domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Carnaval em Trovas)


De sábado a terça-feira
cai na folia o país...
Diverte-se a pátria inteira,
sem medo de ser feliz!
–A. A. de Assis/PR–

O Carnaval irradia
prazeres aos foliões,
mas o melhor da folia
está em nossos corações!
–Ademar Macedo/RN–

Quando encontrei desbotado
meu retrato de arlequim
no carnaval do passado,
senti saudades de mim !
–Alfredo de Castro/MG–

Nesta paixão sem igual,
de alegria verdadeira,
nossa vida é um Carnaval
sem direito à quarta-feira!
–Arlindo Tadeu Hagen/MG–

Veste o manto, ajeita a pluma,
põe a faixa de Rainha,
passa batom, se perfuma
e faz Carnaval... sozinha...
–Darly O. Barros/SP–

Nas Noites de Carnaval,
tudo é delírio, alegria,
pois o folião, afinal,
se enfarta de fantasia!
–Delcy Canalles/RS–

No desfile à fantasia,
de um carnaval de ilusão,
a saudade é a alegoria
que enfeita meu coração!
–Elisabeth Souza Cruz/RJ–

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!
–Fernando Câncio/CE–

Nos desfiles dessa vida
com humildade me toco:
Quanto mais larga a avenida
mais estreito fica o bloco.
–Francisco José Pessoa/CE–

Esqueça a dor por um dia,
mostre que você é bamba.
Vista o “abadá” da poesia,
leve a trova para o samba!
–Francisco Macedo/RN–

É carnaval... e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão...
–Giselda Medeiros/CE–

Madrinha da bateria
de uma "escola" do Encantado
fez a sua fantasia
com um confete dourado!...
–Hermoclydes S. Franco/RJ–

No meu Carnaval de sonho,
desfila dentro de mim,
aquele guri risonho
fantasiado de Arlequim ...
–Ivone Prado/MG–

Fui tudo para esse amor
belo, puro, cruel, devasso...
Fui pirata, fui pierrot,
fui arlequim, fui palhaço...
–J. G. de Araújo Jorge/AC–

Carnaval – Festa do povo,
dos prazeres, da folia...
Foliões buscam de novo
reviver sua alforria!...
–Joamir Medeiros/RN–

O carnaval bem merece
o prêmio Nobel da paz,
pois nele a gente se esquece
das crises que o mundo traz.
–Jorge Murad/RJ–

Com dois itens a menina
compôs sua fantasia:
um fio de serpentina
e uma ponta de ousadia!
–José Ouverney/SP–

Sambando ao som do "Abre-alas",
pisou agruras da vida
na pretensão de apagá-las
e não se dar por vencida.
–Lóla Prata/SP–

Neste carnaval sem fim
do mundo que Deus nos deu,
fantasiei-me de mim
e ninguém me conheceu...
–Maria Helena/PORTUGAL–

Não condene o mascarado
por esconder seu desgosto,
que as marcas de um fracassado
são evidentes no rosto.
–Maria Nascimento/RJ–

Nos carnavais do passado,
dos arlequins, dos palhaços,
fui pierrô apaixonado,
que terminava em teus braços.
–Neoly Vargas/RS–

Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
- A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
–Renato Alves/RJ–

Brasil, samba e carnaval
e os foliões tomam conta,
da festa descomunal,
quando a “escola”, enfim, desponta!!!
–Vânia Souza Ennes/PR

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Trova Ecológica 77 - Mara Melinni (RN)

Clevane Pessoa (Os Enfeites da Árvore)


D.Mariquinhas enfeitava tudo no Natal. Laços verdes e folhas vermelhas para todo lado. E o vice-versa. Da árvore de natal com enfeites novinhos e outros com mais de cinquenta anos (sim, pois ganhara alguns de sua avó, no seu primeiro ano de casada: "Agora, você vai usar meus enfeites, daqui para a frente. Não tenho mais ânimo para armar árvores", dissera-lhe a anciã às garrafas de vinho vestidas de papai noel, ou com gravatinhas , aventais).

Velas paramentadas de rendas douradas e rabos-de-rato prateados. Luzinhas pisca-pisca quase cobrindo todos os muros, e paredes da casa.

Toalhas pintadas ,estrelas, bastões, pecinhas de madeira, aljôfar, tecido, croche. Até o porta-papel higiênico no banheiroe o bujão de gás, tinham laçarotes e sininhos.

Papai e Mamãe Noel para todo lado.

Cartões de Natal com imagens do chalé, à noite, todo iluminado.

Botas de feltro, renas e trenós.

E a peça mais antiga, trazida por algum ex-combatente da Itália, era a peça que a senhora colocava por último, no topo da árvore, às vésperas do dia 25 pois temia que caísse e se espatifasse.

Os netos adoravam tudo aquilo, se encantavam com o presépio, embora os já adolescentes reparassem na falta de proporção entre seus componentes por exemplo, uma vaquinha média, um elefante minúsculo e um patinho gigante, a nadar num espelho cercado de capim, feito com papel de seda verdolengo. Mas riam à socapa: longe deles magoar a querida velhinha.

Ontem à noite, D.Mariquinhas subiu na escadinha de metal para colocar a estrela, bem no topo da árvore. Ficou contemplando um pouco aquela peça rara. De repente, tonteou: a vista escureceu e ela caiu, batendo a cabeça.

No velório, Jorginho, o neto mais novo, de seis anos, chorando muito, criou coragem e foi olhar a avó de perto. Reparou no véu preto sobre os cabelos branco-prateados. A avó estava sem o colar de pérolas dos dias de festa. Alguém já lhe explicara que ela morrera fazendo o que mais gostava. E que, na verdade, as pessoas queridas não morrem. Ficam dentro de nosso coração, disse a Tia Lili. Ele ficou pensando: – Só se ela encolher muito: como vai caber? E só se a cortarem em pedacinhos...Muitos filhos e netos...

Outra pessoa lhe explicou que não devia chorar, pois vovó estava ali mesmo, mas invisível.

- Ah, é, pensou Jorginho. Então ela vai querer seu batom cor-de-rosa, seu colar de pérolas, seu reloginho de ouro ...

Então, decidido, o homenzinho foi ao quarto de despejo, onde estava a árvore toda desmontada, as caixas de enfeites e apanhou os cordões de aljôfar vermelho. Encheu as mãos gorduchas, chegou perto do caixão, onde alguém colocara, bem cedo, uns degrauzinhos do consultório de seu pai médico, usados para os pacientes descerem da cama de exames, para que os menores pudessem facilmente se despedir da avó.

Jorginho então, amoroso, começou a enfeitar a velhinha querida. Ninguém disse nada. O garoto foi e voltou várias vezes. Sobre os crisantemos amarelos, foi dispondo todas as peças natalinas, tão queridas por D.Mariquinhas. Todos choravam, mas com um leve sorriso nos lábios.

Nem mesmo o agente funerário, quando fechou o caixão, ousou perguntar o que era aquilo, aquele brilho, o verde e o vermelho predominantes, sobre as flores. Alguém o interceptara e dissera que o neto mais novo entregara à avó os enfeites natalinos.

Em casa, o menino explicou ao pai, o qual chorava feito um meninão enorme:

-A vovó não ia gostar de chegar no céu sem seus enfeites de Natal.

E o mais velho, rouco e de nariz inchado, afagou-lhe a cabecinha encaracolada e murmurou:
– Fez muito bem Jorginho...Ela vai gostar...

E foi assim que D.Maria, conhecida em vida pelo apelido de Mariquinhas, chegou ao céu brilhando, sorrindo e girandolando, enfeitada qual sua amada árvore natalina. Duas filas de anjinhos de verdade a esperavam. E fizeram um corredor para ela passar, enquanto eles cantavam "Jingle Bells...”

Fonte:
http://clevanepessoa.net/visualizar.php?idt=295468

J. G. de Araujo Jorge (O Mundo da Poesia)


Eu diria que nos encontramos como que diante de um novo "humanismo". Os acontecimentos sociais impondo alterações na velhas estruturas. A própria Igreja faz a sua revolução, liberta-se.

Deixa de vir a reboque do capitalismo para reintegrar-se nos Evangelhos, aproximar-se dos pequenos, transformar-se em defensora do espoliados, restaurando a mensagem de Cristo. "É mais fácil passar um camelo pelo furo de uma agulha do que um rico entrar no reino do céu".

E este paradoxo se acentua quando, ao mesmo tempo, se procura atender aos problemas coletivos, reconhecendo-se que se deve salvar o homem, para que ele não seja levado de roldão, e desapareça. Descobrimos que, se por um lado, não pode haver humanidade feliz somando-se homens infelizes, por outro lado, não pode haver homem feliz numa humanidade acarneirada.

Neste mundo de paradoxos, tecnicista e convulsionado, a poesia deve responder presente. Se é verdade que o poeta é o "vate", o que antevê, o que faz vaticínios, então deve colocar-se na vanguarda dos acontecimentos, desdobrando sua mensagem de beleza e direção.

Não é à toa que alguns líderes libertários do mundo são grandes poetas, e poetas líricos. Os poetas são os "radares" de seu povos. Mílton, no "Paraíso Perdido", comparou a sua pátria a uma nau (imagem que o nosso Castro Alves repetiria: "A Inglaterra um navio que Deus na Mancha ancorou!"), e distribuiu pela embarcação as mais diversas profissões e atividades. Esqueceu-se dos poetas. Interpelado, completou: "Os poetas, olham as estrelas, e dão rumo ao navio".

De certa forma, este continua a ser o destino dos poetas. São os pilotos. Por isso não podem faltar à sua missão. Desdobrarem seu canto segundo as múltiplas faces do homem. E, como disse no poema:

Acima de tudo cantarei o amor.

O de Cristo e Confúcio, o de Romeu e D. Juan,
acima de tudo cantarei o Amor.
Em todos os seus momentos, lascivos ou gloriosos,
mansos ou eróticos,
unindo dois ou arrastando milhões,
nascido da ternura ou da revolta
procriando seres ou idéias
acima de tudo cantarei o Amor.

O Amor
- cimento e força
que constrói e ilumina,
que convoca e conquista,
-bola de neve do Bem inevitável -
acima de tudo cantarei o Amor.

E o tirarei do coração
como a hóstia, do cálice,
ou o sol, da manhã,
ou a espada, da bainha,
- fulcro para a alavanca do meu verso
mover o mundo. -

Acima de tudo cantarei o Amor.

(O Poder de Flor)

Há uns homens por aí com falsos pudores, envergonhados de falar de amor. Como se só o amor não fosse capaz de identificar os realmente fortes, os destinados ao canto e à construção. E há uma palavra que precisa ser reconceituada : romantismo. Românticos foram os grandes clássicos, os gregos, desde Safo e Anacreonte, aos poetas renascentistas. Dante, Petrarca, Shakespeare, Cervantes, Camões, Ronsard. Românticos, antes deles, foram os orientais, os hindus, os chineses.

O romantismo, antes de ser uma simples escola literária, classificada a partir de Goethe, é um estado de espírito. Os grandes poetas do nosso tempo são românticos, e dramáticos: Auden, Spendler, Lorca, Evtuchenko, Neruda, Malacovski, Langston Hughes, Nicolás Guillén Vínícius de Morais. O poeta é um ser que pensa, sentindo. Nela a emoção é mais forte que o pensamento, ou o pensamento nasce de uma tensão emotiva. É o processo natural de sua criação. O que não quer dizer que não haja poetas em que a emoção e o pensamento se equilibram ou que, excepcionalmente, o pensamento se manifeste livre, sem comprometimento do coração. Mas devemos destinguir o romântico de hoje do romântico de ontem. Os excessos do velho romantismo do século XIX, levaram o homem a enclausurar-se dentro de si mesmo, desligando-se das realidades do mundo exterior . Ao invés de o libertarem, acabaram por aprisioná-lo. Daí o sentimento de libertação desse novo "humanismo", na linguagem desabrida e emocional de nosso tempo.

Os parnasianos, foram irrealistas e formais. Calçaram "sapatinhos chineses" na inspiração. Transformaram artesanato em mutilação. Os simbolistas são os homens da banda. "Estavam à-toa na vida" e ficaram apenas ouvindo música, distraindo-se com as palavras, num jogo de sonoridades, inconseqüente.

Paralelamente, há arruaças literárias, tipo concretismo, poesia praxis, poesia processo etc. Jogam pedras, rasgam livros, e, com gritos, querem negar as palavras. Como se nossa arte não fosse um eterno "catch-as-catch-can" com as palavras. Não chegam a movimentos, são simples arruaças. Mas têm uma função histórica: alertam os que trabalham a sério, para que façam uma permanente revisão em seus processos de criação e atualizem a sua mensagem.

Em todas as épocas, houve, ao lado dos movimentos, as agitações, necessárias também à evolução e ao aperfeiçoamento das mais diversas artes. Aí estão, ainda recentes, o dadaísmo, o cubismo ou o esquecido "futurismo".

Poeta moderno é o que se comunica com o seu tempo, e se transforma em intérprete dos sentimentos, anseios e idéias, do seu povo. O sentido da poesia contemporânea, tinha que ser, portanto, realista. Eu diria: um realismo idealista. Não aquele "realismo" da poesia espanhola, pós-guerra civil, "La nuestra guerra", como a ela se referem orgulhosamente os seus poetas, Damaso Alonso o definiria depois num verso brutal:

"Madrid é uma cidade de mais de um milhão de cadáveres".

Para eles, tudo tinha que ser reconstruído. Não é o nosso caso: aqui tudo tem que ser criado ainda. Refiro-me a nós, poetas americanos.

Os poetas modernos europeus são, na sua grande totalidade, vozes trágicas, pessimistas, traduzem o esfacelamento do homem e da poesia depois de duas grandes hecatombes. Ou introvertem-se, em fugas impossíveis, como Rilke e Eliot, ou tentam evadir-se, misturando-se às multidões, e fazendo-se seu porta-vozes, como Spendler, Masefield, Damaso Alonso, Auden, Brecht. De qualquer forma, poetas de "fugas".

Os poetas não podem ser mais aqueles seres fantásticos que viviam no "outro mundo". Não se dirá mais quando alguém tiver um ar de abstração e de sonho:

"É um poeta!". Mas sim, quando tiver os olhos brilhantes, aquela aura dos líderes, aquele ar de integração com o espetáculo, do maestro empunhando a batuta.

Os poetas têm os pés no chão. O amor continua a ser o estandarte imortal, com sua infinitas variações. Não negar as asas, mas ter consciência de que estão presas ao corpo e que, só por isto, podem mover-se, e voar. Poesia - um vôo paradoxal em que a altura não elimina um permanente e íntimo contato com a realidade do chão.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Clevane Pessoa (Livro de Trovas)


Trovas de Carnaval

Nossas máscaras do dia
nem sempre nos fazem mal
a esconder dor ou alegria
de um eterno carnaval...

Nenhum carnaval da Terra
traz de volta os que se vão
-a saudade nos encerra
em um fechado salão…

Trovas sobre Gatos

Gato pardo e belicoso
Arqueia o corpo robusto,
Projeta as unhas, raivoso
Vira um puma no seu susto

Gatos à noite são bardos
E miam versos para a lua
Dizem que então ficam pardos
parecem da cor da rua...

O gato passa, elegante,
sem nenhum medo de altura...
E lá em baixo, um cão gigante,
late e não alcança a criatura...

Com a pata, na vidraça,
gato bate e avisa o dono:
está voltando da caça,
-"pode abrir, que estou com sono..."

Meia dúzia de gatinhos,
uns nos outros, enroscados,
são novelos bem quentinhos
parecem interligados

DESEJO
Trovas encadeadas, a que chamo "Quadras, quadrinhas";

Desejo, impulso intrigante
que nos arrasta consigo,
efervece num instante,
preso, a dançar qual o trigo,

Às vezes, nunca se acaba,
deixa frustrado quem ama,
mas se o do outro, em nós desaba,
faz brotar lótus da lama...

Desejo é chama votiva
ou um incêndio em labaredas
se dele ,você se esquiva,
morre frustrado entre sedas...

Se ficamos satisfeitos,
essa ânsia pode ir embora.
Parte depressa dos leitos,
mas retorna sem demora...

Só quem não ama, não deseja,
mas sem amor, a paixão,
simula o encontro,que almeja
uma longa duração...

Não sei se importa saber,
qual sentimento o norteia.
Melhor é satisfazer
tais ondas em nossa areia...

Bem gostoso é adormecer
depois de saciar a fome
-logo depois perceber
que o desejo não tem nome…

BOMBEIRO

Mesmo quando o fogo o abrasa,
o bombeiro com cuidado,
salva a tudo, numa casa,
por ser sempre bem treinado.

A vítima foi o bombeiro,
que salvou todos, coitado!
Todo mundo foi primeiro,
mas ele caiu, esgotado...

São heróis do cotidiano,
que salvam além do fogo,
resgatam gatos e piano,
fraternidade é seu jogo!

EDUCAÇÃO

Quem é rico, na verdade,
recebeu educação,
-o saber não tem idade.
nem se esgota com ação…

ALEITAMENTO

No aleitamento materno,
a ligação da mãe ao filho,
produz um amor bem terno
com o qual me maravilho!

NATAL

Sempre espero um bom natal
quando todos, solidários,
se abraçam, mas afinal
depois seguem seus fadários...

Jamais terei um presente
qual o que desejo mesmo:
a presença que está ausente
porque no céu caminha a esmo...

Coisa gostosa na vida
é ver abrir seus presentes
a meninada envolvida
por papéis e por parentes...

Em vão espera um brinquedo
um menininho de rua...
Risca no chão, com um dedo,
um foguete e vai prá lua...

Ao ver as meias, coitado
o vovô pensa:-"Já sei!
Essas, dei no ano passado
no retrasado ,as ganhei..."

-Para a sogra muito amada,
um ovo de cerzir roupas...
-Nem no Natal? Que massada!
Meu genro, tu não me poupas?

O peru tomou cachaça
para ficar bem macio...
Borracho, quebrou a vidraça
e fugiu, quente no frio...

No natal verde-vermelho
todos querem um presente...
Eu, no entanto, olho no espelho
e só desejo um ausente..

DIVERSAS

O amor oculto floresce
qual rara flor, num penedo:
perfume que remanesce
das delícias de um segredo...

É minha mãe quem me inspira
os temas do coração.
De seu amor, sonora lira
eu tiro qualquer canção...

Meu pai, menino crescido,
brinca mais que meus irmãos...
Meu coração, comovido,
vê os calos em suas mãos...

O meu vovô trovador
ensinou-me a silabar,
no seu colo, com amor,
aprendi o que é rimar...

Meu avô que era um maestro
ensinou-me a solfejar
hoje, a música no meu estro,
ajuda a metrificar...

Um avô era jornalista,
me ensinou a afastar todo estro...
E se minha alma é musicista,
devo ao avô que era maestro...

Nesses muros tão pichados
vejo os conflitos do povo...
E sinto que os desgraçados
querem ser "Homens", de novo...

Eu nunca desejo o alheio
e quero MESMO, o que é meu...
prefiro ficar no meio
com tudo que Deus me deu...

Via Crucis...O Cristo exangue,
exaurindo os seus humores,
em cada gota de sangue
vai salvando os pecadores...

Os teus lábios são macios,
rosas rubras, onde o Amor
pôs o calor dos estios,
deixou, do maná, o sabor...

A primeira vez da gente
causa marcas por demais!
Mas qual estrela cadente
ao céu não volta jamais...

Quando sabemos que o "amigo"
Rompe o cristal da amizade,
Lembramos que há joio no trigo
Dourado da ingenuidade...

Tem gente que tanto mente,
Fala inverdades, faz fita,
Que, na verdade descrente,
Nem em si próprio acredita...

Quando traem nossa amizade
Parece que nos falar o ar,
Pois o que não tem lealdade
Bem sabe onde apunhalar...

Sempre que uma criança mente
Ou tem medo de castigo
Ou se defende da gente
Ou faz do sonho, um amigo…

Impossível conhecer
Mesmo o presente obscuro:
Sem fantasiar o futuro
Tudo pode acontecer

Ajudar a cada irmão
Fazer tudo o que pudermos
— Pois essa é a nossa missão,
Se o crescimento quisermos...

No mistério dos vitrais
Há captação da energia
Que o Cosmos, às catedrais
Manda em plena luz do dia...

A solidão que me embala
Canta-me tristes cantigas...
Será que o silêncio fala?
Serão as sombras, amigas?

Ouvindo vozes "de fora"
Quantos loucos, conectados
Com o Alto, sem demora,
São deste mundo, afastados.

Parecem falar sozinhos
Os dementes, todavia,
Traduzem, dos passarinhos
Os recados e a magia...

Deve-se amar aos doidinhos
São filhos de Deus, também
Agem como os passarinhos
Não fazem mal a ninguém...

Com lucidez peculiar
Quantos "doidos" são mais certos
Que os que pensam acertar
Julgando-se muito espertos…
--
Fontes:
LOPES, Clevane Pessoa de Araújo. Pana Paná – Chuva de Borboletas. Portal CEN, 2003.
http://clevanepessoa.net/publicacoes.php?categoria=J

Clevane Pessoa (1947)


Clevane Pessoa de Araújo Lopes, nasceu em São José do Mipibu, Rio Grande do Norte, em 1947, radicada em Minas Gerais desde a infância, trabalhou ativamente na imprensa de Juiz de Fora-Mg, nos Anos de Chumbo, mantendo a página Gente, Letras & Artes e a coluna diária Clevane Comenta, entre outras- na Gazeta Comercial.

Radicou-se em Belo Horizonte ao se casar com o engenheiro civil Eduardo Lopes da Silva, que então trabalhava na Via Expressa em viadutos e passarelas.

Tendo iniciado Psicologia no CES (Centro de Ensino Superior) de Juiz de Fora, então formou-se na FUMEC desta capital (Belo Horizonte).

Acompanhou o marido a S.Luiz do Maranhão, São Paulo, capital e depois a Belém do Pará. Retornou a Belo Horizonte em 1990.

Como funcionária do antigo INAMPS, exerceu um trabalho dedicado em prol dos menosvalidos e criou, por onde passou, atendimento integral à mulher, criança ,adolescente ,idosos e família.

Foi editora de Literatura e Arte do tablóide de vanguarda Urgente, entre outros, como A Voz de Rio Branco, de Visconde de Rio Branco, MG, onde mantinha “A Voz da Mulher”.

Escreveu na revista "o Lince" e em outras. Atualmente, é psicóloga, ilustradora, palestrista e oficineira de Poesia e Conto.

Tem livros de poemas publicados:
Sombras Feitas de Luz ;
"Asas de Água"( pela Plurarts),
"A Indiazinha e o Natal"( Edições Haruko) ;
"Partes de Mim"( R & S Gráfica e Editora) ;
"Olhares teares,saberes",(Edit.Popular, S,Luiz-MA);
Erotíssima (selo Catitu);

Seu livro Mulheres de Sal, Água e Afins, publicado pela Urbana Editora, RJ/Libergráfica BH.), reúne contos com protagonismo feminino.
Seu livro "O Sono das Fadas" (selo Catitu-BH) foi lançado na Bienal do Rio em 2009 e em vários espaços e cidades. Em 2011, foi relançado na Livraria Leitura do BH Shopping. Nesse ano, pela Pragmatha, do RS, publicou CENTAURA-poemas .

É verbete no Dicionário de Afrânio Coutinho e no Dicionário de Mulheres de Hilda Huber Flores(RS)

Possui capítulos em co-autoria (Homossexualidade e sexualidade do Adolescente,no compêndio "Adolescência, Aspectos Clínicos e Psicossociais", Edit Arte Med(RS).

Em novembro de 2011, nos III Juegos Florales do aBrace, lança "Lírios sem Delírios", com poemas e desenhos, alguma poesia em espanhol, a maioria em Português, Editora aBrace.

É consultora de teatro, revisora de textos, roteirista de peças teatrais.

No ano de 2007, completou 50 anos de Poesia, pois começou a escrever, publicar e fazer saraus aos dez .

Foi, pela” excelência da obra”, agraciada com o título de” Poeta Honoris Causa", do Clube Brasileiro de Língua Portuguesa, para oito países lusófonos.

O título foi concedido por sua Presidenta, a poeta Silvia de Araújo Motta e entregue por Conceição Piló (curadora do Palácio da Liberdade, nesta capital e diretora, em MG, da IWA), no evento “Poesia é Ouro”, em sua homenagem, que aconteceu no Centro de Cultura Belo Horizonte Março/2007), organizado por Karina Campos.

Em maio de 2009, recebe o título de Doutora Honoris Causa em Filofosia ,em sua posse na ALB/Mariana.

Pertence à REBRA, Rede Brasileira de Escritoras, tendo sido recentemente convidada por Joyce Cavalccante, sua presidente, para representar a REBRA em MG. É patroness da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores, pertence à Academia Virtual Brasileira de Letras à Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN, do virARTE. É membro da IWA (Estados Unidos) .

Pertence à Rede Catitu de Cultura, é colaboradora da ONG Alô Vida. Por premiações em concursos, pertence ao CLESI(Clube dos escritores de Ipatinga);

É Chanceler da Arcádia Litterária de Aracaju. , Membro Honorário de Mulheres Emergentes, Conselheira do Instituto Imersão Latina.

Estudou na SBAAT – Sociedade de belas artes Antonio Parreiras, aluna de Clério de Souza, o presidente da entidade.

Ilustrava seus textos e de outros autores, em sua página na Gazeta Comercial(Juiz de Fora, MG).

Ilustrou, a bico de pena, "100 Trovas de Juiz de Fora" – Programa Contraponto.

Participou da primeira mostra de arte da FUMEC, quando concluía a faculdade de Psicologia.

Em eventos na Semana da Mulher e da criança, expôs no HJK, em Belo Horizonte, posteres e poemas ilustrados.

Fez 30 capas de pano para a edição artesanal de "Maldita Perfeição", de Jairo Rodrigues.

Ilustrou, revisou e fez a divulgação de "Estalo, a revista", onde escrevia .Ilustrou ainda o espetáculo “Completa Ceia", de poesia erótica, "Brincando de representar', de Virgilene Araújo e outros.

Fez 25 desenhos para a III Edição do "Original-Livro de Artistas", no tema "A Forma do Pote vazio, tendo um dos desenhos apresentado no Palácio Galveias, em Lisboa, em maio de 2010.

Ilustrou seus livros "Asas de Água", Poesias-Edit.Plurart e "Mulheres de Sal, Água e Afins"(contos-Edit.Urbana , Rio de Janeiro/Libergráfica.).

Em 2011, lançou, pela Editora aBrace – da qual é representante em Belo Horioznte-MG- "Lírios sem Delírios, de Poemas, que também traz suas ilustrações.

Desde março de 2009, a mostra Graal Feminino Plural, com seus desenhos e poemas, sobre questões do gênero feminino, circula, a partir da Galeria da Árvore (MUNAP_Parque Municipal Américo Renê Gianetti) , para os Centros Culturais de Belo Horizonte(Pref.Munic.) e Regional Oeste.

A mesma também faz parte, em 2010, do festival Internacional de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, no largo das Forras-Espaço Cultural. Banco do Brasil.

Participa de recitais, saraus com leituras e performances de textos.

Humanista, sempre lutou pela criança, família, mulher e adolescentes, sendo pioneira nas ações brasileiras pelo atendimento integral, multidisciplinar à criança e à adolescência (desde os Anos 80).

Pelo Ministério da Saúde, ministrou oficinas em vários Estados brasileiros, quando trabalhava no Hospital Júlia Kubitscheck, no Barreiro de Cima, onde coordenou e criou a Casa da Criança e do Adolescente, com equipe multidisciplinar. A pedido do MS, organizou no HJK, o I Seminário Brasileiro de Saúde Reprodutiva e Sexualidade na Adolescência, no qual foi ainda palestrista, mediadora, debatedora e oficineira de sexualidade humana..

Possui vinte e dois e-books, quatro dos quais infantis, um de memórias, um ensaio, os demais de poesias, gêneros vários ( os e-books podem ser baixados gratuitamente no Recanto das Letras, no site da AVBL e na Vila das Artes, além de Cá estamos Nós e recentemente, no ISSUUM, disponibilizou , pela Catitu, seus livros Erotissima e O sangue das Fadas.

Participa ocasionalmente ou com frequencia dos jornais e revistas virtuais zaP (São Paulo) , DESTAQUE,Revista Nota Independente, Guatá, Gaceta Literália, Isla Negra (Argentina) , aBrace, Varanda das Estrelícias (Portugal) ,Caderno Literário (Pragmatha/RS) ,entre outros.

Possui uma antologia poética em www.direitoepoesia.com e participa de várias coletâneas virtuais , inclusive várias de BLOCOS ON LINE, entre as quais, por três vezes, da SACIEDADE DOS POETAS VIVOS.

Seus textos e poesias estão hospedados em revistas e jornais brasileiros e no Exterior. As páginas mais recentes foram
o mini-conto "O Gato", na revista internacional ABRACE (Uruguay- Brasil),
artigo sobre Cecília Meirelles ;
ensaio A Casta da Dança ,entre outros.

A convite, seu artigo "A Casta da Dança", foi publicado no no Caderno de Dança 2, da Companhia de Dança Contemporânea de Évora,em Portugal.

Colabora e é colunista virtual , inclusive possui uma escrivaninha em www.recantodasletras.com, onde disponibiliza seus textos. Seu site pessoal é http://www.clevanepessoa.net.blog.php

Luta pelos Direitos Autorais, pela propriedade imaterial, pelas minorias carentes, pela ecologia, e, sobretudo, pela PAZ em todos os níveis.

É Dama da Sereníssima Ordem da Lyra de Bronze, delegada de “A palavra do Século XXI, membro da SPVA(Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, do RN) , do virArte, acadêmica correspondente de várias academias e outras instituições.

Gravou 48 horas de vídeos para o Projeto Educativo” Saúde, Vida , Alegria, CECIP /Kellog”, sendo responsável por Metodologia Participativa e pelas oficinas com adolescentes de várias classes sociais, institucionalizados, feirantes, mães –meninas, moradores de favelas, classe A etc.

Participa de mais de cem antologias, por mérito em concursos , convite ou por cooperativismo entre escritores e editoras.

No início de 2007, duas mais recentes são Letras de Babel e CuentoGotas, da editora ABRACE, lançadas no VIII ENCONTRO INTERNACIONAL ABRACE (março 2007), em Montevidéu (UY), onde esteve com Ricardo Evangelista e Sueli Silva com o espetáculo “Poetas Quae será Tamen", no qual apresentou, com os artistas, a performance “Predição”. Depois , em Roda ao Mundo 2007, Poetas do Brasil,– Antologia do Proyecto Sur (RS) – neste ano de 2009,participa das antologias aBrace, inclusive a comemorativa dos dez anos desse Movimento Cultural, tendo recebido o troféu aBrace ( pelo ano de 2008), por sua atuação pela cultura e modus vivendi.

Em 2007, comparece com vinte e cinco desenhos no "Livro dos Artistas", projeto de Regina Mello, chamado ORIGINAL . Em 2009, realiza a mostra "Graal Feminino Plural", de desenhos e poemas, atualmente em circuito pelos Centros Culturais de Belo Horizonte.

Em 2011 participa de coletiva do SIAPEMG_Sindicato dos Artistas Plásticos de MG, a convite da organizadora, Iara Abreu, com poemas e desenhos a bico de pena.

Premiada no Brasil e no Exterior em versos e prosa.

Entre os muitos prêmios, destacam-se:
primeiro lugar de Crônica, Troféu Dormevilly Nóbrega ;
Primeiro Lugar de Conto Livre, prêmio Ex-Aeqüo, no ALGARVE, em Portugal, XXIII Jogos Florais.
Recebeu em 2009 o Prêmio mais importante do aBrace, pelo seu trabalho cultural .
Em 2009, teve o poema "O Chão da Nossa terra" classificado em primeiro lugar no FESTINVERNO (Ouro Preto, Mariana).

Em 2010, foi a escritora convidada para o I Encontro de Escritores de Língua Portuguesa em Nartal/RN e recebeu uma placa pela sua contribuição à Língua Portuguesa (UCCLA e Capitania das Artes). A seguir, foi homenageada na Câmara Municipal de São José de Mipibu, sua cidade natal.

Em 2009, tomou posse na ALB, Mariana, na qualidade de acadêmica fundadora, Cadeira 11, Laís Corrêa de Araújo, quando recebeu o título de Filósofa Imortal, Doutora Honoris Causa, PH.I, pela ALB/CONALB. E, no mesmo ano, também tomou posse na cadeira n.5, Cecília Meirelles, na AFEMIL, (Academia Feminina de Letras-Belo Horizonte, MG), para a qual foi votada em novembro de 2008.

Integra a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, de Natal/RN e tem acervo no Memorial da Mulher, da mesma capital, tendo sido convidada para em breve tomar posse na Academia Feminina de Letras do RN.

Em 2010 tomou posse como Acadêmica Correspondente na ALTO-Teófilo Otoni-MG.

Em 2011, tomou posse nas Academias Menotti del Picchia (membro correspondente), no PEN Clube de Itapira, na academia Pré Andina de Artes, Cultura y Heráldica .

Em novembro, tomou posse na AILA, Academia Itapirense de Letras e Artes, na qualidade de Membro Correspondente Titular, cadeira 05, patronímica de Luiza da Silva Rocha Rafael

Em 2009, lançou Olhares, Teares Saberes, pela Edit.Popular, de S.Luiz, Maranhão, que foi apresentado na Bienal do Livro-Rio de Haneiro/2009.

Também lançou O Sono das Fadas (já em e-book), nesse evento, para crianças de todas as idades e Erotíssima, ambos pelo selo Catitu.

Representa a Rede Catitu, o Alô Vida, Mulheres Emergentes.

Em 2010/abril recebeu placa da UCCLA/Capitania das artes, em Natal, RN, no I Encontro de escritores de Língua Portuguesa, sendo a única mulher dos quatro autores homenageados.

Em junho 2010, foi personalidade do Ano-Taubaté/SP e em novembro, Destaque Brasil 2010.

Em novembro de 2010, recebeu a Medalha Tiradentes/FALASP/JF.

Faz parte dos Poetas pela Paz e Pela Poesia e é Consultora de Arte da AMI (Associação Mineira de Imprensa).

Em 2011,recebe a Medalha de Recompensa à Mulher-GOB-RJ, através da ALB/Mariana;

Vem participando de Poetas do Brasil do Proyecto Sur, nos números pares.Por premiação, seletiva ou cooperativismo, participa de mais de noventa antologias.

É Embaixadora Universal da Paz (Cercle Universel de Les Ambassadeurs de La Paix/genegra, Suiça e Orange/França)

Sites e blogs:
1)Pessoais:
http://www.clevanepessoa.net
http://hana.haruko.blogspot.com
www.clevanepessoa/blog
br.geocities.com/clevanedeasas
paginas.terra.com.br/arte/asasdeagua

2)Subsites em outros sites:

a)Jornal de poesias(de Soares Feitosa):
www.secrel.com.br/Jpoesia/clevanepessoa2.html
infonet.com.br/direitoepoesia/poesianossacadadia_textos.asp?...

b)Palavreiros:
palavreiros.org/.../brasil/minasgerais/clevanepessoadearaujolopes.html
palavreiros.hpg.ig.com.br/cantinhodopoetaclevanepessoa_finalidades.htm

c)Direito e poesia:
infonet.com.br/direitoepoesia/poesianossacadadia_textos.asp?

d)Recanto das Letras:
www.recantodasletras.com.br/poesias/

e)Garganta da Serpente(poesias,crônicas,contos)
www.gargantadaserpente.com/veneno/clevane/08.shtml

f)REBRA:
www.avbl.com.br/avbl/membrosgrupo/clevanepessoa.htm

3)e-books e antologias virtuais:
www.portalcen.org/bv/clevane/clevane.htm
www.clevanepessoa.net/ebooks.php
www.avbl.ebooknet.com.br/pequenashistorias/17.htm
www.ebooknet.com.br/avbl/ensaiopoetico/21.htm
www.bvcaestamosnos.hpg.ig.com.br/online/ciume/02.htm
www.avbl.com.br/avbl/lv01/gb.asp?page=19

4)textos em prosa e verso em:
www.gargantadaserpente.com/quelonios/index.shtml
palavreiros.org/.../brasil/minasgerais/clevanepessoadearaujolopes.html
www.vaniadiniz.pro.br/asp/textosamigos.asp?cod=1041
www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/opina/opina05/op050501
www.jamulher.hpg.ig.com.br
www.meiotom.art.br/clavane1p.htm
www.joaquimevonio.com/queridoevonio.pdf
cartasquenuncachegaram.ifrance.com/ciranda/paz/paz.htm
www.yaranazare.com/poesiasemletrao.htm
kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=168&rv=cigarra
www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/opina/opina05/op050501.htm
www.vaniadiniz.pro.br/asp/textosamigos.asp?cod=1041
www.versoereverso.hpg.ig.com.br/home/002.htm
pjsgarbi.blog.uol.com.br/arch2004-01-01_2004-01-31.html
diariogeral.zip.net/arch2005-10-23_2005-10-29.html
www.kakinet.com/graffiti/graffiha.htm
br.geocities.com/deliriosplurais/solidariedade
www.alpas.hpg.ig.com.br/desafios.htm
marialimeira.zip.net/arch2005-11-01_2005-11-30.html
www.silvei.blogger.com.br
www.abrali.com/008contos.html
www.abrali.com/008contos/008encontrando_o_eu_perdido_clevane.html
www.amoremversoeprosa.com/cirandas/442cirandadasmaes.htm
sarasvati29.spaces.msn.com

Fonte:
http://clevanepessoa.net/publicacoes.php?categoria=J

Cecília Meireles (Solombra)


Solombra, publicado em 1963, foi o último livro publicado em vida, por Cecília Meireles. É ele uma “parte” que contém o “todo” de seu universo poético. Apresenta, evidentes, os mesmos questionamentos universais, as mesmas inquietações presentes em toda a obra da poeta. Nele não há limitação geográfica ou temporal, "tudo é no espaço - desprendido de lugares" e "tudo é no tempo - separado de ponteiros".

Falar contigo.
(...)
Dizer com claridade o que existe em segredo.
Ir falando contigo e não ver mundo ou gente.
E nem sequer te ver, mas ver eterno o instante
No mar da vida ser coral de pensamento.

Aí se entremostra, metaforicamente, a problemática filosófico-existencial que está na gênese de sua criação poética:

– “Falar contigo” (anseio de se sentir participante do absoluto ou Mistério divino/cósmico);

– “ver eterno o instante” (ânsia de descobrir o verdadeiro espaço ocupado pela efêmera vida humana, dentro da eternidade cósmica que a abarca) e

– “No mar da vida ser coral de pensamento.” (aceitação de seu destino de poeta, cuja tarefa maior seria captar, nomear ou instaurar em palavra, a verdade/beleza/eternidade ocultas nos seres e coisas fugazes, para comunicá-las aos homens e perpetuá-las no tempo.

O símbolo noturno rege Solombra, palavra que Cecília Meireles recuperou do português antigo e que evoluiu para a forma "sombra". Esse nome, que já traz em si a idéia de noite, de mistério, constitui-se o símbolo diretor do livro, cujos vinte e oito poemas têm entre si um elo de continuidade que "narra" novamente a progressiva imersão do eu-lírico na noite. Trata-se de um exercício místico de aceitação da morte - vista como inserção na dimensão noturna e compreendida como transformação em outro modo de ser, motivo por que o eu-lírico a ela se entrega, acolhendo a lição do vento que lhe recorda um saber anterior:

Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus,sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada,mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

Agora és livre, se ainda recordas (p. 794)

Assim, nas viagens a instâncias metafísicas, o "mar" e a "noite" são, na poesia ceciliana, símbolos eleitos para expressão e nomeação do incognoscível, da sobre-humana vida que o sujeito lírico intui, eufemizando o absurdo da morte e concebendo esse destino inevitável como uma transmutação em outra forma de ser, própria da condição supra-sensorial. No desenvolvimento do tema da viagem a dimensões transcendentes, o símbolo revela-se mediador do significado diante da "impossibilidade do signo exprimir" indagações e respostas sobre o sentido da vida "face à inelutável instância da temporalidade e da morte".

Cecília Meireles é uma voz precisa, adjetivos bem colocados gerando significação. Não são adornos, têm um destino substantivo. Nestes versos de Solombra, livro composto por um único texto, ela conceitua e diferencia pela intensidade sentimentos que são vistos como sinônimos angústia e agonia. Há mensagem, só a agonia é perfeita (para os poucos sobreviventes), e redondeza sonora. Contenção que permite pensar, longe do habitual derramamento. O sofrimento encontra uma plasticidade exata. Elegância para falar das sombras.

Em Solombra é constante a temática da ausência (metáfora da sombra) enquanto afirmação de uma presença que se foi.

Fonte:
Nelly Novaes Coelho (Universidade de São Paulo)
Ana Maria Lisboa de Mello (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Fabrício Carpinejar (Revista Bravo)
Passeiweb

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 486)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

Se essa estrada que foi nossa
dividiu-se, não destruas
nenhum atalho que possa
juntar outra vez, as duas...
–ALBA CHRISTINA C. NETTO/SP–

Uma Trova Potiguar

Na loucura dos meus versos,
e em quase todos seus traços,
há pedacinhos dispersos
do amor que tive em teus braços.
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Contradição singular
que angustia o meu viver:
a ventura de te achar
e o medo de te perder...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada


2005 - Taubaté/SP
Tema: ECOLÓGICO - Venc.


Na floresta, a “derrubada”
deixa em minha alma sequela,
pois a dor da machadada
dói mais em mim do que nela.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

A Procura de Espaço
–CECÍLIA MEIRELES/RJ–


Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço
- do que faço, arrependida.

Estrofe do Dia

A poesia nasceu quando o Senhor
disse: "Faça-se a luz" e a luz foi feita.
As estrelas por, todo o firmamento,
demonstraram que a obra era perfeita,
e o poeta, tangendo a pena leve,
bebe a luz das estrelas quando escreve,
porque verso apagado não se ajeita.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

A Mulher que Eu Conheço
–DIVENEI BOSELI/SP–


Conheço uma mulher (e as mágoas que a consomem),
dos tempos celestiais, dourada fantasia
que a fez vivenciar efêmera alegria
nos braços infernais do seu primeiro homem.

Excêntrica mulher (que por leviana a tomem),
foi virgem que cedeu à primeira ousadia,
se fez esposa e mãe, mulher com galhardia,
uma leoa, enfim! (Se bem que alguns a domem...)

Excelso querubim, foi quase meretriz,
sem nunca rejeitar o pão que Deus lhe deu,
sem nunca se curvar àquilo que não quis!

E agora, rumo ao fim, pôs fel no que escreveu,
mesclando o casto mel de quem quer ser feliz...
Conheço essa mulher... Essa mulher sou eu!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 3


Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

AS ÁGUAS COMO GERADORAS DE MITOS

A água é e sempre foi um personagem de grande destaque na novela mítica de muitos povos. É, ainda, tal como era para as civilizações mais antigas, considerada geradora de vida. Para os egípcios, o dia da inundação do Nilo marcava o primeiro dia do seu calendário, e no limo e lodo das águas gestava-se também a crença na existência de seres habitando o mundo líquido. Porém, mais que em qualquer outro lugar ou região brasileira, são as águas que determinam na Amazônia, o comportamento da população. “É ela - atesta Giovanni Gallo [19] - quem determina a duração dos eventos sociais, segundo seu fluxo e refluxo", e acrescenta ainda: "Na Amazônia quem manda é a água."

A importância e o poder da água, à parte desse caráter sócio-cultural e de suas propriedades meramente físicas, reside também numa aura de mistérios, de segredos, de simbologia mágica e psíquica; de um fluxo invisível, mas perfeitamente perceptível, mesmo para quem tem uma sensibilidade pouco sutil.

O conceito de água é dado, geralmente, à matéria em estado líquido. A água simboliza a vida e está sempre ligada à idéia de fertilidade e geração, bem como simboliza as emoções e o inconsciente, e podem ser classificadas como águas vivas e águas mortas. Com seu movimento próprio de fluxo e refluxo produz um ritmo que determina sua sensibilidade e efeitos telúricos, atraindo para si as influências dos planetas, das estrelas, dos fluidos cósmicos e os influxos das correntes terrestres que os primitivos chamavam de Espírito da Terra e hoje chamamos de Telurismo.

Considerada poderoso agente das forças naturais, está presente em quase todos os rituais mágicos e sagrados, e nas cerimônias religiosas ou profanas, pois, possui um poder magnético para atrair as forças invisíveis e astrais de todas as espécies, benéficas ou não. Para Mario Mercier as águas "portadoras de ondas nocivas, são as águas usadas ou estagnadas como as águas de esgoto, de drenagem, de cisternas, de pântanos, etc.” [20]

A influência que as águas exercem depende de fatores decorrentes do solo de onde provém, já que pelas suas propriedades magnéticas elas se carregam de certas energias por onde quer que passem e da mesma maneira as dissipa. Com isso ela torna-se um poderoso veículo das manifestações das forças telúricas ou como agentes das influências astrais manipuladas pelo pajé ou mago. Na tradição hermética as águas são o oceano primordial donde surgiram os primeiros deuses; para a psicanálise é a parte dinâmica, original e feminina do espírito, mas para os índios e caboclos da Amazônia a enorme massa hidríca que cobre a região é o núcleo embrionário de suas concepções míticas, de seu fabulário; e reino dos encantados que o caboclo chama de "gente do fundo" ou "caruanas” [d]. Pode-se, entretanto, encontrar gênios tutelares aquáticos (marinhos, lacustres ou fluviais) em praticamente todas as culturas.

Eduardo Galvão informa que os índios da região do Rio Negro conheciam três categorias de espíritos que povoam os rios e a mata. São eles: os Maíwa (seres da água), os Corrupiras (seres da mata) e Jurupari, que classifica como um demônio vulgar, "encontradiço em qualquer lugar”[21]. Já Mario Mercier acreditava que os mitos e lendas a respeito de espíritos que habitam as águas "não passam de narrativas melhoradas de uma certa clarividência que ainda possuíam nossos antepassados e que nós perdemos.” [22]

O MITO DE DEUS E DO DIABO INDÍGENAS

Era necessário aos missionários primitivos encontrarem no panteão nativo uma divindade que encarnasse os atributos do deus que desejavam impor, e, ao mesmo tempo, uma outra que personificasse os atributos contrários. E como o primeiro trabalho dos missionários é identificar os focos de adoração e depois combatê-los em nome da sua fé, não foi multo difícil reconhecer no Jurupari o alvo desse primeiro movimento.

O Jurupari, uma divindade dotada de grande prestigio e investida de muitos privilégios, recebeu a primeira carga da brigada eclesiástica: Todo culto pagão é obra de Satanás! Por força desse argumento que tanto prejuízo trouxe à cultura de muitos povos, esse deus autóctone foi transformado em Diabo, na encarnação do Mal e para combatê-lo e defender o selvagem de sua nefanda influência "surgiu" Tupã, um ser tão distante da compreensão dos nossos nativos quanto o Jurupari da dos missionários. Câmara Cascudo diz que Tupá "é um trabalho de adaptação da catequese" (cf. 1972: 85). Na verdade Tupã já existia, não como divindade, mas apenas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe ou baque estrondante) portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia. Osvaldo Orico, entretanto, é de opinião que os selvagens possuíam uma noção da existência de uma força, de um deus superior a todos. Diz ele:

"A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades– Tupã-cinunga, ou o trovão, e cujo reflexo luminoso era Tupãberaba[e], ou relâmpago."[23]

Voltando ainda ao grande folclorista potiguar (1972: 85), lemos que foi a partir de 1613 que Jurupari "assumira o posto de Diabo com todas as honras e prerrogativas intrínsecas". Evidentemente que as “honras e prerrogativas" a que se refere Cascudo, não são as mesmas consideradas pelos indígenas, para quem não fazia sentido algum falar da idéia de um diabo tentador ou da possibilidade de ter a alma prisioneira das armadilhas de Satã. Porém, é provável que já tivessem a idéia de um inimigo indistinto, oculto e obscuro, responsável por tudo de ruim que lhe acontecia, responsável pelas vicissitudes, etc. Esse comportamento é uma tendência natural do ser humano; "a tendência no sentido de criar um inimigo imaginário para explicar problemas aparentemente insolúveis.” [24]

Os índios não tinham conceitos religiosos, porém, tinham definidos os conceitos de sobrenatural e a noção de dualidade natural. Expedito Arnaud,[25] pesquisando os índios Galibi, da Guiana Francesa, testemunha que eles acreditavam no Sol e na Lua como seres vivos, mas não os encaravam como deuses merecedores de sacrifício ou a quem devessem adorar. Arnaud afirma ainda que eles acreditavam em Deus e Diabo, "ao primeiro chamavam Tamoussi Cabou (O velho homem do céu), e ao segundo, Iroucan.". Curioso, porém, é que essas duas divindades, segundo os Galibi, eram filhos de Amana; e aqui Expedito Arnaud registra o antiguíssimo mito da "Virgem Mãe"[f]. "Amana - escreve ele - originou os irmãos gêmeos Tamusi, criador de tudo que é justo e bom e Yolokan-tamulu, avô dos espíritos da natureza, criador das trevas e da miséria, sendo o primeiro inconcebível sem o segundo, tanto quanto a luz sem as trevas".

Se a noção da dualidade e polaridade das forças da natureza e das leis cósmicas era entendida de maneira tão complexa pelos Galibi, então eles estavam mais avançados que muitas pessoas possuidoras de uma religião que garante ser capaz de derrotar o Diabo em nome de Deus. Arnaud registrou há 26 anos que quase todos os Galibi foram convertidos ao catolicismo, hoje é certo supor que essa tribo, se ainda existir, não deve ter nenhum membro sem os santos sacramentos.
==============
Nota
19 GALLO, Giovanni. Marajó, a ditadura da água. Santa Cruz do Arari-PA: O Nosso Museu, 1981.
20 MERCIER, Mario. Op.. cit. p. 60.
21 GALVÃO, Eduardo. Aculturação indígena no Rio Negro. In: Boletim MPGE n. 7, set. 1959, p. 51.
22 MERCIER, Mario. Op. cit. p.62.
23 Osvaldo. Mitos ameríndios e crendices amazônicas. RJ: Civilização Brasileira, 1975, p. 36 e 272-277.
24 O'GRADY, Joan. Satã, o príncipe das trevas. São Paulo: Mercuryo, 1991, p. 9.
25 ARNAUD, Expedito. Os índios Galibi do Rio Oiapoque. In: Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, n. 30, Belém, 27.01.1966, p. 45.

D -Caruãng (ang = alma) = espírito protetor. Cf. Ernesto Cruz.
E – Gonçalves Dias, in “O Brasil e a Oceania”, H. Garnier Livreiro, Editor. Paris, s/d. grafa Tupan-beraba para o trovão e Tupan-ita para o raio (cf. rodapé, p.120). Nota desta edição.
F – Nas religiões mais primitivas Deus era feminino, e acreditavam que a mulher era Deus, pois em todas se manifestava o princípio da criação.

Pedro Malasartes (O doutor Saracura)


Anda que anda, Pedro Malasarte chegou a uma cidade onde o maior edifício era o hospital. Havia para mais de duzentos enfermos ali internados, cada um deles padecendo dos mais variados males.

Pedro Malasarte matutou um pouco e foi procurar o diretor do hospital.

-Não há mais lugar – foi-lhe dizendo este ao vê-lo entrar, com medo que fosse mais um doente.

Realmente, velho e cansado, o doutor Pulsação já não conseguia dar conta de tantos enfermos. E estava ficando difícil arranjar comida e roupa lavada para toda aquela gente. É que mais da metade eram de espertalhões que se fingiam de doentes para comer e beber de graça.

-Meu bom colega -disse Pedro Malasarte. -Imagine que soube das suas dificuldades e viajei de muito longe para ajudá-lo. Meu nome é doutor Saracura e já acabei com muitas epidemias. Pela módica importância de duzentas moedas prometo esvaziar seu hospital amanhã ao meio-dia.

O velho diretor ficou exultante. Estava mais do que barato. O grande médico estrangeiro ia pôr toda aquela gente na rua, curada!

Havia muitos doentes de verdade, aleijados, paralíticos, loucos... Mas Pedro Malasarte deu um jeito de se aproximar de um por um, sempre com a pose de um grande doutor, e, fingindo examiná-los, dizia-lhes no ouvido:

-Homem, quem não estiver em condições de sair correndo pela porta da rua amanhã ao meio-dia, será torrado para se preparar um xarope para os outros.

Mesmo os que estavam em pior estado – e até os loucos – compreenderam muito bem suas palavras e arregalaram os olhos. E todos trataram de preparar suas trouxas para escapulir dali logo que pudessem.

No dia seguinte, Pedro Malasarte mandou abrir de par em par os portões do hospital.

Então subiu até a enfermaria, junto com o doutor Pulsação, e bradou:

-Quem se sentir curado pode sair correndo pelo portão!

Não ficou um só doente na cama. Todos, sem exceção, dos que tinham bronquite a dor de cabeça, pularam do leito e, com a trouxa nas costas, trataram de dar o fora com quantas pernas tinham. E os que não tinham pernas ou eram paralíticos arranjaram quem os carregasse.

O doutor Pulsação ficou boquiaberto com aquele milagre. Em poucos minutos o hospital ficou deserto. O único doente que permaneceu deitado foi um que morrera de noite e por isso mesmo não podia se levantar.

Pagou ao estraordinário médico estrangeiro as duzentas moedas pedidas, ao que este se despediu:

-Tenho muito que fazer em outras terras.

Passou-se uma semana na mais perfeita paz. O doutor Pulsação nunca tivera tanto sossego. Então, meio ressabiados, começaram a voltar os doentes. Mas só os doentes de verdade, que não se aguentavam de pé. Os outros, os aproveitadores, resolveram ficar longe do hospital onde se torrava gente para fazer remédio...

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Carnaval em Trova e Soneto)


Sambando quase pelada
no Bloco do “Vai sem Medo”,
Paulete foi mais cantada
que o refrão do samba-enredo!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Durante o pagode inteiro,
foi aquele repeteco:
ela - agitando o pandeiro;
e eu atrás... no reco-reco!
–ANTONIO C. TEIXEIRA PINTO/DF–

Já que hoje tudo é modismo,
sem se trocar, a Maria
vai da praia de nudismo
para o baile-à-fantasia!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Na fantasia de Diabo,
gastou ínfima quantia...
Só comprou tridente e rabo,
que os chifres já possuía!
–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–

O Cornélio – Que ironia! –
vai de touro ao carnaval!
O couro é da fantasia...
mas o chifre... é original!
–HELOISA ZANCONATO PINTO/MG–

Sem máscara e fantasia
cuca cheia, já doidão,
lá se vai o Zé Maria
no bloco do garrafão...
–JOSÉ MOREIRA MONTEIRO/RJ–

Foi visto pegando a “bicha”
na terça de carnaval...
- Não julgue e nem faça rixa...
Ele estava em Portugal!
–JOSÉ ROBERTO RODRIGUES/PA–

No carnaval se proteja,
Se previna e se controle,
Pois sob ação da cerveja
Pode aumentar sua prole.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Assustado, constatou,
após dias de folia,
que a bruxa de quem gostou
não usava fantasia.
–MARIA BICALHO BRANDT/MG–

No carnaval, tem mania
de se vestir de ladrão;
mas, tirando a fantasia,
não muda de profissão!...
–RODOLPHO ABBUD/RJ–

Na fantasia que usava,
de “Brasil”, no Carnaval,
volta e meia ela mostrava
o “distrito federal”!
–VANDA F. QUEIROZ/PR–

Desfilou lá na Avenida
Marquês de Sapucaí,
bebeu tanto, sem medida,
que acordou na UTI !!!
–VÂNIA SOUZA ENNES/PR–

Minha mulher é nanica,
mas na cama é colossal:
ronca mais do que cuíca
na terça de carnaval!...
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

==============

–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–
A FANTASIA

O carnaval chegava alegremente,
e o bloco, preparando alegorias,
reuniu seu enorme contingente
para ultimar os planos das folias...

O enredo tinha Adão, Eva e serpente,
e o paraíso (que era em nossos dias).
Mas um problema surge, de repente,
com uma das mais simples fantasias.

É que o traje do Adão selecionado
mudou a sua norma de feitura,
por exibir um porte avantajado.

E em vez de usar-se a folha de parreira,
para evitar atritos com a censura,
usou-se a folha de uma bananeira!

–PEDRO MELLO/SP–
CONSAGRAÇÃO.

Cansado do "jejum" que a sua idade
lhe impôs à atividade sexual,
o vovô se animou com a novidade
de que o Viagra não faria mal...

Cheio de amor pra dar e de Ansiedade,
Alfredo foi pular o Carnaval...
E na Sapucaí, uma beldade
fá-lo sentir-se forte e jovial...

Mas na hora "H"... seu coração se abate...
Alfredo é posto fora de combate,
mas sucumbe feliz nosso ancião:

É velado com grande galhardia
e, escondendo o "tamanho" da alegria,
flores a mais enfeitam seu caixão...

–MARCOS MEDEIROS/RN–
MEU CARNAVAL...

Apertando a cavaleira
num cantinho da latada
ficava de pá virada
sem o freio na ladeira.

Naquele tempo era forte
na função de conquistar
não deixando nem passar
mosquito de menor porte.

Esbanjei muita alegria
nessa minha fantasia
de tremendo garanhão,

com ela no matagal
brinquei muito carnaval
nas quebradas do sertão.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Trova 219 - Nemésio Prata (Fortaleza/CE)

J. G. De Araujo Jorge (O Carnaval de Cada Um)


No fundo mesmo, não gosto de carnaval. (Nunca me encontro no palco: sou sempre espectador). Como não gosto também de todas as grandes festas coletivas, antecipadamente estabelecidas pelo calendário. Ninguém nos pergunta se estamos felizes ou desesperados. É dia de felicidade, então, toca a pular e a cantar!

Como se fosse possível estabelecer por decreto: hoje é dia de ficar triste; amanhã, é dia de amar; depois é dia de ficar só; e no Natal, e no último dia do ano, e nos dias de carnaval, a ordem é rir, brincar, ninguém tem direito de estragar a festa dos outros.

E obedecendo a esta ordem, possuída por imprevista e repentina loucura, toda uma multidão se agita num transe incontrolável, numa explosão instintiva, sonora e colorida como uma mostra de fogos de artifício.

Vocês me desculpem esta conversa desmancha-prazer. Sei que o defeito é meu. Ninguém tem nada com minha tristeza, com o meu cansaço, com as minhas frustrações. Ó benditos os felizes, os realizados, os que conquistaram essa cômoda e sonhada felicidade horizontal!

Paro no meio do caminho, ao cair da tarde, com os olhos e o coração cheios de noite, e vejo que estou perdido. Cada vez mais insatisfeito, cada vez mais, partindo...

Há os que têm a coragem de uma felicidade dopada, artificial. Para se misturarem com a alegria alheia, e não destoarem, embebedam-se. Fogem de si mesmos, pela porta dos fundos. Covardia? Sei lá! Mas não é de meu feitio. Sempre vivi o pouco que colhi, plenamente. Foram migalhas, que importa? Mas saboreei-as, lentamente, com todos os sentidos, como um provador de vinhos. Embriaguez, só com amor verdadeiro, com a própria vida. Por isso já confessei:

Temo as grandes alegrias,
o carnaval quando explode,
pois minha alma nesses dias
quer ser feliz e não pode...”


Não sou de carnaval. Nunca fui. Mais moço, muitas vezes, confesso que me deixei levar pelo arrastão. Mas meu fígado - um velho policial - sempre barrou minhas fugas para a alegria. Naquele poemeto de “Harpa Submersa” já o denunciei:

“O fígado - esse infame policial - não me entrega o passaporte/ para as viagens que eu realizaria.../ e me obriga, como um condenado, a escutar, dia após dia,/ meus entediados passos sem saída no pátio do presídio./ Apenas, vez em quando, uma espiadela sobre os altos muros/ um rápido olhar para a vida distante/ onde homens e mulheres sonham e se confundem./ Em vão tenho tentado a fuga, ele está sempre presente/ e me derruba como um policial a cada nova tentativa.../ Ah! Não ter fígado! Ter o mundo ao alcance do sonho, em seis doses de uísque...”

Já se foi o tempo em que tentava escalar o muro de minha tristeza, e escapar por três dias e noites, mesmo com o velho “tira” violento, a desancar-me com suas borrachas, deixando-me imprestável na quarta-feira de cinzas...

O carnaval sempre me amedrontou, não como a uma criança. Muito mais por ele próprio que pelas máscaras de seus foliões, que, estas, afinal, até me distraem.

Não sei porquê. Quem sabe a resposta esteja na minha trovinha:

“Por certo a solidão
é aquela que a gente sente
sem ninguém no coração
no meio de muita gente...”


Mas, sentindo-me à margem, consigo às vezes, distrair-me com a alegria dos outros. Afinal, no carnaval, ela não faz tanto mal como em outras ocasiões. Talvez porque não nos pareça autêntica, encerre algo de teatral, de representada. Me deixo, por isso, ficar na calçada, a ver a rua humana que passa como um rio de euforias e esquecimentos.

Tenho assistido a muitos carnavais. E o que realmente me agrada no carnaval não é tanto a expressão coletiva, a apresentação dos grandes blocos, ranchos, sociedades, escolas de samba, estas, por si só, um espetáculo à parte. Mas o carnaval individual, pequeno, o carnaval no singular, de cada um. Dos foliões que não bebem, que são centelhas de pura e lúcida alegria, e que antes de divertirem os outros estão realmente se divertindo a si próprios. E é observando esses tipos de rua que quase me convenço de que o brasileiro é um povo alegre, de música alegre, em que pesem as palavras do poeta que viu a nossa música “a flor amorosa de três raças tristes”.

A grande festa não é apenas uma válvula de escape para seus impulsos recalcados, para suas tristezas irremediáveis, suas preocupações de todo dia. É também a oportunidade para que se reencontre a si mesmo, para que tire a máscara que é obrigado a usar durante trezentos e poucos dias no coração.

Nisto resumo meu carnaval: observar o carnaval dos autênticos foliões, cuja presença vale por uma festa! E que inveja dessa alegria acesa como uma chama colorida, a consumir-se numa emoção verdadeira! Que inveja desse mascarado que não precisa de se mascarar (qualquer que seja a sua fantasia) porque traz em si a alma do próprio carnaval.

Em sua homenagem, aqui fica uma lembrança (um poemeto do livro “Amo!”), justamente uma lembrança de

CARNAVAL

Ela passou na minha vida vazia
de boêmio e sentimental,
como passa num ano de tristezas
o relâmpago de alegria do carnaval...

Seus braços me envolveram como serpentinas
frágeis, de papel,
e se romperam, como as serpentinas
que se arrebentam quando o vento passa
e se soltam no céu...

Ela passou na minha vida, assim
como passa, na monotonia
de uma existência banal,
e furtiva beleza e a loucura de um dia
de carnaval...

Nossa história - o romance desse dia -
sem ódio, sem despeito, sem rancor, sem ciúme,
nem podemos lembrar,

teve o destino irreal de toda fantasia
e a existência de um jato de lança-perfume
atravessando o ar...

O nome dela, não sei;
ela não sabe o meu, - que importa ?- não faz mal...
Não fossemos nós dois apenas fantasias
não fosse a nossa história apenas carnaval!


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Poesia Africana (Poesia Sem Fronteiras I)


ANA DE SANTANA – Angola
Música Sanguínea


No cimo do tambor
continuar brincando, queria,
mas não,
Cantar o belo,
mas as mãos, os olhos, a carne?
(quanto sofre a carne inconfor-mada)
ter olhos passando tempo
pelo imediato,
eu passo
por aqui, sempre
(como não encontro o infinito)
a angústia no caso
que não há.
Como romper, rasgar
para essa lua entrar,
que luz?
Aonde o sol
e o tempo para soltar a voz,
a fórmula do amar
à força de estar, quem entende?
Oh, discreto riso,
suave tristeza,
olho molhado, olhando-se,
amor fardado (falhado?)
o que será dessa
música sanguínea?
AGNELO REGALLA – Guinéu-Bissau
O Eco do Pranto


Não me digas
Que essa é a voz de uma crian-ça
Não...
A voz da criança
É suave e mansa
É uma voz que dança...
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança
Parece mais
Um grito sem esperança
Um eco
Partindo de fundo de um beco
Não me digas
Que essa é a voz de uma criança,
Essa é doce e mansa
É uma voz que dança...
Esta parece mais
Um grito sufocado sob um manto
– O Eco do Pranto.
MIA COUTO – Moçambique
Poeta

(ao José Craveirinha)

Escreveste
e toda a tua vida
se tornou um livro.
As páginas
das nossas mãos
são o rio de tuas palavras.
Choveu,
tu não pediste protecção.
A tua boca
encheu-se de raízes
e nós fomos camponeses
lavrando entre sonhos e parágrafos.
Sangraste
mas escondeste a ferida,
recolheste a dor e cantaste.
Agora
ninguém mais
encerra os poços onde bebeste.
Eterna e a água.
Breves são os lábios
que nela humedecem.
AMÉLIA MATAVELE- Moçambique
Insinuados Astros


Deixaram – me muito mais indecisa
Quando os três decididos me vieram disputar
Insinuados astros de mim querendo desfrutar

Cada vez mais decididos
Me deixam sem fôlego mas com vontade
Vontade de me deixar levar e não me conter de verdade

Comecei pelo mar
Sua robustez assustadora
Sua imensa grandeza sedutora, será ele?
Descartei o, de certo modo é tenebroso

Pensei no sol
Este que me aquece os cabelos
Me levanta e me acorda, pode até ser ele

E a lua?
Que exibe o seu bailado mensal
Ilumina e apaixona corações, será?

Como escolher?
Tenho que fazer justiça
Como?

Será o sol? Que vem quando quer e depois de doze
horas desaparece?

Ou se é a lua? Que depois de doze horas desaparece?
CELSO MUNGUAMBE – Moçambique
Solidão


Menino solitário
Seu único amigo é a solidao
Menino solitario
Seu tormento é tristeza
Menino solitario
Seu lar é a solidão

Sua vida sao lamurias
Seus amigos são a dor e a tristeza
Seus conselheiro é a vida

Olhos tristes, de quem
Clama por companhaia
De quem quer que seja
Menos da solidão

Um olhar solitario, sombrio
Uma vida insignificante
Onde a morte parece aproximar-se

E a solidao a estender- se.
NICO TEMBE- Moçambique
Quero Amar-te


Eu sinto-o profundo e forte,
Sinto-o muito real.

Eu sinto-o sem defunto na morte,
Pois é vivo e imortal.

Esta guardado em minha mente,
Neste presente futuro,
Nunca esteve ausente,
Pois a muito procuro-o.

Quero AMAR-TE loucamente,
Na poesia dessa musica,
AMAR-TE simplesmente,
Sem abrigar-me na duvida.

Tu és meu ancestral,
Meu presente e futuro,
Deste AMORimaturo.

Tu és fenomenal,
Minha luz no escuro,
AMO-TE, meu porto seguro!
---
Fontes:
Literatas. Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona.
Maputo, 17 de Fevereiro de 2012 - Ano II - N°18
Maputo, 20 de setembro de 2011 – Ano I – No. 10
Maputo, 06 de setembro de 2011 – Ano I – No. 9

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 485)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Potiguar

Caso chegue à presidência,
sabe o que farei depois?
Abrirei com transparência
a pasta do caixa dois.
–DJALMA MOTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


O carnaval do Salgado
foi terminar na prisão.
Só de pirraça, o safado
fantasiou-se de Adão!
–CÉLIO GRUNEWALD/MG–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema: CAROÇO - M/H


Ao velho diz a velhinha,
fungando no seu pescoço:
“Comeu a fruta todinha,
agora chupa o caroço!...”
–IZO GOLDMAN/SP–

Simplesmente Poesia

M O T E : Ademar Macedo
Fiz a “pergunta” ao espelho
que para não me ofender,
disfarçou, ficou vermelho
e não quis me responder!


G L O S A : Lisieux

Fiz a “pergunta” ao espelho
"existe mulher mais bela?
Dá-me aqui o teu conselho:
posso atuar na novela?"

O espelho, eu imagino
que para não me ofender
buscou com cuidado e tino
uma forma de dizer...

E, coitadinho do espelho!
Fez rodeio, embaraçou-se,
disfarçou, ficou vermelho,
engoliu seco, engasgou-se.

Sem poder dizer-me tudo
e por mentir não saber,
ficou cego, surdo, mudo,
e não quis me responder!

Estrofe do Dia

Mulher bonita e cachaça
é coisa que mais adoro,
as vezes por mulher choro
mas depois eu acho graça,
eu chego no meio da praça
com o meu copo na mão,
no bolso nenhum tostão
pra tomar uma birita;
cachaça e mulher bonita
foi a minha perdição.
–ALCIDES GERMANO/PB–

Soneto do Dia

Ilusões de Carnaval
–FRANCISCO MACEDO/RN–


Trabalhou dia e noite, fez serão,
juntou todo o dinheiro, passou fome,
e comprou fantasia de renome
e deste carnaval se fez barão

Ser o rei da folia, a sensação,
escolhera seu novo sobrenome,
vou pegar a mulata e ela não some
antes de desfilar no meu colchão.

Conquistou a mulata mais charmosa,
parecendo uma deusa “verde-e-rosa”,
estaria completo o seu reinado.

Finalmente chega a hora da conquista
e constata, que horror! Essa passista,
era um gay, por sinal, um bem dotado.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Nilto Maciel (Coisas da Natureza)


José Maria teve um sonho horrível. E nem o contou a Maria. Ou devia contá-lo? Não havia almas gêmeas!

José não chegou a biólogo. Alias, nunca chegou à Universidade. Apesar disso, interessava-se sempre por generalidades e curiosidades científicas, especialmente as da área da biologia. Sem esquecer os traços biográficos de alguns cientistas. Assim, conhecia Mendel como poucos mendelianos ou mendelistas, austríacos ou biógrafos do botânico.

Zé-Maria, no entanto, não compreendia tudo das ciências biológicas. Talvez porque lesse excessivo número de livrinhos de divulgação pseudocientífica, do tipo Como fazer enxertos, Novos métodos de implante dentário ou Vida e morte dos parasitas.

Maria não se incomodava com as manias de seu marido. Antes, se sentia orgulhosa da inteligência dele. Se alguém falava de plantas ou animais, ela se lembrava logo dele. “Fale com Zé-Maria. Ele é doutor em buganvílias. Sabe tudo de gafanhotos”.

Se José voltava para casa agarrado a um livrinho, Maria corria aos braços dele. “E agora, sabichão?” Ele ria e mostrava a capa: Assim se produzem gêmeos.

Unidos há alguns anos, José e Maria não tinham filhos. A culpa disso, ele garantia, não vinha dele nem da biologia. Ela retrucava — nem de mim. E o agarrava, como se abraçasse um livrinho.

Confuso, José vasculhava dicionários e enciclopédias, em busca de uma ordem de conhecimentos. Dos gêmeos chegava à mitologia e desta às constelações. “Se tivéssemos filhos — sonhava — eles se chamariam Castor e Pólux”. Dengosa, Maria se amuava. Não, não gostava nada daqueles nomes. Preferia Cosme e Damião. E desfiava um rosário de nomes de santos e mártires do catolicismo.

Cansado de conversas sem termo, Zé-Maria corria atrás de seres minúsculos. Coçava a cabeça, como se aninhasse piolhos. Vinham-lhe à mente os tempos de rapaz. As diversões, as mulheres, as doenças venéreas, os chatos. Revirava os livros à cata de parasitos, anopluros, insetos. Maria conchegava-se dele novamente. “Está lendo o quê, sabichão?” Ele soltava os parasitos e corria atrás de outra curiosidade. Voltava à cadeira agarrado a monstros xifópagos.

José parecia um cidadão muito normal, trabalhador, dedicado ao lar, sem vícios. Não freqüentava bares, não procurava mulheres, não fumava. Elogiavam-no na rua onde morava, na empresa onde trabalhava. Maria, no entanto, reclamava de tanta normalidade. “Vamos ao cinema?” Zé não gostava de cinemas nem de teatros nem de circos nem de zoológicos nem de igrejas. “É ateu?” Respondia com aulas de biologia. E à noite, cansado de anopluros, gêmeos e enxertos, visitava todos os canais da televisão, à cata de notícias bizarras, documentários científicos e filmes de horror. “Maria, vem ver isso”. O locutor falava do homem que havia introduzido no próprio ânus uma cenoura.

Noutras noites José se dedicava a rever desenhos e fotografias de seres anômalos: porcos com duas cabeças, hermafroditos, vegetais enxertados.

E ia para a cama, satisfeito. Maria, contudo, ainda o esperava. “E o porco?” Ele tentava dormir. “Coisas da natureza, mulher”. Ele ria: “Vem cá, meu porquinho de duas cabeças”.

Grunhiam por alguns instantes e depois caíam em sossego. No outro dia ela contava sonhos sem fim. Falava de borboletas azuis, anjinhos e outros seres alados. Ele resmungava, ia trabalhar e voltava coberto de parasitas.

“Você nunca me conta os seus sonhos”, queixava-se Maria. E acolhia-se ao peito de Zé-Maria. “Não tenho sonhos, ou não me lembro deles”. Lembrava-se de monstros xifópagos e queria buscar livros na estante. Com a ponta do dedinho, ela descobria o umbigo dele. E ria. “Sossega, Maria José”. Ela sossegava, mas voltava aos sonhos. “Eu também sonho com borboletas e anjos”.

José sonhava outros sonhos. Aqui devorado por ele mesmo. Ali multiplicado por mil. Ontem unido a Maria. Quatro pernas, quatro braços, duas cabeças. Um monstro. Coisas da natureza.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.