terça-feira, 22 de maio de 2012

Osman Lins (Conto: Os gestos)


O conto Os gestos, de Osman Lins, pode ser classificado como uma narrativa lírica, ou seja, em uma primeira acepção ou significado substantivo dos gêneros, o conto configura-se parte da Épica, obra – poema ou não – de extensão maior, em que um narrador apresenta personagens envolvidos em situações e eventos. Em uma segunda acepção ou significado adjetivo dos gêneros, o conto configura-se parte da Lírica, que é todo poema de extensão menor, na medida em que nele não se cristalizam personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central, quase sempre um "Eu", nele exprime seu próprio estado de alma.

O caráter lírico do conto é demonstrado, não somente nas sentimentais, profundas e angustiadas reflexões da personagem central, André, mas também na pouca cristalização de todas as personagens, a começar pelo próprio protagonista. Sabe-se que já é velho, e tem sua vida restrita ao quarto. Perdera sua voz, e a partir daí, passou a comunicar-se apenas pelos gestos, tentando esquecer-se do uso das palavras, e resignando-se ao silêncio. A comunicação com seus familiares dá-se de forma fria e distante. Sua mudez, e conseqüente impossibilidade de expressão, desencadeia a série de reflexões que constitui a maior parte da narrativa.

As características das demais personagens são definidas apenas com a intenção de se configurar os elementos coadjuvantes para a exposição do tema central, a interioridade de André. Sua esposa, chamada apenas por "mulher", caracterizada pela frieza e indiferença, e por uma postura pragmática, não compreende nem sente o que se passa pelo espírito do marido. Rodolfo, o amigo, representa características inversas às da esposa. Sua presença provoca efusões de contentamento em André, trazendo-lhe alívio e alegria, talvez pela vitalidade ou pela roupa clara de marinheiro que lhe sugere a liberdade das viagens. Lise, a filha mais velha, apesar dos traços alongados definidos pelos anos, possui ainda a infância em sua boca e olhos. Com o olhar pálido e frágil e um ar de mistério, é a mais bondosa da casa. Trata o pai com carinho, tentando amenizar sua angustiosa situação. Nos atos dessa filha, André encontra ternura e alento: "Lise é um anjo". Mariana, a filha mais nova, está entre menina e moça, com seu "cinto justo, queixo para cima, alteando os seios novos". Tudo para ela gira em torno de sua recém-chegada adolescência, e sua suposta beleza.

Essas personagens coadjuvantes podem ser classificadas como personagens planas: ser íntegro e simples, marcada por uma ou poucas características. Já André, apesar de sua pouca cristalização ou definição, pode ser classificado como personagem esférica: ser complexo, com vários traços característicos, e pontos profundos que podem constituir momentos de mistério e desconhecimento, que podem vir a tornarem-se grandes revelações. Por outro lado, parte dessa pouca cristalização ou definição da personalidade das personagens, constitui parte da coerência interna do conto, limitando ou convencionalizando a caracterização da personagem de acordo com a proposta do conto, no caso, a impotência do ser humano, e sua incapacidade de expressar sua interioridade.

A construção da ambientação em Os gestos, constitui também importante participação na concepção do conto. Sobretudo no parágrafo inicial, com a descrição da paisagem que a personagem vê da janela de seu quarto, imagem descrita dentro do início da primeira cena do conto, ocorrida no inicio da manhã. Unidade essa que inclusive marca o tempo da história da narrativa: uma manhã. "Do leito, o velho André via o céu nublar-se, através da janela, enquanto as folhas da mangueira brilhavam com surda refulgência, como se absorvessem a escassa luz da manhã. Havia um segredo naquela paisagem". Osman Lins denota nessa passagem o ambiente básico da vida de André na ocasião: o leito, a janela, o céu e a mangueira. E demonstra a já aguçada sensibilidade do protagonista, que percebe detalhes minuciosos daquela singela paisagem. Esse pode ser considerado o espaço real da narrativa. No decorrer do conto, há passagem em que o espaço amplia-se, mas no âmbito imaginário: aos demais cômodos da casa e ao quintal, onde "grandes panos brancos soprados pelo vento – numa fila interminável de lençóis...", e a lugares amenos, lacustres e marítimos, ligados à sua juventude.

O tempo manifesta-se no conto de forma similar ao da ambientação. O tempo da história é de uma manhã, mas as incursões do protagonista por suas reflexões, por seus fluxos de consciência, remontam a um tempo e espaço psicológicos, tornando essa manhã um período mais rico e preenchido, o que pode causar ao leitor a impressão de um tempo decorrido maior que o tempo da história, ou seja, de uma manhã.

Dentre os demais elementos utilizados usualmente para a análise de narrativas, o foco narrativo é um dos mais explorados pelo autor no conto. A narração é feita em 3ª pessoa, por um narrador onisciente seletivo, em razão do uso da exposição direta ou simultânea da análise do pensamento de uma personagem central, sem indícios da presença de um narrador (discurso indireto livre), e da larga utilização da cena. A utilização deste tipo de narrador possibilitou ao autor atingir o lirismo encontrado em toda a obra. A análise dos fluxos de consciência e dos pensamentos da personagem central permitiram a realização de uma dicção intimista, sensível e verossímil, e um grande aprofundamento psíquico na construção da personagem.

Por esse foco narrativo – narrador onisciente seletivo, em detrimento ao onisciente múltiplo seletivo –, tudo o que é transmitido ao leitor é feito através das sensações, pensamentos e sentimentos da personagem central. A caracterização das demais personagens é concebida através do olhar do protagonista, ou seja, um enfoque parcial.

O conteúdo e o enredo formam também elementos fundamentais para o conto Os gestos. Osman Lins utilizou neste a mudez – uma impotência humana frente à rudez da vida, assim como outras incapacidades humanas são utilizadas nos demais contos da obra: a impossibilidade do amor, a psicose, a morte etc. –, como elemento desencadeador de novas percepções e novos sentidos, que possibilitam à personagem vislumbrar novos sentimentos – em relação à vida e a seus parentes próximos –, novas imagens e sons, e memórias antes escondidas.

A incapacidade humana explicita-se nos momentos em que André é incapaz de exprimir-se, como na cena em que contempla a paisagem pela janela no início da manhã, ou na passagem em que rasga o papel oferecido pela filha para escrever o que tencionava dizer num momento em que gesticulava freneticamente, ou na cena em que percebe a transformação da filha de menina para adolescente. Fatos que levam André a um sentimento de indignação em relação à sua condição, ou talvez em relação à condição humana em geral – a incapacidade de expressão dos sentimentos – concluindo tristemente: "‘Isso é inexprimível’, pensou. ‘E que não é? Meus gestos de hoje talvez não sejam menos expressivos que minhas palavras de antes’". Osman Lins deixa claro que a interioridade do ser humano é quase inexprimível. Pode-se fazer algum esboço, nada mais. Isso em razão da disparidade da interioridade dos seres humanos. Seria possível essa troca de impressões somente se houvesse uma grande afinidade entre os seres, como explicitado em uma passagem de Elegíada, conto da mesma obra: "Isso eles não saberão. É íntimo demais, exige um nível de compreensão mútua demasiado grande para ser revelado. Não lhes contarei". Ou seja, não é possível expressar um sentimento interior, mas é possível falar sobre ele, trocar-se impressões, desde que seja um sentimento comum, presente em ambos os interlocutores.

Essa impossibilidade de expressão culmina em uma situação de incompreensibilidade e isolamento entre as personagens, presente em quase todo o enredo do conto. André é despertado de sua reflexão descrita no início do conto – fluxo de consciência – com a chegada de Rodolfo, pessoa por quem André tem afeição, por sentir nele uma compreensão de sua situação interior, e por sentir nele características que se afinam com as suas, como sensibilidade, gosto pela alegria e pela liberdade. Em contrapartida, os amigos são observados pela esposa, inquieta com a presença da visita, não percebendo a simpatia entre os dois, nem a alegria do marido. Com a saída de Rodolfo inicia-se o fato mais central e desencadeador do enredo: a chuva apanha Rodolfo de surpresa na rua, e André torna-se frenético, buscando alguma forma de ajudar o amigo, e toca a sineta chamando todos da casa, que ao chegarem não compreendem suas intenções. André tem uma reação colérica ante essa incompreensão dos familiares, e as três mulheres saem do quarto confusas. André volta à reflexão, e só é despertado com a chegada de Lise para servir-lhe um lanche. A atitude carinhosa da filha o faz arrepender-se de sua anterior reação colérica, e angustiar-se por não poder pedir-lhe desculpas. Mariana entra no quarto, demonstrando suas características de distância em relação ao pai, egoísmo e vaidade – "Papai agora virou menino", "abriu e fechou as gavetas, sem procurar coisa alguma, escrutando disfarçadamente o espelho com enlevo". As filhas saem do quarto, e André retorna aos fluxos de consciência e fecha os olhos. Ao abri-los, depara-se com Mariana em sua frente, de costas para a janela. André inicia a contemplação do que ele chama de um momento único: "ela cruzava um limite: quando se afastasse, os últimos gestos da infância estariam mortos".

No parágrafo final do conto, André parece querer concluir a lição que aprendera naquela manhã. Conclui explicitamente que as sensações, impressões, sentimentos, enfim, a interioridade de cada um, não é exprimível em palavras, mas talvez em gestos. Talvez os gestos transmitam mais significado que as palavras. E por isso devam ser guardados, na memória, no coração, na alma, "Fechou os olhos, para conservar durante o maior tempo possível aquela visão".

Fonte:
Paulo Antonio F. Gonçalves, Escritor e Pesquisador em Ciências Humanas, em Passeiweb

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 2


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


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Vanderci de Andrade Aguilera
Catarina Vaz Rodrigues
ESTUDOS GEOSSOCIOLINGUÍSTICOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO


Os estudos dialetológicos no Brasil bem cedo despertaram a atenção de filólogos, docentes da Língua Portuguesa e até mesmo de autodidatas. Desse interesse nasceram reflexões e obras como as de Amaral (1920) e Nascentes (1923), dando o impulso inicial para que outros pesquisadores se voltassem não apenas para os fatos linguísticos do português europeu, mas para o português que se transplantou para a România Nova, seja materializado na pena do escritor, seja articulado na boca do povo. Nascentes reconhece que o Dialeto Caipira (AMARAL, 1920) foi o inspirador de O Linguajar Carioca tanto na metodologia de coleta dos dados como na estruturação da obra: ambas discutem aspectos fonéticos, lexicais e morfossintáticos das duas realidades linguísticas - a paulista e a carioca.

Nesta mesma linha teórica, e na sequência, vêm os trabalhos sobre os falares nordestinos, de Marroquim (1934) e sobre os falares mineiros e goianos, de Teixeira (1938), mostrando para a academia pelo menos uma parte do Brasil linguístico real. Essas obras dialetológicas pioneiras vão instigar pesquisadores da época para a elaboração de um atlas linguístico do Brasil. Assim é que Silva Neto (1957) e Nascentes (1958 e 1961), amparados pelo Decreto de 1952 que atribuía à Casa de Rui Barbosa a responsabilidade pela coordenação e desenvolvimento de tão ousado projeto, lançam para este fim as sementes teórico-metodológicas sob a forma de bases e guias. Se a ideia de um atlas nacional não frutificou de imediato, a proposta foi se enraizando pouco a pouco pelas Faculdades de Letras de tal modo que, em menos de 40 anos, cinco atlas afloraram sucessivamente em pontos diversos: na Bahia, em Minas Gerais, na Paraíba, em Sergipe, no Paraná enquanto outros estavam em gestação na Região Sul, no Ceará, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nos últimos anos do século passado, lança-se o projeto do Atlas Linguístico do Brasil com uma proposta mais moderna que associa os princípios teórico-metodológicos da Geolinguística aos da Sociolinguística.

Dessa grande árvore, brotaram inúmeros ramos em quase todos os 26 estados brasileiros, tais como no Pará, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Espírito Santo, entre outros. Cardoso (2002), diretora presidente do ALiB, lembra muito bem que a fusão dos princípios geolinguísticos com os sociolinguísticos nasceu de dois aspectos fundamentais:

“(i) o reconhecimento das diferenças ou das igualdades que a língua reflete e

(ii) o estabelecimento das relações entre as diversas manifestações linguísticas documentadas e circunscritas a espaços e realidades pré-fixados”.

Além desses aspectos, concordamos com Moreno Fernández (1998) quando reafirma que “as atitudes do falante influem decisivamente nos processos de variação e mudança linguística que se produzem nas comunidades de fala, pois uma atitude favorável ou positiva pode fazer

(i) uma mudança cumprir-se mais rapidamente;

(ii) que em certos contextos predomine o uso de uma língua ou de um dialeto em detrimento de outra(o);

(iii) que certas variantes linguísticas se confinem a contextos menos formais e outras predominem nos estilos cuidados.

Diante desse panorama produtivo e multifacetado e sabendo que a língua não é somente um complexo de variedades regionais, mas também uma superposição de variedades sociais que implica valores a elas atribuídos, propomos o presente Simpósio com os seguintes objetivos:

(i) congregar pesquisadores de várias IES para apresentar estudos e projetos de Geolinguística e de Sociolinguística, inclusive de crenças e atitudes sociolinguísticas, em andamento no Brasil;

(ii) descrever e discutir aspectos da variação diatópica e diastrática do português;

(iii) discutir aspectos teóricos e metodológicos relacionados aos estudos geossociolinguísticos.

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Cláudia Valéria Dona Hila
Elvira Lopes Nascimento
FERRAMENTAS DE ENSINO E PRÁTICAS EM SALA DE AULA


Na perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2006; 2008) a atividade do professor é instrumentada. Isso quer dizer que a relação entre o docente e o seu objeto de ensino é mediada por inúmeras ferramentas, as quais:

(a) asseguram o encontro do professor com o objeto teórico a ser internalizado;

(b) contribuem para modificar os modos de pensar, agir e falar tanto dos alunos como também dos próprios professores;

(c) apresentam-se semiotizadas e

(d) conseguem promover a reflexão daqueles que delas se utilizam.

Schneuwly (2000) argumenta que as ferramentas podem ser de natureza material e discursivas. Entre as primeiras se incluem as sequências didáticas, as oficinas, os projetos temáticos e os inúmeros materiais de sala de aula que, se adequados ao planejamento do professor, funcionam como mediadores do processo de ensino-aprendizagem, tais como: os livros didáticos, os paradidáticos, os textos de divulgação cientifica, os textos literários, as obras de referência, os livros de consulta, os jornais, as revistas, os jogos, os vídeos e os próprios gêneros textuais, em diferentes mídias e linguagens. Entre as segundas, se incluem as ferramentas de natureza discursiva, como as ações e os gestos didáticos dos professores ao presentificar o objeto em sala de aula (NASCIMENTO, 2011).

Hila (2011) amplia essa discussão exemplificando outras ferramentas significativas para o movimento de internalização, tais como: as sessões reflexivas, os planos de aula, a reescrita, o estilo individual de cada professor, dentre outras. Colaborando com a discussão, Wirthner (2004;2007) compreende que as ferramentas didáticas ainda definem, em grande parte, o ensino, pela maneira como se propõem a abordar, apresentar ou recortar o objeto a ser ensinado e, nesse sentido, elas também influenciam as concepções de ensino e de linguagem daqueles que as empregam. Por isso mesmo, o uso de ferramentas em sala de aula pode ser uma fonte de aprendizagem e de desenvolvimento tanto para o professor, como para o aluno e, sendo assim, conhecer as potencialidades das inúmeras ferramentas que o docente têm a sua disposição é fundamental para o processo formativo de todos aqueles envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, o objetivo desse simpósio é reunir trabalhos que, diante das práticas de linguagem, nos eixos de ensino- leitura, produção e análise lingüística- evidenciem o papel das ferramentas (de quaisquer natureza) para gerar práticas significativas em sala de aula, exatamente porque auxiliam o processo de internalização e podem gerar o desenvolvimento dos alunos. As dificuldades encontradas na formação inicial e continuada de professores de Língua Portuguesa para promoverem a internalização de diferentes objetos teóricos justificam a organização deste simpósio, por propiciar reflexões tanto sobre os subsídios prático-metodológicos que dão suporte à formação, quanto ao desenvolvimento de ferramentas didáticas, considerando a sua relação e adequação ao projeto de ensino do professor, assim como quanto à busca de identificação e compreensão dos agires realizados por professores durante o planejamento, elaboração e aplicação dessas ferramentas. O conhecimento, a discussão e a aplicação de procedimentos pedagógicos atualizados é o fio condutor dos pesquisadores integrados a este simpósio.

11
Sírio Possenti
Sonia Aparecida Lopes Benites
FÓRMULAS E ESTEREÓTIPOS: RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO


Textos-fórmulas, como provérbios, ditados, máximas, adivinhas, piadas e slogans são enunciados que apresentam estruturas linguísticas relativamente fixas, em geral breves, além de um determinado ritmo. Seu funcionamento se caracteriza pela repetição, que os legitima, tornando-os reconhecidos e reconhecíveis em uma comunidade de falantes. Considerando essa forma de funcionamento, Maingueneau (2006) classifica-os em:

a) fórmulas autônomas ou destacadas, independentes do contexto, com significante e significado inalteráveis, memoráveis;

b) fórmulas destacáveis, estruturas passíveis de serem destacadas de um texto e convertidas em pequenas frases que passam a circular de forma também autônoma.

De fato, algumas dessas frases são criadas exatamente para isso, como é o caso dos slogans publicitários e políticos. Embora tenham um contexto histórico bastante relevante, não possuem um contexto textual imediato imprescindível para seu “funcionamento”. Contudo, existem também aquelas que são destacadas de seus contextos textuais originais – e o são graças a essa estrutura frasal específica, somada a seu conteúdo generalizante e a um ethos solene. Nestes casos, apesar de fazerem parte de um texto, sua estrutura faz com que se sobressaiam dentre os outros enunciados e passem a ser empregadas como fórmulas.

Maingueneau (2010) falará, assim, em destacamento constitutivo, para referir-se a enunciados que nascem destacados (como os provérbios e os slogans publicitários), e em destacamento por extração, para fazer menção às citações. A aforização é exatamente o regime enunciativo implicado em um enunciado destacado por extração. Em outras palavras, o regime de enunciação aforizante torna um enunciado passível de ser destacado de seu contexto original. Por fim, lembramos os estereótipos sociais, elementos também caracterizados pela cristalização, e que podem ser vitais para o funcionamento de um texto, tanto na medida em que implicam posições ideológicas ou culturais quanto por serem cruciais para o próprio gênero em que aparecem (para muitas piadas, por exemplo).

A estereotipia, segundo Amossy (2005), “é a operação que consiste em pensar o real por meio de uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado” (p. 125). Situando-se em certo tipo de exterior constitutivo, ela é condição (parcial, pelo menos) de funcionamento dos textos-fórmulas, e está fortemente ligada ao humor e às verdades correntes, além de desempenhar “papel essencial no estabelecimento do ethos” (AMOSSY, 2005, p. 125).

O presente simpósio tem os seguintes objetivos: reunir estudos sobre os textos-fórmulas e estereótipos e suas eventuais relações mútuas; estudar as condições de funcionamento dos textos-fórmula (sua circulação, seus sentidos, suas eventuais adaptações), relacionando-os com as verdades correntes ou com pretensas formulações de verdades. Poderão ser tomados como objetos de análise, entre outros, os provérbios, os slogans e as piadas que operam com clichês e estereótipos.

12
Vera Wannmacher Pereira
Onici Claro Flôres
LEITURA E ESCRITA: ESTUDOS PSICOLINGUÍSTICOS E INTERFACES


O Simpósio “Leitura e escrita: estudos psicolinguísticos e interfaces” propõe-se a considerar as dificuldades evidenciadas por estudantes dos diversos graus de ensino (fundamental, médio e superior) em relação à leitura (compreensão/ interpretação) e à escrita. As dificuldades dos estudantes evidenciam-se nos escores alcançados em Língua Portuguesa em provas oficiais nacionais (SAEB, ENEM, ENADE) e internacionais (PISA), manifestando-se com intensidade nos comentários dos professores, dos familiares, dos empregadores e da sociedade em geral.

Nesse quadro, a leitura e a escrita constituem-se em prioridade educacional de grau máximo, exigindo espaços e financiamentos públicos para o desenvolvimento de pesquisas e demandando condições mais favoráveis para seu ensino. Em vista disso, o presente Simpósio enfoca justamente o tema - leitura e escrita, examinando cada um dos tópicos, individualmente, e em suas inter-relações. Do ponto de vista teórico, a temática situa-se na área de estudos da Psicolinguística, segundo a qual a leitura e a escrita são consideradas como processos cognitivos, que exigem do leitor e do escritor procedimentos diferenciados, embora convergentes.

Dessa forma, este Simpósio assume a relevância dos trabalhos de interfaces da Psicolinguística – internas (Estudos do Texto e do Discurso, Pragmática) e externas (Literatura, Psicologia, Sociologia, Informática, Educação, Fonoaudiologia, Neurociências). A presente proposta de trabalho relaciona as pesquisas sobre leitura e escrita que, teoricamente, tanto podem ser abordadas em separado como em conjunto, considerando-as interativamente. É útil, então, salientar que, se existem questões não respondidas em relação à leitura, apesar do número de pesquisas feitas e de pesquisadores envolvidos, há que acrescentar que as dúvidas e dificuldades se avolumam quando se aborda a escrita. Não se escreve em um só gênero nem em um só tipo de sequência.

A ocasião social que faz emergir a necessidade social da escrita tem suas exigências e elas precisam ser atendidas, a fim de que o papel da atividade social da qual a escrita faz parte seja preenchido. Assim, mesmo adultos alfabetizados têm muitas dificuldades de leitura e de escrita, mesmo profissionais têm de se esforçar bastante para compreender um texto e escrever da forma requerida. Enquanto isso a vida social prossegue em seu ritmo e avultam e se diferenciam os gêneros discursivos (BAKTHIN, 2003) em circulação. O certo é que, a partir do momento em que se assume a tarefa de escrever um texto até o momento de dar-lhe o destino para o qual se fez necessário escrevê-lo, atravessam-se distintas fases - a de pré-escrita, a de escrita, propriamente, e, por fim, a de revisão ou pós-escrita, segundo o destaca Soares (2009). Em suma, os dois processos se relacionam, mas não se reduzem um ao outro, exigindo planejamento de atividades que possam levar a bom termo tanto leitura quanto produção escrita.

Quanto à metodologia, o Simpósio ora proposto está aberto para investigações bibliográficas e de campo, assim como para estudos teóricos e aplicados. Em vista disso são oportunos trabalhos que proponham reflexões teóricas, bem como que apresentem resultados decorrentes de aplicações, configurando-se como relatos de pesquisas. Considerando o recorte teórico, são participações pertinentes as que estejam centradas exclusivamente na Psicolinguística, as que estejam assentadas em movimentos com interfaces internas (com outras áreas da Linguística) e com interfaces externas (com outros campos de conhecimento).

Desse modo configurado, o Simpósio tem como objetivo primordial ensejar o debate entre professores e pesquisadores da linguagem sobre o tema “leitura e escrita”, buscando contribuir para o desenvolvimento da Psicolinguística, para a elucidação de problemas de pesquisa, para o levantamento de caminhos produtivos para o ensino e o aprendizado tanto da leitura quanto da escrita e para o aclaramento de suas inter-relações.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas), parte 11


41

Dique na orla do mar
contém a forte caudal:
o perdão sabe estancar
o espraiamento do mal.

42

Amor – a melhor doutrina.
O perdão – o dom perfeito.
Assim o ser elimina
a bagagem dos defeitos.

43

O perdão, em qualquer meio,
não se mostra interesseiro:
é doação sem receio –
alma entregue por inteiro.

44

Um bom convívio se alcança
se este trio vem a nós:
chegam Perdão e a Esperança...
E surge a Paz logo após.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) O Gato e o Burro


CONTO ACUMULATIVO

Neste tipo de conto, o herói tem um problema e para resolvê-lo faz uma série de tentativas que vão se repetindo de forma sucessiva. Todos os elementos que entram na história são retomados, sempre na mesma ordem, até o fim. A acumulação é uma técnica de memorização muito antiga.


O GATO E O BURRO

O gato e o burro saíram para dar uma voltinha. No meio do caminho encontraram uma árvore.

- Quer valer como eu consigo trepar na árvore mais depressa que você? - perguntou o gato.

- Apostado! - respondeu o burro.

Os dois saíram correndo mas, claro, o gato venceu fácil.

O bichano ficou lá no alto miando e dando risada do burro.

O burro não gostou nem um pouco. Esperou o gato descer, deu uma mordida e arrancou seu rabo fora.

- Me dá meu rabo! - gritou o gato.

- Não dou!

- Me dá meu rabo!

- Só dou se você me arrumar um copo de leite quente.

O burro e o gato foram conversar com a vaca. O gato pediu:

- Vaca, me arranja um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a vaca:

- Só se você me arrumar capim.

O burro e o gato foram conversar com o barranco. O gato pediu:

- Barranco, me arranja um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o barranco:

- Só se você me arrumar água.

O burro e o gato foram conversar com a represa. O gato pediu:

- Represa, me arranja água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a represa:

- Só se você me arrumar uma enxada para tapar meus buracos.

O burro e o gato foram conversar com o ferreiro. O gato pediu:

- Ferreiro, me arranja uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o ferreiro:

- Só se você me arrumar um par de sapatos, que eu ando descalço.

O burro e o gato foram conversar com o sapateiro. O gato pediu:

- Sapateiro, me arranja um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o sapateiro:

- Só se você me arrumar um saco de pão, que eu estou com fome.

O burro e o gato foram conversar com o padeiro. O gato pediu:

- Padeiro, me arranja um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o padeiro:

- Só se você me arrumar trigo.

O burro e o gato foram conversar com um trabalhador que plantava trigo no campo. O gato pediu:

- Trabalhador, me arranja um pouco de trigo para eu dar para o padeiro para ele me dar um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

O trabalhador estava ocupado e não gostou de tanta falação:

- Burro não toma copo de leite quente!

Depois pegou um pedaço de pau e saiu correndo atrás do burro e do gato dando cada pancada que até ardia de tão doída.

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Nilto Maciel (Teoria do Amor Socrático)

O professor Mendes não sabia com precisão quando ti­vera a idéia de escrever seu inconcluso livro. E não se arrisca­va sequer a falar do ano.

— Mais ou menos — instavam seus amigos.

— Pode ter sido em 64, muito antes, ou muito depois; não sei.

Bem, se não se lembrava do tempo da fecundação, disses­se então por que decidira criar a obra — exigiam os outros. Por querer celebrizar-se? Por admiração ao filósofo? Por pu­ro diletantismo?

Mendes ou não levava a sério as preocupações dos cole­gas, ou também vivia em dúvida:

— Se não me engano, nasci para escrever este livro — e abanava um bloco de folhas escritas a mão, como se desse ba­nanas ao mundo inteiro.

As tais folhas andavam sempre entre as páginas de um livro impresso e este debaixo do braço, o que as fazia suadas, amassadas e emporcalhadas. Dias e dias com o mesmo livro, embora já o tivesse lido e relido.

— Ainda com a República? — ignorava alguém.

E Mendes aproveitava a observação para mostrar suas “anotações filosóficas” ao curioso. Alguns bons minutos de leitura, quer o outro tivesse pressa, quer pudesse perder tempo.

As pessoas queixavam-se constantemente da impertinên­cia de Mendes.

— Ele enche o saco com essas suas anotações — lastimava-se uma.

— O pior é que não escolhe suas vítimas. Podia chatear apenas seus colegas de Filosofia — opinava outra.

Para Mendes, todo ouvinte era um ouvinte, bastava ter ouvidos. Com certeza, iria entender tudo e gostar do texto.

Apesar de ninguém saber exatamente quando a primeira idéia germinara naquele crânio incompreendido, o certo é que o livro há anos vinha sendo escrito. Ou anotado, como o pró­prio Mendes dizia.

Um de seus amigos pilheriava: primeiro conhecera o li­vro, depois o autor. Até aí nada de engraçado, porque geral­mente o leitor não conhece o escritor.

— Ocorre que não fui leitor, mas simplesmente ouvidor. O leitor foi ele, o Mendes — contava o piadista. — Primeiro leu para mim umas anotações filosóficas e só depois se apre­sentou: — “Sou Pereira Mendes, filósofo”.— “Prazer em co­nhecê-lo”.

Os ouvintes da pilhéria se enchiam de curiosidade: quan­do havia ocorrido o fatídico primeiro encontro dos dois?

— No primeiro dia de aula do primeiro ano de minha car­reira de professor.

— Então já faz algum tempo! — admiravam-se todos.

— Se não ocorrer nenhum incidente na minha vida, deve­rei me aposentar daqui a dez anos.

Ao tempo do fato, Mendes devia ser ainda estudante, tal­vez calouro de faculdade.

Estranhavam ainda seus ex-mestres, colegas, amigos, alu­nos, todos quantos o ouviam diariamente, o não se apresentar ele como Apolodoro. Assinava-se A. Pereira Men­des, quer nos artigos que escrevia para a revista da escola, quer em documentos e papéis da vida civil.

— Não quero que digam: dedicou-se à filosofia só porque tem nome de filósofo.

Do nome do filho passavam à pessoa do pai. Com toda a certeza, o falecido José Mendes adorava filosofia.

– De jeito nenhum — replicava o professor. — Aliás, ele mal sabia ler. Não ia além dos jornais mais vagabundos.

E completava a informação: a lenda falava de um vizinho do pai, um sujeito metido a intelectual, como autor da idéia do nome.

De qualquer forma, aquele nome o levara a se interessar por filosofia. Primeiro procurou saber quem diabo tinha sido o tal Apolodoro.

— Para vocês terem uma idéia de como meu pai era um idiota, escutem só esta: ele me disse que Apolodoro era um influente político do tempo de Getúlio, um ex-tenente revo­lucionário, ou coisa assim.

E durante muito tempo o menino acreditou na história política de seu nome. Só descobriu a verdade quando chegou ao ginásio, às aulas de latim. Falavam de Apolo, e para Apolodoro foi um pulo.

Mendes nunca se mostrou um menino prodígio, desses que lêem Homero aos sete anos de idade. Pelo contrário, só lia o estritamente exigido pelos professores: sonetos da Esco­la Mineira, capítulos do Iracema, trechos de Rui.

Só às portas do vestibular conseguiu ler dez páginas so­bre o pensamento grego, onde o jornalista falava de Sócrates, Platão e Aristóteles, além de meia dúzia de nomes de boa pro­núncia.

— Havia Apolodoro?

— Nesse tempo eu era doido por Fátima e passava dias e noites a imaginar encontros aventurosos, palavras amorosas e beijos sulfurosos.

No entanto, a vida também passava. Mendes ingressou na faculdade, meteu-se no movimento estudantil, leu centenas de jornalecos, distribuiu panfletos incendiários e quase pe­gou em armas. Quando parou para de novo sonhar amores, Fátima havia casado com um comerciante de São Paulo e sumido para sempre.

Mendes queria ser jornalista. Se não fosse possível, advo­gado. Não havia vaga, porém, nem para uma nem para outra. Restava um lugarzinho na Filosofia.

— Do assunto eu só conhecia mesmo o amor platônico.

— Donzelo até essa idade? — brincavam os amigos.

Não, ele até poderia ser considerado um estróina prema­turo. Freqüentava cabarés desde os treze anos, na compa­nhia de um primo. Chegavam a gazear aulas, para ir atrás das mulheres, em pleno dia.

— Ainda me lembro da primeira vez. A mulher riu, mas eu me fiz forte, como se fosse experimentado garanhão.

Esse relacionamento com as raparigas se estendeu ao lon­go da vida de Mendes, a tal ponto de nunca querer se casar. Morou com os pais até a mãe morrer. A seguir, o velho também deu adeus à vida. Os irmãos e as irmãs então já tinham constituído suas famílias, cheios de filhos.

— Eu só casaria com aquela que eu amasse muito, e eu nunca encontrei este amor — confessava.

Não admitia as chamadas repúblicas de rapazes. Coisa de homossexuais enrustidos, defendia-se. Preferia viver só. Ha­bitavam sua casa, porém, livros, discos e quadros. A bibliote­ca tomava conta de quase tudo, da sala ao quarto. Pura ma­nia de colecionador, porque nos últimos tempos mal conse­guia ler uma página por semana.

— Primeiro preciso ler tudo sobre Sócrates.

Sua escrivaninha vivia abarrotada daquilo que conside­rava essencial ao seu interesse: histórias da Grécia antiga, di­cionários de filosofia e grego, obras filosóficas, especialmen­te o Banquete, Fédon, Memórias de Sócrates, Apologia de Sócrates e outras relacionadas ao mestre de Platão. No entanto nem só de filosofia vivia Mendes. As mulheres ocupavam lugar es­pecial em sua mente. Como Maria Helena.

Tratava-se de uma secretária epicurista, que conhecera num bar. Em suas conversas, no entanto, nenhuma filosofia tinha vez. Falavam de si mesmos, generalidades, palavras à toa. Primícias de cópulas sonhadas.

— O amor não precisa de filosofia — justificava-se.

Apesar disso, não abandonava nunca as folhas soltas de seu projeto de livro sempre espremidas entre as páginas de um filósofo qualquer, grego ou troiano. E, aqui e ali, relia para os amigos suas obscuras anotações, repletas de acrologias, agnosias e alegorias.

— Eu precisava saber mais sobre Xantipa, que tipo de amor havia entre ela e Sócrates — comunicava aos amigos, em meio à leitura.

Na faculdade, nem o mais humilde funcionário desconhe­cia o livro de Mendes. O livro e suas lacunas.

— Não descobriu nada ainda sobre o amor de Xantipa? — indagava o porteiro.

— Não.

— Nem vai descobrir — atrevia-se o outro. — O amor é o mesmo em qualquer época e em todo lugar – ensinava.

Professor e porteiro se perdiam então em longas digres­sões pelos caminhos do conhecimento. Cuidavam, formava-se verdadeira assembléia ao seu redor, composta de funcioná­rios, alunos e professores. Muitas vezes chamaram a polícia, a fim de dispersá-los. Do contrário, ninguém trabalhava nem es­tudava — garantia o diretor.

Além da filosofia ou, mais especificamente, de Sócrates, se deixava seduzir por outras manias o celibatário Mendes. Assim, adorava também música e pintura. Em todas as pare­des de seu pequeno apartamento havia quadros e mais quadros. A maioria reproduções de pinturas famosas, como A Banhista, As três graças e Mona Lisa.

— Para mim não existe mulher mais bela em toda a pintu­ra universal.

— Você sabe que é um auto-retrato? — provocava-o um colega.

– Se for, não deixará de ser mulher, para mim.

Chegou a confessar que a personagem de da Vinci só per­dia em beleza para um retrato de sua mãe quando jovem. No entanto nem só por figuras pictóricas apaixonavam-se os olhos filosofais de Mendes. Assim, além da pretérita Fátima, da epicurista Maria Helena, de tantas e tantas mulheres, morava também em seus sonhos Rosana, tida por alunos e profes­sores como a ninfa da escola.

— Pena que ele tenha chegado tarde — debochava a garota.

E isto — apaixonar-se por moças bonitas — constituía-se uma quarta ou quinta mania nele.

— Quem sabe, Mendes, ela muda de idéia — confortava-o um amigo.

— Não se preocupe comigo — resignava-se. — Afinal, as mulheres são efêmeras.

E Sócrates voltava à baila, e também a cicuta, os sico­fantas, Xantipa, Platão, Apolodoro, ele mesmo, suas famosas “anotações” para o sempre inconcluso O amor socrático.

— Mas o que vem a ser mesmo esse amor socrático? —impacientou-se, um dia, seu melhor amigo.

— Se eu soubesse, já teria concluído o livro — aborreceu-se Apolodoro.

E o aborrecimento virou ira, o sentimento pelo melhor amigo desfez-se e as “anotações filosóficas” para o livro ter­minaram reduzidas a mil pedaços de papel, que voaram, por todo o resto do dia, pelo pátio da Filosofia.

Fonte:
Nilto Maciel. Contos Reunidos. vol. II. Porto Alegre, RS: Bestiário, 2010.

Marcelo Coelho (Elefantes)


Meu primeiro dia na escola foi bem ruim. Hoje em dia as crianças não sabem direito como é o primeiro dia em que a gente entra na escola. Elas começam muito pequenas, com três anos estão no maternal. Comigo foi diferente. Eu já era meio grande. Tinha seis anos.

Imagine. Seis anos. Quer dizer que, desde que eu nasci, até ter seis anos, eu ficava em casa. Sem fazer nada. Brincava um pouco. Mas meus irmãos eram muito mais velhos, e criei o costume de brincar sozinho. Era meio chato.

Até que chegou o dia de entrar na escola. Minha mãe foi logo avisando.

- Olha, Marcelo. Lá na escola, não pode ficar falando palavra feia. Bunda, cocô, xixi. Não usa essas palavras.

Tocaram a buzina. Era o ônibus da escola.

Eu estava de uniforme. Calça curta azul, camisa branca.

Eu tinha uma camisa branca que me dava sorte. Era uma com uma pintinha no colarinho. Gostava daquela pintinha preta. Mas no primeiro dia de aula justo essa camisa tinha ido lavar. Fui com outra. Que não dava sorte.

Bom, daí a aula começou, teve o recreio, eu não conhecia ninguém, tirei um sanduíche da lancheira, o lanche sempre ficava com um gosto de plástico por causa da lancheira mas eu não sabia disso ainda, porque era a primeira vez que eu usava lancheira, então tocou o sinal e fui de novo para a classe.

Até que deu certo no começo. A professora explicou alguma coisa sobre os elefantes. Falou que eles tinham dentes grandes, e que esses dentes eram muito valiosos.

Então ela perguntou:

- Alguém sabe qual o nome dos dentes do elefante?

Ou melhor, ela falou assim:

- Alguém sabe para que servem os dentes do elefante?

Vai ver que ela queria perguntar: "Qual o material precioso que é tirado das presas do elefante?".

O fato é que eu sabia a resposta, e gritei:

- O marfim!

A professora me olhou muito contente. Os meus colegas também me olharam, mas não pareciam tão contentes.

Ela brincou:

- Puxa, você está afiado, hein?

Eu não respondi, mas fiquei inchado de alegria, como se fosse um elefantezinho. Dentes afiados.

Tinha sido um bom começo.

Mas aí vieram os problemas.

Fui ficando com a maior vontade de fazer xixi.

Segurei.

A professora continuava a falar sobre os elefantes.

Assunto mais louco para um primeiro dia de aula.

E a vontade de fazer xixi ia aumentando.

Cruzar as pernas não adianta nessa hora.

Olhei para um coleguinha no banco da frente. Tive inveja dele. Ele estava ali, tranqüilo. Sem nenhum aperto. Como é que seria estar no lugar dele? Pedir para ser ele, pedir emprestado o corpo dele por algum tempo? Como alguém pode ficar sem vontade de fazer xixi? Sem nem pensar no problema?

Eu estava ficando meio desesperado. Eu era meio tímido também. Levantei a mão. A professora perguntou o que eu queria.

- Posso ir no banheiro?

- Espere um pouco, tá?

Ela devia estar achando muito importante aquela história toda sobre elefantes. Começou a explicar como os elefantes bebiam água. Eles enchiam a tromba, seguravam bem, e daí chuáá...

Levantei a mão de novo.

- Preciso ir no banheiro, professora...

Ela nem respondeu. Fez só um gesto com a mão. Para eu esperar mais.

Na certa, ela estava pensando que, no primeiro dia de aula, é importante não facilitar. Não dar moleza. Devia imaginar que todo mundo inventa que quer ir ao banheiro só para passear um pouco e não ficar ali assistindo aula.

Professora mais chata.

Levantei a mão pela terceira vez.

Eu realmente não agüentava mais.

Só que a professora nem precisou responder.

Tinha tocado o sinal. Fim da aula.

Era só correr até o banheiro.

Levantei da carteira. A gente era obrigado a sair em fila.

Faltava pouco.

Claro que não deu.

Fiz o maior xixi. Dentro da classe.

Logo eu, que nunca fui de fazer grandes xixis. Mas aquele foi fenomenal. Parecia um elefante. Coisa de fazer barulho no chão. Chuáá...

A professora chegou perto de mim.

- Você estava apertado? Por que não me avisou?

Eu não soube o que responder. Mas entendi algumas coisas.

A coisa mais óbvia é que, quando você tem vontade de fazer xixi, vai e faz. Coisa mais chata é ficar pedindo para alguém deixar a gente ir ao banheiro. Banheiro é assunto meu.

Outra coisa é que as pessoas, em geral, não ligam para o que a gente está sentindo. Para mim a vontade de fazer xixi era a coisa mais importante do mundo. Para a professora, a coisa mais importante do mundo era ficar falando de elefantes.

É como se cada pessoa tivesse um filme dentro da cabeça. E só prestasse atenção nesse filme. Filme dos elefantes, filme do xixi.

Mais uma coisa. Quando a gente precisa muito, a gente tem de gritar para valer. Eu devia ter gritado:

- Professora, tenho de fazer xixi.

Ou, se quisesse evitar a palavra feia:

- Professora, tenho absoluta urgência de urinar.

Não seria bonito, mas até que seria certo dizer:

- Vou dar uma mijada, pô.

Mas o pior é ficar levantando a mão e dizendo baixinho:

- Professora, posso ir no banheiro?

Vai ver que eu estava falando tão baixo que ela nem escutou.

As pessoas nunca escutam muito bem o que a gente diz.

Uma última coisa.

Aquele xixi não teve importância nenhuma. Eu fiquei envergonhado. Ainda mais no primeiro dia de aula. Só que, alguns dias depois, o vexame tinha passado. Tudo ficou normal. Tive amigos e inimigos na classe, fiz lição, respondi chamada, e nem a professora, nem meus amigos, nem meus inimigos, ninguém se lembrou do meu xixi.

Sabe por quê? É porque já estava passando outro filme na cabeça deles. Cada pessoa tem outras coisas em que pensar: a briga que os pais estão tendo, o irmão mais velho que é chato, o presente que vai ganhar de aniversário...

Só eu liguei de verdade para o caso do xixi. As outras pessoas estão sempre tratando de assuntos mais sérios. Elefantes, por exemplo.

Fonte: 
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 556)


Ademar e Clevane Pessoa (MG)
Uma Trova de Ademar 

Demonstra muita coragem 
esse sertanejo irmão, 
que, mesmo com a estiagem, 
não deixa nunca o sertão! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

A vida, pregando peça, 
mostra quem é mesmo amigo, 
quando a lida recomeça, 
e ninguém segue contigo. 
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Orgulho é doença triste 
que nos condena a estar sós, 
sem nos deixar ver que existe 
um ser maior do que nós. 
–WELLINGTON FREITAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012 - Bandeirantes/PR 
Tema:  TRAVESSIA - Venc. 

Enfrento sem medo a lida, 
porque Deus é minha luz. 
Na travessia da vida 
o Seu Amor me conduz. 
–AGOSTINHO RODRIGUES/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

O meu vício é controverso,
tem dependência e vicia.
Sou dependente do verso,
rima, métrica e poesia!
–FRANCISCO MACEDO/RN– 

Uma Poesia  

Sou um fã de Antônio Conselheiro,
O primeiro comunista do Brasil,
Admiro Marinês, Gonzaga, Gil
E o suingue de Jackson do Pandeiro.
Sei da vida de Pinto do Monteiro,
O maior cantador desta Nação,
Mestre Zinho, Jacinto e Azulão
São os nomes da música de raiz.
Eu nasci no Nordeste e sou feliz
Por contar as histórias do sertão.
–WELLINGTON VICENTE/PE– 

Soneto do Dia  

Dupla Estiagem 
–DEDÉ MONTEIRO/PB– 

Quando Deus manda, lá por seus motivos,
dois anos secos para os sertanejos,
se os mesmos anos são consecutivos,
tombam por terra todos os desejos.

Pelas estradas, tristes, pensativos,
vão-se arrastando, como caranguejos,
milhares desses pobres semivivos,
deixando a vida sobre seus rastejos.

A nossa terra, que com chuva é rica,
faltando a mesma, desprezada fica,
tombando a seca sobre os ombros nus.

O sol resseca todas as alfombras
e os bichos brutos vão procurar sombras
nas sombras magras dos mandacarus.

Esopo (Fábula 17: A Raposa e o Crocodilo)

Uma raposa e um crocodilo estavam a discutir a pureza das suas árvores genealógicas. O crocodilo falou demoradamente acerca da sua famosa família e da grandeza dos seus antepassados.

"Não precisas de dizer mais nada", disse-lhe a raposa, sorrindo sarcasticamente, "porque não há melhor prova da tua origem que a tua pele. És tão feio, que não há dúvida de que descendes duma longa linhagem de aristocratas."

Moral da história

Os grandes gabolas e mentirosos acabam quase sempre por se trair.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 2

CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

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Darcilia Marindir Pinto Simões
Maria Suzett Biembengut Santade
DISCUTINDO O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO L1, L2, L2E

Este simpósio visa a congregar docentes-pesquisadores interessados na temática \"ENSINO DE PORTUGUÊS [LP] COMO L1, L2, L2E\", para levantar discussões que possam contribuir com a melhoria da prática de ensino de Língua Portuguesa nesse amplo espectro. Tema que vem ensejando muitos debates, estudos e pesquisas, pareceu-nos oportuno reunir, sob os auspícios do CIELLI, profissionais com experiência nessa modalidade didático-pedagógicas da Língua Portuguesa, de modo a promover o cruzamento de saberes, crenças, hipóteses teóricas etc., que propulsionem o avanço da produção técnico-científica e, por conseguinte, contribuir para o aperfeiçoamento das estratégias de trabalho.

Na ótica de Charles S. Peirce, estudioso norte-americano, as concepções são “idéias que se alojam na mente das pessoas como hábitos, costumes, tradições, maneiras folclóricas e populares de pensar”. Portanto, entendemos que muito do que circula sobre o ensino da língua portuguesa (L1, L2, L2E) se deve a juízos acientíficos produzidos e alimentados pela mídia e que merecem nosso olhar crítico, para que reajustemos a imagem dos docentes e dos cursos que operam nessa área. O ensino da língua com meta comunicativa trouxe à cena a incongruência histórica do ensino pautado na nomenclatura.

Posto o foco no problema, chegou às classes os ensinamentos da Linguística Textual e da Análise da Conversação. Uma e outra contribuíram para uma revisão do que se ensinava e do que cobrava do aluno. Verificou-se ainda, com a luz da Sociolonguística, a questão da variedade que, independentemente de qual língua ou qual modalidade de língua seja, a variação é um fato relevante. Então os olhos se voltaram para novos enfrentamentos. Todavia, os equívocos não deixam de existir e, apesar dessas importantes malhas teóricas surgidas, continua o sofrimento docente por não conseguir atingir seus objetivos.

Diante do processo de globalização, as nações passaram a se avaliarem em relação às outras e partiram para a elaboração de processos avaliativos mundiais. E os resultados desses expedientes é motivo de mais angústia por parte dos docentes. Estamos numa fase propícia, pois o Brasil parece bem situado em meio à crise econômica internacional. Em decorrência, os olhos estrangeiros cada vez mais se voltam para o Brasil, que vem sendo visto como nova shangrilá, por isso, o controle de qualidade se impõe com mais força, e nós, docentes-pesquisadores da área, somos cobrados, pedem-nos teorias, métodos, enfim, caminhos para a consecução dos grandes objetivos do ensino de línguas para a comunicação.

A Linguística Aplicada, a Semiótica, A Semântica, a Pragmática etc. disponibilizam caminhos seguros para a realização de um processo de ensino produtivo. No entanto, a moldura de temeridade e de displicência, construída a partir de uma prática social voltada para a valorização das línguas estrangeiras, acaba por afetar o ambiente das classes de LP e resultar em desentendimento sistemático entre teorias e métodos de modo a permitir resultados dolorosos no ranking nacional e internacional de avaliação das competências discentes para a leitura e produção textual. Assim sendo, espera-se desse Simpósio a elaboração de um material que possa, no mínimo, provocar a reflexão docente no âmbito do ensino de LP como L1, L2, L2E. Palavras-chave: LÍNGUA PORTUGUESA; ENSINO; TEORIAS, MÉTODOS E COMPETÊNCIAS

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Jeane Mari Sant´Ana Spera
Marco Antônio Domingues Sant´Anna
ELEMENTOS DE LINGUÍSTICA PARA O TEXTO LITERÁRIO

Dominique Maingueneau, em Elementos de lingüística para o texto literário, título tomado de empréstimo para identificar este simpósio, aponta o risco de se aprofundar o “fosso” entre os estudos lingüísticos e a análise literária, caso linguistas e literatos insistam em manterem-se recolhidos em seus próprios domínios. Manifesta mesmo o desejo de contribuir para o restabelecimento da comunicação entre ensinos lingüístico e literário, como evidentemente o faz, com suas publicações.

Este é, também, o objetivo deste simpósio: possibilitar o encontro de pesquisadores que busquem explorar, na análise literária, o papel efetivo dos estudos lingüísticos da mais variada natureza. Nesse particular, destacam-se os estudos relativos às instâncias da enunciação, tais como as formas de manifestação do sujeito e suas consequências textuais, os discursos citados, as questões relativas a tempo e espaço etc... Fala-se, nesse caso, em discurso literário. Percebe-se que essa preocupação com as relações entre literatura e lingüística como objeto de estudo tem ocupado muitos outros lingüísticas.

Além do já citado Maingueneau. Já há algum tempo, Sírio Possenti (1988), em Discurso, estilo e subjetividade, discute, no capítulo intitulado Notas sobre estilo literário, a questão que envolve as relações entre Lingüística e Literatura, ou, mais especificamente, entre lingüistas e críticos literários. O autor constata a necessidade de haver um maior intercâmbio entre esses estudiosos, visto que ambos trabalham com a linguagem. No campo da literatura, a publicação recente de Beth Brait (2010), intitulada Literatura e outras linguagens, reúne lingüísticas e literatos, do nível de Carlos Alberto Faraco, Luiz Carlos Travaglia, Francisco da Silva Borba, Carlos Vogt, Cristóvão Tezza, Ignácio de Loyola Brandão, Ingedore Koch, Possenti, Maingueneau, entre outros, para discutir suas relações com língua e literatura.

A partir de uma pergunta formulada na apresentação do livro, “Como se arranjam língua e literatura nas estantes da vida?”, Brait seleciona textos, “cuja leitura, análise, discussão é complementada por depoimentos inéditos de prosadores, poetas, lingüistas, analistas do discurso, teóricos da literatura” que trabalham com linguagem, criação e ensino. Os textos revelam as relações entre língua e literatura, em cuja convergência se pode “observar a linguagem – verbal, visual, verbo-visual –, bem como os sujeitos com ela envolvidos e por ela constituídos”. A autora justifica a obra pela convicção manifesta de que língua e literatura formam “uma parceria inquestionável”, crença, acredita-se, também professada pela maioria dos pesquisadores que se dedicam ao estudo do discurso literário.

Enfim, acredita-se que esse simpósio possa, assim como as obras citadas, provocar discussões que permitam vislumbrar o movimento contínuo das relações mútuas entre literatura e linguagem, traduzidas nas reflexões sobre a função dos fatos linguísticos na conformação do texto literário, bem como sobre o papel fundamental da literatura na construção da identidade de uma língua. A confluência de tais esforços só poderá fortalecer o diálogo entre os dois campos de estudo, o que, com certeza, deverá ampliar as possibilidades de pesquisa tanto no campo dos estudos lingüísticos como no dos estudos literários.

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Adriane Teresinha Sartori
Sílvio Ribeiro da Silva
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA CONTEMPORANEIDADE

Este simpósio visa reunir pesquisadores, cujos trabalhos estejam em andamento ou já tenham sido concluídos, que se debruçam sobre a questão do ensino de língua portuguesa como língua materna em todos os níveis escolares. Trata-se de temática que merece nossa análise por diversos motivos. Um deles está na problemática enfatizada pela constante divulgação de resultados insatisfatórios de nossos alunos em avaliações (inter)nacionais de leitura e escrita. Abre-se, então, um primeiro grupo de trabalhos: por um lado, aqueles que investigam os testes propostos e, por outro, aqueles que pesquisam os processos de leitura e escrita.

A questão da leitura merece nossa atenção, porque há muito a se dizer sobre como ensinar a ler/compreender/interpretar um texto, identificando informações explícitas e construindo informações implícitas. Vale destacar que a leitura deixou de ser vista como um mero processo de decodificação de símbolos, por envolver, na verdade, a mobilização de vários elementos, formando uma complexa rede de inferenciação.

A escrita, por sua vez, pode ser tratada por diversos ângulos: a redação de gêneros escolares, as situações de produção bastante detalhadas e específicas, os “erros” dos estudantes, a reescrita/refacção do texto, entre outros, todos fundamentais para se pensar em como desenvolver a competência discursiva escrita do sujeito. Os outros eixos de ensino, a gramática/análise linguística e o oral, também ganham espaço neste simpósio. A questão da análise linguística, ressignificando o ensino de gramática, efetiva-se hoje em práticas variadas, ora contemplando aspectos da nomenclatura gramatical, ora buscando a análise das marcas linguísticas de tipologias textuais e de gêneros variados. E no meio desses dois polos, há um verdadeiro mix de atividades, revelando aproximações e distanciamentos entre concepções acadêmicas e escolares.

O ensino do oral, longe de ser uma simples discussão de um assunto em sala, ou apenas a exposição de ideias acerca de um texto lido, exige que voltemos nosso olhar para os gêneros formais públicos e a (necessária) ficcionalização das propostas de produção oferecidas aos alunos (Schneuwly, 2004). Há que se considerar, também, que os estudos sobre gêneros discursivos abrem possibilidades de investigação muito importantes, considerando desde a descrição daqueles que devem ser ensinados, até experiências que têm sido realizadas para abordá-los, sem esquecer o processo de didatização dos que são deslocados de sua esfera de origem para a escola. Pode-se discutir, nessa perspectiva, a questão dos gêneros que devem ser lidos e dos gêneros que devem ser produzidos pelos discentes (Lopes-Rossi, 2005). Merecem nossa atenção, ainda, os livros didáticos de Língua Portuguesa, bem como os apostilados usados pelas redes privadas de ensino e, em menor número, por escolas públicas. Há de se considerar seus usos, suas propostas e concepções. Inegavelmente, são materiais muito utilizados pelo professor no dia a dia com seus alunos ou, no mínimo, como subsídio para a elaboração de suas aulas.

Enfim, esse simpósio pretende reunir pesquisadores interessados em desvelar as práticas que se efetivam ou poderiam se efetivar nas salas de aula de língua portuguesa dos diversos níveis de ensino, visando contribuir para a construção de alternativas para o processo ensino-aprendizagem, objetivando a inclusão e participação dos alunos em novas e variadas práticas de letramento.

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Magdiel Medeiros Aragão Neto
Morgana Fabiola Cambrussi
ESTUDOS DO LÉXICO E DA GRAMÁTICA

A discretude entre componentes gramaticais e a negação do léxico como um dos componentes estruturados das línguas naturais, pelo que parece, é uma opção metodológica que afasta a análise linguística de uma compreensão dos fenômenos da linguagem mais adequada e inviabiliza a unificação dos estudos desenvolvidos mais acentuadamente a partir da segunda metade do século XX – o que acarreta, além da falta de diálogo entre as ramificações da Linguística, a fragilidade de suas pesquisas.

Isso pode ser adequadamente atestado todas as vezes em que se esbarra, em meio a profusões terminológicas, na dificuldade de se distinguir entre “[...] o fenômeno observável, por um lado, e a variedade de constructos teóricos, por outro.” (LYONS, 1979, p.26. Tradução livre.). Nesse jogo de poder, não é incomum esbarrar em trabalhos cuja discussão tenta moldar fatos da língua para assentá-los no escopo de uma teoria qualquer. Na contracorrente dessa suposta discretude, este Simpósio, “Estudos do Léxico e da Gramática”, propõe um espaço de discussão ampla dos fenômenos da gramática e do léxico, sustentando-se sobre a premissa de que há, entre os componentes gramaticais e lexicais, assim como entre o léxico e a gramática, uma interdependência saliente, rejeitada por uma tradição de correntes linguísticas, mas que já começa a ser posta em nova chave.

Essa interdependência deixa-se perceber quando o olhar não está viciosamente conduzido pela ideia de autonomia e de centralidade de um dos componentes da gramática e do léxico sobre outros que, assim, tornam-se periféricos ou pela ideia de que o léxico das línguas reduz-se a uma listagem desordenada de informações linguísticas sem relevância para a organização e o funcionamento das línguas. Pelo contrário, para explicar certas configurações sintáticas, por exemplo, muitas vezes é necessária a compreensão de quais aspectos lexicais interagem e como se articula tal interação, que comumente envolve diversas propriedades gramaticais. Em outras palavras, a proposta deste Simpósio é propiciar uma discussão teórica e analítica sobre questões pertinentes e atuais levantadas por pesquisas desenvolvidas no campo da investigação linguística, concernentes aos fenômenos observados na estrutura e no funcionamento das línguas naturais, seja no plano do léxico seja no plano da gramática, preferencialmente a partir da integração entre esses planos e/ou da integração entre os componentes gramaticais e lexicais (morfológico, fonológico, sintático, semântico).

Objetiva-se, portanto, articular pesquisadores interessados nas interfaces, nos limites e nas possibilidades que se colocam para a descrição, para a análise e para a explicação linguística dos fenômenos observáveis no léxico e na gramática das línguas naturais. Dessa forma, este Simpósio se constitui em um espaço acadêmico e científico aberto e instigador de debate acerca de fatos linguísticos, que podem ser investigados sob diferentes perspectivas quanto às orientações teóricas e às abordagens empregadas.

Fonte:

domingo, 20 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas) – parte 10


37

Na Terra, as duras contendas
ainda são preocupantes.
Pelas mais cruentas sendas
anda o perdão, vigilante.

38

Quando enfim chegar a hora
de um louvável conviver,
o perdão irá embora,
não terá razão de ser.

39

Luquinha do Rancho Quieto
foi bem tirano com os seus.
Tira o chapéu... Diz ao neto:
- Aguardo o perdão de Deus!...

40

O perdão tem qualidades
unidas numa façanha:
é peso e serenidade
de uma elevada montanha.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Lygia Fagundes Telles (Antes do Baile Verde)


Em Antes do baile verde, conto de Lygia Fagundes Telles, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores desculpas para si mesma.

A protagonista se divide entre o dever e a culpa para com ao pai moribundo e o desejo de se divertir livremente, até sua fuga desabalada rumo ao sonhado baile de carnaval.

Personagens:

Talisa - a patroa.

Lu - a empregada.

Raimundo - namorado de Talisa.

O pai da protagonista.

Tempo / Espaço

O tempo é cronológico, a ação se passa durante um dia de carnaval. O espaço é um apartamento.

Foco narrativo

Em terceira pessoa, narrador observador.

Traços estilísticos e temáticos

Lygia Fagundes Telles faz uma radiografia moral do egoísmo e da mesquinharia humana. De um lado, o pai enfermo, do outro, a filha que só pensa em si. Na incapacidade de assumir suas falhas, ela transfere a culpa a outros fatores. Percebe-se uma nítida preocupação em tentar se justificar de tudo não só para a empregada como também para si.

À proporção que a conversa entre as duas vai se desenvolvendo, dois sentimentos tomam conta de Tatisa: a angústia com o sentimento de culpa (relacionada ao pai) e o medo (voltado para a reação do namorado caso ela se atrasasse). Nota-se que a personagem prioriza o namorado ao pai.

De estilo simples e direto, com poucas descrições, no texto predominantemente o discurso direto, com predomínio do diálogo dos personagens diante do narrador (dos 128 parágrafos que compõem o conto, 92 são falas de personagens). O papel do narrador limita-se a guiar o andamento da cena. Não entrando em detalhes acerca dos fatos ocorridos. É um flash da vida humana retirado em um de seus momentos mais angustiantes. Esta angústia é passada ao leitor ao final do conto, quando este é deixado em aberto. Isto busca uma maior interatividade com o leitor, fazendo com que ele crie várias possibilidades de finais para a estória.

Enredo

Tudo acontece no apartamento de Tatisa, que juntamente com sua empregada, Lu, preparam-se para um Baile Verde de carnaval. Ambas estão apressadas, em especial Tatisa, preocupada em chegar atrasada ao encontro de seu namorado, Raimundo. Lu vai ajudando Tatisa a terminar sua fantasia.

É nessa situação que a empregada chama a atenção da jovem para a saúde de seu pai. Disse que esteve lá (no mesmo prédio); que o pai de Tatisa estava morrendo e que seria bom que ela fosse vê-lo. No decorrer da conversa, a garota deixa transparecer seu egoísmo em total indiferença ao pai. Transfere não só a culpa disso, mas também a responsabilidade para outrem (o médico e a própria empregada).

Depois, tenta convencer a empregada de ficar com o pai naquela noite. Esta reluta a idéia alegando que não perderá o desfile de carnaval por nada. Tatisa tenta se convencer de que está tudo bem, até escutarem um gemido agonizante próximo de quando saíam do apartamento. Dirigem-se para o apartamento de seu pai , primeiro a empregada, depois ela.

Fonte:
Passeiweb

Luiz Carlos Leme Franco (O Ponto)


O ponto, bolinha no fim da linha, dia destes rebelou-se por não ter com quem conversar á sua direita. Resolveu pular, sacolejar, procurar outra posição. Tanto fez que caiu linhas abaixo entre dois As e foi enxotado, pressionado a sair dali, porque deixaria os dois As sem função e ninguém conseguia lê-los.

O ponto triste com tal recepção, mas não querendo de novo se mover por sentir-se bem entre duas letras rechonchudinhas, agradáveis de se falar, bateu o pé para ficar aí. Foi agredido, espremido e esticado, de cada lado, por um dos As, até que virou travessão. Pior p’ra ele que ficou maior e mais difícil de se mexer e para as letrinhas mais longe uma da outra.

O ponto, agora retinha, levantou-se assustado por ver suas ex- vizinhas tão longe, que caiu e quebrou o pé ficando com um dedinho pendurado: virou um ponto de exclamação, esquisito entre as duas vogais - A!A - situação que não agradou nem este ponto rebelde e nem as letras, que começaram puxando-o de um lado, empurrando de outro até que esta reta com um ponto em baixo envergou-se e originou um ? , ponto de interrogação, propiciando já uma leitura rudimentar, ao se ler cada A de uma vez .

-A? se pergunta.

-A.

- A o quê?

-A oras.

– Mas o que é A?

– A de Agora, Amora, Afora, Alguém, Amor,

– Ah, é Amor. Então deixa. E ficou o ex ponto assim até que lhe entortaram mais e jogaram seu pontinho de baixo fora.

Agora um S entre As lhe proporcionou a ser ASA e voou para longe, até ser estilingado no lugarejo de nome CASAco quando perdeu um A de sua ASA e não mais ficou livre como sempre esteve. Virou cASco.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 555)


Uma Trova de Ademar

Hoje aqui deixo um recado
a quem desejou-me o bem,
a todos digo Obrigado;
sem esquecer de ninguém!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Minhas lágrimas cadentes,
que rolam por minha face,
revela mágoas silentes
de um amor em desenlace.
–ESTER FIGUEIREDO/RJ–

Uma Trova Potiguar


O Potengi! meus quebrantos
são bem mais que tuas águas;
tuas águas são meus prantos,
e meus prantos tuas mágoas!...
–RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - UBT-Minas Gerais/MG
Tema: NOITE - 2º Lugar


Minhas mãos, barcos sem velas,
em carinhosos desvelos,
navegam, quais caravelas,
na noite dos teus cabelos !...
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Uma Poesia


Não encontro outra dama como aquela
nem caçando igualmente um detetive,
entre todas mulheres que já tive
ela foi a mais simples e a mais bela,
ontem a noite dormi, sonhei com ela,
vi no sonho seu corpo em meu colchão,
mas como sonho é somente uma ilusão
quando fui lhe abraçando eu acordei,
se eu pudesse encontrar quem mais amei
livraria da dor, meu coração.
–ENEVALDO HIPÓLITO/PI–

Soneto do Dia

Contradição
–MARIA NASCIMENTO/RJ–


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Lola Prata (A Dormição de um Poeta)


Não estava muito velho. Ocupava-se o dia inteiro com a produção literária, o que o conservava entusiasmado, lúcido e atuante.

Naquela tarde, como em todas as outras, teria muitos papéis para preencher com poemas e com o que mais lhe satisfazia: autos de origem medieval renovados em estilo atual, adaptados em rimas sonoras. Tudo bem aceito pelo mercado livreiro. Letras puras, sem mesclas de maldade ou cinismo. Seu dom granjeava-lhe leitores assíduos. Frases limpas, ditadas pelo amor universal que cultivava com cuidado e que brotavam do reduto de seus sentimentos. O cérebro apenas equacionava e compunha em versos, quase sempre metrificados, o pensamento consagrado.

Assim cumpriu Dom Marcos Barbosa, o tempo a ele designado. Cumpriu-o bem até ser chamado à morada eterna para, então, ingressar na eternidade.
*
O povo contrito e vários bispos confrades do falecido, compareceram ao velório e encomendaram a Deus o corpo inerte.

Daí, alguém pediu que todos se acomodassem, pois que haveria mais uma oração. Esse alguém colocou uma fita cassete para rodar.
*
A voz de Dom Marcos irrompeu em timbre claro, perfeitamente audível. Ele fazia a própria entrega da alma à Misericórdia de Deus, a quem dedicara a vida. Foi um adeus-agradecimento aos amigos que tinham-no acompanhado na caminhada. Muitos seguraram as lágrimas quando o ouviram encerrar dessa maneira:

- Adeus...! Alegrem-se...! Estou indo para uma festa!

Fonte:
Texto enviado pela autora

Heloísa Crespo (Poesia In Memoriam de Sérgio Roberto Diniz Nogueira: Saudade Antecipada)


A Sérgio Roberto Diniz Nogueira

O sol não apareceu.
A cidade ficou triste,
chorou nos pingos da chuva
que insistia em cair,
enquanto a notícia crua
corria ruas e bairros,
anunciando a partida
repentina e inesperada
do poeta e professor
Sérgio Nogueira Diniz.

A dor do último adeus,
estampada em cada rosto,
revelava o amor sentido,
a saudade antecipada,
o orgulho de ter vivido
tão perto de um amigo,
de um homem ético e digno,
de um exímio educador.

Na Terra a perda sentida.
No céu a festa esperada.
A entrada triunfante,
carregado pelos anjos.

Novas trilhas definidas,
novas metas planejadas
numa lida abençoada
para o novo caminhante.
14/05/2012

HOJE TAMBÉM É UM DIA DE TRISTEZA: daqui a pouco, as 12horas, no Campo da Paz, estaremos sepultando o corpo do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ, que desde ontem é SAUDADE. Na verdade, não estaremos enterrando um corpo: estaremos, sim, plantando uma frondosa árvore no solo da planície goitacá, adubada por esta chuvinha plantadeira outonal. Por sua dignidade, honradez, inteligência para o Bem e amor cristão com que viveu entre nós, com certeza já está desfrutando em espírito da Paz Celestial.

SÉRGIO foi um exemplo de cidadania vivida pelo exemplo: a Ética Cívica, cidadã, solidária, opondo-se o tempo todo à ética cínica, individualista, predatória. Tanto na vida pública como na vida particular, com os amigos e com a família. Um grande Campista!

Lembro-me bem: numa das inesquecíveis SEMANAS UNIVERSITÁRIAS que promovíamos em fins dos anos 60 e ao longo dos 70,quando o tema era EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR EM CAMPOS (éramos Direito, Filosofia, Serviço Social e Medicina),num pronunciamento apaixonado ele jurou solenemente que faria tudo, lutaria com todas as suas forças para trazer os Cursos de Economia, Administração e Ciências Contábeis da CANDIDO MENDES PARA CAMPOS! E cumpriu o juramento: com entusiasmo anunciou a instalação da CANDIDO MENDES em nossa terra em 1976, que desde então cumpre relevante papel na infra-estrutura do desenvolvimento regional. Honrou-me com o convite para ser professor-fundador dessa grande instituição universitária, que prontamente aceitei e disso tenho orgulho! A CANDIDO MENDES DE CAMPOS mantém-se pela ação, vontade de servir e trabalho árduo de muitos! Mas ninguém apagará esta verdade: foi o PROFESSOR SÉRGIO DINIZ o grande responsável por este feito.

Assim, na Política com P maiúsculo, no Magistério e na vida comunitária, na defesa intransigente da Democracia, na construção histórica e heróica do Ensino Superior de qualidade em Campos,no exemplo de dignidade e grandeza moral, que para sempre seja lembrado e gravado no bronze da História o nome do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ! Adeus, Amigo. Em meu nome e da Família Coelho dos Santos!

Elmar Martins (Meia Dúzia de Sete)
noturno do hotel palace
para Sergio Diniz


escrevo e você já não lê

pronuncio em voz alta
um verso que diria a você:

“o tempo é um pássaro
de natureza vaga”

antecipação fatal: o verso
existe antes de mim

outra maior: qualquer fim

19/05/2012

Fonte:
Texto enviado pela autora

Esopo (Fábula 16: As Rãs Que Queriam Ter Um Rei)


Em tempos que já lá vão, quando as rãs viviam à solta nos lagos, elas cansaram-se de não terem governo e pediram a Júpiter que lhes desse um rei que pudesse dizer-lhes o que estava certo e o que estava errado, fazer leis e decretar recompensas e castigos.

Desdenhando a loucura delas, Júpiter atirou-lhes um pau, dizendo com a voz trovejante:

"Eis o vosso rei!"

O pau causou um tal reboliço ao cair na água que as rãs entraram em pânico e dirigiram-se para o lodo, a fim de se esconderem. Passado um momento, uma rã, mais destemida do que as outras, levantou a cabeça, à procura do novo rei.

Até subiu para cima do pau... e as outras seguiram-na. Em breve tinham perdido o medo e isto levou-as a desprezar o seu novo "rei".

"Este rei", disseram elas a Júpiter, "é muito frouxo. Por favor, manda-nos um que tenha autoridade."

Então, Júpiter mandou-lhe uma cegonha e, durante muito tempo, as rãs, vendo o seu longo pescoço, ficaram sem saber se seria uma serpente ou uma cegonha. Então, a cegonha começou a comer as rãs, que fugiram e foram queixar-se a Júpiter, pedindo-lhe que a levasse e lhes desse outro rei.

"Se não estão contentes quando as coisas correm bem", disse Júpiter, "têm de ter paciência quando as coisas correm mal."

Moral da história

Satisfaz-te com a tua situação atual, mesmo que seja má, porque uma mudança pode piorar as coisas ainda mais.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.