quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Clevane Pessoa (Considerações sobre os OlhOs)

Cada olho
um olhar
temores. espantos,
desejos,
espelho, reflexos,
memória,
aprendizado.

Cada olho-uma obra de arte.
Pupila, córnea,
tons de cores,
pedacinhos de murano,
máquinas fotográficas
micro e poderosas,
particulares.

Ao último suspiro
podem ter gravada
a imagem do assassino
ou da pessoa amada.
Ou da enfermeira, do cuidador,
do médico, de quem administrou a extrema unção,
a última gota d'água
permitida ao moribundo.

Os olhos
ohlhos.
só olhos
a registrar a vida...

E diz-se que a terra
-ou o fogo-
a água às vezes -
os" há de comer".

Acho que não.
Acho que cada um tem sua própria alma
e asas cristalinas
camufladas no cristalino.
Acho que depois
da morte, ascendem e vão prestar contas
de nossa sensibilidade
e Poesia
aos olhos de um deus...


Fonte:
A Autora

Marcial Salaverry (Regresso à Casa do Lago)

Fotografia por Diana Pereira
As recordações da infância sempre nos assaltam a memória.

 Buscamos as origens, procurando explicações para os fatos que nos levaram a tomar determinados rumos em nossa vida.

 Depois de longos anos afastado de minhas origens, ao saber que meu pai havia falecido, resolvi voltar ao passado, rever os fantasmas que me haviam afastado do convívio familiar.

 Ao entrar no trem que me levaria àquela pequena cidade onde vivera na minha infância,

 as imagens começaram a chegar à minha memória... aquela casa enorme, imponente, às margens do lago era o ponto marcante de tudo.

 A obsessão com que meu pai fazia questão de marcar as origens de nossa família, sempre entrava em choque com minha maneira de pensar.

 A mansão familiar ocupava um amplo terreno, dominando o lago. Considerava o ponto ideal para um hotel de luxo, aproveitando o visual, a topografia do terreno. Seria realmente um grande sucesso. Poderia fazer fortuna com esse empreendimento. Já havia uma incorporadora que desejava executar a obra.

 Tentei convencer meu pai a fazê-lo. Negou-se peremptoriamente. Disse que jamais macularia as tradições familiares por causa de dinheiro.

 Jamais me esquecerei da última discussão... Trocamos palavras amargas demais. Chamei-o de velho teimoso e retrógrado e coisas mais pesadas. Terminei dizendo que iria viver minha vida, e que não queria mais vê-lo... Mal sabia que não o veria mesmo.

 Consegui relativo êxito em minhas tentativas, sempre tropeçando no que meu pai sempre me dizia... minha precipitação, minha urgência em querer conseguir tudo.

 Muitas vezes me vi tentado a voltar, e reconhecer que ele estava certo. Mas a teimosia era hereditária. Recusava-me a admitir minha incapacidade para o enriquecimento que prometera a ele. Dissera que só voltaria após fazer fortuna. Rira quando ele disse que a fortuna estava ali, nas origens da família.

 Ao desembarcar na estação, e pegar o táxi que me levaria à mansão, que agora poderia vender e fazer o hotel de meus sonhos, era só nisso que pensava.

 Mas agora... sentado onde costumava ficar com meu pai... em um outeiro um pouco afastado da mansão, local que propicia uma visão fantástica da mansão, refletindo-a inteiramente nas mansas águas do lago.

 Fiquei absorto contemplando aquela imagem que me levava à infância, às conversas que sempre tivera com ele... e que tanta falta me fizeram depois, nos tropeços que dei pela vida afora.

 O casarão, imponente, lembrava as tradições que meu pai tão ferrenhamente defendera. Acontece que sua imagem, curiosamente refletia-se nas mansas águas do lago, como se estivesse de cabeça para baixo, ou seja, ao contrário.

 Naquele instante, as águas como que pararam, ficaram totalmente imóveis... Vi então, o que fizera de minha vida... a deixara de pernas para o ar, tentando provar alguma coisa, que agora me parecia totalmente irrelevante.

 Por causa disso, dessas minhas idéias, tinha perdido anos de convivência com minha família.

 Essa imagem da mansão refletida no lago, fez-me ver o que fizera de minha vida, movido por uma ambição sem limites.

 Tomei então a decisão. Iria voltar àquele vetusto casarão, trazer minha família e ensinar aos meus filhos toda a história familiar, procurando fazer com eles possam sentir o orgulho que eu sentia quando era criança, e que depois desprezei.

 Espero que não tenham que sentir sua vida, como senti a minha, vendo a imagem da mansão refletida nas plácidas águas do lago…

Fonte:
Garganta da Serpente

Ialmar Pio Schneider (Soneto ao Sete de Setembro)

Dia sete de setembro, dia de glória,
Dia em que o Brasil festeja radiante,
Que o sol é mais risonho e mais brilhante
E a nossa vida é menos merencória !

Dia de ouro para nossa bela história,
Pois neste dia que já vai distante,
Dom Pedro ergueu um grito trepidante,
Um grito de grandeza e de vitória...

Um brado ressoou pelo infinito,
Desde o extremo sul ao extremo norte,
Rasgando as nuvens este enorme grito

Retumbou num alarme grande e forte
Que transformou-se num ditoso mito
Da frase da “Independência ou Morte”.

Fonte:
O Autor

Affonso Romano de Sant'Anna (A Mulher Madura)

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

 De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria.A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

 Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

 A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

 A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

 A adolescente, com o brilho de seus cabelos , com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

 A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto, as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

 O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

 Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem `a mulher pobre, mas vem com tal violência, que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

 Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

 Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

 A mulher madura está pronta para algo definitivo..

 Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir `a Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

 A mulher madura é um ser luminoso e repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe , mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

 Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

Fonte:
Contos do Coral

Olivaldo Junior (Em suma [Baião de Dois])

Um dia, o pulmão se expectora de tanta história não crida, de tanta falta de vida. E, ao ganhar o ar, se enche de nada e acha que pode seguir. 
Olivaldo
Em suma
(Baião de dois)

Não, nunca houve um amor,
nunca houve um amigo,
nunca um só beijo.

Não, nunca houve um barzinho,
nunca houve um couvert,
nunca uma dor.

Não, nunca houve uma estreia,
nunca houve uma estrada,
nunca uma força.

Não, nunca houve um gorjeio,
nunca houve uma horinha,
nunca um irmão.

Não, nunca houve o que junta,
nunca houve uma letra,
nunca uma morte.

Não, nunca houve uma noite,
nunca houve uma ode,
nunca uma porta.

Não, nunca houve uma queda,
nunca houve uma rixa,
nunca uma súplica.

Não, nunca houve o que testa,
nunca houve o que urge,
nunca um violão.

Não, nunca houve uma xícara,
nunca houve um zum-zum,
nunca uma música.

Em suma, nunca houve, pois,
baião de dois.

Moji Guaçu, SP, trinta de agosto de 2012.

Fonte:
O Autor

Fedro (O Cavalo e o Javali)

 Todos os dias o cavalo selvagem saciava sua sede num rio pouco profundo.

 Ali também acudia um javali que, ao remover o barro do fundo com o focinho e as patas, turvava a água.

 O cavalo lhe pediu que tivesse mais cuidado, mas o javali se ofendeu e o chamou de louco.

 Terminaram olhando-se com ódio, como os piores inimigos.

 Então o cavalo selvagem, cheio de ira, foi buscar o homem e lhe pediu ajuda.

 - Enfrentarei essa besta - disse o homem - mas deves me permitir montar em teu lombo.

 O cavalo concordou e lá foram, em busca do inimigo.

 Encontraram-no perto do bosque e, antes que pudesse se ocultar na parte mais densa, o homem lançou sua javalina e o matou.

 Já livre do javali, o cavalo foi até o rio para beber em suas águas claras, certo de que não voltaria a ser incomodado.

 Mas o homem não pensava em desmontar.

 - Alegro-me ter ajudado - disse - Não só matei essa besta mas também capturei um esplêndido cavalo.

 E, ainda que o animal tenha resistido, obrigou-o a fazer sua vontade, colocou-lhe sela e lhe fez de montaria.

 Ele, que sempre havia sido livre como o vento, pela primeira vez em sua vida teve que obedecer a um senhor.

 Estando selada sua sorte, desde então se lamenta noite e dia:

 - Tonto! Os incômodos que me causava o javali não eram nada comparados com isto. Por aumentar um assunto sem importância, terminei sendo escravo!

 Às vezes, no afã de castigar o dano que nos fazem, nos aliamos com quem só tem interesse em nos dominar.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 660)

Uma Trova de Ademar 

Das colheitas dadivosas
que Deus deixa nos caminhos,
uns curvam-se e colhem rosas,
outros, só colhem espinhos...
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Inspiração, sonho, rima,
fantasia e alma de esteta,
eis toda a matéria prima
com que se faz um Poeta!
–Héron Patrício/SP–

Uma Trova Potiguar 


Uma relação desfeita
resulta em desilusão,
"abre a porta" da suspeita
e entristece um coração.
–Tarcísio Fernandes/RN–

Uma Trova Premiada 


2000  -  Campos de Goytacases/RJ
Tema  -  PAZ MUNDIAL  -  5º Lugar


Paz... e as nações de mãos dadas,
sem precisar de fronteiras,
empunham suas enxadas
e plantam flor nas trincheiras!...
–Neide Rocha Portugal/PR–

...E Suas Trovas Ficaram 


Às vezes, troféus de glória
e incensos de aduladores
podem fazer da vitória
o ocaso dos vencedores!…
–Hermoclydes S. Franco/RJ–

U m a P o e s i a 


Pode haver uma guerra de condores
para ver sobre os Andes qual é o ás.
Numa antiga batalha já se viu
Oliveiros matanto Ferrabraz,
mas não pode haver guerra de poetas,
que a poesia é sinônimo de paz.
–José Lucas de Barros/RN–

Soneto do Dia 
NÃO É PROIBIDO SONHAR.
–Vanda Fagundes Queiroz/PR–


Eu consegui driblar a realidade:
Fui visitar um certo antigamente
que me convida, às vezes insistente,
a aparecer, de braços com a saudade.

Saí voando, em plena liberdade...
Chamei a infância! Ela se fez presente,
falou comigo, a cirandar, contente,
com o mesmo riso, a mesma ingenuidade.

Sem me importar com dúvidas e medos,
cantei duetos com velhos folguedos,
do tempo azul que voa como um triz.

Mas prometi voltar. Pois livre sou
para acordar o sonho que passou,
quando eu quiser lembrar de ser feliz.

Trovadorismo (Parte 1)

Contexto Histórico

 Trovadorismo foi a primeira escola literária portuguesa. Esse movimento literário compreende o período que vai, aproximadamente do século XII ao século XIV.

 As atividades literárias em Portugal durante a transição da Alta para Baixa Idade Média, nascem quase que simultaneamente com a consolidação da nação portuguesa como reino independente, num período marcado principalmente pelo Feudalismo (plano político-econômico) e pelo Teocentrismo (poder espiritual do clero).

 O Feudalismo foi um sistema político-econômico medieval descentralizado na qual o poder estava diretamente relacionado à posse da terra. A economia era fundamentalmente agrária (subsistência), sem comércio e, portanto, sem intercâmbio cultural. Praticamente todas as mercadorias negociadas nessa época vinham da terra e por isso, a quantidade de terra possuída era a chave da fortuna e do poder, que estava nas mãos da nobreza, representada por senhores feudais ou suseranos. Estes faziam a concessão de pequenos lotes de terra (feudo) a um servo ou vassalo, para que este a cultivasse em troca de proteção. Além da obrigação de cultivar esses lotes, os vassalos tinham que pagar inúmeras taxas impostas pelos donos das terras. Os valores dessas taxas eram tão altos que o dinheiro que restava era apenas o suficiente para a sua subsistência e para o plantio de uma nova safra. Essa relação de dependência entre suserano e vassalo nessa sociedade fortemente hierarquizada era chamada de vassalagem.

 Havia ainda uma outra classe social política e economicamente poderosa, detentora de grandes extensões de terras: o clero. A Igreja era a maior Instituição feudal da época, determinando o modo de pensar e viver de uma sociedade fortemente marcada pela idéia de Deus como centro do universo. A própria produção artística vai estar impregnada por esse espírito teocêntrico, numa época em que religião e profano se confundem. Tanto a pintura quanto a escultura procuravam retratar cenas da vida de santos ou episódios bíblicos. A vida do povo lusitano estava voltada para os valores espirituais e a salvação da alma. Emoção e fé regiam as ações, determinando uma visão mais subjetiva do mundo, caracterizando certo irracionalismo. Surge a Escolástica, filosofia medieval que tentava justificar a fé pela lógica. A Igreja pregava a renúncia aos bens materiais e aos prazeres terrenos como condição para salvação eterna. Nessa época, eram freqüentes procissões, romarias, construção de templos religiosos, missas etc.

 A influência do clero evidenciou-se principalmente durante as Cruzadas, expedições e batalhas de cunho religioso, entre cristãos e muçulmanos, que tinham como principal objetivo a libertação dos lugares santos, situados na Palestina e venerados pelos cristãos, além da expulsão dos árabes da Península Ibérica.

 Tais aspectos sócio-culturais são importantes para entendermos certas características das manifestações literárias desse período. O feudalismo terá reflexos até mesmo na linguagem da poesia lírica. Ademais, as cortes dos reis e dos grandes senhores feudais são os centros de produção cultural e literária. O teocentrismo, por sua vez, vai se refletir tanto nas novelas de cavalaria como na poesia de temática religiosa, nas hagiografias e obras de devoção. Devido às cruzadas, a maioria dos textos líricos demonstrava a saudade da amada pelo amado que foi para lutar em favor da igreja, contra os mouros. Os outros textos líricos demonstravam o amor platônico, amor impossível de se consumar (o que nesse caso é com o casamento), pois o sujeito-lírico desses poemas é um amante de uma escala mais baixa na hierarquia feudal, sempre era um camponês morrendo de amores por uma nobre.

 O Trovadorismo vai entrar em declínio durante a crise do feudalismo e as consequentes modificações na maneira de governar de Portugal, incluindo o contexto de conflitos com a Espanha que culminam com a decadência do mecenantismo real.

 Muitos marcam o fim do Trovadorismo em 1385, com o fim da dinastia de Borgonha, quando D. João I é aclamado rei de Portugal e inicia-se a dinastia de Avis. Para outros, seu fim é marcado com a nomeação de Fernão Lopes para cronista-mor da torre do Tombo em 1418.

POESIA TROVADORESCA.

Na literatura, o Trovadorismo foi a primeira escola literária portuguesa. Esse movimento compreende o período que vai, aproximadamente, do século XII ao século XIV.

Convencionou-se que o marco inicial do Trovadorismo data da primeira cantiga feita por Paio Soares Taveirós, provavelmente em 1189 (ou 1198?), intitulada Cantiga de Guarvaia, mais conhecida como Cantiga da Ribeirinha. Essa cantiga, originalmente em galego-português, um romanço (língua de origem latina falada na costa da Península Ibérica) - visto que ainda não havia uma unidade lingüística entre Portugal e a Galiza - foi endereçada a Maria Pais Ribeiro (a ribeirinha), uma mulher muito cobiçada na corte portuguesa e que foi amante de D. Sanho I, o segundo rei de Portugal.

Cantiga da Ribeirinha
 (Paio Soares de Taveirós)

No mundo non me sei parelha,
 mentre me for' como me vai.
 ca ja moiro por vos - e ai!
 mia senhor branca e vermelha,
 queredes que vos retraia
 quando vos eu vi en saia!
 Mao dia me levantei,
 que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquel dia, ai!
 me foi a mi mui mal,
 e vós, filha de don Paai
 Moniz, e Ben vos semelha
 d'haver eu por vos guarvaia,
 pois eu, mia senhor, d'alfaia
 nunca de vos houve nen hei
 valia d'ua correa.


A poesia trovadoresca era cantada na língua galego-portuguesa e acompanhada por instrumentos musicais, caracterizando-se pela tradição oral e coletiva.

Numa época em que a população era quase toda analfabeta, a cultura era transmitida essencialmente por via oral, o que estabelecia um dualismo lingüístico entre a cultura monástica (escrita e erudita, inicialmente só expressa em latim) e a cultura laica ou profana, transmitida oralmente, em língua galego-portuguesa, onde se inclui a poesia trovadoresca.

A poesia trovadoresca tem origem em duas tradições poéticas fundamentais: a tradição popular da região e a influência direta do "troubadours" provençais. Compreende um conjunto de cerca de 1600 cantigas de caráter profano, com temática pagã, erótica e satírica, a que poderemos acrescentar cerca de 400 poemas de conteúdo religioso. Há um predomínio da literatura oral, associada à música e à dança. A poesia não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Os poemas eram cantados e acompanhados de instrumentos musicais, recebendo o nome de cantigas (ou ainda de canções ou cantos), e eram próprias para apresentações coletivas. Seu público não era, portanto, constituído de leitores, mas de ouvintes. Infelizmente, as partituras das músicas se perderam quase todas, sobrando nos dias de hoje apenas cinco, escritas por Martim Codax.

- Trovador: Aquele que escreve as cantigas (geralmente nobres). Cabe lembrar que são sempre homens.

 - Menestréis: músicos-poetas sedentários; viviam nas casas de fidalgos.

 - Segréis: trovadores profissionais, fidalgos desqualificados que iam de corte em corte, acompanhados por um jogral.

 - Jograis: do provençal: joglar = brincar. Cantores e tangedores ambulantes, geralmente de origem plebéia (espécie de bobos da corte, que apenas executavam ou interpretavam as composições alheias).

 - Soldadeira ou Jogralesca; moça que dançava e tocava castanholas ou pandeiro.

 Esses artistas eram a "alma" das trovas, porque eles as interpretavam e tinham que transmitir todo sentimento passado por seus personagens, suas decepções, saudades, ilusões, sofrimentos e a dor de um amor impossível.

Devido ao fato de serem poesias cantadas, são de tradição popular e são menos sofisticadas em relação à poesia escrita, apresentando simplicidade temática e formal. Quanto à forma, as cantigas dividem-se em:

Cantigas de Maestria: sete versos em cada estrofe, sem refrão, mais difíceis e sofisticadas.

Cantigas de Refrão: quatro versos em cada estrofe, com repetição de um deles (refrão) no final, mais populares.

Cantigas Paralelísticas: há versos encadeados que repetem a mesma estrutura, com pequenas variações, em pares de estrofes consecutivos, com rimas.

Quanto a temática, as cantigas podem ser divididas em dois grandes grupos:
cantigas líricas (cantigas de amor e cantigas de amigo) e
cantigas satíricas (cantigas de escárnio e cantigas de maldizer).

Do ponto de vista literário, as cantigas líricas, nas quais o amor é temática constante, apresentam maior potencial pois formam a base da poesia lírica portuguesa e até brasileira. Já as cantigas satíricas, geralmente, tratavam de personalidades da época, numa linguagem popular e muitas vezes obscena.

 Só tardiamente (a partir do final do século XIII) as cantigas foram compiladas em manuscritos chamados cancioneiros. Três desses livros, contendo aproximadamente 1 680 cantigas, chegaram até nós:

Cancioneiro da Ajuda (310 Cantigas).

Cancioneiro da Vaticana (1205 Cantigas).

Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (1647 Cantigas), também conhecido por

Cancioneiro Colocci-Brancutti.

Continua…

Fonte:
Garganta da Serpente

Hélio Consolaro (A Busca da Imortalidade)

Em sala de aula, explicando o tema da redação, ecologia, passei a mão pela cabeça e percebi uma área devastada no cocuruto, uma tonsura. Fiz uma pausa na explicação, para surpresa dos alunos. Mal sabiam que seu professor filosofava, e até se lembrava de um verso de Fernando Pessoa: "Nem sei bem se sou eu quem em mim sente".

 Era um momento que o eu esgrimia com o universo, a criatura questionava seu criador. Dizem que nosso mal é se dar muita importância. Ninguém é educado para ser o tijolo de uma construção, todos querem ser o telhado, embora sejamos mesmo sempre a peça menor da construção. Então, na hora em que descobrimos a nossa insignificância, em vez de crescermos na humildade, a depressão nos invade.

 A proximidade da finitude é a apoteose desse sentimento. Nele passamos a entender a vida, mas ela acaba, e nem sabemos direito se continua ou não, como prometeram nas homilias.

 Nem me atrevi a explicar àquelas pessoinhas em início de trajetória pensamentos tão escabrosos. Para elas, o mundo começava a existir no momento do nascimento, agora que aprendiam aulas de História, se ligavam à marcha da humanidade. A vida era uma estrada longa, interminável, que nunca ia acabar. Ledo engano, mas viver o engano faz parte do show.

 O pseudomilitante do Greenpeace que esgoelava pensamentos ecológicos a jovens imberbes, a título de passar-lhes argumentos para a montagem de um texto dissertativo, queria mesmo era poetar. Quem o professor tanto defendia o atacava sorrateiramente via espelho. E a natureza era cruel, sempre agia friamente, sem nenhuma compaixão, como se eu fosse um detalhe sem importância, um parafuso desgastado de uma máquina.

 De repente, a natureza me arrebata como uma peça que já cumpriu a sua função e meu túmulo será visitado em Dia de Finados. Confesso, caro leitor, que não sou o primeiro a ter tais pensamentos. Sei também que tento ser original, mas tenho consciência de que os outros gritam em mim. O plágio só não é encontrado no texto n.º 1, mas ninguém o conhece, talvez tenha ficado com o Criador no Éden. Ou eram rabiscos de macacos bonobos. Então vivemos de um plagiar o outro.

 Como sou um sujeito que esperneia, que quer construir sua própria imortalidade, nem que seja numa cidade de interior, deixo livros, crônicas, e textos esparramados por jornais e internet. Talvez redigirei meu próprio epitáfio.

 Assim, hoje, percorro as ruas da cidade dos mortos. Um mundo virtual que teima em ficar em forma de arremedo. E novamente verso de Fernando Pessoa me vem: "Eu serei tal qual pareço em mim?”

Fonte:
Contos do Coral

Lygia Fagundes Telles (A Noite Escura e Mais Eu)

“Ela ficou mas a gota de sangue que pingou na minha luva, a gota de sangue veio comigo” - assim começa a coletânea de nove contos, A Noite Escura e Mais Eu, de Lygia Fagundes Telles, na primeira frase de "Dolly". E termina, na última frase de "Anão de Jardim", história que encerra o livro: “Seja feita a Vossa vontade e (...) então aceito também ser a estrela menor da grande cauda levantada no infinito no infinito deste céu de outubro”. Como dentro de um parêntese, todo o universo de Lygia concentra-se entre essas duas frases, o sangue inevitável das dores da condição humana e a talvez redentora aceitação não só do Divino, mas também da insignificância e humildade que essa condição impõe. A repetição da palavra “infinito” acentua a idéia de eterno retorno, e a referência ao “céu de outubro” remete à primavera e ao renascimento de tudo. Ou seja: o sangue pode ser transmutado, alquimicamente, em luz. Ou pelo menos em ótima literatura.

A Noite Escura e Mais Eu, entre todos os livros de contos de Lygia, talvez seja a sua obra-prima. Pela unidade, pela densidade, pela extraordinária dignidade que confere à língua portuguesa, mesmo quando trata de temas ou situações sórdidas, perversas, violentas.

Lygia volta a temas recorrentes de sua obra, como a morte, a solidão, o amor, a velhice, envolvendo-nos em um mundo riquíssimo em experiências humanas, povoado por anjos e demônios, angústias e alegrias, medos, ilusões e desilusões. A autora está de volta ao seu leque de perplexidades, e suas personagens, aqui, são garotinhas, cachorros, anões, que espiam os homens e suas extravagâncias.

Esse universo misterioso das histórias de Lygia pode ser observado e sentido logo no primeiro conto, "Dolly", ambientado nos anos 20. A personagem é uma moça na faixa dos vinte anos que queria ser artista de cinema mudo. O conto é narrado por Adelaide, da mesma idade, mas de personalidade ingênua e conservadora, com quem Dolly quer dividir a moradia enquanto não alcançava as luzes da ribalta. Adelaide encontra o cadáver de Dolly violentada depois de uma noite de farra e suja suas luvas de sangue ficando, aparentemente, apavorada.

Personagens em crise diante da velhice são apresentados no conto "Boa noite, Maria", que enfoca o amor de uma mulher de sessenta e cinco anos por um homem de cinqüenta. É um conto sobre um possível direito à eutanásia, sobre o horror da decomposição e a fuga da morte como aviltamento. A solidão é o pano de fundo dessa história, a mesma solidão que permeia quase todas as personagens deste livro que, a exemplo dos anteriores da autora, traz enredos ambíguos que às vezes se aproximam do realismo fantástico.

Em "Anões de jardim", um dos melhores da coletânea, o narrador é um ser de pedra que tem alma e quer sobreviver à demolição da casa cujo jardim habita. Fala de uma perseguição à imortalidade, de uma continuação da vida em qualquer forma, mesmo a mais vil. Neste conto, Lygia Fagundes Telles rompe com a linearidade do tempo, calça a sua escritura com “botas de nuvens” e revela a vida como um pesadelo envolvido pela crueldade do homem de todos os tempos a contrastar (fantástico paradoxo!) com a ‘humanidade’ de uma estátua de pedra que pensa e sofre, como testemunha muda e memória dos dramas vividos em uma casa.

Nos outros contos, a autora desliza em verdadeiros instantâneos das relações humanas, como o da mãe à beira do túmulo da filha tentando compreender como ela foi capaz de ter como amante uma outra mulher. Ou a história de Kori, mulher rica e infeliz no casamento, que vai para a cama com o homem que ela sabe que é apaixonado pelo seu marido.

Lygia aposta no absurdo, mantém seu estilo intimista em suas reflexões sobre as fraquezas humanas nesses nove contos de mistério e paixão de A noite escura e mais eu, cujo título nasceu de um poema de Cecília Meirelles: "Ninguém abra a sua porta / pra ver o que aconteceu: / saímos de braço dado / a noite escura e mais eu."

As histórias não se esgotam no enredo. Terminadas de ler pela primeira vez, deixam a vontade de reler uma segunda ou terceira, por suas inúmeras camadas de significados e pela carga de mistério sempre deixada no ar. Às vezes, todo um conflito revela-se numa frase aparentemente perdida no meio do texto, num detalhe. Assim é, por exemplo, em "Dolly"; na perfeição de "Você não Acha que Esfriou?" ou na ousadia do tema lésbico de "Uma Branca Sombra Pálida".

Títulos como "Você não Acha que Esfriou?" e "Papoulas em Feltro Negro" têm um adensamento do ceticismo das mulheres maduras e de sua capacidade de reação. Em "Papoulas em Feltro Negro", por exemplo, uma professora de piano coloca em dúvida o passado de criança perseguida que construíra para si ao reencontrar uma mestra megera, ainda destrutiva, que acusa a ex-aluna de mentirosa e gaga, as falhas da comunicação tornando ambígua a própria memória, roubando-lhe as certezas, ocultando-as sob trevas espessas. Na cama fria do amante improvisado, uma mãe de 45 anos ergue-se para a vingança verbal que derrubará a pose do amigo do marido. Neste conto admiração e respeito à sensibilidade do outro são confundidos com ódio e desprezo. No final, a velha professora Elzira evita de todas as maneiras o olhar da ex-aluna.

Fonte:
Passeiweb

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prof. Garcia e Zé Lucas (Peleja em Martelo Agalopado) Parte 2, final

21 - Prof. Garcia
Nunca vi capitão, sem ser tenente,
mas no mundo do crime há capitão:
Virgulino Ferreira, o Lampião,
recebeu o diploma de presente.
Padre "ciço" Romão, inteligente,
chamou logo o disposto justiceiro,
deu-lhe a carta e pediu ao bandoleiro
proteção para o povo, e até lutasse,
para que Carlos Prestes não passasse
com a "Coluna" humilhando Juazeiro!

22 - Zé Lucas
Houve um tempo em que o povo brasileiro,
educado por norma conservista,
tinha um medo cruel de comunista,
tanto quanto temia o cangaceiro;
até mesmo o Vigário do Juazeiro
deu uns passos perdidos nessa estrada:
a patente ao bandido deu em nada,
o partido esquerdista entrou na lei,
o cangaço acabou junto ao seu "rei".
Só a história ficou pra ser contada.

23 - Prof. Garcia
Essa história já foi bem comentada,
vou falar de outro reino do passado
que foi quase esquecido e abandonado
logo após nossa Pátria libertada.
A família real foi condenada
a viver noutra pátria, noutro chão,
mas levou um pouquinho da nação
num punhado de terra do Brasil;
dando adeus ao seu berço varonil.
foi morrer de tristeza e solidão!

24 - Zé Lucas
A Princesa Isabel, de coração,
por um gesto de amor à liberdade,
assinou a Lei Áurea e, na verdade,
extinguiu a maldita escravidão.
Sua alteza sabia, e com razão,
que a Lei Áurea, tão nobre e liberal,
ameaçava o regime imperial
que lhe dava de graça o privilégio
de ganhar por herança o poder régio,
ao contrário do pleito eleitoral!

25 - Prof. Garcia
A princesa Isabel, sentimental,
ante a vil e perversa escravidão,
assinou a Lei Áurea da nação
abolindo a torpeza desta mal.
A princesa da casta imperial
na ausência do pai imperador,
fez de sua grandeza o divisor,
da vergonha maior deste país,
exilada, Isabel morreu feliz
libertando esse povo sofredor!

26 – Zé Lucas
O Brasil, esta terra do esplendor
da beleza de um céu mais estrelado,
desses mares de anil, do Corcovado
que se eleva com o Cristo Redentor;
do Amazonas imenso, do calor
do Nordeste sofrido, mas fecundo,
tem ladrões, tem pobreza e vagabundo,
tem políticos maus, de maus conceitos,
mesmo assim, com milhares de defeitos,
ainda é o país melhor do mundo!

27 - Prof. Garcia
Vendo todas as coisas deste mundo
sempre quis meu país cheio de glória,
como foi Rui Barbosa para história,
que assustou pelo seu saber profundo;
Alencar foi primeira sem segundo,
cearense de fibra limpa e pura,
Casimiro de Abreu outra figura
que mostrou para o povo o seu valor,
foi poeta e foi grande defensor
da poesia que fez nossa cultura!

28 - Zé Lucas
Se o Brasil se ajeitar, ninguém segura;
é o gigante da América Latina;
tem petróleo, tem sal, tem ouro e mina
de carvão e de ferro, com fartura;
não tem Prêmio Nobel, mas tem cultura:
só Machado de Assis, como escritor,
representa, das letras, o valor...
O cordel já tem prática na escola
e o padrão do repente e da viola
sobre a Terra não tem competidor!

29 - Prof. Garcia
Meu Brasil que mistura raça e cor,
fala o mesmo idioma sem problema,
cada praia que tem vira um poema
quando o sol rompe a aurora, abrasador.
Cada filho da terra é um sonhador,
e as belezas que tem, nunca têm fim;
é por isso que eu digo, mesmo assim:
aos poetas, aos crentes e aos ateus,
que este solo pertence às mãos de Deus
e um pedaço também pertence a mim!

30 - Zé Lucas
Esses mares bonitos e sem fim
que desenham a costa brasileira
dão notícias de um mundo sem fronteira,
de sol claro e de aurora carmesim,
de uma lua com raios de marfim,
musa eterna de nossos trovadores...
Eis o imenso país dos meus amores,
onde Deus permitiu meu nascimento
e jamais me deixou em desalento
nesta terra de sonhos promissores!
FIM.
--------

FRANCISCO GARCIA DE ARAÚJO (Prof. Garcia), filho de Lucas Araújo (In memoriam) e de Helena Garciade Araújo, nasceu na fazenda Acari, em Malta-PB, em 27 de novembro de 1946.
Licenciado em Letras (português e inglês) e Bacharel em Direito pela UFPB, pós-graduado em Teologia e Éticas Especiais, poeta, trovador, palestrante, radialista, cordelista, escritor e compositor, foi Bancário, Vereador e Secretário Municipal em Caicó-RN.
Lecionou Português, Francês, Inglês e Espanhol.
Casado com Anunciada Laura de Araújo Garcia, com quem tem três filhas: Mara Melinni de Araújo Garcia (advogada, bancária e poetisa), Ava Murielli de Araújo Garcia (psicopedagoga) e Eva Yanni de Araújo Garcia (pedagoga e poetisa).
Presidente do Clube dos Trovadores do Seridó,
Delegado da UBT em Caicó-RN,
Delegado do Portal CEN para o RN,
Membro da Academia de Trovas do RN (ATRN) e 
Membro da UBT, Seção de Natal-RN. 
Membro efetivo da Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE).
Tem seus trabalhos publicados em coletâneas, antologias, livros, jornais, revistas, portais e internet. Possui vários livros em parceria com poetas nacionais, além de premiações em diversos concursos de trovas no Brasil e em Portugal.  

JOSÉ LUCAS DE BARROS nasceu no município de Condado – PB (12.3.1934), mas batizou-se e registrou-se civilmente em Serra Negra do Norte – RN.
Ensinou Português (língua e literatura) mais de dez anos, em escolas de nível médio (Caicó e Assu – RN).
É advogado, poeta, trovador e pesquisador de literatura popular.
Presidente da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte e da Associação Estadual de Poetas Populares – RN
Membro da União Brasileira de Trovadores, seção de Natal/RN,
Membro do Instituto Cultural do Oeste Potiguar,
Membro da Academia Curraisnovense de Letras e
Membro da Academia Parnaminense de Letras.

Obras Publicadas: 
CANTIGAS DE MEU DESTINO (trovas),
REPENTES E DESAFIOS (pesquisa),
NO BALANÇO DA CANOA (Trovas e sonetilhos),
CAMINHADA (poesias),
QUANDO DOIS RIOS SE ENCONTRAM (parceria com Delcy Canalles),
DO POTENGI AO GUAÍBA (Idem),
SEXTETO EM SEXTILHAS (parceria com Antônio Augusto de Assis, Ademar Macedo, Delcy Canalles, Prof. Garcia e Gislaine Canales),
DOIS POETAS EM SETILHAS (parceria com Ademar Macedo),
QUARTETO EM SEXTILHAS (parceria com Prof. Garcia, Héllio Pedro e Manoel Dantas),
UM ROJÃO EM SEXTILHA AGALOPADA (parceria com Prof. Garcia e Ademar Macedo),
UM DEBATE EM SETILHA AGALOPADA (Idem),
NOS ARPEJOS DAS SETILHAS (Idem),
NA TRILHA DOS SETE PÉS (parceria com Professor Garcia, Hélio Pedro, Hélio Alexandre, Ieda Lima, Mara Melinni, Manoel Dantas e Djalma Mota).

Tem outros 19 trabalhos inéditos.
Aposentou-se como auditor do Banco do Brasil em 1988. Tem endereço em Natal – RN, mas reside, desde 1988, na Praia de Pirangi do Norte, município de Parnamirim – RN.
Do primeiro matrimônio, com Celestina Batista de Faria Barros, tem 5 filhos: Tarcília Carmina, Maria Sayonara, Flávia Maria, Bartira Maria e Álvaro Joaquim. Tem onze netos: Bianca, Juliana, Pedro Henrique, Ana Luísa, Ana Beatriz, Maíra, Lucas, Mariana, Ariane, Álvaro Júnior e Felipe.
Em 2007 contraiu segundas núpcias com Rosileide Izídrio Lopes de Barros. 

Fonte:
Zé Lucas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 659)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

O gesto de amor clareia
a escuridão da maldade...
Quem faz o bem é candeia
que ilumina a humanidade.
–Larissa Loretti/RJ–

Uma Trova Potiguar


Potengi, meu velho irmão,
tu és um cartão postal,
tu és vida, és coração;
és canção sempre imortal!...
–Rodrigues Neto/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Nova Friburgo/RJ
Tema - SAUDADE - 5º Lugar


No rosto, um leve sorriso
disfarça a dor da saudade…
- Há vezes em que é preciso
fingir a felicidade.
–Olga Agulhon/PR–

...E Suas Trovas Ficaram


Esperança, não me peças
que acredite em tuas juras...
já me cansei de promessas
e me perdi nas procuras...
–Milton Nunes Loureiro/RJ–

U m a P o e s i a


A maior pena da vida
para todos é uma só;
seja pobre, seja rico
a vida termina em pó;
e apenas a morte, apenas,
é quem aplica tais penas
e aplica sem pena e dó!
–Luiz Dutra/RN–

Soneto do Dia

F U G A.
–Divenei Boseli/SP–


Fugindo à solidão, a largos passos,
nos braços da ilusão fui por aí,
fingindo a exatidão com que senti
a túrgida emoção de outros abraços.

Burlando a perdição, feito um saci,
ergui nova paixão sem embaraços,
forjando a frouxidão dos nervos laços
depois da ebulição que consegui.

E gozo em cada corpo, em cada cama,
o autêntico prazer que só quem ama
conhece, e só acontece isso, porque

em cada boca estranha eu bebo um pouco
do fel com que matei, num gesto louco
o louco amor que eu tive por você.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prof. Garcia e Zé Lucas (Peleja em Martelo Agalopado) Parte 1

Pela Internet, entre os Poetas e Trovadores Francisco Garcia de Araújo (Prof. Garcia) e José Lucas de Barros.

Início em 22.07.2012 – Término em 29/7/2012.

01 - Prof. Garcia
Já falei do sertão, falei do mar,
da floresta e do espaço eu já falei,
as montanhas e os morros já cantei
nem sei mais o que agora eu vou cantar.
Mas o poeta começa a imaginar
e descobre que a fonte da poesia
jorra tudo que a mente humana cria
sem jamais lhe faltar inspiração...
É o milagre do amor e da razão
que me faz ser poeta todo dia!

02 - Zé Lucas
Pra o poeta encontrar a poesia,
basta o canto febril de um rouxinol,
ou os raios de ouro do arrebol,
registrando o nascer de um novo dia;
um olhar nas belezas que Deus cria
também deixa um poeta motivado;
uma grata lembrança do passado
tanto acorda a saudade como inspira;
mais o som peregrino de uma lira,
e está pronto o martelo agalopado!

3 - Prof. Garcia
Quando eu vejo um sapinho acocorado
na lagoa bem cedo inflando o papo,
é porque da garganta desse sapo
vai sair um martelo agalopado.
Eu me ponho a pensar quase assustado,
como um sapo também tem voz tão boa,
pois percebo no canto que ele entoa
que há um feitiço que encanta a saparia,
cada verso que faz tem mais poesia
do que a voz do restante da lagoa!

4 - Zé Lucas
No remanso tranquilo da gamboa,
cai no rio e se anima o pescador,
na esperança de um peixe lutador
que, na linha do anzol, puxe a canoa;
remo solto, segura-se na proa,
porque sabe os segredos de seu rio
e não foge jamais ao desafio,
visto que água no chão é mão na luva...
Essas cenas ocorrem quando a chuva
cai na terra do sol e espanta o estio.

05 - Prof. Garcia
O carão canta triste em desvario
quando a chuva se ausenta e vai embora,
é a tristeza do canto de quem chora
no murmúrio de um grande desafio.
Sertanejo, sem chuva, é por um fio,
que ele escapa o rebanho da vivenda,
tudo quanto produz é uma oferenda
contra a fome feroz que se aproxima,
o campônio jamais se desanima
e é feliz no terreiro da fazenda!

06 - Zé Lucas
Vi a cana espremida na moenda,
vi os bois sonolentos na almanjarra,
na qual já trabalhavam quando a barra
da manhã lourejava na fazenda;
e o engenho, que há muito virou lenda,
tinha cheiro de mel e rapadura,
mas o tempo mudou... Já não se apura
uma simples batida, ou alfenim.
No sertão, isso tudo levou fim,
mas a dor da saudade ninguém cura!

07 - Prof. Garcia
Nem o canto feliz da saracura
que cantava em lagoa e pantanais,
eu escuto nos velhos mofumbais
que abrigavam tão bela criatura.
Se o destino ou a própria desventura
prescreveram tristonha profecia,
meu sertão chora a dor de cada dia
lamentando o passado que se foi,
e a toada do meu carro de boi
era a orquestra mais linda que se ouvia!

08 - Zé Lucas
Não me esqueço do som da cantoria
nos alpendres de antigos casarões,
com sextilhas, martelos e mourões
recheados de nítida magia;
era um mundo encantado de poesia
que abracei desde minha tenra idade,
tradição nordestina de verdade
que não pode morrer nem fraquejar
porque é muito querida e popular,
mas mudou-se do campo pra cidade!

09 - Prof. Garcia
Nos sortudos perfis da mocidade
no terreiro da antiga fazendola,
escutei cantadores de viola
repentistas com muita habilidade.
mas o tempo com vã fugacidade
desfez logo o meu velho apostolado,
me deixou na fazenda abandonado
como quem diz adeus e vai embora,
e até hoje a fazenda ainda chora
relembrando a viola do passado!

10 - Zé Lucas
Neste nosso martelo agalopado,
imitamos os mestres da viola,
muito embora sejamos de outra escola
que não lida com o verso improvisado,
mas respeita o formato desenhado
pelos grandes artistas do repente.
Nós também nos servimos da vertente
dessa viva poesia nordestina,
que não tem pretensões, porém domina
a cultura mais bela do presente!

11 - Prof. Garcia
Nosso velho rojão é tão dolente
que as estrelas marejam no infinito,
chora a imagem pintada no granito
nos instantes finais do sol morrente;
as estrelas fulguram no nascente
e a montanha se cobre de beleza,
para ouvir a canção da singeleza
que o poeta verseja e não vacila,
cada verso é uma estrela que cintila
no universo da santa natureza!

12 - Zé Lucas
O improviso, que é sempre uma surpresa,
é o momento supremo da emoção
de quem logra ter grande inspiração
para encher a poesia de beleza;
uma estrela distante, com certeza,
manda um sonho de ouro pra o poeta,
que se sente tocado de uma seta
no recinto da lógica e da mente;
brilha logo a faísca do repente
e um poema, em segundos, se completa.

13 - Prof. Garcia
No repente, ninguém traça uma meta,
mas é bom que um roteiro a gente trace,
pois do nada, um improviso sempre nasce
e a beleza da vida se completa.
Não precisa que seja em linha reta,
pode ser por caminho tortuoso,
pois o verso sofrendo é mais famoso
aos primeiros suspiros da manhã,
quando o sol salpicando o morro e a chã
torna o verso mais belo e mais formoso!

14 - Zé Lucas
Quem trabalha precisa de repouso
pra suprir os efeitos do cansaço,
pois o esforço medido a cada passo
nunca pode tornar-se tão penoso;
nosso tempo é tesouro precioso,
como o próprio bom senso nos revela...
Desperdício das horas, sem cautela,
leva a perdas e danos sem medida
e ao desgaste das dádivas da vida,
desta vida que é curta, mas é bela.

15 - Prof. Garcia
Quando escuto o bramido da procela
e os gemidos do mar, quando se alteia,
eu respeito o furor da maré cheia
e a bravura do mar que se encapela.
Fica mais perigoso o barco à vela
do que a nossa chalana pantaneira,
que é mais leve, mais dócil, mais faceira,
onde as ondas são todas pequeninas,
me lembrando as canoas nordestinas
sossegadas na paz da ribanceira!

16 - Zé Lucas
No sertão, uma linda fiandeira
foi Maria Isabel, minha vovó,
que viveu no calor do Seridó
comandando uma roca de madeira;
punha os pés pequeninos numa esteira
fabricada com arte e paciência;
sempre estava na pobre residência
dando a bênção a adultos e guris...
Viveu quase cem anos, tão feliz,
com o novelo dos fios da existência!

17 - Prof. Garcia
Minha avó também teve competência,
com seu fuso na mão, foi de primeira,
também tinha uma roca de madeira
que lhe deu o sustento, e deu vivência.
Enedina, um sinal de resistência,
não sentia o torpor da nostalgia,
na pobreza do campo onde vivia
resistiu aos insultos da escassez,
mas viveu com ternura e sensatez
encantada com tudo que fazia!

18 - Zé Lucas
Desde a infância alguns versos eu já lia:
comecei pelas glosas de Nicandro,
mergulhei nos romances de Leandro,
que fazia cordel com poesia;
lendo Chagas Batista, eu descobria
o cangaço do solo nordestino,
com as grandes façanhas de Silvino,
que era o "Rifle de Ouro" respeitado...
Dos delitos, enfim foi indultado
por Getúlio, abrandando o seu destino.

19 - Prof. Garcia
Eu não posso esquecer de Jesuíno,
homem forte, disposto e valentão,
que lutou nas caatingas do sertão
contra a própria injustiça do destino.
Vingativo, mas nunca foi cretino,
foi mais um respeitado cangaceiro...
Todos dizem que foi mais justiceiro,
do que injusto, naquilo que fazia.
Jesuíno Brilhante procedia
ao contrário do injusto trapaceiro.

20 - Zé Lucas
No Nordeste, o mais duro cangaceiro,
Virgulino Ferreira, o Lampião,
assombrou todo o povo do sertão
com seu rifle temível e certeiro;
tinha fama de bravo bandoleiro,
pois, de fato, era intrépido e valente,
açoitava e matava cruelmente,
mas entrou pelo cano em Mossoró:
correu tanto, que as pernas davam nó;
mesmo assim, é um herói pra muita gente!
Fonte:
Zé Lucas

Artur Azevedo (À Porta da Botica)

Esta é a segunda peça de Artur Azevedo, escrita aos 16 anos. 

PERSONAGENS

ANICETO - tipo da atualidade
DIOGO
OLIVEIRA
Um rapaz de 12 anos
PASSANTES

CENA ÚNICA
Vista de rua escura. À direita uma botica, à porta da qual vêem-se algumas cadeiras.

ANICETO, depois TODOS (por seu turno.)

ANICETO
(Velho jarreta, entra fumando e observando as cadeiras.)

— E esta! ainda ninguém!

(Vê o relógio.)
Pois já lá vão sete e meia!
E os meus colegas não vêm
Pra falar da vida alheia!
Já as cadeiras estão
No seu lugar competente...

(Senta-se.)
Como corre a viração
Às portas de uma botica!
Se o juízo não me mente,
Quem está doente, bom fica,
Fica bom quem ‘stá doente...
Temos bem que dar à língua
Aujord’hui, meus colegas,
Esta gentinha anda à míngua
De meia dúzia d’sfregas...
Isto de andar a falar
Da vida do semelhante
É gosto bem singular,
Mas não será doravante:
É uma necessidade
Pra dar que falar ao povo,
Mentira seja ou verdade,
Só se quer - assunto novo! –

(Levanta-se.)
Os senhores já adivinham
O que lhes conto? por Cristo?
Ora, senhores, não tinham
mais do que olhar:

(Indica.)
Esta casa é uma botica
Que vende sempre a quem passa:
Pastilhas de mel d’angica
Cataplasmas de linhaça...
O lugar é solitário.
Nem mesmo tem lampião...

(Confidencialmente.)
— Cuidado com o boticário
Que não passa dum... boticário,
E o seu caixeiro, o Senhor Mário,
Maluco como o patrão
Eu não falo da vida alheia.
Isto é só fazer idéia…

(Mostra as cadeiras.)
Nas cadeiras que aqui ‘stão
Com muita constância tem,
As noites, uma reunião,
Um dia sim, outro também...
Aqui se fala de tudo.
Tudo por aqui contado é:
Sofrendo o pai do cascudo,
Sofre o avô do jacaré...
Se um sujeitinho lá bifa
Ao patrão certa quantia,
Se aquele faz uma rifa,
Se um outro não anda em dia,
Se um quebra, foge aos credores,
Se outro ajunta depressa,
Se aquele já tem amores,
Mal o avô-torto começa
Há que ser analisado
Na porta do boticário:
O pobre, o remediado,
O econômico perdulário!
Eu não falo da vida alheia,
Isto é só fazer idéia!
Falamos todas as noites
No que é no que fora,
Todos aqui chucham açoites,
Em todos os meto a tesoura!
E no que me der o cavaco,
Nele mais se mete a faca,
Hei de levar pro tabaco,
Hei de cortar na casaca!
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia...

(Entra Diogo.)

DIOGO (Com um charuto apagado.)

— Seu Aniceto, dá-me o seu fogo?

ANICETO

— Por que não, Senhor Diogo?...

(Diogo, depois de acender o charuto, restitui o de Aniceto sem agradecer-lhe. Sai.)

ANICETO (Só)

— É impolítico o Senhor Diogo!
Impolítico... malcriado!
Eu servi-lhe com meu fogo,
E não me disse obrigado!...
Este sujeito é um tratante,
Cautela, muita cautela,
Fala dos outros bastante,
E furta sem mais aquela!
Ainda há três dias
Queixou-se um negociante
Que vendeu mercadorias
A ele, qu’é um bom tratante!
Ouvi dizer numa venda
Que pediu a uma loureira
O anel - Deus me defenda -
Pra pagar a lavadeira:
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia…

(Passa pelo fundo um passante.)
Viram aquele sujeito?
Cuidado, muito cuidado,
Diz que pra cousa tem jeito,
É um tratante refinado,
Ou refinado tratante,
Eu cá não faço questão
De vogal ou consoante,
De ser cachorro ou ser cão,
De ser tratante ou ladrão!
Me disseram qu’outro dia
A firma imitou do Sousa
Com uma tal maestria,
Que ninguém deu pela cousa!
E qu’anda co’uma donzela
E um constante derriço,
Subindo pela janela
Sem que ninguém dê por isso!
Enfim ‘stou capacitado
Qu’é um tratante de mão cheia;
Mas olhem: este seu criado
Não fala da vida alheia
Isto é só fazer idéia...

(Passa outro tipo.)
Aquele é o tio do homem
Que há pouco pediu-m’o fogo,
Dizem que os cobres lhe somem
Sempre na banca do jogo;
Mulher e filhos não comem:
A panela está no fogo,
Ou - está no fogo a panela,
Sem nada ter dentro dela!
A filha já tem morgados
E o pai inda a tem por casta:
- O velho é maluco e basta!...
(Entre parêntesis - não gosto
Da história do tal tijolo,
Por causa dele eu aposto:
Se perde muito o miolo! -
Mas pensem agora os senhores,
Que apesar da circunstância,
Não tenho também amores
Com a Senhora Dona Amância! -)
Mas voltemos à questão,
Ia dar uma opinião:
Enquanto o velho se abrasa,
No voltarete se pega,
A menina fica em casa,
Pra jogar a cabra-cega!
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia...

(Passa o rapaz de 12 anos largando gordas fumaças de um charuto.)
Olhem pr’aquele fedelho
Como gosta da fumaça!
Decerto toma em conselho
Como aí qualquer chalaça!
Parece filho do Neves,
Nada há que mais pareça...
O Neves Ramos? que deve
Os cabelos da cabeça?

(Aponta para um sobrado.)
Olhem: nesta casa moram
Três ou quatro sujeitinhos:
O primeiro sei que namora
Uma viúva e já agora...
Etcoetera e tal... pontinhos...
Mas como tem bons cobrinhos,
Como essa viúva é rica,
Não se importa cos vizinhos.
Nem com a porta da botica!
O segundo é um soldado:
O terceiro é um agiota,
Que apesar d’haver quebrado,
Não deixa d’andar janota!
O quarto não sei quem é:
Mas eu hei de me informar.
(Isso é mais velho que a Sé.)
Pra vir dele aqui falar!
Sei que se chama Fernando,
E trabalha, ... vadiando;
Se lhe pergunto a razão
Por que sempr’anda na pândega,
Responde: Que admiração!
Sou empregado na Alfândega!
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia...
Mora naquele sobrado
Uma moça que fabrica
Tijolo com o namorado;
E o pai não se certifica,
Nem pergunta a Dona Anica
O que aquilo significa,
Quem é aquele rapaz,
Não teme a língua dos dois,
Nem a... porta da botica!
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia...
Na outra - pegado - mora
Um médico muito excelente,
Da carreira inda na aurora,
Já tem morto muita gente!
Dizem que a cura prolonga
Co’algumas drogas fatais,
Para a moléstia ser longa,
E os cobres renderem mais!
Tem no convento um irmão
De aventuras muito farto,
Roubou a filha ao patrão
Abandonou-a num quarto

(Comovido.)

Coitada! morreu de parto!
Eu não falo da vida alheia
Isto é só fazer idéia...

(Aparece Oliveira vestido para o baile. Ao passar pelo fundo, cai-lhe alguma coisa e abaixa-se para apanhá-la.)

Quem é aquele sujeito
Que abaixou-se na rua?...
Inda não o vi bem de jeito,
E agora... escondeu-se a Lua!
(Vai para junto de Oliveira e, sem que ele dê por isso, corta-lhe a aba da casaca com uma tesoura.)

OLIVEIRA (Consigo.)

— E esta! perdi um botão...
Quem achar seja feliz...
Escapuliu-me da mão...

ANICETO (À parte.)

— Eu não ouço o que ele diz.

OLIVEIRA (À parte.)

— Também o que pode valer?
Custa só meia pataca
O que acabo de perder!

(Sai)

ANICETO (À parte.)

— Já lhe cortei a casaca

(Desce à cena com a aba na mão.)

Este sujeito é o Oliveira
Ignoro o comportamento...
Vejamos se na algibeira
Tomo algum apontamento!

(Tira um lenço da algibeira da aba.)

Um lenço fino de Irlanda;
Não ‘stá inda pago. Uma aposta.
A marca está doutra banda...
Vejamos: José da Costa!
Um lenço do Zé da Costa
Na algibeira d’Oliveira!
Ah! já vejo que ele gosta
Como eu da ladroeira!
Oh! descaramento imenso!
Que ação negra e medonha!
Roubar... roubar um lenço!
É muito pouca vergonha!
Conto hoje na botica
O miserável atentado,
Amanhã o povo fica
Ciente...

(Tirando dez tostões da algibeira da aba.)

Muito obrigado.
(Remexendo)

Ah! inda um papel se pilha!
Vejamos o que ele diz!
(Vendo.)

Subscritado a minha filha
(Lendo.)

“Joana, sou mui infeliz
Como o nosso amor puro e santo;
Te espero amanhã no canto,
Daremos uma fugida;
Joaninha, minha vida,
Meu querubim, meu amor,
Nem mais aqui voltaremos,
Teu pai esquecer devemos,
Não passa de um falador!
Manda dizer por escrito,
Se o pequeno, que nasceu,
Está feio ou ‘tá bonito
Está vivo ou já morreu!”

(Desespera.)
Minha filha ter um filho!
Minha filha desonrada!
Ai, meus amigos, se os pilho...
Não me faltava mais nada!
Em vez de estar a vigiá-la,
Pois não tem nada de feia,
Eu vinha cá pra senzala
Falar da vida alheia!
Vou abandoná-la! um capricho:
Estas cousas não consomem...
Porque um gato é um bicho,
E um homem foi sempr’um homem!

(Saindo arrebatadamente.)
Vou casá-los, vou casá-los...

[Cai o pano]
Fonte:
AZEVEDO, Artur. Teatro de Artur Azevedo. [Rio de Janeiro] : Instituto Nacional de Artes Cênicas - INACEN, [198?]. v. 1. (Coleção clássicos do teatro brasileiro, v.7).
Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Texto-base digitalizado por Sérgio Simonato – Campinas/SP

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 658)

Uma Trova de Ademar  

Causa-me espanto o coqueiro;
algo de bom ele tem...
Mas, sendo torto ou linheiro,
nunca deu sombra a ninguém!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional


Lindas ilusões vividas,
num passado tão distante,
foram todas diluídas
no morrer de cada instante!
–Gutemberg Liberato/CE–
Uma Trova Potiguar

As retas que tracejei,
nos meus tempos de menino,
curvaram quando eu voei
nas asas do meu destino.
–Marcos Medeiros/RN–

Uma Trova Premiada

1999 - Pouso Alegre/MG
Tema - VARANDA - M/E


Paixão não correspondida
é luz cercada de escuro,
tal qual varanda florida
cuja paisagem é um muro.
–Conceição A. C. de Assis/MG–
...E Suas Trovas Ficaram

Sem riqueza, sem conforto,
é fácil fazer o bem;
a prece rezada ao morto,
é caridade também.
–Orilo Dantas/RN–

U m a P o e s i a


Há dor que deixa sequela,
mas nem todas são assim.
Eu amei uma donzela
e deixei sequela nela,
e ela... sequela em mim.
–Evilásio Resende/RN–

Soneto do Dia

PROMESSA.
–Gilson Faustino Maia/RJ–


Eu te prometo, amor, quando eu dormir,
sonhos terei bem cheios de ternura.
esquecerei, inteira, essa amargura
que minha mente insiste em possuir.

Infelizmente, como conferir?
não tem outra maneira, criatura!
A vida é escuridão e a gente atura
até o dia em que a luz a surgir.

Mas acredita, amor, eu sonharei.
Também, ali dormindo, certamente,
a dor, o pranto, a mágoa, esquecerei

para lembrar-me, então, de ti somente.
Os meus versos dirão quanto eu te amei,
e eu sonharei contigo, eternamente.

Lino Mendes (O Trabalho e o Lúdico nos Meios Rurais)

Naquela semana, alguns “ranchos de trabalhadores”iam sair para uma quinzena, pelo que a “praça da jorna” tinha sido das mais concorridas enchendo a Rua Grande, da taberna do Zé Gabirra até à Praça onde já terminara o “mercado semanal”, e no qual de quase tudo se vendia, desde os produtos da horta e do calçado do Badeirana, até aos tremoços e” pirolitos de chupar” da ti Ilda Pina.”E o povo era tanto que se dizia que se uma laranja caísse do céu não chegava ao chão.

Era no entanto junto às tabernas que se verificava uma maior afluência de gente, pois era aí que se procurava patrão. De uma maneira geral este( o patrão) estava lá dentro, e como as mulheres não podiam lá entrar (a não ser chegar à porta para chamar o sê homem), era o capataz que fazia a ligação .A propósito de capataz (ou manageiro) este era uma figura por quem os trabalhadores, salvo uma ou outra excepção não tinham simpatia. Às vezes, diziam-me as irmãs Ramira e Margarida, eram piores que o patrão, só não nos tiravam a pele se não pudessem. E cantaram-me uma quadra das “saias”, que dizia assim:
Vai-te sol,vai-te sol
lá para trás do outeiro
alegria para o rancho
tristeza pró manajeiro


Claro que também cantavam uma destinada ao patrão
Vai-te sol, vai-te sol
para trás do barracão
alegria para o rancho
tristeza para o patrão


Isto e como se calcula, era cantado quando o dia de trabalho estava a chegar ao fim

Por volta da meia-noite começavam a regressar a casa ,mas podia acontecer que pelo caminho até à entrada da vila, mesmo quem tinha patrão encontrasse quem lhe desse mais cinco ou dez tostões por dia, e lá ficava o outro sem trabalhador/a. E era por isso que no outro dia logo de manhãzinha havia outra “praça da jorna”, mas agora no Lugar da Farinha Branca, a uns cinco quilómetros da vila.

Diga-se entretanto, que especialmente as mulheres ,mas também alguns homens, era à entrada da vila que se calçavam, voltando a descalçar-se à saída. Quando se calçavam para entrar na vila, deixavam guardadas em qualquer sítio as meias e a rodilha com que limpavam os pés.

Vindas do campo havia duas entradas.

A vida era, de facto, dura, pois bem cedinho, a pé e descalços lá partiam levando o farnel e as mantas à cabeça (elas) ou nos alforges (eles), dormindo ao relento e no meio do mato, quando por exemplo iam para as vindimas em Almeirim.

Chegados ao trabalho, que era de sol a sol, arrumavam as suas coisas no “quartel”,que era uma cabana grande que por vezes compartilhavam com o gado, e onde à noite contavam histórias ou faziam rendas(por exemplo “marcavam”lenços que depois ofereciam aos rapazes)

Mas o seu grande divertimento era o balho, e neste caso os chamados “bailes do trabalho”que faziam duas vezes por semana, e em cujos dias por vezes faziam empreitadas para descansar ainda um bocado. Que o horário, e foi mais uma vez a cantar que a senhora Margarida me explicou:
O almoço quere-se às nove
e o jantar ao meio-dia.
a merenda às quatro e meia
e a ceia ao fim do dia


E já agora, e sem que tal se pudesse considerar um padrão, explica-me a senhora Margarida que a comida durante o dia poderia ser:

Logo ao levantar, e antes de enregar no trabalho, comia-se um bocado de pão com queijo ou com azeitonas, depois ao almoço feijão frade ou batatas de azeite e vinagre, à merenda de novo pão com queijo ou com azeitonas, ao jantar feijão com couve ou sopas de carne e à ceia migas carvoeiras ou migas gatas

Mas voltemos à “balharada”.Naturalmente que levavam o fato com que trabalhavam.

(1) Gente havia sempre, até porque apareciam idos de outros ranchos que trabalhavam em herdades ali perto.

Naquele dia, não havia ainda tocador, mas esperavam que aparecesse o Ti Zé Bom Dia  (2) com o seu Harmónio, ou Ti António Carqueja com o seu Realejo, mas a falta de músicos nunca impediu que um balho se fizesse, pois cantava-se, por aqui normalmente as “saias”.Se eram mais as raparigas, bailavam umas com as outras, se eram mais os rapazes, havia o “bota cá dispensa”.

Era bonito, dizia-me o senhor João, mais conhecido por Jarreta quando uma (que andava a bailar) lançava a primeira quadra das saias, e de outro par lhe respondiam, podendo ainda outros ou outras entrar na liça. Mas o que ti António mais gostava de ver, era quando nos dois passos, que naturalmente cada um bailava como sabia, uns o faziam, rasteiro, outros pulado e ainda outros escufinhado.

A vida era, de facto, dura ,mas o baile era um refúgio, aliás o único divertimento que a vida rural lhes oferecia.

(1)Como se compreende, só nos chamados “bailes do trabalho” a mulher usava o traje de camponesa, porque nos outros usava a blusa domingueira, por vezes a única que tinha e que ao regressar a casa era logo lavada para estar em condições no fim de semana seguinte. Curioso, é que por vezes entregava um lenço ao par, para este colocar entre a mão e a blusa de maneira a não sujar esta.

(2) O alcunha de Bom Dia resultou do facto de ainda gaiato, andando a guardar gado, fosse qual fosse a hora em que o cumprimentassem, respondia sempre com um “bom dia”.

(3) Bailava-se muito quando ia-mos à semana ou à quinzena. Se houvesse baile duas vezes por semana, era à terça e à quinta, se houvesse só uma vez era à quarta ou à quinta. Depois isso acabou e era só ao fim se semana, ao sábado à noite(Maria Gertrudes


Fonte:
Lino Mendes (Montargil—Alto Alentejo-Portugal)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Carlos Drummond de Andrade (Lanterna Mágica)

I / BELO HORIZONTE

Meus olhos tem melancolias,
minha boca tem rugas.
Velha cidade!
As árvores tão repetidas.

Debaixo de cada árvore faço minha cama,
em cada ramo dependuro meu paletó.
Lirismo.
Pelos jardins versailles
ingenuidade de velocípedes.

E o velho fraque
na casinha de alpendre com duas janelas dolorosas.

II / SABARÁ

A Aníbal M. Machado

A dois passos da cidade importante
a cidadezinha está calada, entrevada.
(Atrás daquele morro, com vergonha do trem.)
Só as igrejas
só as torres pontuadas das igrejas
não brincam de esconder.

O Rio das Velhas lambe as casas velhas,
casas encardidas onde há velhas nas janelas.
Ruas em pé
pé-de-moleque
PENSÃO DE JUAQUINA AGULHA
Quem não subir direito toma vaia...
Bem-feito!

Eu fico cá embaixo
imaginando na ponte moderna - moderna por quê?
A água que corre
já viu o Borba.
Não a que corre,
mas a que não pára nunca
de correr.

Ai tempo!
Nem é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas.
Os séculos cheiram a mofo
e a história é cheia de teias de aranhas.
Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado.
Quede os bandeirantes?
O Borba sumiu,
Dona Maria Pimenta morreu.

Mas tudo é inexoravelmente colonial:
bancos janelas fechaduras lampiões.
O casario alastra-se na cacunda dos morros,
rebanho dócil pastoreado por igrejas:
a do Carmo - que é toda de pedra,
a Matriz - que é toda de ouro.
Sabará veste com orgulho seus andrajos...
Faz muito bem, cidade teimosa!

Nem Siderúrgica nem Central nem roda manhosa de forde
sacode a modorra de Sabará-buçu.

Pernas morenas de lavadeiras,
tão musculosas que parece que foi Ajeijadinho que as esculpiu,
palpitam na água cansada.

O presente vem de mansinho
de repente dá um salto:
cartaz de cinema com fita americana.

E o trem bufando na ponte preta
é um bicho comendo as casas velhas.

III / CAETÉ

A igreja de costas para o trem.
Nuvens que são cabeças de santo.
Casas torcidas.
E a longa voz que sobe
que sobe do morro
que sobe...

IV / ITABIRA

Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
Na cidade toda de ferro
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão.
Os ingleses compram a mina.

Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável.

V / SÃO JOÃO DEL-REI

Quem foi que apitou?
Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho.
Almas antigas que nem casas.
Melancolia das legendas.

As ruas cheias de mulas-sem-cabeça
correndo para o Rio das Mortes
e a cidade paralítica
no sol
espiando a sombra dos emboabas
no encantamento das alfaias.

Sinos começam a dobrar.

E todo me envolve
uma sensação fina e grossa.

VI / NOVA FRIBURGO

Esqueci um ramo de flores no sobretudo.

VII / RIO DE JANEIRO

Fios nervos riscos faíscas.
As cores nascem e morrem
com impudor violento.
Onde meu vermelho? Virou cinza.
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos
com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias.
Pedante nas livrarias.
Nas praias nu nu nu nu nu nu.
Tu tu tu tu tu no meu coração.

Mas tantos assassinatos, meu Deus.
E tantos adultérios também.
E tantos tantíssimos contos-do-vigário...
(Este povo quer me passar a perna.)

Meu coração vai molemente dentro do táxi.

VIII / BAHIA

É preciso fazer um poema sobre a Bahia...

Mas eu nunca fui lá.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Nova Reunião. Vol.1.