segunda-feira, 9 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas (Parte 10, final)


217 - Assis
Injustiça é coisa feia,
mais ainda quando explora
aquele que ao sol, na roça,
diuturnamente labora
a fim de encher a barriga
de quem na cidade mora.

218 - Delcy
 Às vezes, a gente chora
ao ver tanta desventura:
miséria...fome...doenças...
tristeza...pranto...amargura,
que é bem  menor, eu garanto,
que ter    falta  de ternura!

219 - Elisabeth 
Neste tempo de ventura, 
às vésperas do Natal, 
possa a igualdade se dar 
de uma forma bem total, 
trazendo a fartura a todos 
num  mundo mais fraternal! 

220 - Prof. Garcia
Até no próprio Natal 
há ingratidão desmedida: 
mesa farta tendo tudo 
e mesa sem ter comida, 
convida-se todo mundo 
só Jesus ninguém convida! 
  
221 – Gislaine 
Para melhorar a vida, 
o mundo devia ser 
feito somente de amor, 
e, após, cada entardecer 
o calor do Sol ficasse, 
entre nós, para aquecer! 

222 - Hélio 
Surge em cada alvorecer, 
o sol que cumpre o seu plano 
de aquecimento ao planeta 
sem que falte ano após ano, 
mas no mundo o que mais falta 
é o calor do ser humano. 

223 - Milton
O meu destino, cigano,
manda que eu vá mais além...
Nas caminhadas encontro
gente que vai e que vem,
com eles eu vou tentando,
sempre, praticar o bem...

224 - Ouverney
"Faça-o, sem olhar a quem."
O rifão me diz que sim,
mas, na hora, é que são elas:
falo por ti e por mim,
a gente fala e não faz,
fica o assado por assim!

225 - Tadeu
 Fazer o Bem, para mim,
é bem difìcil também.
Com muito esforço encontramos
o resultado, porém.
Pois nao hà bem que supere
o bem de fazer o Bem.

226 – Thalma 
Agradeço e digo amém
o ensejo que os céus me dão
de o bem fazer sem cobranças
a qualquer carente irmão,
sem que a mão esquerda saiba
como me ordena a razão.

227 - Vanda
É tempo de reflexão:
Mais um Natal - que ventura!
Onze nomes conto a mais 
no rol da amizade pura.
Meu abraço aos sextilheiros,
meu punhado de ternura.
  
228 - Zé Lucas
O Natal se me afigura
festa de paz e harmonia,
e nesse que se aproxima
serei o rei da alegria
se ninguém for para o leito
sem o pão de cada dia. 

229 - Assis
Por sorte nossa e alegria,
podemos, neste final,
misturar a despedida
com o abraço de Natal,
dessa forma concluindo
o debate em alto astral.

230 – Delcy
Que esse debate, ao final,
cresça, com propriedade,
que o Natal e o Ano-Novo
tragam mais felicidade
para os doze  sextilheiros,
neste pacto de amizade!

231 - Elisabeth
Foi mesmo felicidade
e uma glória para mim,
juntar-me a tantos amigos...
E agora que chega ao fim
desejo Feliz Natal!
Felicidades!!! Tim Tim!!

 232 - Prof. Garcia
Todo final é assim,
não há outra explicação:
deixa um cheiro de saudade
e um gosto de solidão,
batendo nas cordas tristes
das cordas do coração!

233-Gislaine
Termina com emoção,
assim como começou,
nosso debate em sextilhas
que, muito lindo ficou;
por isso, neste Natal,
bem mais feliz eu estou!

234 - Hélio Pedro
Nosso debate passou
como um barco que flutua,
deixando muita saudade
mas um palpite insinua:
que outros debates virão
pois a vida continua.

235 - Milton
A vida nunca recua:
última ceia da trilha...
Doze apóstolos mostrando
como a poesia brilha,
comungando pensamentos
com esta deusa: a sextilha.

 236 - Ouverney
Vanda, Thalma, Hélio da Ilha,
Gislaine, Delcy, Tadeu,
Milton, Zé Lucas, Garcia,
Elisabeth, Assis... Eu!
A "deusa" há de estar em êxtase!
Arrivederci!  Valeu!!!

237 - Tadeu
O mais contente fui eu
por tão boa companhia.
E hoje que o debate finda
e a saudade principia,
digo aos irmãos sextilheiros:
-Valeu! Até qualquer dia!

238 – Thalma 
Neste Natal, na alegria,
na força que o verso tem,
eu peço que os sinos dobrem
pelos poetas também,
por meus irmãos sextilheiros
que são arautos do Bem!

239 - Vanda
... E o bonito vaivém
dos versos passou veloz,
 mas nosso adeus no Natal
 ganhou luz! E a nossa voz
 diz - "Glória  a Deus nas alturas!
 Paz na terra a todos nós"!!!

240 - Zé Lucas
Termina o debate, após
passar onze meses no ar,
mas, como valeu a pena,
mesmo andando devagar,
porque doze amigos, juntos,
têm mil coisas pra contar! 

FIM.

Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html
Parte 4 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-4.html
Parte 5 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilha-parte-5.html
Parte 6 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-6.html
Parte 7 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-7.html
Parte 8 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-8.html
Parte 9 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-9.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Yara Camillo (Duas Vias)


jf

Ele abriu a porta do carro para que ela entrasse.

 – A velhice dando passagem à juventude?

 – Não: a sabedoria dando vez à pretensão.

 Riram. Era uma brincadeira antiga, da época em que se conheceram: ela, preparando a tese. Ele, o orientador que não chegou a sê-lo… A relação aconteceu e, de comum acordo, decidiram que ela procuraria outro professor. Nem por isso a pressão foi menor. Em muitos olhares, o imediatismo rotulava, sem sursis: veterano-estende-as-asas-sobre-a-novata. E poderia ter sido pior; tivesse a “vítima” alguns anos a menos e o crime estaria consumado, não se podia brincar com essas coisas.

 – A maré do politicamente correto extrapolou, afrontando os limites do bom senso – dizia ele. – Facilite... E até Lolita e Morte em Veneza acabarão queimados em praça pública.

 – Não exagere – dizia ela.

 Ele ria:

 – E a lei contra os Adônis que enfeitiçam os velhinhos? Deveria existir uma, não?

 Ela ria:

 – E qual seria o nome desse crime... Gerofilia?

 – Sim... Muito próprio. – E ele improvisava a premissa: – Não gerofile, para não ser pedofilado. 

 – Proponha esta na próxima reunião e estaremos condenados em duas vias, sem direito a habeas corpus.

 – Falando em habeas…

 – Falando em corpus…

 A brincadeira se repetiu ao longo dos anos, mesmo depois de perder a graça; ela, mais que ele, chamava o riso como tábua de salvação, como refúgio das crises que também se repetiam, indefinidamente.

 Passado o espanto geral, que de roldão consumira também certos encantos, as coisas começaram a se acomodar. Ninguém mais estranhava a parceria, nem a ironia que permeava o enredo natural daquele amor: ela, já não bastasse os muitos anos a menos, aparentava ser tão menina... Para entrar no cinema, só mostrando Identidade que provasse ao menos dezoito, dos vinte e três já completos. Ele, em contrapartida, já aos dezesseis se passava por “maior”, nos bailes e cinemas da cidade interiorana onde nascera. Cabelos precocemente grisalhos e o sagrado costume da cerveja completavam o quadro, adiantavam o tempo e, aos olhares alheios, alongavam mais ainda a distância entre os dois.

 O tempo. O curso. Da universidade e das coisas. E a tese, que não saía nunca.

 – Se você não pode ser meu orientador, então não quero mais ninguém – ela dizia. E se por algum tempo esse argumento surtiu efeito, foi também se desgastando, como tudo, como um todo.

 – Não era isso – ela confessou, numa das raras noites de cerveja que conseguiram a sós, porque a universidade era um mundo que se estendia para além do campus, até o bar, até a casa, até os amigos e tantas horas compartilhadas. – A Dança seria o princípio e, a Geografia, o meio... Sabe? O meio pelo qual a Dança viria a acontecer, sem as amarras das concessões profissionais necessárias à sobrevivência. Mas tudo virou do avesso, a Geografia se espalha e não faço outra coisa a não ser projetos.

 – Não há lugar para dois, com a Geografia. Ou é ela ou é ela, se é que você me entende, e eu às vezes acho que não.

 – Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no tempo e no espaço? Nunca, dirá você.

 – Nunca, tu o disseste.

 – “Salvo quando se amam”, disse o poeta. E se essa verdade não pode harmonizar a Dança e a Geografia, então quero nascer de novo.

 – Você já nasceu tantas vezes, lembra… Ou não, não mais?

 Ela fechou os olhos, fazia isso quando sentia dor ou acusava o golpe, claro, quantas vezes não dissera “acho que nasci de novo”, depois do amor?

 Foi naquele amanhecer que os dois se descobriram de partida, ele para o campus, de corpo e alma, porque aquela era mesmo sua vida, sua escolha, desde antes dela e, com um pouco de sorte, também depois dela – embora no momento ele não soubesse, não tivesse a menor ideia de como faria para sobreviver àquela ausência. E ela enfim para a dança, habeas corpus, habeas anima. Ele, que não acreditava em deuses, acabou maldizendo os desígnios que deram a ela uma bolsa, no ano seguinte, para um estágio fora do país.

 Encontraram-se uma vez, na Europa, mas aquela não valeu: ela estava embriagada demais com a liberdade e ele embriagado demais com a alegria de revê-la.

 Agora, anos depois, um novo reencontro: ele gostou de achá-la, ainda, bela. Gostou de gostar de vê-la, embora a dor.

 – Você ficou bem famoso – ela brincou, recurso que sempre usava para driblar o embaraço. – Ouvi falar, por aí. 

 – E você?

 – Como? Você não ouviu falar de mim?

 Ele ficou sério, um segundo antes do riso. Ela riu, também, e tudo foi como antes, por um instante.

 – Você está dançando?

 – Às vezes. 

 – O que houve?

 – O de sempre. Não sou articulada, não me relaciono com as pessoas “certas”, não me enquadro muito nas coisas. – E imitou o tom de voz que ele usava, quando queria ser categórico: – Se é que você me entende, e eu acho que não.

 Ele riu, de novo, agora sem muita vontade. Ela continuou:

 – Mas eu tinha que ver, não é? Eu precisava ir. E fui bem, por uns tempos… E “ir bem”, ainda que por uns tempos, deixa um gosto de “sempre”, quando se trata de Arte.

 – Isso me lembra aquela sua velha máxima: “A Arte acima de tudo.” 

 – Não – ela responde. E ele vê nisso algo de novo. – Não existe acima, nem medida alguma, nesses casos. Só uma sensação de que as coisas têm um sentido.

 – Isso você podia ter…

 – Você podia. Não eu.

 – Então, perdemos uma geógrafa brilhante… para uma bailarina…

 – Apenas razoável?

 – Eu não disse isso.

 – Claro que disse. Mas não faz mal.

 – Escute, ainda dá tempo.

 – Tempo do que, meu amor?

 – Esse “meu amor” me pegou de surpresa.

 – O que prova que você continua o mesmo… Surpreendendo-se com o óbvio e olhando com cara de velho para o que é realmente novo. Agora me leve daqui para um lugar mais decente, onde se possa tomar um bom vinho.

 – Você também não mudou. E isso, não sei por que, me faz bem.

 – Não era o que você dizia.

 – Não era o que você pedia.

 Ele abre a porta do carro, ela sorri:

 – A velhice dando vez à juventude?

 – Não, o cansaço dando lugar a algo que não quero definir agora.

 – E quem disse que é preciso definir?

 – Temes definhar ao definir?

 – Idiota! – Ela ri. – O fim vai chegar, para nós. Para todos nós. Mas não hoje.

 – Você não vai acreditar, mas isso, para mim, já é alguma coisa.

 “Acredito”, ela quis dizer, mas achou que não seria preciso.

Fonte:
Revista Pesquisa, da FAPESP, em fevereiro de 2011.

Adriana Lisboa (Quintais)


 Na casa do meu avô, havia quatro quintais.

 No principal, o portão se abria para a rua, e ali ficava a casa propriamente dita, e por cima do muro baixo a gente via as cabeças das pessoas que passavam pela rua, sempre tão devagar. Às vezes vinha dar na varanda o cheiro do rio, um cheiro de pano e de barro. Na garagem descoberta, sobre os cascalhos, dormia a Variant marrom do meu avô.

 À esquerda, separado por um muro com uma passagem, ficava o universo dos abacateiros e o quartinho que o meu avô chamava de Petit Trianon. Nós apanhávamos abacates para fazer boizinhos com palitos de fósforo. O Petit Trianon eu não me lembro para que servia, ficava quase sempre fechado. Mas eu tinha pesadelos com ele.

 À esquerda, separado por outro muro com outra passagem, ficava um universo híbrido em que cabiam orquídeas numa estufa, galinhas, goiabeiras e um pé de romã quase esquecido, lá no fundo, longe de tudo. Era o quintal mais colorido. Uma vez minha irmã caiu de uma goiabeira, a barriga enterrou numa torneira e ela foi parar no hospital.

 À direita do quintal principal, ficava o último, e quase proibido. Havia o muro, mas na passagem tinha um portãozinho baixo de madeira, que às vezes a gente pulava por prazer. Lá só havia mato. Árvores altas, sombras, coisas indizíveis se arrastando junto às raízes, barulhos de insetos que nunca existiram de se ver. Lá fazia calor e férias, invariavelmente, mas também podia cair chuva, e a chuva ficava guardada para os nossos pés no tapete de folhas velhas, de frutos podres, de vermes lentos e moles.

 Os quatro quintais da casa do meu avô arrumaram-se numa bússola, e quando eu pisei pela primeira vez numa caravela fervilhando de adultos, vinha com ela no bolso. Se não como guia, ao menos como amuleto.

Fonte:
Luiz Ruffato (organização). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, RJ: Editora Record, 2004.

Adônes Alves Pereira / MG (Poemas Escolhidos)


jf
NOSSOS QUATORZE VERSOS

 Repara, meu amor, que estes quatorze versos
 traduzem, em sua modéstia e singeleza,
 toda a estória dos lindos sonhos (tão diversos!)
 que alicerçaram nossas vidas - com certeza.

 Outrora, entre nós, de tudo houve: idas e vindas...
 brigas... distanciamentos... reaproximações...
 As Leis do Amor - conciliadoras e bem-vindas -
 pra sempre harmonizaram nossos corações.

 Lendo estes versos, que são teus (ou de nós dois),
 verás um enamorado coração beijando
 esse teu bondoso coração... E, depois,

 se os releres bem mais alto (e estando tu a sós
 em tua alcova), imaginarás me escutando
 falar do nosso amor co´a tua própria voz!…

MEU SÍTIO MARUPIARA

 Amigo, amo um lugar mais lindo deste mundo:
 lugar sagrado... e de um rico céu profundo,
 onde a lua-cheia, com seu brilho bem risonho,
 vem me ´´ditando´´ cada verso que componho. 

 Ali o arvoredo é mais belo... e os passarinhos
 têm muito mais cuidado ao construir seus ninhos
 nos balouçantes galhos, repletos de flores,
 exaltando a vida... multiplicando amores!...

 No amplo pomar há frutos, aves, hortaliças...
 no varandão, mi´a vida é a dos ´´marajás´´...
 nele dou asas ao meu estro... e às preguiças!

 Amigo, esse céu terreno existe!... Tomara
 que tu me venhas visitar... E, então, verás,
 na bela Ituiutaba, o meu ´´MARUPIARA´´!

SOU SERESTEIRO!...

 Num célebre soneto de Camões,
 Jacó serviu Labão, por sete anos,
 alentando a maior das pretensões
 de ter Raquel - como era de seus planos!

 Também faria tudo que eu pudesse
 pra ter-te, um dia, como esposa minha...
 Serviria a teu pai, se ele quisesse,
 até fazer de ti uma rainha...

 Mas ele não me quer... e tu me odeias...
 (então, a ele não mais vou servir!)
 Fico eu aqui, co´as minhas luas-cheias

 e o meu violão - amigo e companheiro
 que sabe as minhas horas distrair.
 Jacó frustrado?!... não, sou SERESTEIRO!…

CLANDESTINO AMOR

 Devemos ocultar, meu bem, sem mais tardança
 (não somente do mundo, mas de todo o mundo),
 o nosso clandestino amor ´´sem aliança´´,
 que a humana hipocrisia diz ser ´´vagabundo´´.

 Seria até bom se pudéssemos, um dia,
 mostrar a todos esse amor, sem qualquer medo...
 Se pudéssemos externar nossa alegria,
 inda que um invejoso nos mostrasse o dedo.

 Porém, que fique tudo mesmo como está...
 vamos deixar que pensem: - É só amizade!...
 Deus sabe muito bem o que depois virá.

 Não posso te exaltar aos olhos do universo...
 mas como é difícil conter minha vontade
 de pôr teu nome neste derradeiro verso!…

ADEUS, ILUSÕES...

 Ouve esta bela canção que eu compus pra ti...
 partiu do meu coração - sempre mui contente,
 vibrante e gazeteiro, como um bem-te-vi,
 por entender que o teu amor é meu somente!

 Outras canções farei afora pela vida
 (pois não me faltarás com tua inspiração).
 O estro meu de ti depende, ó querida,
 e o meu cantar é mudo sem tua afeição!

 Inda que mude a vida os teus negros cabelos
 em luar de prata de belíssimos novelos...
 ...ainda assim hei de compor tuas canções!

 Mas, quando eu partir lá pro além, sem muitas flores,
 na minha campa tu verás - se lá tu fores -
 a derradeira delas - ´´Adeus, Ilusões´´!

SONHAR É BOM, MAS...

 Quando, ao largo, tu passas... assim tão airosa...
 e toda a rapaziada te olha, cobiçosa,
 fico a considerar: ´´tadinhas´´ dessas flores,
 que, preteridas, não me inspiram mais amores!

 Vou eu, também, atrás de ti, em pensamento,
 apreciando-te as formas de rara beleza...
 Para meus olhos é o maior deslumbramento
 e glória poder ver tão grande boniteza!

 Tal qual um visionário, sonho-te na cama...
 na cama... so nós dois... em plena intimidade,
 naquele ´´laissez-faire´´ mui próprio de quem ama!

 Que sonho lindo me inspirou tua passagem!
 Vamos sonhar - é bom - nos traz felicidade!
 (Té que a razão nos diga: - Deixa de bobagem!...)

SÃO TEUS ESTES MEUS VERSOS...

 São teus estes meus versos, minha doce amada!
 Traduzem eles toda a ânsia de um amor
 profundo e belo, como as curvas desta estrada 
 que vimos percorrendo, em sonho cismador...

 São teus estes meus versos, pois te dizem eles
 de toda esta ventura de que desfrutamos
 em nosso doce idílio e, muito mais, naqueles
 momentos de intimidade em que nos amamos!

 São teus estes versos... e em cada verso meu
 encontrarás teu puro e meigo coração
 de JULIETA, bem colado ao de ROMEU!

 São teus estes meus versos... lê-os...e relê-os...
 Mesmo estando a sós, não sentirás solidão:
 contigo estarão, sempre , estes versinhos meus!…

O CORAÇÃO TEM RAZÕES...

 Nunca ela me disse por que me abandonou...
 Por mais que eu perguntasse, ela não dizia...
 Falava: - Meu bem, entre nós tudo acabou!...
 (deixando-me angustiado... e de alma tão vazia!

 Terminou aí toda a nossa intimidade,
 que deu lugar a um formalismo cruciante:
 ´´Como vai?... tudo na maior tranquilidade?´´
 E a vida, indiferente, foi seguindo adiante!

 Mas o tempo... Ah, hoje (até que enfim) nos falamos.
 Grande remorso observei em seu olhar...
 e compreendi, então, o quanto nos amamos:

 ela, chorando muito, me pediu perdão...
 Apaixonadamente (e também a chorar)
 perdoei tudo... e lhe entreguei meu coração!...

Fonte:
Bernardo Trancoso. Sonetos 

Irene Coimbra (Roberto, Sebastião e a Feia)


Ela havia acabado de entrar no elevador, quando aquele senhor a olhou, viu-a com três livros nas mãos e disse-lhe:

- Isso é que é gostar de ler!

- Ganhei um agora e os outros dois são meus.

- Você é escritora?

- Sim.

- Posso dar uma olhada?

- Naturalmente. O senhor gosta de ler?

- Muito.

Nesse momento o elevador chegou ao térreo e os dois saíram conversando até a calçada. A seguir se despediram e quando ele já ia atravessar a rua, ela o chamou e disse:

- Algo me diz que devo dar-lhe um livro. Com ele quero passar-lhe minha mensagem: A palavra “impossível” não existe para Deus.

Ele pareceu emocionar-se e disse-lhe:

- Você acertou. Estou com problemas de saúde e precisava ouvir essa mensagem. Muito obrigado. Nunca mais vou esquecê-la.

Ela continuou seu caminho sentindo-se leve, feliz. Ia caminhando e pensando naquele encontro quando sua atenção foi atraída para dois jovens que caminhavam à sua frente.

Eles falavam num tom de voz alto e era impossível deixar de ouvi-los. De repente um deles virou-se para ela e disse:

- A senhora viu que muié feia?

Ela virou-se, instintivamente, mas viu somente as costas da mulher que acabava de passar. Viu que o vestido era muito colorido e que ela usava meias amarelas. Sorriu, mas não disse nada. E o rapaz, animado talvez por aquele sorriso, continuou:

- Num é feia mesmu?

O companheiro retrucou:

- Eu que qui ocê tem cum issu, Robertu?

- Nada. Só sei qui é muitu feia.

- Pára di falá bobêra, rapaiz.

- Pódi sê bobêra, Sebastião, mais qui ela é feia, é.

- Ocê nun sabi de nada, Robertu, é mio calá a boca.

- Nun é mio não. Vô falá até cansá. A muié é feia mesmu.

- Cala boca, rapaiz, ocê nun tem nada ca vida da muié.

- Nun tenhu mais vô falá. Ela é feia.

- Pódi sê feia procê, mais nun devi di sê pru maridu dela.

- Que issu, Sebastião? Caquela feiúra ocê acha qui ela tem maridu? Si tive é purquê u cara tem qui pagá us pecadu du mundu intêru. Si eu acordassi di manhã i vissi uma muié feia daqueli jeitu era capaiz di caí mortu di sustu. Nunca vi feiúra mais feia.

- Oia, ocê tá izageranu, Robertu.

- Quarqué izagêru ainda é pôcu pra feiúra da muié, Sebastião.

Os dois continuaram andando à sua frente enquanto ia ouvindo-os falar. Começou a observá-los. Pareciam dois amigos que acabavam de sair do trabalho. Um vestia macacão azul e o outro, calça e camisa bege. O de bege era o revoltado com a feiúra, e o de macacão, o defensor da feia. Talvez tivessem passado em algum barzinho antes e, agora, levemente embriagados, estavam mais falantes, e por isso, continuavam batendo na mesma tecla.

- Cala a boca, sô. Ocê nun tem nada mió prá falá não?

- Tenhu.

- Intão pára di falá da mardita da muié.

- Nun páru. Tô revortadu caquela muié. Ela é feia dimais da conta. Tenhu vontadi di vortá lá, oiá bem na cara dela i dizê:

- Nossa, mais cumu ocê é feia!

- I u quê ocê ia ganhá cum issu?

- Só u gostinhu di falá.

- Ocê é um besta mesmu, Robertu.

- Besta é a muié di saí na rua caquéla feiúra.

- Oia, ocê já tá mi danu nus nervu cum essa falação. É mio pará di falá.

- Só vô pará quandu chegá nu pontu di ônibus.

- Ah, mardição!

Sentiu que não ia conter o riso e se perguntava como acabaria aquele diálogo.

Finalmente chegaram ao ponto de ônibus onde eles ficaram.

Olhou para eles como se quisesse gravar para sempre aquela imagem e continuou caminhando sozinha. Enquanto isso pensava:

“Por que será que aquele rapaz se sentiu tão agredido pela feiúra da mulher? Será que ela era realmente muito feia? Por que será que muitas pessoas só enxergam o exterior?”

Meditando sobre isso chegou em casa. Foi direto para o computador, escreveu essa história que você acabou de ler e agora lhe pergunta:

- Você também se preocupa muito com o exterior das pessoas?

 Fonte:
Irene Coimbra . “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas”. p. 81. 

Adélia Prado (Final Feliz)


 E o locutor da festinha continuou empolgado, fazendo bonito pra sua mulher, que deixara, naquela noite, comparecer ao seu trabalho, tendo-lhe adquirido, ele próprio, o convite. ... "porque, além de militar reformado da PPMG, é ainda o proprietário do animado Bar Central, o avô da nossa Lesliene, a feliz aniversariante desta noite.” Quando disse "nossa Lesliene”, acreditou desapontado que a mulher não salvava sua inventividade narrativa. Arrependeu-se de tê-la trazido e insistiu com o moço do vídeo para que filmasse mais à esquerda do palco, a mesa da dona da festa. De verdade, queria mesmo é que a mãe de seus filhos não aparecesse no filme; uma mulher que não passava uma sexta-feira sem encher latas e latas de biscoitos e só sabia ir em festa daquele mesmo jeito: saia preta, blusa de seda, por fora, pra disfarçar as ancas e arquinho na cabeça — putisgrila —, desse tinha vários de diversas cores, devia se achar nua sem o arco nos cabelos, logo ele, um homem conhecido, com aquele talento incrível para animar festas. “... agora, senhoras e senhores, o momento tão esperado em que a nossa — olhou de novo pra mulher olhando pra ele embevecida, se esquecendo de ficar em pé —, a nossa festejada Lesliene, a menina-moça da noite, vai apagar as merecidas velinhas.” Ai, será que estava certo dizer “merecidas velinhas”? Achou ótimo ser o locutor e estar dispensado de dançar com a mulher, que não conseguia terminar o pratinho, bebendo guaraná em pequenos goles. Pensou ter sido um erro tê-la trazido à festa. Se sentia desconfortável, inseguro dos adjetivos, querendo tirar a gravata e mostrar pras pessoas o que o roqueiro doidão mostrou durante um show e acabou preso. Gente do céu, o que está acontecendo comigo? Olhou para o avô, da Lesliene. Um filho da mãe, esse "militar reformado" espancador de presos. Nem que a marica estica eu falo mais o nome dele aqui, E essa Lesliene está me saindo uma perua e tanto. Então isto é salto para uma menina de quinze anos? “... e agora, senhores — esqueceu das senhoras —, o Toniquinho do Arlindo vai tocar a valsa que a aniversariante dançará com o pai dela.” Não disse "o talentoso músico Antônio Miranda, filho do nosso popular Zico Miranda, tocará a valsa que Lesliene dançará com o seu progenitor". Meio escondida por uma coluna do salão, sua mulher ainda não terminara os salgadinhos. Finíssima. Lembrou que ela lhe aconselhara trocar de camisa, "você fica melhor com a de linho creme". Teve vontade de chorar e ao mesmo tempo sentiu raiva daquele amor paciente e silencioso, capaz de morrer por ele. 

 Foram pra casa calados. Quando se virou pro canto, um homem roubado, ela disse: você fala tão bonito, Raimundo! — Pois você fique sabendo que de hoje em diante não pego mais bico de locução noturna. Já tou cheio disso. Vou reabrir minha oficina que é melhor negócio. — Acho pena, você fala tão bem! — Cremilda, se eu te pedir, você nunca mais põe arquinho no cabelo? Dá pra sua irmã aquele conjunto de saia e blusa? Você me perdoa? Não entendia bem o discurso do marido, estranho naquela noite, mas era uma verdadeira mulher, fez como Nossa Senhora, disse sim ao senhor. E Raimundo fez com ela o que faz um homem competente para deixar feliz sua mulher.

Fonte:
Adélia Prado. Filandras", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág.11.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 602)


Uma Trova de Ademar  

Quadro de extrema beleza, 
de cor verde e cor de anil, 
onde a própria natureza 
pinta o mapa do Brasil!... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A canção do amor primeiro 
o teu sorriso gravou… 
Mas foi assim tão ligeiro, 
como o vento que passou! 
–Cidinha Frigeri/PR– 

Uma Trova Potiguar  

O sol, eterno andarilho, 
nas rotas do movimento, 
abre as cortinas com brilho 
no escuro do firmamento. 
–Hélio Alexandre/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012  -  Ribeirão Preto/SP 
Tema  -  CIDADÃO  -  1º Lugar 

Não se ata pelas algemas, 
mazelas ao cidadão, 
que enfrenta tantos dilemas 
doando vida à nação. 
–Vanda Alves da Silva/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Dei conforto em hora aguda
a tantos (que nem mais sei),
mas na dor só tive ajuda
de mãos que nunca ajudei.
–Alonso Rocha/PA– 

U m a    P o e s i a  

Magia se tem (e quanta!), 
e a inspiração vem de cima; 
Deus vê com olhos de agrado 
os plantadores de rima 
que fazem do "amor-semente" 
a sua matéria-prima! 
–José Ouverney/SP– 

Soneto do Dia  

APANIGUADOS I. 
–Haroldo Lyra/CE–

Tenho pena de quem não é capaz
De sustentar-se pelos próprios meios,
Nos donativos finca os seus esteios
E a propaganda de um viver falaz.

Tenho pena dos que romperam veios
Das batalhas que não enfrentam mais;
Mendigos de padrões oficiais
Classificados sem quaisquer receios.

Que pena!... quando o silo esvaziar-se
E o joio dessa safra esparramar-se
Sobre as mentes que o dolo enfeitiçou.

Será penoso então o amanhecer,
Pois apenas terão para comer:
As sengas do pão que o diabo amassou.

Jota Jota Souza (Paredes da Solidão)


Esta é a história de um homem lá do meu pedaço de chão. A história do homem que entrou dentro de si mesmo e nunca mais saiu. Antes, cuidadosamente olhou em volta. Não por receio ou medo. Apenas para certificar-se de que nada esqueceria do lado de fora. E fechou a porta assim como se fecha uma residência e esta com o tempo passa a guardar tão somente lembranças de quintais, passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaros na fruta, vôos de colibris, lembranças de amantes.

 Ao travar a porta, muito jovem era ainda. E assim o tempo foi passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso. Tanto que, sem saber de quanto o tempo havia passado, ao tocar vagarosamente as mãos sobre a epiderme do rosto sentiu ondulações. Eram as rugas denunciando a implacabilidade do tempo e muito desconfiado só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Não! Não ousou, como é desejo contido no homem desde os primórdios fazer com este tempo pacto algum. Não quis nenhuma liberdade, não desejou parar o preciso relógio e assim esquivar-se de seus efeitos, isentar-se de pagar o alto preço. Estava certo de sua decisão.

 Não ousava olhar-se no espelho e assim não via seu rosto, o cabelo longo, a barba já longa. Ora! Ele era uma casa desabitada a guardar apenas recordações. E recordações só no espelho d’alma refletem. Porém aprendeu; Todas as vezes que tinha curiosidade em consultar o tempo, passava as mãos sobre a epiderme do rosto e só murmurava: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Numa distante ocasião, ousou abrir um pouco a janela. Uma fresta suficiente para uma espiada. E sorriu ao ver que aquele mundo não lhe era de todo estranho. -Tudo tão igual!- Entes conhecidos, familiares até, no ir e vir que ele abdicara. Boca a salivar desejou os tenros umbus que envergavam os galhos dos verdejantes umbuzeiros da quinta em frente. Cavalos e homens desfrutavam sem pressa da sombra de frondosos tamarindeiros. Uma formosa senhora a passos lentos rumava para a rua da feira. Estreitou ainda mais a fresta. Seria a amada? A razão daquele silêncio? Porém, sorrindo das caretas das crianças com o azedo tamarindo fechou-se novamente, só murmurando: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Embora tudo o que viu fosse uma espécie de convite para abrir a janela, escancarar a porta, deixar o Sol de intenso brilho entrar e aquecer as frias paredes (do coração), ele não cedeu. Bateu a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. E o tempo passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso! Certo dia sentindo um estranho cansaço, desconfiado do tempo passou as mãos pela epiderme do rosto. Era como se camadas de musgos tomassem todas as paredes. Fez um intenso frio. -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! - Murmurou. Agora segurando por minutos a epiderme do rosto. Saiu para abrir um pouco da janela e com um acre sabor na boca, peito ofegante e olhos estupefatos viu pela fresta que não havia tamarindeiros, nem umbuzeiros, nem passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaro na fruta, vôos de colibris. Alongou seu decepcionado olhar de espera e a formosa mulher não passou. As crianças de outrora já homens e mulheres feitos. Dentro das paredes solitárias formou-se o eco: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! ! Teeemmmpo!. Sentiu o intensificar do gélido vento na epiderme, receoso fechou a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. Deitado ia murmurar: -Teem... quando ouviu bater à porta: -Toc, Toc, toc... Pensou ser brincadeira de velhos amigos de juventude insistindo para ele abrir e sair e quem sabe acenar-lhes com o real motivo da enigmática solidão. Solidão que a todos ali intrigava. Ficou tentando adivinhar:

 -Tomaz?- Mas ninguém respondia. Ia dormindo e novamente a porta:-Toc, toc, toc.

 -Quem está aí?...É você Salú? E assim por dias este estranho sinal se repetindo sem respostas. E ele: -Cicim? -João? -Indé? -Raimundo de Zefinha? -Daguia? Não se dava conta de que não podiam ser estes velhos camaradas, simplesmente porque os mesmos já eram ausentes.

 Até que um dia ela apareceu-lhe. Implacável e decisiva. Sentiu seu hálito gélido e imperativo. E como se desta já estivesse à espera, só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! E profundamente dormiu.

 Agora para sempre.

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