segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 556)


Ademar e Clevane Pessoa (MG)
Uma Trova de Ademar 

Demonstra muita coragem 
esse sertanejo irmão, 
que, mesmo com a estiagem, 
não deixa nunca o sertão! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

A vida, pregando peça, 
mostra quem é mesmo amigo, 
quando a lida recomeça, 
e ninguém segue contigo. 
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Orgulho é doença triste 
que nos condena a estar sós, 
sem nos deixar ver que existe 
um ser maior do que nós. 
–WELLINGTON FREITAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012 - Bandeirantes/PR 
Tema:  TRAVESSIA - Venc. 

Enfrento sem medo a lida, 
porque Deus é minha luz. 
Na travessia da vida 
o Seu Amor me conduz. 
–AGOSTINHO RODRIGUES/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

O meu vício é controverso,
tem dependência e vicia.
Sou dependente do verso,
rima, métrica e poesia!
–FRANCISCO MACEDO/RN– 

Uma Poesia  

Sou um fã de Antônio Conselheiro,
O primeiro comunista do Brasil,
Admiro Marinês, Gonzaga, Gil
E o suingue de Jackson do Pandeiro.
Sei da vida de Pinto do Monteiro,
O maior cantador desta Nação,
Mestre Zinho, Jacinto e Azulão
São os nomes da música de raiz.
Eu nasci no Nordeste e sou feliz
Por contar as histórias do sertão.
–WELLINGTON VICENTE/PE– 

Soneto do Dia  

Dupla Estiagem 
–DEDÉ MONTEIRO/PB– 

Quando Deus manda, lá por seus motivos,
dois anos secos para os sertanejos,
se os mesmos anos são consecutivos,
tombam por terra todos os desejos.

Pelas estradas, tristes, pensativos,
vão-se arrastando, como caranguejos,
milhares desses pobres semivivos,
deixando a vida sobre seus rastejos.

A nossa terra, que com chuva é rica,
faltando a mesma, desprezada fica,
tombando a seca sobre os ombros nus.

O sol resseca todas as alfombras
e os bichos brutos vão procurar sombras
nas sombras magras dos mandacarus.

Esopo (Fábula 17: A Raposa e o Crocodilo)

Uma raposa e um crocodilo estavam a discutir a pureza das suas árvores genealógicas. O crocodilo falou demoradamente acerca da sua famosa família e da grandeza dos seus antepassados.

"Não precisas de dizer mais nada", disse-lhe a raposa, sorrindo sarcasticamente, "porque não há melhor prova da tua origem que a tua pele. És tão feio, que não há dúvida de que descendes duma longa linhagem de aristocratas."

Moral da história

Os grandes gabolas e mentirosos acabam quase sempre por se trair.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 2

CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

5
Darcilia Marindir Pinto Simões
Maria Suzett Biembengut Santade
DISCUTINDO O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO L1, L2, L2E

Este simpósio visa a congregar docentes-pesquisadores interessados na temática \"ENSINO DE PORTUGUÊS [LP] COMO L1, L2, L2E\", para levantar discussões que possam contribuir com a melhoria da prática de ensino de Língua Portuguesa nesse amplo espectro. Tema que vem ensejando muitos debates, estudos e pesquisas, pareceu-nos oportuno reunir, sob os auspícios do CIELLI, profissionais com experiência nessa modalidade didático-pedagógicas da Língua Portuguesa, de modo a promover o cruzamento de saberes, crenças, hipóteses teóricas etc., que propulsionem o avanço da produção técnico-científica e, por conseguinte, contribuir para o aperfeiçoamento das estratégias de trabalho.

Na ótica de Charles S. Peirce, estudioso norte-americano, as concepções são “idéias que se alojam na mente das pessoas como hábitos, costumes, tradições, maneiras folclóricas e populares de pensar”. Portanto, entendemos que muito do que circula sobre o ensino da língua portuguesa (L1, L2, L2E) se deve a juízos acientíficos produzidos e alimentados pela mídia e que merecem nosso olhar crítico, para que reajustemos a imagem dos docentes e dos cursos que operam nessa área. O ensino da língua com meta comunicativa trouxe à cena a incongruência histórica do ensino pautado na nomenclatura.

Posto o foco no problema, chegou às classes os ensinamentos da Linguística Textual e da Análise da Conversação. Uma e outra contribuíram para uma revisão do que se ensinava e do que cobrava do aluno. Verificou-se ainda, com a luz da Sociolonguística, a questão da variedade que, independentemente de qual língua ou qual modalidade de língua seja, a variação é um fato relevante. Então os olhos se voltaram para novos enfrentamentos. Todavia, os equívocos não deixam de existir e, apesar dessas importantes malhas teóricas surgidas, continua o sofrimento docente por não conseguir atingir seus objetivos.

Diante do processo de globalização, as nações passaram a se avaliarem em relação às outras e partiram para a elaboração de processos avaliativos mundiais. E os resultados desses expedientes é motivo de mais angústia por parte dos docentes. Estamos numa fase propícia, pois o Brasil parece bem situado em meio à crise econômica internacional. Em decorrência, os olhos estrangeiros cada vez mais se voltam para o Brasil, que vem sendo visto como nova shangrilá, por isso, o controle de qualidade se impõe com mais força, e nós, docentes-pesquisadores da área, somos cobrados, pedem-nos teorias, métodos, enfim, caminhos para a consecução dos grandes objetivos do ensino de línguas para a comunicação.

A Linguística Aplicada, a Semiótica, A Semântica, a Pragmática etc. disponibilizam caminhos seguros para a realização de um processo de ensino produtivo. No entanto, a moldura de temeridade e de displicência, construída a partir de uma prática social voltada para a valorização das línguas estrangeiras, acaba por afetar o ambiente das classes de LP e resultar em desentendimento sistemático entre teorias e métodos de modo a permitir resultados dolorosos no ranking nacional e internacional de avaliação das competências discentes para a leitura e produção textual. Assim sendo, espera-se desse Simpósio a elaboração de um material que possa, no mínimo, provocar a reflexão docente no âmbito do ensino de LP como L1, L2, L2E. Palavras-chave: LÍNGUA PORTUGUESA; ENSINO; TEORIAS, MÉTODOS E COMPETÊNCIAS

6
Jeane Mari Sant´Ana Spera
Marco Antônio Domingues Sant´Anna
ELEMENTOS DE LINGUÍSTICA PARA O TEXTO LITERÁRIO

Dominique Maingueneau, em Elementos de lingüística para o texto literário, título tomado de empréstimo para identificar este simpósio, aponta o risco de se aprofundar o “fosso” entre os estudos lingüísticos e a análise literária, caso linguistas e literatos insistam em manterem-se recolhidos em seus próprios domínios. Manifesta mesmo o desejo de contribuir para o restabelecimento da comunicação entre ensinos lingüístico e literário, como evidentemente o faz, com suas publicações.

Este é, também, o objetivo deste simpósio: possibilitar o encontro de pesquisadores que busquem explorar, na análise literária, o papel efetivo dos estudos lingüísticos da mais variada natureza. Nesse particular, destacam-se os estudos relativos às instâncias da enunciação, tais como as formas de manifestação do sujeito e suas consequências textuais, os discursos citados, as questões relativas a tempo e espaço etc... Fala-se, nesse caso, em discurso literário. Percebe-se que essa preocupação com as relações entre literatura e lingüística como objeto de estudo tem ocupado muitos outros lingüísticas.

Além do já citado Maingueneau. Já há algum tempo, Sírio Possenti (1988), em Discurso, estilo e subjetividade, discute, no capítulo intitulado Notas sobre estilo literário, a questão que envolve as relações entre Lingüística e Literatura, ou, mais especificamente, entre lingüistas e críticos literários. O autor constata a necessidade de haver um maior intercâmbio entre esses estudiosos, visto que ambos trabalham com a linguagem. No campo da literatura, a publicação recente de Beth Brait (2010), intitulada Literatura e outras linguagens, reúne lingüísticas e literatos, do nível de Carlos Alberto Faraco, Luiz Carlos Travaglia, Francisco da Silva Borba, Carlos Vogt, Cristóvão Tezza, Ignácio de Loyola Brandão, Ingedore Koch, Possenti, Maingueneau, entre outros, para discutir suas relações com língua e literatura.

A partir de uma pergunta formulada na apresentação do livro, “Como se arranjam língua e literatura nas estantes da vida?”, Brait seleciona textos, “cuja leitura, análise, discussão é complementada por depoimentos inéditos de prosadores, poetas, lingüistas, analistas do discurso, teóricos da literatura” que trabalham com linguagem, criação e ensino. Os textos revelam as relações entre língua e literatura, em cuja convergência se pode “observar a linguagem – verbal, visual, verbo-visual –, bem como os sujeitos com ela envolvidos e por ela constituídos”. A autora justifica a obra pela convicção manifesta de que língua e literatura formam “uma parceria inquestionável”, crença, acredita-se, também professada pela maioria dos pesquisadores que se dedicam ao estudo do discurso literário.

Enfim, acredita-se que esse simpósio possa, assim como as obras citadas, provocar discussões que permitam vislumbrar o movimento contínuo das relações mútuas entre literatura e linguagem, traduzidas nas reflexões sobre a função dos fatos linguísticos na conformação do texto literário, bem como sobre o papel fundamental da literatura na construção da identidade de uma língua. A confluência de tais esforços só poderá fortalecer o diálogo entre os dois campos de estudo, o que, com certeza, deverá ampliar as possibilidades de pesquisa tanto no campo dos estudos lingüísticos como no dos estudos literários.

7
Adriane Teresinha Sartori
Sílvio Ribeiro da Silva
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA CONTEMPORANEIDADE

Este simpósio visa reunir pesquisadores, cujos trabalhos estejam em andamento ou já tenham sido concluídos, que se debruçam sobre a questão do ensino de língua portuguesa como língua materna em todos os níveis escolares. Trata-se de temática que merece nossa análise por diversos motivos. Um deles está na problemática enfatizada pela constante divulgação de resultados insatisfatórios de nossos alunos em avaliações (inter)nacionais de leitura e escrita. Abre-se, então, um primeiro grupo de trabalhos: por um lado, aqueles que investigam os testes propostos e, por outro, aqueles que pesquisam os processos de leitura e escrita.

A questão da leitura merece nossa atenção, porque há muito a se dizer sobre como ensinar a ler/compreender/interpretar um texto, identificando informações explícitas e construindo informações implícitas. Vale destacar que a leitura deixou de ser vista como um mero processo de decodificação de símbolos, por envolver, na verdade, a mobilização de vários elementos, formando uma complexa rede de inferenciação.

A escrita, por sua vez, pode ser tratada por diversos ângulos: a redação de gêneros escolares, as situações de produção bastante detalhadas e específicas, os “erros” dos estudantes, a reescrita/refacção do texto, entre outros, todos fundamentais para se pensar em como desenvolver a competência discursiva escrita do sujeito. Os outros eixos de ensino, a gramática/análise linguística e o oral, também ganham espaço neste simpósio. A questão da análise linguística, ressignificando o ensino de gramática, efetiva-se hoje em práticas variadas, ora contemplando aspectos da nomenclatura gramatical, ora buscando a análise das marcas linguísticas de tipologias textuais e de gêneros variados. E no meio desses dois polos, há um verdadeiro mix de atividades, revelando aproximações e distanciamentos entre concepções acadêmicas e escolares.

O ensino do oral, longe de ser uma simples discussão de um assunto em sala, ou apenas a exposição de ideias acerca de um texto lido, exige que voltemos nosso olhar para os gêneros formais públicos e a (necessária) ficcionalização das propostas de produção oferecidas aos alunos (Schneuwly, 2004). Há que se considerar, também, que os estudos sobre gêneros discursivos abrem possibilidades de investigação muito importantes, considerando desde a descrição daqueles que devem ser ensinados, até experiências que têm sido realizadas para abordá-los, sem esquecer o processo de didatização dos que são deslocados de sua esfera de origem para a escola. Pode-se discutir, nessa perspectiva, a questão dos gêneros que devem ser lidos e dos gêneros que devem ser produzidos pelos discentes (Lopes-Rossi, 2005). Merecem nossa atenção, ainda, os livros didáticos de Língua Portuguesa, bem como os apostilados usados pelas redes privadas de ensino e, em menor número, por escolas públicas. Há de se considerar seus usos, suas propostas e concepções. Inegavelmente, são materiais muito utilizados pelo professor no dia a dia com seus alunos ou, no mínimo, como subsídio para a elaboração de suas aulas.

Enfim, esse simpósio pretende reunir pesquisadores interessados em desvelar as práticas que se efetivam ou poderiam se efetivar nas salas de aula de língua portuguesa dos diversos níveis de ensino, visando contribuir para a construção de alternativas para o processo ensino-aprendizagem, objetivando a inclusão e participação dos alunos em novas e variadas práticas de letramento.

8
Magdiel Medeiros Aragão Neto
Morgana Fabiola Cambrussi
ESTUDOS DO LÉXICO E DA GRAMÁTICA

A discretude entre componentes gramaticais e a negação do léxico como um dos componentes estruturados das línguas naturais, pelo que parece, é uma opção metodológica que afasta a análise linguística de uma compreensão dos fenômenos da linguagem mais adequada e inviabiliza a unificação dos estudos desenvolvidos mais acentuadamente a partir da segunda metade do século XX – o que acarreta, além da falta de diálogo entre as ramificações da Linguística, a fragilidade de suas pesquisas.

Isso pode ser adequadamente atestado todas as vezes em que se esbarra, em meio a profusões terminológicas, na dificuldade de se distinguir entre “[...] o fenômeno observável, por um lado, e a variedade de constructos teóricos, por outro.” (LYONS, 1979, p.26. Tradução livre.). Nesse jogo de poder, não é incomum esbarrar em trabalhos cuja discussão tenta moldar fatos da língua para assentá-los no escopo de uma teoria qualquer. Na contracorrente dessa suposta discretude, este Simpósio, “Estudos do Léxico e da Gramática”, propõe um espaço de discussão ampla dos fenômenos da gramática e do léxico, sustentando-se sobre a premissa de que há, entre os componentes gramaticais e lexicais, assim como entre o léxico e a gramática, uma interdependência saliente, rejeitada por uma tradição de correntes linguísticas, mas que já começa a ser posta em nova chave.

Essa interdependência deixa-se perceber quando o olhar não está viciosamente conduzido pela ideia de autonomia e de centralidade de um dos componentes da gramática e do léxico sobre outros que, assim, tornam-se periféricos ou pela ideia de que o léxico das línguas reduz-se a uma listagem desordenada de informações linguísticas sem relevância para a organização e o funcionamento das línguas. Pelo contrário, para explicar certas configurações sintáticas, por exemplo, muitas vezes é necessária a compreensão de quais aspectos lexicais interagem e como se articula tal interação, que comumente envolve diversas propriedades gramaticais. Em outras palavras, a proposta deste Simpósio é propiciar uma discussão teórica e analítica sobre questões pertinentes e atuais levantadas por pesquisas desenvolvidas no campo da investigação linguística, concernentes aos fenômenos observados na estrutura e no funcionamento das línguas naturais, seja no plano do léxico seja no plano da gramática, preferencialmente a partir da integração entre esses planos e/ou da integração entre os componentes gramaticais e lexicais (morfológico, fonológico, sintático, semântico).

Objetiva-se, portanto, articular pesquisadores interessados nas interfaces, nos limites e nas possibilidades que se colocam para a descrição, para a análise e para a explicação linguística dos fenômenos observáveis no léxico e na gramática das línguas naturais. Dessa forma, este Simpósio se constitui em um espaço acadêmico e científico aberto e instigador de debate acerca de fatos linguísticos, que podem ser investigados sob diferentes perspectivas quanto às orientações teóricas e às abordagens empregadas.

Fonte:

domingo, 20 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas) – parte 10


37

Na Terra, as duras contendas
ainda são preocupantes.
Pelas mais cruentas sendas
anda o perdão, vigilante.

38

Quando enfim chegar a hora
de um louvável conviver,
o perdão irá embora,
não terá razão de ser.

39

Luquinha do Rancho Quieto
foi bem tirano com os seus.
Tira o chapéu... Diz ao neto:
- Aguardo o perdão de Deus!...

40

O perdão tem qualidades
unidas numa façanha:
é peso e serenidade
de uma elevada montanha.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Lygia Fagundes Telles (Antes do Baile Verde)


Em Antes do baile verde, conto de Lygia Fagundes Telles, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores desculpas para si mesma.

A protagonista se divide entre o dever e a culpa para com ao pai moribundo e o desejo de se divertir livremente, até sua fuga desabalada rumo ao sonhado baile de carnaval.

Personagens:

Talisa - a patroa.

Lu - a empregada.

Raimundo - namorado de Talisa.

O pai da protagonista.

Tempo / Espaço

O tempo é cronológico, a ação se passa durante um dia de carnaval. O espaço é um apartamento.

Foco narrativo

Em terceira pessoa, narrador observador.

Traços estilísticos e temáticos

Lygia Fagundes Telles faz uma radiografia moral do egoísmo e da mesquinharia humana. De um lado, o pai enfermo, do outro, a filha que só pensa em si. Na incapacidade de assumir suas falhas, ela transfere a culpa a outros fatores. Percebe-se uma nítida preocupação em tentar se justificar de tudo não só para a empregada como também para si.

À proporção que a conversa entre as duas vai se desenvolvendo, dois sentimentos tomam conta de Tatisa: a angústia com o sentimento de culpa (relacionada ao pai) e o medo (voltado para a reação do namorado caso ela se atrasasse). Nota-se que a personagem prioriza o namorado ao pai.

De estilo simples e direto, com poucas descrições, no texto predominantemente o discurso direto, com predomínio do diálogo dos personagens diante do narrador (dos 128 parágrafos que compõem o conto, 92 são falas de personagens). O papel do narrador limita-se a guiar o andamento da cena. Não entrando em detalhes acerca dos fatos ocorridos. É um flash da vida humana retirado em um de seus momentos mais angustiantes. Esta angústia é passada ao leitor ao final do conto, quando este é deixado em aberto. Isto busca uma maior interatividade com o leitor, fazendo com que ele crie várias possibilidades de finais para a estória.

Enredo

Tudo acontece no apartamento de Tatisa, que juntamente com sua empregada, Lu, preparam-se para um Baile Verde de carnaval. Ambas estão apressadas, em especial Tatisa, preocupada em chegar atrasada ao encontro de seu namorado, Raimundo. Lu vai ajudando Tatisa a terminar sua fantasia.

É nessa situação que a empregada chama a atenção da jovem para a saúde de seu pai. Disse que esteve lá (no mesmo prédio); que o pai de Tatisa estava morrendo e que seria bom que ela fosse vê-lo. No decorrer da conversa, a garota deixa transparecer seu egoísmo em total indiferença ao pai. Transfere não só a culpa disso, mas também a responsabilidade para outrem (o médico e a própria empregada).

Depois, tenta convencer a empregada de ficar com o pai naquela noite. Esta reluta a idéia alegando que não perderá o desfile de carnaval por nada. Tatisa tenta se convencer de que está tudo bem, até escutarem um gemido agonizante próximo de quando saíam do apartamento. Dirigem-se para o apartamento de seu pai , primeiro a empregada, depois ela.

Fonte:
Passeiweb

Luiz Carlos Leme Franco (O Ponto)


O ponto, bolinha no fim da linha, dia destes rebelou-se por não ter com quem conversar á sua direita. Resolveu pular, sacolejar, procurar outra posição. Tanto fez que caiu linhas abaixo entre dois As e foi enxotado, pressionado a sair dali, porque deixaria os dois As sem função e ninguém conseguia lê-los.

O ponto triste com tal recepção, mas não querendo de novo se mover por sentir-se bem entre duas letras rechonchudinhas, agradáveis de se falar, bateu o pé para ficar aí. Foi agredido, espremido e esticado, de cada lado, por um dos As, até que virou travessão. Pior p’ra ele que ficou maior e mais difícil de se mexer e para as letrinhas mais longe uma da outra.

O ponto, agora retinha, levantou-se assustado por ver suas ex- vizinhas tão longe, que caiu e quebrou o pé ficando com um dedinho pendurado: virou um ponto de exclamação, esquisito entre as duas vogais - A!A - situação que não agradou nem este ponto rebelde e nem as letras, que começaram puxando-o de um lado, empurrando de outro até que esta reta com um ponto em baixo envergou-se e originou um ? , ponto de interrogação, propiciando já uma leitura rudimentar, ao se ler cada A de uma vez .

-A? se pergunta.

-A.

- A o quê?

-A oras.

– Mas o que é A?

– A de Agora, Amora, Afora, Alguém, Amor,

– Ah, é Amor. Então deixa. E ficou o ex ponto assim até que lhe entortaram mais e jogaram seu pontinho de baixo fora.

Agora um S entre As lhe proporcionou a ser ASA e voou para longe, até ser estilingado no lugarejo de nome CASAco quando perdeu um A de sua ASA e não mais ficou livre como sempre esteve. Virou cASco.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 555)


Uma Trova de Ademar

Hoje aqui deixo um recado
a quem desejou-me o bem,
a todos digo Obrigado;
sem esquecer de ninguém!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Minhas lágrimas cadentes,
que rolam por minha face,
revela mágoas silentes
de um amor em desenlace.
–ESTER FIGUEIREDO/RJ–

Uma Trova Potiguar


O Potengi! meus quebrantos
são bem mais que tuas águas;
tuas águas são meus prantos,
e meus prantos tuas mágoas!...
–RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - UBT-Minas Gerais/MG
Tema: NOITE - 2º Lugar


Minhas mãos, barcos sem velas,
em carinhosos desvelos,
navegam, quais caravelas,
na noite dos teus cabelos !...
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Uma Poesia


Não encontro outra dama como aquela
nem caçando igualmente um detetive,
entre todas mulheres que já tive
ela foi a mais simples e a mais bela,
ontem a noite dormi, sonhei com ela,
vi no sonho seu corpo em meu colchão,
mas como sonho é somente uma ilusão
quando fui lhe abraçando eu acordei,
se eu pudesse encontrar quem mais amei
livraria da dor, meu coração.
–ENEVALDO HIPÓLITO/PI–

Soneto do Dia

Contradição
–MARIA NASCIMENTO/RJ–


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Lola Prata (A Dormição de um Poeta)


Não estava muito velho. Ocupava-se o dia inteiro com a produção literária, o que o conservava entusiasmado, lúcido e atuante.

Naquela tarde, como em todas as outras, teria muitos papéis para preencher com poemas e com o que mais lhe satisfazia: autos de origem medieval renovados em estilo atual, adaptados em rimas sonoras. Tudo bem aceito pelo mercado livreiro. Letras puras, sem mesclas de maldade ou cinismo. Seu dom granjeava-lhe leitores assíduos. Frases limpas, ditadas pelo amor universal que cultivava com cuidado e que brotavam do reduto de seus sentimentos. O cérebro apenas equacionava e compunha em versos, quase sempre metrificados, o pensamento consagrado.

Assim cumpriu Dom Marcos Barbosa, o tempo a ele designado. Cumpriu-o bem até ser chamado à morada eterna para, então, ingressar na eternidade.
*
O povo contrito e vários bispos confrades do falecido, compareceram ao velório e encomendaram a Deus o corpo inerte.

Daí, alguém pediu que todos se acomodassem, pois que haveria mais uma oração. Esse alguém colocou uma fita cassete para rodar.
*
A voz de Dom Marcos irrompeu em timbre claro, perfeitamente audível. Ele fazia a própria entrega da alma à Misericórdia de Deus, a quem dedicara a vida. Foi um adeus-agradecimento aos amigos que tinham-no acompanhado na caminhada. Muitos seguraram as lágrimas quando o ouviram encerrar dessa maneira:

- Adeus...! Alegrem-se...! Estou indo para uma festa!

Fonte:
Texto enviado pela autora

Heloísa Crespo (Poesia In Memoriam de Sérgio Roberto Diniz Nogueira: Saudade Antecipada)


A Sérgio Roberto Diniz Nogueira

O sol não apareceu.
A cidade ficou triste,
chorou nos pingos da chuva
que insistia em cair,
enquanto a notícia crua
corria ruas e bairros,
anunciando a partida
repentina e inesperada
do poeta e professor
Sérgio Nogueira Diniz.

A dor do último adeus,
estampada em cada rosto,
revelava o amor sentido,
a saudade antecipada,
o orgulho de ter vivido
tão perto de um amigo,
de um homem ético e digno,
de um exímio educador.

Na Terra a perda sentida.
No céu a festa esperada.
A entrada triunfante,
carregado pelos anjos.

Novas trilhas definidas,
novas metas planejadas
numa lida abençoada
para o novo caminhante.
14/05/2012

HOJE TAMBÉM É UM DIA DE TRISTEZA: daqui a pouco, as 12horas, no Campo da Paz, estaremos sepultando o corpo do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ, que desde ontem é SAUDADE. Na verdade, não estaremos enterrando um corpo: estaremos, sim, plantando uma frondosa árvore no solo da planície goitacá, adubada por esta chuvinha plantadeira outonal. Por sua dignidade, honradez, inteligência para o Bem e amor cristão com que viveu entre nós, com certeza já está desfrutando em espírito da Paz Celestial.

SÉRGIO foi um exemplo de cidadania vivida pelo exemplo: a Ética Cívica, cidadã, solidária, opondo-se o tempo todo à ética cínica, individualista, predatória. Tanto na vida pública como na vida particular, com os amigos e com a família. Um grande Campista!

Lembro-me bem: numa das inesquecíveis SEMANAS UNIVERSITÁRIAS que promovíamos em fins dos anos 60 e ao longo dos 70,quando o tema era EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR EM CAMPOS (éramos Direito, Filosofia, Serviço Social e Medicina),num pronunciamento apaixonado ele jurou solenemente que faria tudo, lutaria com todas as suas forças para trazer os Cursos de Economia, Administração e Ciências Contábeis da CANDIDO MENDES PARA CAMPOS! E cumpriu o juramento: com entusiasmo anunciou a instalação da CANDIDO MENDES em nossa terra em 1976, que desde então cumpre relevante papel na infra-estrutura do desenvolvimento regional. Honrou-me com o convite para ser professor-fundador dessa grande instituição universitária, que prontamente aceitei e disso tenho orgulho! A CANDIDO MENDES DE CAMPOS mantém-se pela ação, vontade de servir e trabalho árduo de muitos! Mas ninguém apagará esta verdade: foi o PROFESSOR SÉRGIO DINIZ o grande responsável por este feito.

Assim, na Política com P maiúsculo, no Magistério e na vida comunitária, na defesa intransigente da Democracia, na construção histórica e heróica do Ensino Superior de qualidade em Campos,no exemplo de dignidade e grandeza moral, que para sempre seja lembrado e gravado no bronze da História o nome do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ! Adeus, Amigo. Em meu nome e da Família Coelho dos Santos!

Elmar Martins (Meia Dúzia de Sete)
noturno do hotel palace
para Sergio Diniz


escrevo e você já não lê

pronuncio em voz alta
um verso que diria a você:

“o tempo é um pássaro
de natureza vaga”

antecipação fatal: o verso
existe antes de mim

outra maior: qualquer fim

19/05/2012

Fonte:
Texto enviado pela autora

Esopo (Fábula 16: As Rãs Que Queriam Ter Um Rei)


Em tempos que já lá vão, quando as rãs viviam à solta nos lagos, elas cansaram-se de não terem governo e pediram a Júpiter que lhes desse um rei que pudesse dizer-lhes o que estava certo e o que estava errado, fazer leis e decretar recompensas e castigos.

Desdenhando a loucura delas, Júpiter atirou-lhes um pau, dizendo com a voz trovejante:

"Eis o vosso rei!"

O pau causou um tal reboliço ao cair na água que as rãs entraram em pânico e dirigiram-se para o lodo, a fim de se esconderem. Passado um momento, uma rã, mais destemida do que as outras, levantou a cabeça, à procura do novo rei.

Até subiu para cima do pau... e as outras seguiram-na. Em breve tinham perdido o medo e isto levou-as a desprezar o seu novo "rei".

"Este rei", disseram elas a Júpiter, "é muito frouxo. Por favor, manda-nos um que tenha autoridade."

Então, Júpiter mandou-lhe uma cegonha e, durante muito tempo, as rãs, vendo o seu longo pescoço, ficaram sem saber se seria uma serpente ou uma cegonha. Então, a cegonha começou a comer as rãs, que fugiram e foram queixar-se a Júpiter, pedindo-lhe que a levasse e lhes desse outro rei.

"Se não estão contentes quando as coisas correm bem", disse Júpiter, "têm de ter paciência quando as coisas correm mal."

Moral da história

Satisfaz-te com a tua situação atual, mesmo que seja má, porque uma mudança pode piorar as coisas ainda mais.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

sábado, 19 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Tocantins

Wagner Marques Lopes / MG (O PERDÃO em trovas), parte 9


33

Vizinho contra vizinho -
trocando o “sim” pelo “mas”.
Chega o perdão... De mansinho
propondo o acordo de paz.

34

Encontrei ave canora
a saltitar de alegria!...
Era o perdão que, lá fora,
a todos dava um bom dia!

35

Eu descobri o endereço
da convivência perfeita:
Rua do Perdão sem Preço,
Quadra da Paz Bem Aceita.

36

Estendo bandeiras brancas:
seja a paz a minha lei.
Reato amizades francas
que um dia contrariei.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Danilo Souza Pelloso (Seis "ladrão")


Aquela cadeira continuava a balançar na profunda insensatez. A certeza da ausência de vovó estava no meu pensamento.

No repentino lembrar do não saber o que, aquele calmo semblante fazia meus problemas parecerem mera tolice do cotidiano.

Vovô era mais carrancudo. Jogador patológico do carteado. Truco seis rato. Assim ele se divertia.

Vovó gostava de ouvir suas peripécias, principalmente quando ele pensando ganhar esperava um truco para gritar: “Seis ladrão”.

O tempo passava, assim como minhas preocupações. Vovó, de sorriso faceiro, mostrava o quanto me preocupava à toa.

– Apenas deveres de casa. – Dizia ela, em gargalhadas, a caminhar passos lentos no continuar da confecção dos biscoitinhos.

Seu comportamento fazia-me pensar que os monstros criado por mim não eram tão horripilante assim. Ela gostava do chacoalhar da cadeira, sorrindo, no ranger da madeira já envelhecida, no longo percurso de não sair para onde. Vai e vem incontido. Para companhia fazia-se o sobe e desce daquelas agulhas. Um ponto aqui, outro acolá. Assim surgiam figuras, no bordado torpe, que fazia-me pensar tratar-se da grande anônima artista.

– Seis ladrão. - Eram essas as palavras de vovô naquele intrépido jogar de cartas em destilada bebida.

Aquela velha senhora, sem pressa para uma boa prosa, gostava de provocá-lo. E como seus olhinhos brilhavam ao som do deboche.

Agora com escuro olhar, vovó continuava postada em negro vestido, rosto a maquiar em tristeza, na abrupta partida. Um caixão de fino compensado, sem brilho, esfarelando ao som da despedida. Caixa de madeira ordinária. Vovó encarcerada. As alças eram de plástico grosso, como taças em popular comemoração do espumante a não possuir o tilintar. Assim concedeu seu derradeiro.

Algo acontecera com vovó, mas o que seria? Perícia em morte acidental. Aos olhos dos oficiais, vovó com turva visão concedeu o desprazer da escorregadela na grande escadaria, açoitando a cabeça em um só golpe. Aquele brum ecoava entre paredes e versos, tentando lembrar do acontecido. Um incidente?

– Pernas a bambear a apagada carne. – Comenta a perícia.

Recordações de vovô a grande mulher. Mãos inquietas a manusear o baralho. Uma tortuosa compulsão.

Vovó continuava naquele cômico caixão de compensado. As lembranças atordoam minha mente, apoderando-se do meu pensar. Recordo-me de vovó, com sorriso afável, no enrolar da macia massa, que viraria os famosos biscoitinhos de nata. Grande idade com destreza a criação. Já vovô não esquecia o baralho: “Truco? Seis ladrões”.

Quando era açoitado no ensinar, surgia num choramingar desmedido. Vovó, no escutar, pronta para explicações. Respondia minhas indagações, ensinando-me em jabs e cruzados de direita, a me defender daqueles peraltas bambinos. Ensinava-me a arte de fazer-me entender. Bem ou mal eles iriam compreender a linguagem do gancho no queixo.

Hoje compreendo. Vovó? Uma preciosa gema. Já vovô, compulsivo no jogar. Seis ladrão. Aos gritos essas eram suas palavras. Um despautério. Vovó se divertia com a boba preocupação de vovô. De fácil zangar. Desde o sutil cair das águas, em nuvens a cometer peripécias, até a incompreensível nhem, nhem, nhem, daquele velho veículo. Tudo motivo para desabrochar seu nervosismo.

Assim vinha o jogo. Seis ladrão. Vovô nasceu, entre socos e pontapés, com enfermeiros e doutores. Intempestivo. Não aceitava ser contrariado, mas continuava a contrariar. Aquele branco fio, de andar inconstante, trazia a vovó sorrisos. Diversão da grande idade a mexer com ele. Sempre que vovô estava distraído em seus pensamentos, vovó, de mansinho, dizia para o velho escutar.

– Truco.

Ele respondia de imediato:

- Seis ladrão,- batendo na mesa.

Era uma algazarra. Não compreendia o porquê. Era seis ladrão e pronto. Lembro-me daquela vez, em que vovô entretido com as cartas na varanda, concentrado na grande partida. Eram cartas em cima de cartas quando de repente um participante gritou a fatídica palavra. Vovô era a resposta no grito que ecoou a vizinhança.

– Seis ladrão.

Neste momento a polícia interveio na tranquilidade do nosso lar. Armas em punho. Caça ao ladrão. Nervoso, vovô balbuciava, na tentativa de explicar coisa alguma. Inexistia explicação. O que falaria? Apenas um jogo de cartas? Assim vovô calado, auxiliava os policiais, na tentativa de encontrar os possíveis ladrões.

Passaram as lembranças. Ficaram os fatos. Vovó? Naquele caixão de madeira compensado. Vovô, em pé, ao lado de vovó, passando a mão no branco rosto pálido, despedindo-se, no incontido choro, do triste pensar na perda. De repente, vovó com os lábios entreabertos, num simples empurrar dos ventos, em palavras e versos, sussurra apenas para vovô.

– Truco. Seu velho safado!

Na forma incontida do emocional descontrole, vovô sem saber o que estava fazendo, bate a mão no compensado caixão, em turbulentas palavras.

– Seis ladrão.

E assim vovó sorriu e partiu, tendo a certeza do incompreensível compreender de toda a situação.

Fonte:
Painel 2012 de Novos Autores Brasileiros - Contos - Maio de 2012. Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

Brasilidades (Versos do Povo da Gente) 1


ANGÉLICA MATOS FERREIRA (Guapimirim / RJ)
Dias sem mais


Dias roubados,
sonhos estagnados.
A tristeza persiste solitária.
A alma acorrentada
em uma felicidade imaginaria.
Vida passada, desgastada.
Dias iguais...
... dias sem mais.

ANTONIO FERNANDO SODRÉ JÚNIOR (São Luís / MA)
Cordel de estrelas


Os poetas nordestinos
Versam para além de algum prestígio
Cantar do grande Sertão a vida
E nas rimas que fazem, encontram mais belezas
De um rincão de natureza aguerrida
Quase invencível em suas dores e pelejas.

No poema, na fala do repentista
Há raridades que o sofrimento ofusca
A ignorância e o preconceito ocultam...
O Sertão é todo o mundo e um mundo só
Chão lavrado de graças, cinzelado de riquezas...

O homem forte curva-se à terra:
É sequidade latente, almas vivas de aridez
É banho de lua, canto de revoada
Contas de conchas, nuvens, lençóis d’areia
Engenho, resistência e luta...

É na franqueza da gente simples,
Na união dos seus que a terra é reerguida
Do solo estéril, persiste dele a querença
Todas armas contra as lágrimas e a injustiça
O Sertão é cidadela que guarda mistérios
É triunfo que desponta no céu escuro
Feito cordel de estrelas.

BIA WEISER (Viena / Áustria)
Gente que se basta


Tem gente tão completa
que se basta no presente
não projeta nada além
não anseia dimensões
e que vive tão somente
a vida como ela vem.

É gente toda, por inteiro
sem mágoas, sem frustrações,
sem anseios, sem angústias.
É gente que não programa
e aceita o que há de vir
se de bom ou de mau, tanto faz,
pois viver é que é bom.

É gente que vive a vida
que se basta em sua lida,
vida que vai em frente,
é destino, é passageiro.

CARLOS MARCOS FAUSTINO (Tupã / SP)
Velhos tempos
(Quando eu voltava pra casa)


Passar o pontilhão, cair na avenida
Que se abre alegre, simples e bonita
Dobrar no terceiro quarteirão,
De madrugada então, era uma poesia
Os passos na rua silenciosa e calma
O tic tac do coração... uma melodia
Arfar no peito, ânsia pela chegada
Abrir o portão, adentrar à varanda
Os passos lá dentro, o abrir da porta
Choros, risos e abraços, não importa
Uma aquarela de alegrias estampada
O cheiro forte do café tudo invadia
A vida naquele dia mais cedo, vibrava
Ninguém mais dormia, ninguém mais queria
As saudades todas eram despejadas
As saudades todas eram esquecidas.
Como eram tão doces aqueles velhos tempos,
Velhos tempos quando eu voltava pra casa..

CECÍLIA MARIA DE LUCA S. DE NORONHA (Belo Horizonte / MG)
Intimidade


Quem é esta menina que não reconheço?
Quem é esta menina que me desafia, querendo dançar, saltar, correr?
Ela me encara e me escancara e ri....ri despudoradamente.
De repente, mostra a língua para quem não gosta,
Faz birra e chora desconsoladamente...

Esta menina me desalenta. Louca, me enlouquece.
Canta, sua voz desafinada me entristece.
Cria e suas criações me exasperam.
Sonha e seus sonhos me desesperam.
Ah, menina, que não percebe minha senilidade!
Eu não a reconheço e ela não reconhece sua inutilidade.

Peço-lhe que vá embora, ela insiste em ficar.
Digo-lhe que tudo se acabou, ela insiste em recomeçar.
Quem é esta menina que sempre me alcança e que eu não consigo alcançar?

Sigo ridícula e impotente com esta menina solta dentro de mim.
Menina persistente...não se cansa de esperar.
Criança teimosa...não acredita no meu fim. Enfim!....

Afinal, quem é esta menina que me vira pelo avesso?
Eu não mais a conheço, eu não a reconheço.
Quero me lembrar, mas não tem jeito...
Quem é? Esquece. Esqueço.

DANIELLI RODRIGUES (Londrina / PR)
Patativa do Assaré


Dentre o cultivo de terras
surge o poeta do Ceará
de seus envolventes repentes
o maravilhoso desafio do improviso
o casamento da poesia e da música
o delicioso canto de criação de versos.

Ó ave Patativa
que beleza de canto, de poesia
de fineza, de melodia
de uma oralidade marcante
cheia de significações e sensações.

Entre a voz e a entonação
as pausas
entre o ritmo e o pigarro
a expressão
com perfeição sua ironia, veemência e hesitação.

De sonetos clássicos
à décima e a sextilha nordestina
ora linguagem culta
ora linguagem do dia a dia
emerge a poesia matuta.

Antônio Gonçalves da Silva
agricultor, improvisador
compositor, cantor
poeta popular
nossa ave brasileira.

GRACIANA MENESES (Fortaleza / CE)
Simpatia


Sentimento sincero
Fruto do coração,
Trocas de olhares
Pela magia da atração.

Simpatia é como ramos
Unidos, que aos poucos
Vão se entrelaçando
Pelas chamas da emoção.

Simpatia é um dom singelo
Fluente do nosso coração,
E nos proporciona conforto,
Bem estar e boa emoção.

Simpatia é pura afinidade,
É um toque de admiração
Que nos causa confiança
Pela sua própria reação.

Simpatia é quase amor,
Um envolvimento natural,
Cumplicidade, boas energias
Geradoras, é troca de atenção.

TERESA CRISTINA CERQUEIRA DE SOUSA (Piracuruca / PI)
A maçã


A menina tinha um lápis.
Um lápis cor de sangue.
Apenas um lápis na hora do recreio.
Mal se consegue ouvir o som do lápis no chão.

Eis, ali, num dia comum, súbito, uma maçã.
Uma maçã que logo amadurece.
Apenas uma maçã na calçada do pátio.
Ah, menina, você não pode comer essa maçã!

Fonte:
Câmara Brasileira dos Jovens Escritores. "Brasilidades / vol.3" - Edição Especial - Maio de 2012.

Darlene da Costa Diniz /PR (Nos Dois Lados do Vento)


Darlene é de Londrina/PR

Que Vento é este que me puxa para cá e me empurra para lá?

Decida Vento amoroso, pois de tanto ir para cá e para lá tonta até já fiquei.

Vou para cá só beleza vejo, vou para lá vejo tristeza. Até no meio já fiquei.

Assim no mesmo dia dava muitas gargalhadas e em seguida chorava.

Olha Vento amigo, resolva que lado quer me fazer ficar, pois nestes dois lados poderá virar uma poesia de dois horizontes.

Assim, muito sol e muita chuva e, de quebra, um presente feito arco-íris, colorida toda vou ficar.

Decida Vento, pois este arco-íris você levando o está para dois lados do rio.

Onde começa o arco-íris e onde termina.

Igual quando você, Vento camarada, me puxa para cá e me empurra para lá.

E neste puxa-puxa até deste lindo sonho despertei…

Fonte:
Câmara Brasileira dos Jovens Escritores. "Brasilidades / vol.3" - Edição Especial - Maio de 2012.

Esopo (Fábula 15: A Andorinha e os Outros Pássaros)


Uma andorinha, tendo visto um lavrador semear visco no campo, mandou reunir todos os pássaros e disse-lhes que o visco servia para fazer redes de passarinhos e armadilhas. A andorinha pediu-lhes para que a ajudassem a apanhar as sementes e destruí-las. Embora ouvissem o que ela lhes disse, os outros pássaros não fizeram nada e, assim, com o tempo, o visco rebentou, ganhando raízes no solo. Mais uma vez, a andorinha avisou-os, dizendo-lhes que ainda não era tarde para evitarem as complicações se actuassem imediatamente. Mas os pássaros continuaram a ignorá-la e a andorinha deixou os bosques e foi viver na cidade.

O visco cresceu alto e forte e foi colhido. Mais tarde, a andorinha viu alguns dos pássaros que tinham sido apanhados recentemente nas redes feitas com o visco contra o qual ela os avisara. Agora, eles tinham aprendido a lição, mas era demasiado tarde.

Moral da história

Os homens sábios sabem prever os efeitos de certas causas, mas os loucos nunca acreditarão neles, até ser demasiado tarde para impedir o desastre. Demoram-se e arriscam-se.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Cláudio Manuel da Costa (Vila Rica)


Epopéia escrita por Cláudio Manuel da Costa em 1773, inspirado pelo poema O Uraguai, de Basílio da Gama. Poemeto épico-clássico, à maneira de Os Lusíadas, de Camões.

Atente aos comentários de Hélio Lopes, sobre o poema Vila Rica:

A estrutura labiríntica do Vila Rica se realiza quando Albuquerque inicia sua viagem pelo interior de Minas, o herói está diante do desconhecido e tudo parece se opor à conclusão da sua jornada, mas a medida que ele vai conhecendo os segredos da terra, que em suas ações diante dos conflitos demonstra justiça e inteligência, o desconhecido vai se revelando e o herói acaba por encontra o lugar ideal para fundar sua cidade.

Vimos a Terra, a Natureza e os Mitos criando o labirinto. O mesmo poema, no entanto, assim construído, vem a desnortear também o leitor pela construção de várias narrativas que de súbito se interrompem, depois mais adiante retomam o fio ou tomam outro aspecto como o do amor de Garcia e Aurora para, encontrado o 'centro', desembocar no Canto, onde apenas se acaba vendo o Itamonte, o Gênio da Terra e Albuquerque irmanados na alegria de conquistado o alvo. Esta confusa estrutura, essencial, no entanto, à obra, foi e continua o motivo para considerar o Vila Rica defeituoso, ininteligível e mal composto.

O poema tem um enredo que foge aos padrões clássicos exatamente por ter uma estrutura de rapsódia, onde três principais focos narrativos se cruzam. Primeiro, o drama de Garcia, em segundo, a missão pacificadora e organizadora de Albuquerque e o terceiro foco narrativo, a luta dos revoltosos. Esse cruzamento de focos narrativos é que compõe o labirinto do poema. Observa Hélio Lopes como a estrutura do poema parece confusa a uma leitura menos atenta do poema:

A construção literária de Vila Rica desnorteia. Os cortes violentos dos episódios, justificados no desenrolar da ação, depois as retomadas do fio partido ocasionam natural perplexidade e causam no leitor a imagem de um texto caótico. Os acontecimentos caminham entre paradas súbitas e recuperam a linearidade sem aparente justificativa. Cria-se o desequilíbrio. A visível instabilidade do texto deixa, evidentemente, o leitor por sua vez jogado de um a outro ponto.

A Associação entre mitologia helênica e aspectos da selva brasileira dá um tom de tentativa de colocação da terra bárbara na esfera da tradição clássica, uma tentativa de valorização da terra, só que segundo os padrões clássicos vigentes:

"Quando Cláudio exila para as serranias mineiras sanguinolentos filhos da terra, sacraliza helenicamente o território onde os indígenas haviam já descoberto, nas pedras, a origem mítica daquela parte do mundo: o menino de pedra junto à mãe, mas não iam além do que os olhos pareciam mostrar."
(LOPES, Hélio. Introdução ao Poema Vila Rica. p.78- 79)

Outra figura criada por Cláudio Manuel da Costa é o Gênio da Terra, que a certa altura é nomeado como Filiponte, Philos, do grego: amigo, Pons-tis, do latim: ponte. Seu nome é assim composto só por elementos linguísticos greco-romanos. Não havendo no seu nome partícula de origem tupi, não apresentará esse personagem nenhum aspecto dúbio quanto à sua posição no poema, é um ser que trabalha pelo sucesso da expedição de Albuquerque. Efetivamente, é a figura que terá como função unir os desbravadores com a terra selvagem. Gênio da concórdia que auxilia decisivamente o herói Albuquerque na tarefa de conciliar os revoltosos e de encontrar o caminho procurado.

Outra figura mitológica e híbrida criada pelo autor é a ninfa Eulina, que primeiramente comparecera no poema Fábula do Ribeirão do Carmo. Um aspecto identificador de sua hibridez é sua aparência, ninfa, abandonada por Apolo, tem semelhança com o mito indígena da Mãe D'água, pois encanta Garcia e o leva para o fundo dos rios onde esconde seus tesouros. É a sereia indígena Ipupiara, nome aportuguesado depois para Iara.

"Ouve Garcia o canto, e não atina
De onde tanto prodígio, mas de Eulina
A delicada face está patente:
Fita os olhos, e vê desde a corrente
Lançar a mão à praia a Ninfa bela,
Toma uma areia de ouro, e já com ela
Pulveriza os cabelos: neste instante,
O sonho de Albuquerque o faz avante
Passar, os braços abre, a Ninfa chama;
Ela o vê, e não teme, e já se inflama
De amor por ele: aos braços o convida,
E abrindo o seio o rio, uma luzida
Urna de fino mármore os sepulta
Recebendo-os em si: ficou oculta
A maravilha a quantos o acompanham.
Em busca de Garcia já se entranham
Pelo matos mais densos; mas perdida
A esperança de achá-lo, e recolhida
Volta ao herói a esquadra aventureira."
(Vila Rica. Canto VII)


Essas criações mitológicas de Cláudio Manuel da Costa conferem ao poema algum brilhantismo que tem passado despercebido à crítica. Se por um lado seus mitos são uma transposição do ideal clássico sobre a terra bárbara, o que permite acusá-lo de submissão cultural aos modelos da metrópole, ao colonizador, por outro também representam uma tentativa de colocação de nossa literatura dentro do panorama da tradição épica através da criação de mitologia própria, mas aparentada com a grega e com um enredo original e de caráter moderno, associado à figura de um herói que não se destaca pelo poder bélico mas por sua capacidade administrativa.

Ora, para a época, só com essa hibridez mitológica poderia o autor aproximar do gosto árcade do leitor europeu seu poema com sabor de "espremido licor nos fundos cobres"(Canto X)[4] , enobrecendo a terra brasileira com uma relação fraternal e cosmopolita com a mitologia greco-romana. Não foi Lisboa fundada por Ulisses, nem é Adamastor um gigante de origem helênica? Sendo nossas terras colonizadas e dominadas por Portugal seria justo que sua mitologia fosse híbrida, fruto da associação dos povos que formaram nosso povo. As figuras mitológicas do autor são personagens da selva, de estirpe nobre e que auxiliam, de um modo ou de outro, o herói na sua tarefa, tendo este como principal obstáculo não o Itamonte, mas sim a desunião entre seus compatriotas.

"Estamos, disse, em uns países novos,
Onde a polícia não tem ainda entrado,
Pode o rigor deixar desconcertado
O bom prelúdio desta grande empresa.
Convém que antes que os meios da aspereza
Se tente todo o esforço de brandura.
Não é destro cultor, o que procura
Decepar aquela árvore, que pode
Sanar, cortando um ramo, si lhe acode
Com sábia mão a reparar o dano;
Para se radicar do soberano
O conceito, que pede a autoridade,
Necessária se faz uma igualdade
De razão e discurso; quem duvida,
Que de um cego furor corre impelida
A fanática idéia desta gente?
Que a todos falta um condutor prudente
Que os dirija ao acerto? Quem ignora
Que um monstruoso corpo se devora
A si mesmo, e converte em seu estrago
O que pensa e medita? Ao brando afago
Talvez venha ceder: e quando abuse
Da brandura, e obstinados se recuse
A render ao meu Rei toda a obediência,
Então porei em prática a violência;
Farei que as armas e o valor contestem
O bárbaro atentado; e que detestem
A preço do seu sangue a torpe idéia.
Disse; e deixando a todos a alma cheia
De uma nobre esperança, já passava
A saber de Garcia, nem lhe dava
Notícia dele algum dos três Pereiras."
(Vila Rica, Canto VII)


A terra a ser desbravada guarda segredos que somente os mais venturosos têm condições de revelar, de conhecer. No Vila Rica, o motivo histórico, a fundação da cidade, parece um mero pretexto para o conhecimento da nova terra. Nesse sentido soam proféticas os versos finais do poema:

"Enfim serás cantada, Vila Rica,
Teu nome impresso nas memórias fica.
Terás a glória de ter dado o berço
A quem te faz girar pelo universo."
(Canto X, v.199-202)


Comparece ainda no poema um personagem mitológico legitimamente indígena, o Curupira, que tem os pés virados pra trás. Apresentado pelo poeta como "deus destes tesouros", conforme nota 58 do poema. Este personagem falava aos desbravadores da expedição de Albuquerque que Itamonte era figura monstruosa e horrível, buscava assim dissuadi-los de sua empreitada. Com a conquista do Itamonte desfaz-se o encanto do Curupira. O personagem da mitologia indígena é um personagem a tentar impedir o domínio e o conhecimento da terra por parte do herói.

"Já desde quando no projeto vinhas
De encontrar as preciosas esmeraldas,
Eu te esperava deste monte às faldas.
O Deus destes tesouros impedia
Até aqui descobrí-los, e fingia
Meu rosto aso homens tão escuro e feio
Por que infundisse em todos o receio."
(Vila Rica. Canto VIII, v.189-195)


O poema épico de Cláudio Manuel da Costa parece que apresenta uma matéria mítica que suplanta à matéria da narrativa histórica e, de tal modo, que se não atentarmos para ela e ficarmos somente avaliando esse poema em função de características como distância histórica do fato narrado, importância do fato narrado, características do herói, ou ainda, se ficarmos a comparar a linguagem da epopéia no autor com os seus versos da lírica, teremos que compactuar com a posição daqueles críticos que consideram tal obra menor, de importância apenas documental.

Podemos também dizer que o poeta perdeu uma boa oportunidade de construir um poema épico sobre os bandeirantes ao transformar o episódio de Borba Gato, p.ex.,em algo menor dentro da estrutura do poema.

Vejamos os versos do episódio no Canto VI em que o poeta exalta os bandeirantes paulistas. Notemos como o poeta, após enumerar os nomes dos bandeirantes, diz que se as ninfas do Tejo exaltam a viagem de Vasco da Gama (referência indireta aos Lusíadas), o poeta diz que dos paulistas honrará a fama, embora o Vila Rica não tenha se efetivado como um poema sobre as Bandeiras. Parece que em algum momento da composição do poema o autor pensou em torná-lo obra representativa, na literatura, das expedições bandeirantes, porém o poema apresenta como herói Albuquerque, enviado da corte portuguesa, e não um aventureiro paulista em busca de riquezas. Não é a corrida do ouro o seu mote, mas a fundação da cidade natal do poeta. Os bandeirantes, no poema, preenchem o episódio de Borba Gato e participam auxiliando Albuquerque na conquista das Minas.

"Levados de fervor, que o peito encerra
Vê os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram o metal luzente
Co'as próprias mãos enriquecer o erário.
Arzão é este, é este, o temerário,
Que da Casca os sertões tentou primeiro:
Vê qual despreza o nobre aventureiro,
Os laços e as traições, que lhe prepara
Do cruento gentio a fome avara.

A exemplo de um contempla iguais a todos,
E distintos ao rei por vários modos
Vê os Pires, Camargos e Pedrosos,
Alvarengas, Godóis, Cabrais, Cardosos,
Lemos, Toledos, Paes, Guerras, Furtados,
E os outros, que primeiro assinalados
Se fizeram no arrojo das conquistas,
Ó grandes sempre, ó imortais Paulistas!
Embora vós, ninfas do Tejo, embora
Cante do Lusitano a voz sonora
Os claros feitos do seu grande Gama;
Dos meus Paulistas honrarei a fama.
Eles a fome e sede vão sofrendo,
Rotos e nus os corpos vem trazendo,
Na enfermidade a cura lhes falece,
E a miséria por tudo se conhece."
(Vila Rica, Canto VI)


Notemos como o poeta usa os pronomes pessoais "meus" e "seu" ao contrapor os bandeirantes paulistas com Vascoda Gama. São versos como esses que confirmam explicitamente o sentimento nativista que já se fazia sentir no imaginário do poeta.

Parece que existe um jogo nessa obra entre o real e o imaginário, de modo que as principais ações são mediadas pelo mágico, haja visto entre tantos exemplos que podemos citar, como o momento em que os revoltosos são assombrados por terríveis figuras na noite, ou a revelação de Filiponte na gruta perante Albuquerque, ou ainda o episódio em que Eulina leva Garcia para o fundo das águas, mas pretendo destacar nesse sentido o episódio em que Argasso mata Aurora. Julgando ver no lugar de sua amada, que fora, aliás, motivo de disputa entre o índio e Garcia, uma fera, e estando em caçada, flechando o animal visto, descobre após, tratar-se de sua amada. Não podemos deixar de comparar esse episódio com o da morte de Lindóia em O Uraguai.

"Terifea a ocasião julga oportuna,
Põe os olhos no Céu, alta coluna
Levanta, e firma em terra; já sobre ela
se ergue e murmura e nota cada estrela
Com o dedo, depois desce e riscando
Muitas vezes em roda, vai tocando
A coluna, que treme e que se move:
Tolda-se em sombra o ar, troveja e chove:
E o tronco de entre a nuvem que o cobrira,
Sai figurando um tigre, que respira
Fogo e veneno pelos olhos; passa
Com ele ao monte, e o guia onde a caça
Se tenta e busca; aqui dormia Aurora;
Dormia; e junto aos pés branda e sonora
Fontesinha o repouso convidava;
O peito em grande parte debruçava
Sobre uma penha, e ao gesto brando e lindo
De encosto o mole braço está servindo,
Chega a Maga cruel, põe-lhe diante
A fera, que conduz, e ao mesmo instante
Se oculta em parte, onde o sucesso veja:
O cuidado de a ver, ou fosse a inveja
Aquele sítio encaminhava os passos
Do destemido Argasso; entre embaraços
De mal distintos ramos já descobre
O mosqueado tigre, ao braço nobre
O crê despojo, e de matá-lo espera,
Firme o pé desde longe aponta a fera,
E atrás puxando o braço a seta envia,
Que vai cravar no monstro a ponta fria.

Corre gritando, ó Césa, e vê passado
De Aurora o peito; em vão busca assombrado
O tigre, que não há: já desfalece
A pouco e pouco a bela: a mágoa cresce
No mísero homicida, clama e grita,
Atroa aos Céus, e contra os Céus se irrita,
Nem mais a vida, que estimara, preza;
Arroja o arco, e à infeliz beleza
Consagra de seu corpo o último resto."
(Vila Rica, Canto VI)


Nesse momento vemos como os segredos mágicos da terra são tais que apresentam mal fado até aos nativos, desde que imprudentes. Argasso fora enganado pelo sentido da visão.

Tal engano de Argasso ocorre devido à magia da feiticeira Terifea, que assim procede atendendo ao pedido da também pretendente ao amor de Argasso, Eulinda, que oferece à feiticeira duas crianças para que a bruxa faça com estas um ritual de antropofagia que lhe apraz. Esse motivo parece ser de uma lenda indígena que, como aponta Hélio Lopes inclusive, aparece em Macunaíma, de Mário de Andrade. Nesse episódio vemos como a matéria mítica do poema fornece elementos que definem a estrutura do poema. E de tal modo há no enredo um conjunto de mitos criados pelo poeta ou de mitos retirados do fabulário nativo, que o poema parece mais uma épica em forma de rapsódia do que o poema que apenas canta a fundação de uma cidade. Propositadamente ou circunstancialmente, não vem muito ao caso, o poema de apresenta algumas características que transgridem o modelo.

Fonte:
Passeiweb

2º Mutirão Artístico Maringaense (19 a 26 de Maio)


Democráticos Bar, Rua Paranaguá, Nº 78 Zona 07. Maringá/PR (Av. Colombo, ao lado do posto de gasolina)

19 de Maio – Sábado

A partir das 17hs


MÚSICA: Rael Toffolo apresentando duas obras eletroacústicas e Ingazeiro representando a cultura nordestina com o seu maracatu

TEATRO: Taaly Segatti "Mundo Moderno" (Chico Anisio) e "Jesus no Xadrez" (Chico Pedrosa), além de poema musicado pelo grupo Cordel de Fogo Encantado.

ESCULTURA: Marcelo Monteiro irá demonstrar algumas técnica da escultura em tempo real criando peças em miniatura em bastões de giz tipo escolar.

GRAFITE: René Meyring e sua criação visual em tempo real

MESA DE LITERATURA E QUADRINHOS: Damien Campos, Ângela Ramalho e Vera Margutti

CINEMA: curta-metragens de Hygor Zorak

LITERATURA: Exposição permanente dos textos dentro dos menus e nas camisinhas de cerveja com todos os artistas (Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti)

FOTOGRAFIA: Exposição fotográfica dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição das pinturas dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Andy Ferrari e sua exposição de máscaras.

21 de Maio – Segunda

A partir das 20hs


CINEMA: Curta-metragem do grupo de artistas (Tamires Belluzzi Freitas, Fernanda Eda, Gabriela Petrucci, Karina Azevendo e Patrícia Adrian)

MESA DE LITERATURA E QUADRINHOS: Marcele Aires e Miriam Ramalho. Marcele Aires irá expor seus livros “Que transpõe o halo (poesia, 2010)” e “Ausências em monólogos (ficção, 2011)”.

LITERATURA: Exposição permanente dos textos, poemas e contos dos os artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti.

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente com todos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari

22 de Maio – Terça

A partir das 20hs


CINEMA: Curta-metragens de Hygor Zorak

MESA DE LITERATURA E QUADRINHO: O quadrinista Diego Jolly irá expor seus trabalhos ao estilo “narrativas gráficas”. O quadrinista Hálisson Júnior da Silva e Cléia Garcia e seus trabalhos em zines, blogs, folder e quadrinhos.

DANÇA: Júnior Paiva irá apresentar uma performance, dança contemporânea, da canção “Imagine” do Jhon Lennon (versão Glee)

MÚSICA: Najara Nogueira

LITERATURA: Exposição permanente dos textos, poemas e contos dos os artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti.

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari

23 de Maio – Quarta

A partir das 20hs


MÚSICA: Contos musicalizados de Dalton Trevisan na performace vocal de Alexandre Gaioto. Damien Campos, violão voz e violoncello, declamando seus poemas e canções.

MESA DE LITERATURA E QUADRINHOS: Exposição dos poemas e textos impressos de Hygor Zorak e Thays Pretti

CINEMA: Curta do grupo de artistas Tamires Belluzzi Freitas, Fernanda Eda, Gabriela Petrucci, Karina Azevendo e Patrícia Adrian.

LITERATURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti.

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari.

24 de Maio – Quinta

A partir das 20hs


MÚSICA: Paulinho Schoffen

MESA DE LITERATURA E QUADRINHOS: Alexandre Gaioto e Roberth Fabris

CINEMA: Curta-metragens de Hygor Zorak

LITERATURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti.

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari.

25 de Maio – Sexta

A partir das 20hs


MÚSICA: Tapa na Macaca e Corda Crua

TEATRO: Taaly Segatti "Mundo Moderno" (Chico Anisio) e "Jesus no Xadrez" (Chico Pedrosa), além de poema musicado pelo grupo Cordel de Fogo Encantado.

MESA DE QUADRINHOS E LITERATURA: Nelson Alexandre e Marco Hruschka

CINEMA: Curta-metragens de Hygor Zorak

LITERATURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti.

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari

26 de Maio – Sábado

A partir das 17hs


MÚSICA: Rafael Morais e Média Clássica

TEATRO: Taaly Segatti "Mundo Moderno" (Chico Anisio) e "Jesus no Xadrez" (Chico Pedrosa), além de poema musicado pelo grupo Cordel de Fogo Encantado.

MESA DE LITERATURA E QUADRINHOS: Luigi Ricciardi, Márcio Domenes e Luciano Vidal

ESCULTURA: Marcelo Monteiro

DANÇA: Larisse Farias, Dança do Ventre

CINEMA: Curta do grupo de artistas Tamires Belluzzi Freitas, Fernanda Eda, Gabriela Petrucci, Karina Azevendo e Patrícia Adrian.

LITERATURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alexandre Gaioto, Ângela Ramalho, Cléia Garcia, Damien Campos, Hygor Zorak, Luigi Ricciardi, Marcelo Aires, Marcio Domenes, Marco Hruschka, Miriam Ramalho, Nelson Alexandre, Roberth Fabris, Thays Pretti e Vera Margutti)

FOTOGRAFIA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Alessandra Lopes, Amanda Antunes, Ana Luíza Verzola, Bárbara Neves, Carolina Justi, Fernanda Inocente, Hygor Zorak, Isa Angeliotto, Izadora Amaral e Bruna Siena & Venilson Santos.

PINTURA: Exposição permanente dos trabalhos dos artistas Cristiane Inokuma, Marcos Molinari, Sara Vieira e Wagner Dantas.

MÁSCARAS: Exposição permanente com Andy Ferrari

Fonte:
http://mutiraoartisticomaringaense.blogspot.com.br/p/programacao-cultural.html

Vicência Jaguaribe (A Matrioska)


Para a Andrea,
a menina que não conseguiu
ficar com a sua matrioska.


Era a primeira vez que ia ao apartamento da amiga. Uma amiga recente, com quem se afinara. Tinham gostos muito parecidos. Naquele momento, ela lhe mostrava os cômodos, cuja decoração misturava o antigo com o moderno, mistura de que ela também gostava.

Pararam em frente a um pequeno armário de parede, afixado no espaço que ficava entre dois dos três quartos. A amiga abriu as duas portas do pequeno móvel suspenso, no interior do qual, envolvida pela quase penumbra do ambiente, ela identificou uma forma inconfundível.

— Que bonequinha é aquela, lá no fundo? — a pergunta sendo mais um desejo de confirmação do que propriamente uma tentativa de identificar.

— Ah! É uma matrioska. Linda, não?

Ela não ouviu a resposta da amiga. Ouviu a voz da avó, que vinha do passado, de um passado tão distante, meu Deus! que ela não pensava que ainda se lembrasse daquele episódio, muito menos daquela conversa.

A avó abrira a cristaleira e tirara lá do fundo uma bonequinha feita de madeira e pintada de cores vivas. Aquele mimo sempre atraíra a neta — ela sabia. Sentou na cadeira de balanço e pôs a menina no colo. Ela tinha o quê? Quatro, cinco anos... talvez seis. Entregou-lhe a boneca:

— Abra! Ela é oca. Veja o que há dentro dela.

Com muito cuidado, a menina abriu a boneca — separada que era em duas partes por um corte horizontal na altura da região dos quadris — e viu, surpresa, que dentro dela havia outra boneca menor. A avó, então, mandou que ela continuasse abrindo as bonecas menores. A menina foi abrindo, abrindo, abrindo... A cada nova boneca seus olhos demonstravam mais surpresa e encantamento. A operação continuou até chegar a uma minúscula boneca compacta. Junto com a avó ela contou: uma, duas, três... sete bonecas! E elas se encaixavam umas dentro das outras de maneira tão perfeita que quem via a maior não suspeitava que dentro dela havia outras seis bonecas. Era como se fosse um mundo dentro do outro, mas cada um existindo por si próprio, independente, sem misturar-se.

— Sei que você gosta muito desta boneca. E um dia ela será sua, mas não pode ser agora. Vai ser a sua herança. O nome dela é matrioska, palavra russa que significa mãezinha. Algumas pessoas acham que ela representa a família, sempre protegida pela mãe. Contam que essas bonecas se originaram no Oriente: um pintor artesanal russo, chamado Sergei Maliuntin, viu no Japão uma peça representando os Shichi-fuku-jin, os sete deuses da fortuna, que se encaixavam uns nos outros como as bonecas feitas hoje. Ele, então, pensou em aproveitar a ideia dos japoneses, só que fazendo bonecas representando pessoas. Fez a primeira e pintou-a como uma camponesa russa. E nasceu a matrioska.

A menina ficou toda animada. Em suas visitas à casa da avó, passava pela sala da cristaleira e demorava longos minutos olhando a sua boneca. A boneca que era sua, mas com a qual não podia brincar.

Nos fins de semana, nas férias, a menina ia à casa da avó. Uma grande casa assobradada, no Benfica, com muitas e frondosas árvores, principalmente mangueiras, nas quais ela, seus irmãos e primos gostavam de brincar. Escanchavam nos galhos mais altos e faziam de conta que estavam num campo de batalha, montados em belos cavalos árabes.

Um dia, ela teve coragem e perguntou:

— Mãe, o que é uma herança?

— Uma herança é dinheiro ou bens que a gente recebe quando morre um parente rico.

A menina ficou de cara amarrada o resto do dia. Então, a vovó ia morrer? Ela dissera que a boneca russa ia ser a sua herança. Eu não quero que a vovó morra. Mas também quero a bonequinha, ela pensava. Era um grande conflito atormentando a cabecinha da menina. E ela só tinha seis anos.

Um ano depois, a avó morreu. Enquanto a família toda chorava, a menina sentia o coração bater em um compasso diferente. E não era propriamente vontade de chorar o que ela experimentava. Mas precisava parecer triste. Ninguém podia desconfiar que ela, apesar de sentir a morte da avó, estava feliz porque ia ganhar a matrioska. Três dias após o enterro, o pai chamou-a para ir com ele à casa do Benfica. A menina alegrou-se como se o pai a tivesse convidado para ir a um parque de diversões. Pronto, chegara o dia de receber a desejada herança. Era só abrir a cristaleira e de dentro dela tirar aquele mimo que tanto a fascinava.

Parou em frente ao móvel, mas antes de abri-lo olhou para a sua boneca. Quase desmaia. A matrioska não estava mais em seu lugar. E as lágrimas começaram a escorrer. E os soluços se fizeram ouvir por toda a sala. Os adultos a cercaram e tentaram consolá-la pela morte da avó. E quanto mais a família tentava consolá-la, dizendo que a vovó estava no céu, mais ela chorava. Chorava e sentia remorso: ela não chorava pela avó, chorava pela matrioska, que não mais seria sua. Alguém se antecipara e achara-se no direito de ficar com a sua boneca. E todas as vezes em que a família se reunia no casarão do Benfica ela chorava. Chorava pela boneca, mas todos pensavam que era pela avó. Ela sentia vergonha e remorso daquelas lágrimas.

— Uma matrioska! Foi sempre meu sonho possuir uma dessas bonecas. — Só agora ela respondia à observação da amiga.

A amiga impressionou-se com o tom de sua voz e com o ar triste e desconsolado que lhe cobria o rosto. Tirou a matrioska do armário e a pôs em suas mãos.

— Pronto. A boneca é sua.

Ela não pôde de imediato agradecer à amiga, porque estava novamente sentada no colo da avó, que lhe contava a história da matrioska e lhe dizia o que ela sempre quisera ouvir:

— Sei que você gosta muito desta boneca. E um dia ela será sua, mas não pode ser agora. Vai ser a sua herança. O nome dela é matrioska, palavra russa que significa mãezinha...

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Painel 2012 de Novos Autores Brasileiros - Contos - Maio de 2012

Nilto Maciel (Naomar de Almeida: O Homem como Natureza)


À medida que o tempo passa mais o homem se distancia do animal. E se aproxima da máquina. Em alguns mitos o animal chegou a ser divindade, como o fauno. Também entre os indígenas brasileiros vamos encontrar mitos em que o homem se confunde com o animal, como a caipora, gênio protetor dos animais.

Gisé, que ilustrou Ernesto Cão, visualizou magistralmente a personagem ambígua de Naomar de Almeida. A personagem aparece em flashes. Sendo uma história fragmentada (espelho estilhaçado), é composta também de fragmentos de muitas histórias de um cidadão comum que se enamora, se casa, trabalha, dirige carro. Na sua essência, um ser incomum que se perde nas ruas e nos becos, atraindo os cães da cidade. Diferentemente de Quincas Borba, que são dois: o homem e o cão, Ernesto é um ser dividido, espécie de Gregor Samsa em estado de pré-metamorfose. Homem-cão.

Diz-se metáfora o livro de Kafka. Entretanto, não se denominam assim as histórias fantásticas na literatura de cordel. Quem sabe, o criador de Joseph K. quis simplesmente escrever uma história extraordinária?

No capítulo final do Quincas Borba, Machado argumenta: “Mas, vendo a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá o título ao livro” (...) Naomar evitou a pergunta e deu ao seu romance o duplo título: Ernesto Cão. Não evitou, porém, a “questão prenhe de questões, que nos levariam longe”, como diz Machado no mesmo final do romance. Porque, quem há de dar resposta única a uma pergunta como esta: Ernesto era cão?

Como as divindades e os gênios, certos personagens são multiformes. Em alguns casos, porque os mitos variam de região para região. Em outros, porque, na narrativa em que o modo de narrar importa mais do que o tema, a personagem tende a se tornar como as cores na escuridão – e vai se “formar” segundo a “visão” de cada leitor.

Na idade dos reatores atômicos, qual o significado da caipora? Apenas muito maior do que quando os próprios índios cometiam o crime de fazer da caça mais do que uma forma de sobrevivência. Quando o homem se distancia cada vez mais do animal e da natureza, a história de um homem que adquire a natureza canina significa uma lição diante do desespero geral.

Fonte:
Nilto Maciel