedido.

A sociedade precisa lutar por conquistas sociais - tão prometidas pelos governos, mas nunca concretizadas - a fim de ver reduzidas as diferenças entre pobres e ricos.

U, V.

Faça-os com clareza e nitidez porque, caso contrário, o U ficará parecendo o V.

ÚLTIMO.

Evite escrever “último”, no sentido de “mais recente”.

UNIDADE

A redação deve ter unidade, por mais longa que seja. Trace uma linha coerente do começo ao final do texto. Não pode perder de vista essa trajetória. Muita atenção no que escreve para não fugir do assunto.

VERBO.

Evite o emprego de verbos auxiliares.

Faça a concordância correta dos tempos verbais.

Evite o uso de verbos genéricos, como “dar”, “fazer”, “ser” e “ter”.

Flexione corretamente os verbos quando for usar o gerúndio ou o particípio.

O verbo “fazer”, no sentido de tempo, não é usado no plural. É errado escrever: “Fazem alguns anos que não leio um livro”. O certo é: “Faz alguns anos que não leio um livro”.

Os verbos defectivos não possuem todas as pessoas conjugadas. O presente indicativo do verbo “adequar” só apresenta as formas de primeira e segunda pessoas do plural (adequamos, adequais). As outras simplesmente não existem, não adianta inventar. Logo, nada de sair por aí dizendo (ou escrevendo) coisas como: “Eles não se adequam ao meu sistema de trabalho” ou: “Eu não me adequo ao seu modo de pensar”. No caso, use o verbo equivalente: “adaptar”.

VÍRGULA.

Vêm, geralmente, entre vírgulas: isto é, ou seja, a saber, etc.

Coloque-a bem próxima da última letra da palavra (e não distante).

Leia os bons autores e faça como eles: trate a vírgula com bons modos e carinho.

Nunca coloque vírgula entre o sujeito e o verbo, nem entre o verbo e o seu complemento.

Só com a leitura intensiva se aprende a usar vírgulas corretamente. As regras sobre o assunto são insuficientes.

É o sinal de pontuação mais importante e que tem maior variedade de uso. Por essa razão, é o que também oferece mais oportunidade de erro.

Coloque a vírgula com clareza, a saber, um pontinho com uma perninha levemente voltada para a esquerda, e não um tracinho ou um risquinho qualquer.

As vírgulas, quando bem empregadas, contribuem para dar clareza, precisão e elegância às frases. Em excesso, provocam confusão e cansaço. Frase cheia de vírgulas está pedindo um ponto.

VOCABULÁRIO SIMPLES.

Algo fantástico para enriquecer o seu vocabulário? Palavras cruzadas.

A limitação do vocabulário não impede um raciocínio inteligente e incisivo.

Use uma linguagem simples, empregando, somente, as palavras cujo sentido você conhece bem. Não fique inventando, querendo usar vocábulos difíceis, cujos significados nada têm a ver com o que está escrevendo.

VOZ ALTA.

Após fazer uma redação, leia o texto em voz alta, várias vezes. É uma boa técnica para descobrir seus erros.

VOZ ATIVA.

Opte pela voz ativa. Ela deixa o texto esperto, vigoroso e conciso. A passiva, ao contrário, deixa-o desmaiado, flácido, sem graça.

Em vez de: A redação foi feita pelos alunos da 4ª série, prefira: Os alunos da 4ª série fizeram a redação.

VOZ PASSIVA.

Use a voz passiva quando quiser realçar o paciente da ação, transformando-o em sujeito (embora não aja).

A porta foi aberta com violência.

VULGAR.

Não seja vulgar nem use termos considerados chulos e obscenos (palavrões). Gírias e expressões populares, só entre aspas. Os assuntos devem ser trabalhados com certa distinção e delicadeza.

ZEUGMA.

É a omissão de um termo anteriormente expresso, ainda que em flexão diferente.

Eu jogo futebol; ela, basquete.

Foi saqueada a vila, e assassinados os partidários de Sadan.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

sábado, 17 de dezembro de 2011

Paraná em Trovas Collection - 31 - Mauricio Fernandes Leonardo (Ibiporã/PR)

Jorge Luis Borges (A Escrita de Deus)


O cárcere profundo e de pedra; sua forma de um hemisfério quase perfeito, embora o piso (também de pedra) seja algo menor que um círculo máximo, fato que de algum modo agrava os sentimentos de opressão e de grandeza. Um muro corta-o pelo meio; este, apesar de altíssimo, não toca a parte superior da abóbada; de um lado estou eu, Tzinacan, mago da pirâmide Qaholom, que Pedro de Alvarado incendiou; do outro há um jaguar, que mede com secretos passos iguais o tempo e o espaço do cativeiro. Ao nível do chão, uma ampla janela com barrotes corta o muro central. Na hora sem sombra (o meio-dia) abre-se um alçapão no alto e um carcereiro que os anos foram apagando manobra uma roldana de ferro, e nos baixa, na ponta de um cordel, cântaros de água e pedaços de carne. A luz entra na abóbada; neste instante posso ver o jaguar.

Perdi o número dos anos que estou na treva; eu, que uma vez fui jovem e podia caminhar nesta prisão, não faço outra coisa senão aguardar, na postura de minha morte, o fim que os deuses me destinam. Com a longa faca de pedernal abri o peito das vítimas e agora não poderia, sem magia, levantar-me do pó.

Na véspera do incêndio da Pirâmide, os homens que desceram de altos cavalos me castigaram com metais ardentes para que revelasse o lugar de um tesouro escondido. Abateram, diante de meus olhos, a imagem de Deus, mas este não me abandonou e me mantive silencioso entre os tormentos. Feriram-me, quebraram-me, deformaram-me e depois despertei neste cárcere, que não mais deixarei nesta vida mortal.

Premido pela fatalidade de fazer algo, de povoar de alguma forma o tempo, quis recordar, em minha sombra, tudo o que sabia. Gastei noites inteiras lembrando a ordem e o número de algumas serpentes de pedra ou a forma de uma árvore medicinal. Assim fui vencendo os anos, assim fui entrando na posse do que já era meu. Uma noite, senti que me aproximava de uma lembrança precisa; antes de ver o mar, o viajante sente uma agitação no sangue. Horas depois, comecei a avistar a lembrança; era uma das tradições do deus. Este, prevendo que no fim dos tempos ocorreriam muitas desventuras e ruínas, escreveu no primeiro dia da Criação uma sentença mágica, capaz de conjurar esses males. Escreveu-a de maneira que chegasse às mais distantes gerações e que não tocasse o azar. Ninguém sabe em que ponto a escreveu nem com que caracteres, mas consta-nos que perdura, secreta, e que um eleito a lerá. Considerei que estávamos, como sempre, no fim dos tempos e que meu destino de último sacerdote de Deus me daria acesso ao privilégio de intuir essa escritura. O fato de que uma prisão me cercasse não me vedava esta esperança; talvez eu tivesse visto milhares de vezes a inscrição de Qaholom e só me faltasse entendê-la.

Esta reflexão me animou e logo me intuiu uma espécie de vertigem. No âmbito da terra existem formas antigas, formas incorruptíveis e eternas; qualquer uma delas podia ser o símbolo buscado. Uma montanha podia ser a palavra de Deus, ou um rio ou o império ou a configuração dos astros. Mas no curso dos séculos as montanhas se aplainam e o caminho de um rio costuma desviar-se e os impérios conhecem mutações e estragos e a figura dos astros varia. No firmamento há mudança. A montanha e a estrela são indivíduos e os indivíduos caducam. Busquei algo mais tenaz, mais invulnerável. Pensei nas gerações do cereais, dos pastos, dos pássaros, dos homens. talvez em minha face estivesse escrita a magia, talvez eu mesmo fosse o fim de minha busca. Estava nesse afã quando recordei que o jaguar era um dos atributos do deus.

Então minha alma se encheu de piedade. Imaginei a primeira manhã do tempo, imaginei meu deus confiando a mensagem à pele viva dos jaguares, que se amariam e se gerariam eternamente, em cavernas, em canaviais, em ilhas, para que os últimos homens a recebessem. Imaginei essa rede de tigres, esse quente labirinto de tigres, dando horror aos prados e aos rebanhos para conservar um desenho. Na outra cela havia um jaguar; em sua proximidade percebi uma confirmação de minha conjectura e um secreto favor.

Dediquei longos anos a aprender a ordem e a configuração das manchas. Cada cega jornada me concedia um instante de luz, e assim pude fixar na mente as negras formas que riscavam o pêlo amarelo. Algumas incluíam pontos; outras formavam raias transversais na face inferior das pernas; outras, anulares, se repetiam. Talvez fossem um mesmo som ou uma mesma palavra. Muitas tinham bordas vermelhas.

Não falarei das fadigas de meu labor. Mais de uma vez gritei à abóbada que era impossível decifrar aquele texto. Gradualmente, o enigma concreto que me atarefava me inquietou menos que o enigma genérico de uma sentença escrita por um Deus. Que tipo de sentença (perguntei-me) construirá uma mente absoluta? Considerei que mesmo nas linguagens humanas não existe proposição que não envolva um universo inteiro; dizer o tigre é dizer os tigres que o geraram, os cervos e tartarugas que ele devorou, o pasto de que se alimentaram os cervos, a terra que foi a mãe do pasto, o céu que deu luz à terra. Considerei que na linguagem de um Deus toda palavra enunciaria essa infinita concatenação dos fatos, e não de um modo implícito, mas explícito, e não de um modo progressivo, mas imediato. Com o tempo, a noção de uma sentença divina pareceu-me pueril ou blasfematória. Um Deus, refleti, só deve dizer uma palavra e nessa palavra a plenitude. Nenhum som articulado por ele pode ser inferior ao universo ou menos que a soma do tempo. Sombras ou simulacros desse som, que eqüivale a uma linguagem e a quanto pode significar um linguagem, são as ambiciosas e pobres vozes humanas, tudo, mundo, universo.

Um dia ou uma noite – entre meus dias e minhas noites que diferença existe? – sonhei que no chão do cárcere havia um grão de areia. Voltei a dormir, indiferente; sonhei que despertava e que havia dois grãos de areia. Voltei a dormir, sonhei que os grãos de areia eram três. Foram, assim, multiplicando-se até encher o cárcere e eu morria sob este hemisfério de areia. Compreendi que estava sonhando; com um enorme esforço, despertei. O despertar foi inútil: a inumerável areia me sufocava. Alguém me disse: "Não despertaste para a vigília, mas para um sonho anterior. Esse sonho está dentro de outro, e assim até o infinito, que é o número dos grãos de areia. O caminho que terás que desandar é interminável e morrerás antes de haver despertado realmente".

Senti-me perdido. A areia me enchia a boca, mas grite: "Nenhuma areia sonhada pode matar-me nem existem sonhos dentro de sonhos". Um resplendor me despertou. Na treva superior abria-se um círculo de luz. Via a face e as mãos do carcereiro, a roldana, o cordel, a carne e os cântaros.

Um homem se confunde, gradualmente, com a forma de seu destino; um homem é, afinal, suas circunstâncias. mais que um decifrador ou um vingador, mais que um sacerdote do deus, eu era um encarcerado. Do incansável labirinto de sonhos regressei à dura prisão como à minha casa. Bendisse sua umidade, bendisse seu tigre, bendisse meu velho corpo dolorido, bendisse a treva e a pedra.

Então ocorreu o que não posso esquecer nem comunicar. Ocorreu a união com a divindade, com o universo (não sei se estas palavras diferem). O êxtase não repete seus símbolos; há quem tenha visto Deus num resplendor, há quem o tenha percebido numa espada ou nos círculos de uma rosa. Eu vi uma Roda altíssima, que não estava diante de meus olhos, nem atrás, nem nos lados, mas em todas as partes, a um só tempo. Essa Roda estava feita de água, mas era também de fogo, e era (embora visse a borda) infinita. Entretecidas, formavam-na todas as coisas que serão, que são e que foram, e eu era um dos fios dessa trama total, e Pedro de Alvarado, que me atormentou, era outro. Ali estavam as causas e os efeitos e me bastava ver essa roda para entender tudo, interminavelmente. Oh, felicidade de entender, maior que a de imaginar ou a de sentir! Vi o Universo e vi os íntimos desígnios do universo. Vi as origens narradas pelo Livro do Comum. Vi as montanhas que surgiram na água, vi os primeiros homens com seu bordão, vi as tinalhas que se voltaram contra os homens, vi os cães que lhes desfizeram os rostos. Vi o deus sem face que há por trás dos deuses. Vi infinitos processos que formavam uma só felicidade e, entendendo tudo, consegui também entender a escrita do tigre.

É uma fórmula de catorze palavras casuais (que parecem casuais) e me bastaria dizê-la em voz alta para ser todo-poderoso. Bastaria dizê-la para abolir este cárcere de pedra, para que o dia entrasse em minha noite, para ser jovem, para ser imortal, para que o tigre destruísse Alvarado, para afundar o santo punhal em peitos espanhóis, para reconstruir a pirâmide, para reconstruir o império. Quarenta sílabas, quatorze palavras, e eu, Tzinacan, regeria as terras que Montezuma regeu. Mas eu sei que nunca direi estas palavras, porque eu não me lembro de Tzinacan.

Que morra comigo o mistério que está escrito nos tigres. Quem entreviu o universo, quem entreviu os ardentes desígnios do universo não pode pensar num homem, em suas triviais venturas ou desventuras, mesmo que esse homem seja ele. Esse homem foi ele e agora não lhe importa. Que lhe importa a sorte daquele outro, que lhe importa a nação daquele outro, se ele agora é ninguém? Por isto não pronuncio a fórmula, por isso deixo que os dias me esqueçam, deitado na escuridão.

Fontes:
Pequena Antologia para se ler Jorge Luis Borges. Digital Source.

Larissa Fadel (Teia de Poesias)


RASGANDO O VERSO

Solto a palavra
me faço
abraço
de mim

Abro o verso
visto o reverso
contorno sem nexo
de mim

Canto o poema
me sinto serena
humana
de mim

Revolto olhares
concebo
alimento
de mim

Abro minha boca
e na fúria louca
grito a verdade
de mim

Danço e sorrio
construo e procrio
o melhor
de mim

Quem não entender
a porta é aberta
vou esquecer
vou aceitar
porque sei
de mim

Mas nunca mais deixo
não me permito
no ar ou escrito
o que há
o que pulsa
o que vive
EM MIM!

ROUBEI SIM

Roubei de ti o coração
e não tente tomá-lo de volta
porque ele está atravancado
no mais profundo recanto do meu ser
tal como a árvore imensa enraizada
por milênios existenciais da natureza...

Eu o roubei...
naquele instante em que me deste teu sorriso
naquele instante em que me estendeste as mãos
naquele instante em que eu já era a poesia por te querer
e num chamado eterno para seguirmos juntos
as estradas da vida... já éramos nós...

Eu o roubei...
roubei o teu coração e te digo:
não hás de tê-lo de volta
porque em troca
dei-te o meu coração repleto de amor
a minha alma iluminada por teus carinhos
a minha vida inteira
para amparar-te...
para aquecer-te...
para amar-te...
amar-te... e amar-te...
eternamente...

CUIDA-ME

Quero tirar a poeira do tempo
quero varrer as folhas do vento
limpar a casa
e caminhar

Procuro não olhar pra trás
já vivi o passado
não vou por lá mais passar

Não me culpe por olhar pra frente
sou assim, as vezes bem diferente
intrigante
talvez incoerente

Não me deixe voltar
cuida-me
deixa-me cuidar
se a felicidade é urgente
eu tenho pressa no caminhar

Não vou remoer minh’alma
quero serenidade e calma
quero esse louco desejar

Não tenho pretensão demasiada
quero a calma acelerada
amo
e quero ser amada!

Tenho fome de vida
tenho pressa de criança
e...sinceramente
o medo também me invade
feroz
atroz
covarde? ...não!
Só temperamental

Minhas horas já foram longas
agora quero devagarzinho
só o meu lugar
agora quero bem de mansinho
sorrir
estar
ficar

Tento...
Um dia quem sabe aprendo
um dia quem sabe vou acertar

Enquanto isso
cuida-me
mais uma vez
enquanto isso
deixa-me cuidar

Quero o livre passarinho
o rouxinol na árvore
a prata da lua
o ouro do sol
e quando eu estiver triste
cuida-me
e quando vc estiver triste
permita-me cuidar

Minha voz reside na minha alma
assim como minha alma se reflete em meus olhos
em minha boca
em meu corpo
me calo!
E num contraste fascinante
grito!

Sem culpa
não volto
sigo
tiro a poeira do tempo
planto novas flores
rego tons e sabores
e me precipito
quem sabe...

Por isso...urgentemente...
Cuida-me
e deixe-me cuidar!

MISTURA DO AMOR

*Essa foi uma das minhas primeiras linhas. Acho que essa poesia tem sabor. Gosto do gosto dela!

Relaxe o corpo
A mente, o coração.
Deixe as emoções cavalgarem
Pelos espaços verdejantes

Viaje...
Sinta a brisa leve da manhã
Tocar seus cabelos despenteados
Ande descalço

Prove a sensação do barro nos seus pés.
Abra os braços para abraçar o cheiro
De menta da manhã.
Deite na aurora que anuncia a vida

Cheire as rosas da imaginação
Tome o mel, deguste o hortelã
Sinta na pele o toque suave da maçã.
Beba água do riacho

Ouça o canto das águas
O sussuro das árvores
A linguagem do céu azul
Banhe-se na energia dourada do sol

Role na grama, espreguice, morra de rir.
Perca-se na magia de uma fruta madura
Magia de uva, pera, laranja, limão.
Favo de mel, eucalípto, tentação
Atalho para a cereja do coração.

Viva! Se entregue à imaginação
Sonhe com paixão
Corra sem destino entre as árvores
Viaje no sabor!
Sinta a ternura de beijar a flor.

Deixe que o sabor fresco invada sua língua
Fruta molhada, sorvete, flocos de neve
Suave beijo de licor
Boca doce, gelada, refrescante
Essa é a mistura do amor!

SOLO DE AMOR

Cala a terra arada no pó
Espera a chuva no seu lugar
Quimera que fica na solidão
Ao relento dois destinos
E um só coração.

Harmonia que tira a guerra
Gira no amarelo do girassol
Planta semente e alento
Deixa vestígios na memória do vento

Antes que o sol acorde
Lembra a saudade da noite fria
Sinta brotar o pranto
Que rega a planta de calmaria

Inunda a terra de verde
com os olhos teus
pinta de vermelho as flores
com os desejos meus

Faz solo fértil com a boca tua
Semeia o ventre e a canção
Descansa no orvalho da terra crua
Colha minha doçura com tua mão

Canta vontades antes temidas
Que eu canto a imensidão

Faz poema que risca o céu
Contorne meu corpo com pincel
Traço de bem querer
Deitada na terra nua
Só tua eu quero ser!

A ARTE DE MORRER

Essência da vida.
Alma eterna.
Mistério definitivo,
Inexprimível,
Indefinível.

Respostas rejeitadas, colapso
Pergunta irrespondível
Milagre da mente
A arquitetar perguntas que desaparecem
E no saber, a experiência existencial

A semente cresce
Botão de rosa que sabe como abrir
E o conhecimento divaga
Nas raízes da mente

Na sabedoria
Você não é mais
Dentro do inexplorado
Interior da Existência

Viável à mente
Somente o silêncio
Nenhuma pergunta,
Nenhuma resposta,
Íntima sensação sem palavras
Só o incomunicável

Espada para cortar pensamentos
E todas as respostas
Escutar de corpo e alma
Os dois infinitos

Sonata de Beethoven
O coração em nostalgia
Mesmo com rota definida
Ninguém sabe onde está

Na Auto estrada da multidão
Todos estão na mesma posição
Indo a lugar nenhum
Mas na mesma direção

E então você fica só
Sua solidão total
É necessário morrer,
Cair pra renascer

Nas fontes infinitas de vida
É a arte de morrer

Cair para o coração...
Onde não há marcos de referência
Cair num abismo
Caída de amor
Uma queda

Mas caminho sólido não há
O coração não está cartografado.
O coração treme de medo

Quebrar paredes de pedra,
Libertar-se do rochoso pensamento;
Dogmas, preconceitos.
Libertar-se da prisão

Ter uma certa descontinuidade
Olhar pra trás
E Morrer...
Sentir que foi como um sonho
Uma história que jamais fora sua
E Nascer!

TEU VERBO

Singelos gestos
perfuram a grade do meu ser
Vibrantes beijos
encarceram o que sempre fingi não querer

Invadem e transformam
mutantes sentimentos
desprezam lamentos
me faz tempestade

Corro pra dentro de mim
mas esconder não consigo
deito nas corredeiras das palavras
implorando por um abrigo

Contemplo o céu de noite quente
calo com os dedos teu beijo ardente
deixo as pegadas da minha mão
na lembrança de afeto que te dei
Atravesso a calçada da vida
na procura do que ainda não sei

Navego o ritmo dos teus olhos
transpiro teu suor
Desisto de correr

Deixo-me a ti
respiro o teu ar
E morro no instante de conjugar
o verbo incessante
na rima vibrante
desse seu jeito de amar !

Fonte:
http://www.novaordemdapoesia.com/search/label/Larissa%20Fadel