quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Walmir Cardoso (Lenda Grega Recontada: A Lenda de Órion)


Dizem que na Grécia Antiga, muito tempo atrás, um jovem caçador chamado Órion apaixonou-se por uma princesa de nome Mérope. Era filha do rei Enopião, com quem morava numa ilha do Mar Mediterrâneo. Dona de grande beleza, Mérope era muito amada pelo pai, que impedia os rapazes de se aproximarem da filha e namorá-la.

Acontece que Órion não era um jovem qualquer, mas filho do deus grego Posêidon, conhecido na Roma Antiga como Netuno. Muito poderoso, esse deus reinava sobre os mares. Com receio de deixar Posêidon zangado, Enopião permitiu a Órion achegar-se à filha, com uma condição: devia capturar todos os animais ferozes que infestavam seu reino. Sendo um hábil caçador, nosso herói aceitou a proposta, pedindo a mão da princesa como prêmio pela façanha. Enopião nada respondeu e Órion interpretou seu silêncio como consentimento.

Durante um bom tempo o caçador enfrentou as feras, que por fim conseguiu aprisionar e transportar para outra ilha, desabitada. Terminada a missão, ele imaginou que pudesse, enfim, casar-se com Mérope. Contudo, os ciúmes de Enopião em relação à filha falaram mais alto e ele escondeu-a do noivo num castelo.

Inconformado, Órion começou a trazer os animais caçados de volta à ilha de Enopião. Numa de suas viagens foi capturado pelos soldados do rei, que o cegaram e em seguida o abandonaram numa praia deserta. Felizmente, o caçador cego foi encontrado por um ciclope, gigante mitológico de um olho só, que o conduziu até Aurora, a deusa do amanhecer. Apaixonada que era por Órion, ela restituiu-lhe a visão, fazendo-o olhar para onde o sol nasce. Porém, mesmo com a vista totalmente recuperada, o caçador não conseguiu casar-se com Mérope.

Tempos depois apaixonou-se por Ártemis, a deusa da caça, conhecida entre os romanos como Diana. Mas Ártemis tinha um irmão gêmeo, Apolo, muito ciumento dela.

Numa bela tarde, os dois irmãos saíram para um torneio de arco e flecha. No caminho, Apolo desafiou Ártemis a acertar um alvo no mar, perto da linha do horizonte. Excelente arqueira, Ártemis aceitou prontamente o desafio e retesou o arco na direção indicada pelo irmão.

Mal sabia ela estar apontando para Órion, que nadava à distância e foi trespassado por sua flecha certeira. No dia seguinte, andando a beira-mar, a deusa encontrou o corpo morto do amado, com uma de suas flechas cravada no coração. Pôs-se a chorar, mas era tarde, o mal estava feito.

Penalizado com sua dor, Zeus, o maior dos deuses gregos, ofereceu-se para transformar Órion numa constelação. Ártemis aceitou a oferta porque assim, pelo menos, poderia ver seu amado no céu. A mesma sorte não coube aos dois cães fiéis de Órion, que ganiam desesperados ao ver seu dono brilhando no céu noturno. Assim, também eles foram transformados por Zeus em constelações. São elas Cão Maior e Cão Menor, que podem ser vistas no céu junto ao gigante caçador nas noites quentes de verão do hemisfério Sul.

Fonte:
Revista Nova Escola

Teatro de Ontem e de Hoje (A Maldição do Vale Negro)


Encenação de Luiz Arthur Nunes, para o Teatro Vivo, de texto de sua autoria em parceria com Caio Fernando Abreu. A proposta resgata criticamente o melodrama, gênero dramático que reina no século XIX e, posteriormente, nas novelas de rádio e televisão. Um esboço desse espetáculo transparece em algumas cenas de Sarau das Nove às Onze, também escrita em parceria com Caio Fernando Abreu e montado por Luiz Arthur Nunes em 1976, com o Grupo de Teatro Província.

A história é sobre uma órfã criada num castelo, sob o rígido controle do tio, o velho Conde Maurício, e da governanta, ambos personagens que guardam um segredo que pode mudar a vida da garota. A jovem é seduzida pelo Marquês D'Allençon, credor da hipoteca do conde. Quando o tio descobre o relacionamento dos dois, expulsa a menina do castelo e lança as mais terríveis maldições sobre ela. No acampamento de ciganos onde é acolhida, a pobre órfã descobre seu passado e os segredos que envolvem o Vale Negro. Ambientada no século XIX, a ação dramática se passa em 1834 e utiliza características do gênero melodramático, como o sofrimento e o final feliz.

Na montagem, protagonizada por Mirna Spritzer, em elogiada e premiada atuação, o melodrama é levado a sério, sem deboche, e com todos os ingredientes comuns aos dramas do gênero: o escapismo, o maniqueísmo, o simplismo e a intervenção decisiva da providência divina. O gênero ultrapassado, como técnica de atuação, é resgatado com um olhar contemporâneo e uma temática mais ousada do que a habitualmente tratada pelo melodrama. Nas palavras de Flávio Mainieri, o texto e a montagem "são perpassados por traços indeléveis de outros textos, como os da pós-modernidade".1

A encenação utiliza não só os clichês do texto, mas também cenários, figurinos e adereços de época, tentando recuperar a forma usada no tempo em que o melodrama predomina nos teatros. Os três ambientes em que transcorre a narrativa são recriados por telões reversíveis, pintados em perspectiva, dando forma aos castelos, paisagens, criptas e corredores em que as personagens vivem suas angústias e glórias.

A representação tem um tom exacerbado e emocional, levando os atores a reconstituir as atuações dos grandes atores do melodrama. O diretor comenta que a encenação é carregada de inflexões vocais, gesticulações enfáticas e cenas de violência, e que "apesar da peça ser uma paródia do gênero, o comportamento cênico está longe do deboche. Os atores trabalham com seriedade, acontece que como se está lidando com uma acumulação de clichês, muitas vezes o espetáculo provoca o riso".2

Sobre a encenação, o crítico Cláudio Heemann observa que o "resultado é excelente. Uma piada intelectual do melhor nível, apresentada com capricho. A direção de Luiz Arthur mostrou-se inspiradíssima ao criar uma sugestão divertida do artificialismo da ópera, com telões pintados, figurinos fantasiados e poses enfáticas. [...] O resto fica por conta da habilidade do elenco, cujos integrantes jogam-se com alma no trapézio sem rede de agudos dós-de-peito interpretativos. Valquíria Peña, como a cigana, merece o elogio maior. Ela consegue o impossível, dá veracidade sem caricatura, a um tipo que não passa de um deslavado chavão. Ida Celina defende o papel com força e a beleza de uma grande primadona, realizando o pastiche da ária-clímax de uma soprano coloratura. Sua entrada em cena, pelo alçapão, é um golpe de teatro digno do 'grandguinol'. Mirna Spritzer é outra intérprete com destaque especial. Ela parece a típica órfã-na-tempestade dos primeiros anos do cinema mudo. Uma heroína à maneira de Lilian Bish, que ela faz com elaborada composição".3

Em sua crítica, Yan Michalski compara a produção do Teatro Vivo ao que de melhor se faz no eixo Rio-São Paulo: "Os autores Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes mergulharam fundo na herança cultural do melodrama clássico, e escreveram um espirituoso texto que reúne, despudoradamente, vários dos mais batidos clichês e arquétipos do gênero. E Luiz Arthur encenou esse texto com a maior seriedade e com total respeito às convenções do seu anacrônico estilo cênico. Essa seriedade e esse respeito produziram, é claro, um resultado de notável poder cômico".4
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Notas
1. MAINIERI, Flávio. A maldição do vale negro e os outros textos. In: Teatro: textos e roteiros. Porto Alegre: IGEL / IEL, 1988.

2. BARBOSA, Luiz Carlos. Explosão de riso na volta do melodrama. Gazeta Mercantil Sul, Porto Alegre, 9 maio 1986.
3. HEEMANN, Cláudio. A maldição..., melodrama divertido. Zero Hora, Porto Alegre, 23 maio 1986.
4. MICHALSKI, Yan. 1º Encontro Renner de Teatro. Boletim Informativo do Inacen, ano II, no 5, p. 9, 

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 741)


Uma Trova de Ademar

Mesmo sentindo os rancores,
de um mar de dor que me escolta,
eu, afogando essas dores,
nada impede a minha volta!
–Ademar Macedo/RN–

 Uma Trova Nacional

Inspiração, sonho, rima,
fantasia e alma de esteta,
eis toda a matéria prima
com que se faz um Poeta!
–Héron Patrício/SP–


 Uma Trova Potiguar

Com frases que vêm do peito,
meu coração se declara,
ao verso, mais que perfeito:
- A trova, esta joia rara!
–Fabiano Wanderley/RN–

 Uma Trova Premiada

1982   -   Fortaleza/CE
Tema   -   VAQUEIRO   -   6º Lugar

Já fui vaqueiro e o destino
foi rude, mas não desfez
o sonho de ser menino
e ser vaqueiro outra vez!
–Clenir Neves Ribeiro/RJ–

 ...E Suas Trovas Ficaram

Eu me entrego apaixonada
e tanto amor vem depois
que até mesmo a madrugada
sente inveja de nós dois...
–Eugênia Maria Rodrigues/MG–

  U m a    P o e s i a 

Em todos anos vividos
meus sonhos foram perdidos
além do brilho no olhar;
e a triste morte das cartas
fez as nossas mentes fartas
Excluir o termo amar.
–Isaac Jordão/RN–

 Soneto do Dia

ESTRELA CADENTE.
–Darly O. Barros/SP–

O palco é o céu que a vista descortina
em seu passeio, quando, de repente,
depara-se com bela bailarina,
a deslizar, esguia, reluzente...

A lua, por um palmo de cortina,
também a espia e então, infelizmente,
desaparece a etérea peregrina
que já não baila mais, à minha frente...

Para onde foi? Que fim levou a estrela?
indago de mim mesmo, sem revê-la,
frustrado e, além de tudo, arrependido

por não lhe ter de todo deslumbrado
com ela e a perfeição do seu bailado
feito, naquele instante, o meu pedido...

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 4 de março: A Notícia da Tomada de Sebastopol


A notícia da tomada de Sebastopol, a abertura das academias, a representação da Linda de Chamounix, duas procissões de quaresma, e a chuvinha aborrecida de todas as tardes, são os fatos mais importantes da semana.

Resta saber, entre tanta coisa interessante, por qual delas começaremos.

Pela notícia da Criméia, ou antes da Bahia – não. Estou pouco disposto hoje a fazer conjeturas e suposições sobre a probabilidade deste fato. Pelas procissões – ainda menos. A chuva declarou-lhes guerra este ano; e os anjinhos, com receio do tempo, encolheram as asas, e não desceram do céu onde habitam.

Ora, para mim, procissões sem anjinhos é coisa que se não pode ver. Os outros pensarão o contrário: estão no seu direito: cada um é livre de ter mau gosto.

Deixando, pois, de parte as procissões, não há remédio senão irmo-nos sentar nalguma das cadeiras do Teatro Lírico, e passar três ou quatro horas bem agradáveis a ver a Linda de Chamounix, ou qualquer outra linda mesmo aqui da nossa bela terra.

O primeiro ato é uma música simples e encantadora, que traduz as impressões da vida tranqüila da ladeia, e que termina com o belo dueto do baixo e da barítono, e com a despedida de LINDA.

Esperemos, porém, pelo segundo ato; deixemos passar algumas cenas cômicas; cheguemos ao momento terrível em que a palavra de maldição expira nos lábios paternais. LINDA, a pobrezinha inocente, a menina iludida, que se ajoelhara para implorar o perdão, ergue-se louca.

Vede como lutam naquele espírito desvairado as recordações alegres de um belo tempo, com a lembrança tremenda da maldição paterna, e com a ameaça terrível da cólera celeste.

De repente esta voz suave e harmoniosa, cuja doçura todos nós conhecemos, estala num grito de dor, numa agonia atroz; mas bo fundo da alma brilha um raio de luz, uma idéia risonha, uma reminiscência de gozos passados; e, quando pensais que aquela angústia chega ao seu último paroxismo, lá se desprende dos lábios, de envolta com um sorriso, uma melodia graciosa, umas notas feiticeiras, que vêm brincar docemente com o vosso ouvido arrebatado.

Vem afinal o terceiro ato, o desenlace feliz desta história simples da vida de uma moça.

A filha torna ao lar paterno; e a graça de Deus faz voltar a alegria, a paz e o sossego ao coração de toda esta pobre gente, que experimentara por algum tempo todas as provanças da fortuna. O final é magnífico, como vos dirá com toda a sua graça costumada o folhetim lírico de terça-feira.

Eis o que é para mim a representação da Linda  Chamounix; uma noite de emoções deliciosas, e mais positivamente, uma ou duas páginas de revista em uma semana, sobre a qual sou obrigado a confessar que não há muito de tratar.

Além de ser tempo de quaresma, tempo de provações, de jejum, de expiação de pecados, ainda em cima aí vêm todos os dias uma chuvinha miúda, umas nuvens cinzentas e carregadas tirar-nos o belo azul do céu, os raios do sol, e as lindas noites de luar que a folhinha nos tinha prometido.

Quem não está disposto a ser regado pelas águas do céu como as ruas desta heróica cidade, ou como as flores dos jardins, passa o dia inteiro a resolver a importante questão, se deve sair ou ficar em casa. Afinal vem uma estiada, decide-se, veste-se, e chega-se à porta, justamente quando começa de novo a chover. Não há remédio senão despir-se e resignar-se a desfiar as horas e os momentos sozinho, e a conversar com os seus botões.

Ora, se há tempo em que a solidão seja insuportável, é este de agora, em que não se fala, não se trata, nem se pensa senão em companhia. Janta-se em companhia dos amigos, passa-se a noite em boa companhia, e ganha-se dinheiro em companhia.

Nada hoje se faz senão por companhia. A iluminação a gás, as estradas, os açougues, o asseio público, a construção de ruas,tudo pe promovido por este poderoso espírito de associação que agita atualmente a praça do Rio de Janeiro.

Se encontrardes por aí algum sujeitinho de chapéu rapado, de laço de gravata à bandida, roendo as unhas, ou coçando a ponta da orelha, não penseis que é um poeta ou um romancista à cata de uma rima ou de um desfecho para seu último romance. Nada! o tempo destas bagatelas já passou. Podeis apostar que o tal sujeitinho rumina o projeto de uma empresa gigantesca, e calcula na ponta dos dedos o ganho provável de uma companhia qualquer.

E assim tudo o mais. Vê-se hoje pelos salões, pelas ruas  a cada canto, certos indivíduos a segredarem, a trocarem palavras ininteligíveis e a falar à mezza você uma linguagem incompreensível, cabalística. Um homem pouco experiente tomá-los-ia por carbonários ou membros de alguma sociedade invisível de alguma  confraria secreta. Qual! são finórios que farejam a criação de uma companhia, e que tratam de se arranjarem para não ficarem sós, isto é, sem dinheiro.

Até a nova empresa lírica, que se criou nesta corte há coisa de dois meses, assentou de organizar uma companhia para a construção de um novo teatro apropriado à cantoria, e conta-nos que já pediu ao governo  a competente autorização.

Com a facilidade que há atualmente em conceder-se semelhante favor, parece-nos que o governo não deixará de autorizar a incorporação de uma companhia para fim tão útil e tão vantajoso para esta corte.

Somente lembraríamos a necessidade de exigirem-se para a construção do edifício condições de grandeza e capacidade proporcional à população desta corte. O Teatro lírico que possuímos presentemente não pode durar muito; e, se outro não o substituir, breve teremos de nos vermos reduzidos ao acanhado salão de S. Pedro de Alcântara.

Assim como neste, podia o governo aproveitar em muitos outros objetos de serviço público o espírito de empresa e associação que tão rapidamente se desenvolveu no nosso comércio.

Porque, em vez de esperar que os interesses individuais especulem sobre a utilidade pública, não promove ele mesmo a criação das companhias que entender convenientes para o pais?

A limpeza pública, as postas, os correios urbanos, e muitos outros objetos de interesse vital, exigem essa solicitude da administração.

Uma coisa, por exemplo, de que ainda não vimos o governo se ocupar seriamente é da carestia progressiva dos gêneros alimentícios, tanto nacionais como estrangeiros. O trigo está por um preço exorbitante, segundo dizem. O pão diminui, e diminui no século de progresso em que tudo vai em aumento, em que as menores coisas tomam proporções gigantescas. Quanto ao pão de rala, célebre em outros tempos, este desapareceu do mercado: pertence hoje à história.

Os ministros, os grandes, os ricos, não sabem disto; mas o pobre o sente, o pobre que, no meio de toda essa agitação monetária, de todo esse jogo de capitais avultados, vê as grandes fortunas crescerem e formarem-se, absorvendo os seus pequenos recursos, e elevando o preço dos gêneros de primeira necessidade a uma taxa quase fabulosa.

Se os capitais são para o país um poderoso agente de progresso e desenvolvimento, cumpre-nos não esquecer que em todos os países é na classe pobre que se encontram as grandes inteligências, as grandes almas e os grandes espíritos.

A Providência parece tê-los lançado no mundo sem recursos para prova-los e fortalecê-los com essa luta constante da fortuna, na qual, ou morrem sacrificados como mártires, ou se elevam às sumidades da hierarquia social para comunicarem ao país a atividade do seu espírito e as forças de sua inteligência.

Tão desprezível, tão digna de compaixão, como parece esta classe aos ricos enfatuados que rodam no seu cupê, a ela pertence o futuro; nela está a alma, a força, a inteligência, a esperança do país.

Quereis saber o que são e o que valem esses cresos modernos, ou esses capitais amontoados, essas somas de dinheiro de que o rico tanto blasona e tanto se desvanece? Uma matéria brutal, uma alavanca inerte a que um dia algum homem sem fortuna, mas cheio de ambição e de talento vem dar o impulso de sua atividade, e fazer trabalhar para um grande fim.

Esta classe, pois, merece do governo alguma atenção; o que hoje é apenas carestia e vexame, se tornará em alguns anos miséria e penúria. É preciso, ao passo que o país engrandece, prevenirmos a formação dessa classe de proletários, dessa pobreza, que é a chaga e ao mesmo tempo a vergonha das sociedades européias. Apliquem-se os nossos espíritos econômicos a este estudo digno de uma grande inteligência e de um grande povo.

Porque a Europa ainda não conseguiu chegar à solução deste grande problema social, não é razão para desanimarmos. Somos um país novo; o progresso espantoso da atualidade deve ter reservado alguma coisa para nós; o mundo velho eleva a indústria a um desenvolvimento admirável; talvez que os segredos da ciência tenham de nos ser revelados na marcha da nossa própria sociedade.

O que é verdade é que não devemos deixar de concorrer com as nossas forças  para essa obra filantrópica da extinção da pobreza proletária. E isto, não porque receemos tão cedo a existência deste cancro social, mas porque semelhante estudo deve-se guiar nos meios de prevenir os vexames e misérias por que pode passar a classe pobre no nosso país.

Agora é que percebo que este folhetim vai muito grave demais; porém lembro-me também que não devo distrais as minhas leitoras do seu exame de consciência para a próxima confissão da quaresma.

Que interessante coisa não deve ser o exame de consciência de uma menina pura e inocente, quando à noite, entre as alvas cortinas de seu leito, com os olhos fitos numa imagem, perscruta os refolhos mais profundos de sua alma à cata de um pecadinho que lhe faz enrubescer as faces cor de...

Arrependi-me! Não digo a cor. Reflitam e adivinhem se quiserem. Tenham ao menos algum trabalho em lerem, assim como eu tenho em escrever.

Mas, voltando ao nosso exame de  consciência, estou certo que, se algum dos anjos que cercam o trono de Nossa Senhora pudesse descer do céu nesse momento, viria beijar aquele rostinho adormecido, e dizer-lhe em sonho que os anjos não pecam.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte final


FUNÇÕES SECUNDÁRIAS:

5- FUNÇÃO DE SUPORTE DE PENSAMENTO:

            O homem também se comunica consigo mesmo. É o uso intra-subjetivo da linguagem que se apresenta ora como suporte ou estímulo das reflexões pessoais, ora  como apelo interior.

            Vejamos o exemplo:
“Brincava a criança
  com um carro de bois.
  Sentiu-se brincando
  E disse: eu sou dois”.
(PESSOA, Fernando)

6- FUNÇÃO FÁTICA ou DE CONTATO:

            Procura estabelecer uma aproximação, manter a comunicação, controlar sua eficiência e eficácia, prender a atenção, sondar o ânimo entre os interlocutores. Exige uma participação na mesma situação social em que se encontram destinador e destinatário. É o que acontece no início de um diálogo ou nas chamadas telefônicas. Suas expressões são de conteúdo bastante reduzido: alô!, não é?, Bem!, Sabe!? , etc... É a função das relações sociais.

            Exemplos:
Bom dia! Boa tarde! Boa Noite! Como vai?

7- FUNÇÃO METALINGUÍSTICA:

            Centrada no código. Seu objetivo é a própria linguagem. É a decifração do código, a inquirição e explicação do significado das palavras. O locutor explica seu sistema linguístico. Uma Gramática é altamente dotada da função METALINGUÍSTICA.

            Como estamos tratando do assunto “Funções da Linguagem” ao definirmos o que é função neste momento é um bom exemplo de função metalinguística:

Função é a relação que existe entre dois elementos da comunicação.

8- FUNÇÃO MÁGICA ou ENCANTATÓRIA:

            Uso de palavras cabalísticas em rituais secretos, na feitiçaria e na magia.

            Alguns exemplos:

“Abra Cadabra!”- “Alacazém-Alacazam”- “Abra-te Sézamo!”
“Ignoratus tuum vos assegnatarum meo”.
“Velai! Velai! linda Esmeralda, para que me seja descortinado o meu porvir!”

9- FUNÇÃO LÚDICA:

            Com finalidade de divertir: nas charadas, adivinhações, nos trocadilhos, e também, nas rimas soantes, com a única finalidade de fazer um jogo de fonemas:  Exemplos:

- O que é que é?

Cai da torre
Não se lasca
Cai na água
Se espapaça
D’água nasce
N’água cresce
Se botar  n’água
Desaparece
Campo grande
Gado miúdo
Moça bonita
Velho carrancudo
Uma caixinha
de bom parecer
nenhum carapina
pode fazer
Meu destino é abre e fecha
vivendo sempre a cantar;
mas quando o fôlego acaba
me calo, faltando o ar.

10- FUNÇÃO CRÍPTICA:

            Faz uso do palavrão. Palavras de baixo calão, com objetivo de ofender o interlocutor.
================
FIM

Erasmo Figueira Chaves (Poemas Escolhidos)


TEMA 1:

Quem do passado pretérito
vem com zelo a labutar
abrindo  seu peito emérito
a tentar certo acertar,
também é  quem tem o mérito,
a certeza lapidar,
sem sofisma e sem inquérito,
de amar e ter o que amar

TEMA 2:

Quem é livre para errar
livre  o é para aprender,
é livre para acertar
 livre pois para o dever
e mais ainda pra amar e tornar Vida um Prazer !  . . . 

TEMA 3:

Não basta o aspeto estético,
a aparência pulcra e sã,
Importante é o sentir ético,
a palavra, a ação cristã
que cura e afasta o tétrico
pensar que a vida é tão vã,
sem haver sistema métrico
que a difira da pagã,
do egoísmo  patético,
de ironia charlatã ! . . .

SAUDADE


Esta palavra “saudade”,
que a lusa língua domina
e a distingue, na verdade
doutamente nos inclina
às sutilezas da alma,
à vocação de amizade
plena, como simples raridade,
cujo fluir é a calma,
doce expressão da bondade,
o amor, a tristeza,  fruir
carinho,  beleza,
intimidade, certeza,
ansiedade, grandeza,
um sentir puro e estranho,
tal dimensão e tamanho
que outra língua não ensina
nem tem  a expressividade
ou a concisa lição.
Por isso é que nunca deixo
de cultivar amizade,
na mais pura singeleza,
- com brio, com qualidade
e sentimentos perfeitos,
 com toda a profundidade,
delicadeza,  resguardo, -
sem  o que, só o desleixo
e a ausência de humano anseio,
falta à espontaneidade,
à sutileza,  à verdade,
e explica a temeridade
que é viver sem o receio
de ao descuidar da bondade
menosprezando amizade,
desprezar língua e saudade ! . . .

MÃOS

Mãos não mentem
 quando moldam
quando esculpem
quando instigam,
quando mostram,
quando assentam
tateando a forma afeita
ao espaço indivisível,
à dimensão sem menção
por tão grande e indizível;.

mãos não mentem
quando afagam,
quando tentam,
quando ajeitam,
quando curam,
quando aplaudem,
quando acenam,
quando indicam,
quando aliciantes argúem,
quando afirmam,
quando assentem,
quando intentam descobrir,
o que n’ alma já vem feito;
Quando criativamente
Ao aludir não se iludem.

Mãos não mentem,
Usando melhor o  seu jeito,
ao mostrar
mais que perfeito
que Amor
arfando no peito
do autor
ou do
sujeito
tem
arcabouço  escorreito
                                                
ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

Que atire a primeira pedra
quem tiver muita coragem
pra manter sua viagem
em preito de vassalagem
ao mundo dos que só agem
por medo ou por abordagem
a padrões que ao ego fazem
.render qualquer homenagem.

Que atire a primeira pedra
quem se sentir sem pecado
ou nunca tiver andado
por caminho que não medra
e não ache, desgraçado,
que assim esconde o passado.

Que atire a primeira pedra
quem nunca tiver sentido
a consciência pesada,
a injustiça vivido,
ou jamais tenha sofrido
por traição à sua amada,
por caprichos do azar,
por um amor escondido
sem jamais o confessar
que eram favas contadas
a viver alma enganada
no néctar de mau lagar.

Que atire a primeira pedra
quem não saiba perdoar,
quem nunca tenha aprendido
a sentir dor por amar,
nem jamais se arrependido
pela pressa em prejulgar
ou espere que de pedra
venha um dia a se livrar ! . . .