quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Vasco Mouzinho de Quevedo (Poesia sem Fronteiras)

SONETO I


Ao Duque

A glória do edifício, o louvor alto
Do que a última mão lhe põe, se dobra
Em desgraça daquele, e mágoa da obra,
Que no melhor lhe foi escasso e falto.

Este de letras, com que ao Céu me exalto
E que em mim vossa mão levanta e obra,
Se sua perfeição por vós não cobra,
A todos causa mágoa e sobressalto.

Já que os andames da esperança minha
Não há quem desarmá-los hoje possa,
Fazei com que este meu trabalho monte.

Vós sereis minha glória, eu glória vossa,
Ficando à vista as que eu já n'alma tinha,
Vossas armas reais em minha fronte.

SONETO II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali não teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c'o sol levante.

Trabalha o Céu em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fúria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vós, a quem não quer fazer ofensa
O Céu, nem pode a terra, inda que queira.

SONETO III

A D. Fernão Martins Mascarenhas quando o fizeram Bispo.

Espanta crecer tanto o Crocodilo
Só por seu acanhado nascimento,
Que se maior nascera, mais isento
Estivera d'espanto o pátrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o imortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois visti-lo.

Tardou, mas veio, que a quem mais merece
Muito mais tarde vir o prémio é certo,
E sempre tarda, inda que venha cedo.

Os Céus, que do primeiro estão mais perto,
Mais devagar se movem; quem soubesse
Trás d'aquele segredo, este segredo?

SONETO IV

Ao Reitor António de Mendonça.

Neste árduo labirinto onde me guio,
Sem esperança algua de saída,
Mostrai, senhor, o fio à minha vida,
Pois está minha vida já no fio.

Incertos passos, hórrido desvio,
Medonhos ares, confusão crescida
Ma trazem com temor desfalecida,
E dela já de todo desconfio.

A vós só tem minha esperança morta,
Se morta pode ser ua esperança
Que vos tem vivo, e largos anos tenha.

Se espera mal, e ser queimada importa
Por crer mais do que pode e cá se alcança,
O fogo ponde, que eu lhe ajunto a lenha.

SONETO V

Qual Hércules estrela já mudado,
Que quando se quer pôr ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo já coberto,
Fica só pelos pés dependurado,

Tal c'ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razão já, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.

Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, não é sempre no Céu visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.

E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.

SONETO VI

Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c'os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,

Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.

Em meio de mil barcas clamo, e brado:
"Me lancem por piedade um cabo forte!",
Mas a ninguém magoa meu cuidado.

Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.

SONETO VII

No Rio Eufrate[s], ua erva, ou flor se cria
Que c'o Sol sobre as águas aparece,
E dentro se recolhe e se entristece
Quando no largo mar se esconde o dia.

À vista de meu Sol ledo me via
Fora do rio, que dos olhos crece;
Agora que meu Sol não me amanhece,
Entre lágrimas vivo em noite fria.

Mas desta flor o triste estado é breve,
Trás noite manhã tem; ai de quem chora
Contando noites, sem que um dia conte.

O Sol já por milagre quedo esteve:
Também parou meu Sol, mas parou fora,
Para noite sem fim de meu Horizonte.

SONETO VIII

Da virtude que move os Céus depende
Todo o bem, toda a glória e ser da terra,
E se u'hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu'hora Amor dela o desterra,
Que glória mais que vida ou ser pretende.

Mas nem há-de faltar essa virtude
Se não c'o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

Então para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.
Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=39

Monteiro Lobato (Barba Azul)

Jantávamos no Hotel d’Oest, eu e o Lucas, um amigo que sabe histórias. A tantas, como percebesse certo vulto lá no fundo do salão, o rapaz firmou a vista e murmurou em solilóquio:

– Sabe ele?...

– Ele, quem?

– Estás vendo aquele sujeito gordo, na terceira mesinha à esquerda?

– O de luto?

– Sim... O patife anda sempre de luto...

– Quem é?

– Um celerado que tem muito dinheiro e teve muitas mulheres.

– Até aí nada vejo demais.

– Tem muito dinheiro porque teve muitas mulheres. Está poderoso. Ri-se do e de sua justiça.

Inventou um crime inédito não previsto pelas leis e com isso enriqueceu. Se um de nós o denunciasse, o patife nos processaria e nos meteria na cadeia. Note-lhe bem o tipo; raras vezes terás ocasião de topar um celerado desse tamanho.

– Mas...

– Lá fora contarei tudo. Toca a jantar.

Enquanto jantávamos examinei o sujeito, sem que nada no seu físico me parecesse estranho. Deu-me a impressão dum médico aposentado que vivesse de rendas.

Por que de médico? Não sei. As criaturas dão-me ar disto ou aquilo por força duma aura que pressinto a envolvê-las. Confesso, todavia, que minha adivinhação erra bastante. Sai- me fazendeiro um que eu previa médico, e surge-me corretor de negócios outro que eu jurava engenheiro.

Creio que a falha do diagnóstico vem dos homens desrespeitarem as vocações, e adotarem na vida atitudes profissionais diversas das que, por injunção natural, deviam eleger. Como no entrudo. As máscaras nunca dizem das caras verdadeiras que escondem.

Terminado o jantar, saímos em direção ao Triângulo, e lá nos abancamos num sórdido café. O meu amigo voltou ao assunto.

– Caso notável, o daquele homem! Caso merecedor de novela ou conto, já que a justiça não tem forças para mantê-lo na cadeia. Conheci-o no Oeste, prático de farmácia em Brotas. Um dia casou-se. Lembro-me disso porque assisti ao casamento a convite dos pais da moça. Era a Pequetita Mendes, filha dum sitiante arranjado.

Pequetita! Bem posto apelido, que não era bem mulher aquela isca de gente. Miudinha, magrinha, sequinha, sem cadeiras, sem ombros, sem seios. Pequetita não passava de um desses restolhos enfermiços que aparecem ao lado das espigas viçosas – sabuguinho débil, um grão aqui, outro ali. Apesar dos seus vinte e cinco anos, representava treze, e ao escolhê-la Pânfilo – chama-se Pânfilo Novais o meu facínora – espantou a todos, a começar pela moça. Como, porém, era ele pobre e ela arranjada, explicou-se financeiramente a união.

Mas nada poderia resultar de bom duma união dessa ordem, que repugnava aos homens e a natureza. Pequetita não viera ao mundo para o matrimônio. O instinto da espécie fizera-a ponto final. “Pararás aí.”

Ninguém pensou nisso, nem ela, nem os pais, nem ele – nem ele, que depois só pensaria nisso...

–?

Ouve. Casaram-se e tudo correu excelentemente até que...

– ... se separaram...

– ... até que os separou a morte. Pequetita não resistiu ao primeiro parto; faleceu após cruel intervenção cirúrgica.

Pânfilo, dizem, chorou amargamente a morte da esposa, embora viessem consolá-lo os trintas contos e um seguro por ela constituído em seu favor.

A meu ver é daqui por diante que surge o criminoso. O desastre do primeiro casamento criou-lhe no cérebro um pensamento sinistro – pensamento que o iria nortear pela vida afora e que o fez, como te disse, rico e poderoso. A morte de Pequetita ensinou-lhe um crime inédito, não previsto pelas leis humanas.

– Espera. Compreenderás tudo dentro em pouco. Decorrido um ano, o nosso homem, já dono da farmácia, apresentou-se novamente enliçado pelo amor.

Aparecera por lá uma família de fora, gente pobre, mãe viúva com quatro filhas casadeiras. Três delas, lindas e viçosas, viram-se logo requestadas por todos os moços desimpedidos do lugar. Já a quarta, restolho maninguera que fazia lembrar Pequetita, só teve um par d’olhos que a cobiçassem, os de Pânfilo.

A mãe opôs-se – que era uma loucura aquilo; que a menina lhe nascera enfezada; que se queria mulher, escolhesse uma das três sadias.

Nada conseguiu. Pânfilo fez pé firme e afinal casou-se.

Foi um assombro. Arranja-dote que já era, coisa nenhuma justificava tal preferência. Ele defendia-se hipocritamente, lamecha e sentimental:

– É o meu gênero. Gosto de bibelôs e esta me lembra a minha amada Pequetita...

Resumindo: dez meses depois o patife enviuvava de novo nas mesmas circunstâncias da primeira vez. Morreu-lhe de parto a mulher.

– Novo seguro?

– E grande. Desta feita a bolada subiu a cem contos. Mudou-se de terra, então. Vendeu a farmácia e perdi-o de vista.

Anos depois fui encontrá-lo no Rio, numa casa de chá. Estava outro, elegantemente vestido, denunciando prosperidade por todos os poros. Viu-me, reconheceu-me e chamou-me para sua mesa. Conversa vai, conversa vem, contou-me que casara pela quarta vez, havia coisa de um ano.

Assombrei-me.

– “Pela quarta?”

– “É verdade. Depois que saí daquela abençoada terrinha onde o destino me enviuvar duas vezes, casei-me em Uberaba com a filha do coronel Tolosa. Mas continuei perseguido pelo destino: faleceu-me essa também...”

– “Gripe?”

– “Parto...”

– “Como a primeira, então? Mas, doutor, perdoe-me a liberdade: o senhor escolhe mal as mulheres! Vai ver que essa terceira era miudinha como as anteriores” – disse eu irrefletidamente.

O homem franziu os sobrolhos e encarou-me dum modo estranho, como se lhe batera a pacuera ante a ironia dum Sherlock disfarçado. Voltou logo ao natural, porém, e prosseguiu com serenidade:

– “Que quer? É meu gênero. Não suporto mulheraças.”

E mudou de assunto.

Ao deixá-lo fiquei apreensivo, com a suspeita a gerarse-me no celebro. Liguei a estranheza dos seus modos ante a minha observação ao olhar perscrutador com que devassara meu íntimo, e deixei escapar em voz alta um –Hum! Que chamou a atenção de dois ou três passantes. E o caso do doutor Pânfilo ficou a verrumar-me os miolos dias e dias.

– Doutor, dizes tu?

– Está claro. O diploma veio logo atrás dos seguros, como conseqüência lógica. Quem nesta terra, com algumas centenas de contos no banco, permaneces enhor?

Por curiosidade, no intuito exclusivo de esclarecer-me, tomei informações relativas à sua quarta esposa. Soube que era de Cachoeira e fisicamente do mesmo naipe das outras.

Fui além. Tratei de indagar nas companhias de seguros que negócios trazia nelas od outor Pânfilo e soube que a vida da quarta mulher estava garantida em mais de duzentos contos. Com os trezentos e cinqüenta já embolsados, arredondaria ele, pela morte desta, um pecúlio de alto bordo para quem começara humildemente como prático de farmácia.

Tudo isso me consolidou em convicção a suspeita de que Pânfilo era de fato um grande criminoso. Segurava as esposas e matava-as...
– Como, se morriam de parto?

– Está aí o maquiavelismo do celerado. O Barba Azul aproveitou singularmente bem a lição do primeiro matrimônio. Viu que perdera a Pequitita no primeiro parto em virtude de sua má conformação, da sua inaptidão procriativa. Franzina em excesso, muito estreita de bacia...

– Hum!

– Foi um hum! assim que deixei escapar em plena rua do Ouvidor...

O miserável, que tinha olho médico, só se casou daí por diante com mulheres de vício orgânico semelhante ao da primeira. Cuidadosamente escolhia as esposas entre as predestinadas. E foi amontoando a sua fortuna.

Imagina tu agora a vida desse miserável, sempre alternando a fase de tocaia da viuvez com um ano de casamento criminoso. Escolhia a vítima, representava a comédia do amor, sagrava a união e... seguro de vida!

Depois, imagina o sadismo dessa alma ao ver desenvolver-se no ventre da vítima, não o filho que ela docemente esperava, mas a bolada gorda que viria acrescentar aos seus cabedais! Afez-se a tal caçada e nela aperfeiçoou-se de maneira a nunca errar o bote.

A quarta, soube logo depois, fora pelo mesmo caminho das outras em seguida a uma nova intervenção cirúrgica. E entraram duzentos contos. Vês tu que monstro?...

No outro dia lá estava na mesma mesa o doutor Pânfilo. Entraram na sala várias moças, e pela força do hábito o seu olhar mortiço mediu num relance as ancas de cada uma. Bem- feitas de corpo que eram, nenhuma o interessou – e seu olhar desceu calmamente para o jornal que lia.

– Está viúvo – pensei comigo. – Anda evidentemente tocaiando a quinta malconformada…
Fonte:

Manoel Santos Neto (Universo Poético da Cidade de São Luís do Maranhão V)

Canção de Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Coimbra, julho de 1843)
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|| LARGO DOS AMORES ||

A memória do amor e da humilhação do poeta maior

Antigo Largo dos Amores, depois Largo dos Remédios, a Praça Gonçalves Dias já foi o cenário de uma das festas religiosas mais importantes do Maranhão: a Festa dos Remédios, que é descrita no enredo de O Mulato, de Aluísio Azevedo (1857-1913), e na prosa de diversos cronistas, mas nenhum o fez de modo tão evocador e pitoresco como João Lisboa, observa Domingos Vieira Filho, no livro Breve História das Ruas de São Luís.

Nove anos após a morte de Gonçalves Dias, foi inaugurada a estátua do poeta, em 7 de setembro de 1873. Posteriormente, a Câmara Municipal de São Luís aprovou, em 1900, a Resolução nº 13, passando a denominar a parte norte do Largo dos Amores, de Praça Gonçalves Dias, e a parte oeste, de Praça dos Remédios.

Com a estátua de Gonçalves Dias (1823-1864) voltada para o mar, lá se tem uma das mais belas vistas de São Luís: por cima dos telhados e dos mirantes, o campanário inconfundível das velhas igrejas, sobressaindo as duas torres da Sé. Em redor, circundando a ilha, o mar. À esquerda, a ponte que liga a cidade velha à cidade nova, na Ponta de São Francisco. As ruínas do Forte da Ponta d’Areia. O encontro dos dois rios que banham São Luís. E sob o céu estriado de azul e rosa, o recorte triangular dos barcos e das igarités de pesca.

Há, no Largo dos Remédios, as palmeiras que ali foram plantadas em homenagem ao poeta que as celebrou na Canção do exílio e que, na hora do cair da tarde, agitam os leques verdes com a viração que sopra da Baía de São Marcos. Ao centro, a estátua de Gonçalves Dias, voltada para os baixios em que o poeta foi tragado pelas ondas em 1864, no naufrágio do Ville de Boulogne, que o trazia de volta da França.

A História do Maranhão conta que Gonçalves Dias, por ser mestiço e bastardo, foi vítima de um preconceito brutal. O poeta, amigo íntimo de Teófilo Leal, apaixonou-se por uma cunhada deste, Ana Amélia Ferreira Vale, e a pediu em casamento à dona Lourença Vale, mãe da moça. Já àquela época, Gonçalves Dias não era um homem qualquer; era o maior poeta do Brasil e amigo pessoal do Imperador. O Maranhão não tinha glória mais alta, mas nada disso teve o menor significado para dona Lourença, diante deste fato, de que Gonçalves Dias não tinha culpa: ser ele mestiço e filho bastardo. E respondeu ao poeta, numa carta seca, com um não redondo. Não dava a filha a um mestiço.

O infortúnio do poeta aparece numa das cenas capitais do romance Os tambores de São Luís, de Josué Montello, que sustenta a tese de que Gonçalves Dias, se quisesse, podia vir a São Luís, e levar Ana Amélia, que estava disposta a fugir com ele.

Mas não foi isso que ele fez. Humilhado, guardou a mágoa. E, ao chegar ao Rio, casou numa das mais importantes famílias da Corte. Ana Amélia, coitada, não perdoou a família. E quando Domingos Porto, que é também bastardo e mestiço, lhe arrastou a asa, não hesitou em casar com ele, amparada pela Justiça. O casamento dela, em São Luís, foi um deus-nos-acuda. Parecia que o mundo estava vindo abaixo. As amigas de dona Lourença passaram a andar de preto, solidárias com o luto fechado da família Vale. O pai da Ana Amélia, instigado por dona Lourença, foi ao cartório do Raimundo Belo e deserdou a filha, sob a alegação de que a moça tinha casado com o neto da negra Eméria, antiga escrava do coronel Antônio Furtado de Mendonça. Domingos Vale deserdou a filha, por escritura pública, apenas porque o genro, vice-presidente da Província e comandante da Guarda Nacional, é neto de uma escrava.

A família Vale não se deu por satisfeita. Fez mais. Decidiu levar Domingos Porto à ruína, na sua casa de comércio. De um dia para o outro, Domingos Porto se viu com todos os seus créditos cortados. Ninguém quis mais negociar com ele. O resultado foi a falência, tendo sido obrigado a sair do Maranhão às pressas, para não cair nas unhas de seus perseguidores. Nem o presidente da Província pôde fazer nada para ampará-lo. Só encontrou negativas. Era a cidade inteira contra um homem. E tudo isso porque Domingos Porto, que era um homem de primeira ordem, culto, educado, finíssimo, teve a desgraça de ser neto de uma escrava.

Por ocasião do I Centenário da morte de Gonçalves Dias, no ano de 1964, o escritor Mário Meireles (1915-2003) publicou o livro Gonçalves Dias e Ana Amélia, com o propósito de esclarecer controvérsias relacionadas ao grande amor do poeta maior. Nesta obra, o professor Mário Meireles chega à conclusão de que o casamento de Ana Amélia com o comerciante Domingos Porto foi uma deliberada represália ao matrimônio de Gonçalves Dias, a quem quis dar, então, uma vez que já era impossível insistir em qualquer esperança, a certeza cruel de que era muito capaz do que lhe propusera e tanto que o fazia com outro, a quem não amava, e como ele mestiço e bastardo! Ao mesmo tempo, desforrava-se da família, que a este outro também se opôs, e com muito mais fereza porque no caso nem laços de amizade existiam. Neste livro Mário Meireles sustenta a tese de que Ana Amélia casou-se com Domingos Porto por “capricho ofendido”. E é o romancista Josué Montello, com Os tambores de São Luís, quem retrata esse drama de forma magistral, traduzido pelo próprio poeta Gonçalves Dias, num de seus mais célebres poemas:

–––––––––-
Continua…

Fonte:
Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante
Edição 119. 20 de janeiro de 2006

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 772)


Uma Trova de Ademar

Retratando sua história,
o pobre cigano cria
uma verdade ilusória
que ele mesmo fantasia!

–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional


Lua, que vagas serena
na amplidão do azul celeste,
traz consolo à minha pena,
leva a dor que me trouxeste!

–Diamantino Ferreira/RJ–

Uma Trova Potiguar


A poesia que eu faço
é sua e de mais ninguém.
No todo eu sou o pedaço
que somente você tem.

–Heliodoro Morais/RN–

Uma Trova Premiada

2011 - CTS-Caicó/RN
Tema - PEGADA - 2º Lugar


Quando a chuva se derrama
na rua, guris sem nome,
mergulhando os pés na lama
deixam pegadas de fome.

–Adilson Maia/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Dentro do próprio conceito,
sejam quais as consequências,
a justiça, por direito,
não permite reticências...

–Carolina A. de Castro/PE–

U m a P o e s i a


Eu vou subindo e descendo
sem rumo e sem direção
como cigano perdido
no meio da multidão,
limpando o suor do rosto
nos panos do matulão.

–Severino Feitosa/PE–

Soneto do Dia

EMOÇÃO.
–Antônio Roberto Fernandes/RJ–


Quando não há mais nada a ser falado,
quando os olhares não se cruzam mais,
é hora de se ver que há algo errado
nos relacionamentos conjugais.

Já não importa aí quem é culpado,
nada resolvem cenas passionais
nem simpatias contra o mau-olhado
ou conselheiros matrimoniais.

É o fim. Pronto. Acabou. Não tem mais jeito.
Se, de emoção, um dia ardeu o peito
que dela reste uma lembrança boa.

Não se deve é fechar-se numa esfera,
sem ver que pode estar à nossa espera
outra emoção no olhar de outra pessoa.

Euclides Riquetti (Entrevista e Poema: O Voo da Garça)

O professor Euclides Riquetti recebeu, no auditório do Praia de Palmas Beach Resort, em Governador Celso Ramos, na região da Grande Florianópolis, a Medalha do Mérito de Literatura professor Lauro Junckes e uma placa em sua homenagem pela conquista do 10º lugar no concurso nacional de poesias Prêmio Mário Carabajal.

O Tempo - Como foi isso?

Riquetti - Bem, Eu compus um poema denominado O Voo da Garça, em 1997, que já foi publicado em O Tempo – e ainda na capa do jornal O Balainho, da Unoesc, de Joaçaba. Quando tomei conhecimento do concurso, mesmo sabendo que ia concorrer com escritores habilidosos, apostei neste poema, pois acreditava que ele iria ficar entre os 100 primeiros colocados, que poderiam ser selecionados. Mas, sinceramente, sentia que ele tinha condições de ficar entre os dez melhores, e isso acabou acontecendo. É um poema que foge da linha convencional, em suma, é um poema diferente. Se eu fosse cantor, diria que seria minha "música de trabalho". Mas é apenas um poema, mas que tem seu valor, lá isso tem.

O Tempo - Há quanto tempo compõe?

Riquetti - Componho poemas desde minha adolescência. Lia muito e admirava Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e muitos outros, principalmente os românticos. Isso levou-me a optar pelo curso de Letras/Inglês. Estudei muito as Literaturas Portuguesa, Brasileira, Inglesa e Norteamericana. Na juventude, época de faculdade, lia pelo menos um romance em português e dois ou três em inglês por semana. Eu era fanático por literatura. Houve semana em que cheguei a ler cinco romances, de mais de 100 páginas cada um, em inglês. Admirava Júlio Verne, Charles Dickens, Camilo Castelo Branco, Shakespeare, Alexandre Herculano, Eça de Queiroz e outros grandes. Mas também li muitos brasileiros, de Machado de Assis a José de Alencar. Bem, isso significa que para compor é preciso conhecer. E, para conhecer, é preciso ler, mergulhar no maravilhoso mundo dos livros.

O Tempo - Tem poemas publicados?

Riquetti - Nunca fui muito dado publicar, embora contribuí com dois poemas no livro Primas, volume IV, da Coleção Vale do Iguaçu, em União da Vitória, Paraná, ainda em 1976. No ano passado emplaquei cinco poemas na coletânea "Santa Catarina Meu Amor". Há outras publicações em jornais, inclusive em O Tempo.

O Tempo - Pretende publicar livros?

Riquetti - Tenho poemas prontos para editar dois ou três livros. Mas, com o passar do tempo, vou ficando mais exigente comigo mesmo. Tenho algumas crônicas e tenho, praticamente, a História do Município de Ouro. Tenho, também, uma visão das questões dos limites à época do Contestado. Mas, História, é compromisso, você não pode sair aí escrevendo aquilo de que não tem comprovação, só porque alguém falou... Mas pretendo escrever uma história meio leve, não com cunho épico, nem demagógico...

O Tempo - Como foi receber uma homenagem lá em outra cidade?

Riquetti - Bem, recebi a medalha, das mãos do presidente da Academia de Letras de Santa Catarina, professor Miguel Simão, juntamente com outros cerca de 50 escritores presentes. Mas minha emoção maior foi ter recebido do Doutor Mário Carabajal a placa pela conquista do décimo lugar no concurso em homenagem a ele. Foi um concurso em que os dez primeiros colocados são das cidades de Itararé (SP), São Vicente (SP), Divinópolis (MG), Florianópolis (SC), Petrópolis (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Pirapetinga (MG), Congonhal (MG) e Ouro (SC), no meu caso.

O Tempo - O que tem a dizer para outras pessoas que escrevem?

Riquetti - Vejo que há, em nossas cidades, muitas pessoas que escrevem anonimamente, e que não costumam, por alguma razão, expor o que escrevem. Mas temos pessoas, de todas as idades, que escrevem muito bem. Mas, também, há muitos publicando em jornal. A Internet é um meio barato de propagar a literatura. Tenho poesias, comentários e crônicas em meu blog na internet: www.blogdoriquetti.blogspot.com . Quem acessar, clica nos números que estão à sua direita e vai encontrar minhas postagens. E até podem postar comentários.
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O VOO DA GARÇA 

A garça voa o voo leve da alma
Voa a garça
Voa como a branca pluma, com graça
Voa a garça.

E no voo breve, voa lenta, calma
Voa com toda a graça a garça.

Voa o infinito, voa por instinto
Voa sobre o monte a garça...
E pousa na torre da igreja
Ou na árvore da praça
Voa pousa a garça.

E seu voo atrai o disperso
O menino, o esperto
O velhinho, o passante
E voa de novo a garça.

Vai, seguindo os trilhos dos raios de sol
Cortando o azul, a garça.

E pousa suavemente sobre a nuvem
Uma nuvem feita branco lençol...
E descansa outra vez a garça!

(A garça povoa os meus sonhos, orienta minha vida.
A garça é meu ser, é você, sou eu...
A garça é meu norte seguro, é minha inspiração...
É minha emoção transmitida no papel...
Euclides Riquetti)

Fonte
Jornal O Tempo

Eça de Queirós (O Mandarim) Parte 2

Análise da Obra
http://singrandohorizontes.blogspot.com.br/2012/04/eca-de-queiros-o-mandarim.html

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Eu murmurei, com as faces abrasadas:

– Têm.

E a sua voz prosseguiu, paciente e suave:

– Que me diz a cento e cinco, ou cento e seis mil contos? Bem sei, é uma bagatela... Mas enfim, constituem um começo; são uma ligeira habilitação pára conquistar a felicidade. Agora pondere estes factos: o Mandarim, esse Mandarim do fundo da China, está decrépito e está gotoso: como homem, como funcionário do Celeste Império, é mais inútil em Pequim e na humanidade, que um seixo na boca de um cão esfomeado. Mas a transformação da Substância existe: garanto-lha eu, que sei o segredo das coisas... Porque a terra é assim: recolhe aqui um homem apodrecido, e restitui-o além ao conjunto das formas como vegetal viçoso. Bem pode ser que ele, inútil como mandarim no Império do Meio, vá ser útil noutra terra como rosa perfumada ou saboroso repolho. Matar, meu filho, é quase sempre equilibrar as necessidades universais. É eliminar aqui a excrescência para ir além suprir a falta. Penetre-se destas sólidas filosofias. Uma pobre costureira de Londres anseia por ver florir, na sua trapeira, um vaso cheio de terra negra: uma flor consolaria aquela deserdada; mas na disposição dos seres, infelizmente, nesse momento, a Substância que lá devia ser rosa é aqui na Baixa homem de Estado... Vem então o fadista de navalha aberta, e fende o estadista; o enxurro leva lhe os intestinos; enterram-no, com tipóias atrás; a matéria começa a desorganizar-se, mistura-se à vasta evolução dos átomos – e o supérfluo homem de governo vai alegrar, sob a forma de amor-perfeito, a água-furtada da loura costureira. O assassino é um filantropo! Deixe-me resumir, Teodoro: a morte desse velho Mandarim idiota traz-lhe à algibeira alguns milhares de contos. Pode desde esse momento dar pontapés nos poderes públicos: medite na intensidade deste gozo! – É desde logo citado nos jornais: reveja-se nesse máximo da glória humana! E agora note: é só agarrar a campainha, e fazer ti-li-tim. Eu não sou um bárbaro: compreendo a repugnância de um gentleman em assassinar um contemporâneo: o espirrar do sangue suja vergonhosamente os punhos, e é repulsivo o agonizar de um corpo humano. Mas aqui, nenhum desses espectáculos torpes... É como quem chama um criado... E são cento e cinco ou cento e seis mil contos; não me lembro, mas tenho-o nos meus apontamentos... O Teodoro não duvida de mim. Sou um cavalheiro: – provei-o, quando, fazendo a guerra a um tirano na primeira insurreição da justiça, me vi precipitado de alturas que nem Vossa Senhoria concebe... Um trambolhão considerável, meu caro senhor! Grandes desgostos! O que me consola é que o outro está também muito abalado: porque, meu amigo, quando um Jeová tem apenas contra si um Satanás, tira-se bem de dificuldades mandando carregar mais uma legião de arcanjos; mas quando o inimigo é um homem, armado de uma pena de pato e de um caderno de papel branco – está perdido... Enfim são seis mil contos. Vamos, Teodoro, ai tem a campainha, seja um homem.

Eu sei o que deve a si mesmo um cristão. Se este personagem me tivesse levado ao cume de uma montanha na Palestina, por uma noite de lua cheia, e aí, mostrando-me cidades, raças e impérios adormecidos, sombriamente me dissesse: «Mata o mandarim, e tudo o que vês em vale e colina será teu», eu saberia replicar-lhe, seguindo um exemplo ilustre, e erguendo o dedo às profundidades consteladas: «O meu reino não é deste mundo!» Eu conheço os meus autores. Mas eram cento e tantos mil contos, oferecidos à luz de uma vela de estearina, na Travessa da Conceição, por um sujeito de chapéu alto, apoiado a um guarda-chuva...

Então não hesitei. E, de mão firme, repeniquei a campainha. Foi talvez uma ilusão; mas pareceu-me que um sino, de boca tão vasta como o mesmo céu, badalava na escuridão, através do universo, num tom temeroso que decerto foi acordar sóis que faziam nené e planetas pançudos ressonando sobre os seus eixos...

O indivíduo levou um dedo à pálpebra, e limpando a lágrima que enevoara um instante o seu olho rutilante:

– Pobre Ti Chin-Fu!...

– Morreu?

– Estava no seu jardim, sossegado, armando, para o lançar ao ar, um papagaio de papel, no passatempo honesto de um mandarim retirado, – quando o surpreendeu este ti-li-tim da campainha. Agora jaz à beira de um arroio cantante, todo vestido de seda amarela, morto, de pança ao ar, sobre a relva verde: e nos braços frios tem o seu papagaio de papel, que parece tão morto como ele. Amanhã são os funerais. Que a sabedoria de Confúcio, penetrando-o, ajude a bem emigrar a sua alma!

E o sujeito, erguendo-se, tirou respeitosamente o chapéu, saiu, com o seu guarda-chuva debaixo do braço.

Então, ao sentir bater a porta, afigurou-se-me que emergia de um pesadelo. Saltei ao corredor. Uma voz jovial falava com a Madame Marques; e a cancela da escada cerrou-se subtilmente.

– Quem é que saiu agora, ó D. Augusta? – perguntei, num suor.

– Foi o Cabritinha que vai um bocadinho à batota...

Voltei ao quarto: tudo lá repousava tranquilo, idêntico, real. O in-fólio ainda estava aberto na página temerosa. Reli-a: agora parecia-me apenas a prosa antiquada de um moralista caturra; cada palavra se tornara como um carvão apagado...

Deitei-me: – e sonhei que estava longe, para além de Pequim, nas fronteiras da Tartária, no quiosque de um convento de lamas, ouvindo máximas prudentes e suaves que escorriam, com um aroma fino de chá, dos lábios de um Buda vivo.

II

Decorreu um mês.

Eu, no entanto, rotineiro e triste, lá ia pondo o meu cursivo ao serviço dos poderes públicos, e admirando aos domingos a perícia tocante com que a D. Augusta lavava a caspa do Couceiro. Era agora evidente para mim que, nessa noite, eu adormecera sobre o in-fólio e sonhara com uma «Tentação da Montanha» sob formas familiares. Instintivamente, porém, comecei a preocupar-me com a China. Ia ler os telegramas à Havanesa; e o que o meu interesse lá buscava, eram sempre as notícias do Império do Meio; parece porém que, a esse tempo, nada se passava na região das raças amarelas... A Agência Havas só tagarelava sobre a Herzegovina, a Bósnia, a Bulgária e outras curiosidades bárbaras...

Pouco a pouco fui esquecendo o meu episódio fantasmagórico: e ao mesmo tempo, como gradualmente o meu espírito resserenava, voltaram de novo a mover-se as antigas ambições que lá habitavam – um ordenado de director-geral, um seio amoroso de Lola, bifes mais tenros que os da D. Augusta. Mas tais regalos pareciam-me tão inacessíveis, tão nascidos dos sonhos – como os próprios milhões do Mandarim. E pelo monótono deserto da vida, lá foi seguindo, lá foi marchando a lenta caravana das minhas melancolias...

Um domingo de Agosto, de manhã, estirado na cama em mangas de camisa, eu dormitava, com o cigarro apagado no lábio – quando a porta rangeu devagarinho e, entreabrindo a pálpebra dormente, vi curvar-se ao meu lado uma calva respeitosa. E logo uma voz perturbada murmurou:

– O sr. Teodoro?... O sr. Teodoro do Ministério do Reino?

Ergui-me lentamente sobre o cotovelo e respondi num bocejo:

– Sou eu, cavalheiro.

O indivíduo recurvou o espinhaço: assim na presença augusta de el-rei Bobeche se arqueia o cortesão... Era pequenino e obeso: a ponta das suíças brancas roçava-lhe as lapelas do fraque de alpaca: veneráveis óculos de ouro reluziam na sua face bochechuda, que parecia uma próspera personificação da Ordem: e todo ele tremia desde a calva lustrosa até aos botins de bezerro. Pigarreou, cuspilhou, balbuciou:

– São notícias para Vossa Senhoria! Consideráveis notícias! O meu nome é Silvestre... Silvestre, Juliano & Cª... Um serviçal criado de Vossa Excelência... Chegaram justamente pelo paquete de Southampton... Nós somos correspondentes de Brito, Alves & Cª, de Macau... Correspondentes de Craig and Cª, de Hong-Kong... As letras vêm de Hong-Kong...

O sujeito engasgava-se; e a sua mão gordinha agitava em tremuras um envelope repleto, com um selo de lacre negro.

– Vossa Excelência – prosseguiu – estava decerto prevenido... Nós é que o não estávamos... A atrapalhação é natural... O que esperamos é que Vossa Excelência nos conserve a sua benevolência... Nós sempre respeitámos muito o carácter de Vossa Excelência... Vossa Excelência é nesta terra uma flor de virtude, e espelho de bons! Aqui estão os primeiros saques sobre Bhering and Brothers, de Londres... Letras a trinta dias sobre Rothschild...

A este nome, ressoante como o mesmo ouro, saltei vorazmente do leito:

– O que é isso, senhor? – gritei.

E ele, gritando mais, brandindo o envelope, todo alçado no bico dos botins:

– São cento e seis mil contos, senhor! Cento e seis mil contos sobre Londres, Paris, Hamburgo e Amsterdão, sacados a seu favor, excelentíssimo senhor!... A seu favor, excelentíssimo senhor! Pelas casas de Hong-Kong, de Xangai e de Cantão, da herança depositada do mandarim Ti Chin-Fu!

Senti tremer o globo sob os meus pés – e cerrei um momento os olhos.. Mas compreendi, num relance, que eu era, desde essa hora, como uma encarnação do Sobrenatural, recebendo dele a minha força e possuindo os seus atributos. Não podia comportar-me como um homem, nem desconsiderar-me em expansões humanas. Até, para não quebrar a linha hierática – abstive-me de ir soluçar, como mo pedia a alma, sobre o vasto seio da Madame Marques...

De ora em diante cabia-me a impassibilidade de um deus – ou de um demónio: dei, com naturalidade, um puxão às calças, e disse a Silvestre, Juliano & Cª estas palavras:

– Está bem! O Mandarim... esse Mandarim que disse, portou-se com cavalheirismo. Eu sei do que se trata: é uma questão de família. Deixe aí os papéis... Bons dias.

Silvestre, Juliano & Cª retirou-se, às arrecuas, de dorso vergado e fronte voltada ao chão.

Eu então fui abrir, toda larga, a janela: e, dobrando para trás a cabeça, respirei o ar cálido, consoladamente, como uma corça cansada...

Depois olhei para baixo, para a rua, onde toda uma burguesia se escoava, numa pacata saída de missa, entre duas filas de trens. Fixei, aqui e além, inconscientemente, algumas cuias de senhoras, alguns metais brilhantes de arreios. E de repente veio-me esta ideia, esta triunfante certeza – que todas aquelas tipóias as podia eu tomar à hora ou ao ano! Que nenhuma das mulheres que via deixaria de me oferecer o seu seio nu a um aceno do meu desejo! Que todos esses homens, de sobrecasaca de domingo, se prostrariam diante de mim como diante de um Cristo, de um Maomé ou de um Buda, se eu lhes sacudisse junto à face cento e seis mil contos sobre as praças da Europa!...

Apoiei-me à varanda: e ri, com tédio, vendo a agitação efémera daquela humanidade subalterna – que se considerava livre e forte, enquanto por cima, numa sacada de quarto andar, eu tinha na mão, num envelope lacrado de negro, o princípio mesmo da sua fraqueza e da sua escravidão! Então, satisfações do Luxo, regalos do Amor, orgulhos do Poder, tudo gozei, pela imaginação; num instante, e de um só sorvo. Mas logo uma grande saciedade me foi invadindo a alma: e, sentindo o mundo aos meus pés – bocejei como um leão farto.

De que me serviam por fim tantos milhões senão para me trazerem, dia a dia, a afirmação desoladora da vileza humana?... E assim, ao choque de tanto ouro, ia desaparecer a meus olhos, como um fumo, a beleza moral do universo! Tomou-me uma tristeza mística. Abati-me sobre uma cadeira; e, com a face entre as mãos, chorei abundantemente.
Daí a pouco Madame Marques abria a porta, toda vistosa nas suas sedas pretas.

– Está-se à sua espera para jantar, enguiço! Emergi da minha amargura para lhe responder secamente:

– Não janto!

– Mas fica!

Nesse momento estalavam foguetes ao longe. Lembrei-me que era domingo, dia de touros: de repente uma visão rebrilhou, flamejou, atraindo-me deliciosamente: – era a tourada vista de um camarote; depois um jantar com champanhe; à noite a orgia, como uma iniciação! Corri à mesa. Atulhei as algibeiras de letras sobre Londres. Desci à rua com um furor de abutre fendendo o ar contra a presa. Uma caleche passava, vazia. Detive-a, berrei:

– Aos touros!

– São dez tostões, meu amo!

Encarei com repulsão aquele reles pedaço de matéria organizada – que falava em placas de prata a um colosso de ouro! Enterrei a mão na algibeira ajoujada de milhões e tirei o meu metal: tinha setecentos e vinte!

O cocheiro bateu a anca da égua e seguiu, resmungando. Eu balbuciei:

– Mas tenho letras!... Aqui estão! Sobre Londres! Sobre Hamburgo!...

– Não pega.

Setecentos e vinte!... E touros, jantar de lorde, andaluzas nuas, todo esse sonho expirou como uma bola de sabão que bate a ponta de um prego.

Odiei a humanidade, abominei o numerário. Outra tipóia, lançada a trote, apinhada de gente festiva, quase me atropelou naquela abstracção em que eu ficara com os meus setecentos e vinte na palma da mão suada.

Cabisbaixo, enchumaçado de milhões sobre Rothschild, voltei ao meu quarto andar: humilhei-me à Madame Marques, aceitei-lhe o bife córneo; e passei essa primeira noite de riqueza bocejando sobre o leito solitário – enquanto fora o alegre Couceiro, o mesquinho tenente de quinze mil réis de soldo, ria com a D. Augusta, repenicando à viola o «Fado da Cotovia».
–––––––––––
Continua…

Fonte:
http://leituradiaria.com

Clássicos do Cancioneiro Popular (O Rabicho da Geralda)

Sou o boi liso, rabicho,

Boi de fama, conhecido,
Minha senhora Geralda
Já me tinha por perdido.

Era minha fama tanta,
Nestes sertões estendida...
Vaqueiros vinham de longe
Pra me tirarem a vida.

Onze anos morei eu
Lá na serra da Preguiça,
Minha senhora Geralda
De mim não tinha notícia.

Morava em cima da serra,
Naqueles altos penhascos,
Só davam notícias minhas
Quando me viam os rastos.

Ao cabo de onze anos
Saí na Várzea do Cisco,
Por minha infelicidade
Por um caboclo fui visto.

Quando o caboclo me viu
Saiu por ali aos topes,
Logo foi dar novas minhas
Ao vaqueiro José Lopes.

Quando o caboclo chegou
Foi com grande matinada:
— Oh! José Lopes, eu vi
O rabicho da Geralda.

Estava na Várzea do Cisco
C’um magotinho de gado,
Lá na pontinha de cima,
Onde entra pra talhado.

José Lopes chamou logo
Por seu filho Antonio João:
"Vá buscar o barbadinho,
"E o cavalo tropelão.

"Diga ao senhor José Gomes
"Que traga sua guiada
"E venha pronto pra irmos
"Ao rabicho da Geralda".

Chegados eles que foram,
Montaram, fizeram linha,
A quem eles encontravam
Perguntavam novas minhas.

Encontrando Zé Tomás,
Que vinha lá da Queimada...
"Camarada, dá-me novas
"Do rabicho da Geralda?"

— Ainda mesmo que eu visse,
Eu não daria passada,
Pois será muito o trabalho,
E o lucro não será nada.

— Não senhor, meu camarada,
A coisa está conversada:
A dona mesmo me disse
Que desse boi não quer nada.

Uma das bandas e o couro
Fica pra nós de bocório;
A outra vai se vender
Pras almas do purgatório.

Despediram-se uns dos outros,
No carrasco se internaram,
Cacaram-me todo o dia
Porém não me alcançaram.

Deram de marcha pra casa,
Já todos mortos de fome,
Foram comer um bocado
Na casa do José Gomes.

Passados bem cinco dias,
Estando eu na ribanceira,
Quando fui botando os olhos,
Vejo vir Manuel Moreira.

Um dos vaqueiros de fama
Que naquele tempo havia,
Que muita gente supunha
Só ele me pegaria.

Olhei para o outro lado,
Para ver se vinha alguém:
Divisei Manuel Francisco
E seu sobrinho Xerém.

Fui tratando de correr
Pelo lugar mais fechado,
Quando o Moreira gritou-me
Aos pés juntos, enrabado,

Corra, corra, camarada,
Pise seguro no chão,
Que hoje sempre dou fim
Ao famanaz do sertão.

Tiremos uma carreira
Assim por uma beirada;
Eu mesmo desconfiei
Do rabicho da Geralda.

Mais adiante pus-me em pé
Para ver o zuadão:
Enxerguei Manuel Francisco
Caído num barrocão.

Estive ali muito tempo,
Ali posto e demorado;
A resposta que me deram
Foi dizer: vai-te malvado!

Toda vida terei pena
De correr atrás de ti;
Bem me basta minha faca,
E minha esposa que perdi!

Daí seguiu para trás
Ajuntando o que era seu,
E juntamente caçando
O Xerém, que se perdeu.

Nesse tempo tinha ido
A Pajeú ver um vaqueiro;
Dentre muitos que lá tinha,
Viera o mais catingueiro.

Este veio por seu gosto,
Trazendo sua guiada,
E desejava ter encontro
Com o rabicho da Geralda.

Chamava-se Inácio Gomes,
Era cabra curiboca,
O nariz achamurrado
Cara cheia de pipoca.

Na fazenda da Concórdia,
Chegou ele a uma hora;
Muita gente já dizia:
O rabicho morre agora.

Dizia que pra matar-me
Não precisava de mais:
Bastava dar-me no rasto
De oito dias atrás.

Deram-lhe então um guia
Que bem soubesse do pasto,
E que também conhecesse
Dentre todos o meu rasto.

Onze dias me caçaram
Com grande empenho e cuidada:
Não puderam descobrir
Nem novas e nem mandado.

Passados os onze dias
Lá no Riacho do Agudo,
Quando fui botando os olhos,
Vi o cabra topetudo.

Disse o guia me avistando:
— Venha ver, meu camarada,
Eis ali o boi de fama,
O rabicho da Geralda.

Bem cedo, ao sair do sol,
Vimo-nos de cara a cara,
E nos primeiros arrancos
Logo lhe caiu a vara.

Ele disto não fez caso,
Relho ao cavalo chegou
E em poucas palhetadas
Bem pertinho me gritou:

— Corra, corra, camarada,
Puxe bem pela memória
Que não vim da minha terra
Para vir contar estória.

Gritou-me da outra banda
O senhor guia também:
— Tu cuidas que sou Moreira,
Ou seu sobrinho Xerém?

Tinha um pau atravessado
Na passagem dum riacho:
O cabra passou por cima
E o cavalo por baixo.

Segui a meia carreira,
No meu correr costumado,
E antes de meia légua,
Ambos já tinham ficado.

Pôs-se o cabra topetudo
A pensar o que faria,
E quando chegasse em casa
Que estória contaria!...

Na fazenda da Botica
Tinha gente em demasia,
Esperando ter notícia
Do rabicho nesse dia.

Perguntou José de Góis,
Morador no Carrapicho:
— Amigo, seja benvindo!
Dá-me novas do rabicho?

— Eu o vi, mas não fiz nada,
Pois nunca vi correr tanto,
Como esse boi, o rabicho,
É coisa que causa espanto!

— Nesta terra eu não vejo
Quem o pegue pelo pé,
Aquele morre de velho
Ou de cobra cascavel.

Respondeu José de Góis,
Morador no Carrapicho:
— Eu pelos olhos conheço
Quem dá voltas ao rabicho.

— Já anda em dezoito anos
Que Zé Lopes o capou,
Era ele então garrotinho,
Por isso foi que pegou.

Foi-se o cabra topetudo
E não sei se lá chegou,
Só sei é que ele foi
Com os beiços com que mamou.

Chega enfim — noventa e dois —
Aquela seca comprida;
Logo vi que era a causa
De eu perder a minha vida.

Secaram-se os olhos d’água,
Não tive onde beber,
E botei-me aos campos grandes
Já bem disposto a morrer.

Desci por uma vereda
E disse: esta me socorra;
Quando quis cuidar em mim
Estava numa gangorra.

Fui à fonte beber água,
Refresquei o coração!
Quando quis sair não pude,
Tinham fechado o portão.

Corri logo a cerca toda
E sair não pude mais:
Quem me fez prisioneiro
Foi apenas um rapaz.

Este saiu às carreiras,
E, vendo um seu camarada,
Gritou logo: já está preso
O rabicho da Geralda.

Espalhando-se a notícia,
Correram todos a ver,
E vinham todos gritando:
O rabicho vai morrer!

Trouxeram três bacamartes,
Todos três me apontaram,
Quando dispararam as armas,
Todas três me traspassaram!

Ferido caí no chão!
Saltaram a me pegar
Uns nos pés, outros nas mãos,
Outros para me sangrar!

Disse então um dentre eles:
— Só assim, meu camarada,
Nós provaríamos todos
Do rabicho da Geralda

Assim findo-se este drama,
Tudo assim se findará,
Como este boi, nesta terra
Não houve, nem haverá.

Fonte:
Jangada Brasil
Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

Mitos e Lendas (A Cascavel e a Surucucu )

Contam que certa vez houve uma reunião de cobras e serpentes. Num recanto da mata, ao cair da tarde, as comadres rastejantes contavam uma às outras as suas proezas. E eram exclamações, risadas, silvos de assustar qualquer animal que passasse a uma légua de distância.

Perto do olho d´água, afastadas das demais, a cascavel e a sucuri, inegavelmente as rainhas das serpentes conversavam, animadas.

Cheia de fingida modéstia, dizia a cascavel:

— Bem... eu não faço nada demais. Mas o coitado do bicho que sente a picada dos meus dentes, ou morre, ou fica aleijado para o resto da vida. Não escapa mesmo.

A surucucu deu uma risadinha de mofa, como quem diz "grande coisa" e, depois com indiferença falou:

— Comigo é diferente. Quando finco os dentes em qualquer bicho, humano ou não, tenho de correr depressa, para que o cadáver não caia em cima de mim.
Fonte:
Colhido por Jerônimo B. Monteiro e publicado em sua coluna Lendas, mitos e crendices
Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

Machado de Assis (Junqueira Freire: Inspirações do Claustro)

DEVÍAMOS falar hoje do último livro do Sr. Fagundes Varela; o talentoso autor do prefácio que acompanha os Cantos e Fantasias, diz ali que um dos modelos do mavioso poeta foi o autor das Inspirações do Claustro; esta alusão trouxe-nos à memória um dos talentos mais estimados da nossa terra, e lembrou-nos de algum modo o cumprimento de uma promessa feita algures. Além de que, convém examinar se há realmente alguma filiação entre o poeta baiano e o poeta fluminense. Trataremos pois de Junqueira Freire e da sua obra, adiando para a semana próxima o exame do belo livro do Sr. Varela. Nisto executamos o programa desta revista; quando a semana for nula de publicações literárias, — e muitas o são, — recorreremos à estante nacional, onde não faltam livros para folhear, em íntima conversa com os leitores.

Nem todos os poetas podem ter a fortuna de Junqueira Freire, que atravessou a vida cercado de circunstâncias romanescas e legendárias. A sua figura destaca-se no fundo solitário da cela comprimindo ao peito o desespero e o remorso. Como dizem de Mallebranche, poderia dizer-se dele que e uma águia encerrada no templo, batendo com as vastas asas as abóbadas sombrias e imóveis do santuário. Rara fortuna esta, que nos arreda para longe dos tempos atuais, em que o poeta, depois de uma valsa de Strauss, vai chorar uma comprida elegia; este é decerto o mais infeliz: qualquer que seja a sinceridade da sua dor, nunca poderá ser acreditado pelo vulgo, a quem não e dado perscrutar toda a profundidade da alma humana.

Junqueira Freire entrou para o claustro, levado por uma tendência ascética; esta nos parece a explicação mais razoável, e é a que resulta, não só da própria natureza do seu talento, como do texto de alguns dos seus cantos. Três anos ali esteve, e de lá saiu, após esse tempo, trazendo consigo um livro e uma história. Todas as ilusões desesperos, ódios, amores, remorsos, contrastes, vinham contados ali, página por página. Não é palestra de sacristia, nem mexerico de locutório; é um livro profundamente sentido, uma história dolorosamente narrada em versos, muitas vezes duros, mas geralmente saídos do coração. Compreende-se que um livro escrito em condições tais, devia atrair a atenção pública; o poeta vinha falar da vida monástica, não como filósofo, mas como testemunha, como o observador, como vítima. Não discutia a santidade da instituição; reunia em algumas Páginas a história íntima do que vira e sentira. O livro era ao mesmo tempo uma sentença e uma lição; não significava uma aspiração Poética, pretendia ser uma obra de utilidade; a epígrafe de P.-L. Courrier, inscrita no prefácio, parece-nos que não exprime senão isto. De todasestas circunstâncias nasceu, antes de tudo, um grande interesse de curiosidade.

Que viria dizer aquela alma, escapa do mosteiro, heróica para uns, covarde para outros? Essa foi a nossa impressão, antes de lermos pela primeira vez as Inspirações do Claustro. Digamos em poucas palavras o que pensamos do livro e do poeta, a quem parece que os deuses amavam, pois que o levaram cedo.

No prefácio que acompanha as Inspirações do Claustro, Junqueira Freire procura defender-se previamente de uma censura da crítica: a censura de inconseqüência, de contradição, de falta de unidade no livro, censura que, segundo ele, deve recair sobretudo no caráter diferente dos "Claustros", a apologia do convento, e do "Monge" condenação da ordem monástica. Teme, disse ele, que lhe chamem o livro uma coleção de orações e blasfêmias. Caso raro! O poeta via objeto de censura exatamente naquilo que faz a beleza da obra; defendia-se de um contraste, que representa a consciência e a unidade do livro. Sem esse dúplice aspecto, o livro das Inspirações perde o encanto natural, o caráter de uma história real e sincera; deixa de ser um drama vivo. Contrário a si mesmo, cantando por inspirações opostas, aparece-nos o homem através do poeta; vê-se descer o espírito da esfera da ilusão religiosa para o terreno da realidade prática; assiste-se às peripécias daquela transformação; acredita-se na palavra do poeta, pois que ele sai, corno Enéias, dentre as chamas de Tróia. O escrúpulo portanto era demasiado, era descabido; e a explicação que Junqueira Freire procura dar ao dúplice caráter das suas Inspirações, sobre desnecessária e confusa.

A poesia dos "Claustros" é uma apologia da instituição monástica; estava então no pleno verdor das suas ilusões religiosas. O convento para ele é o refúgio único e santo às almas sequiosas de paz, revestidas de virtude. A voz do poeta é grave, a expressão sombria, o espírito ascético. Não hesita em clamar contra o século, a favor do mosteiro contra os homens, a favor do frade. Confundindo na mesma adoração os primeiros solitários com os monges modernos, a instituição primitiva com a instituição atual, o poeta levanta um grito contra a filosofia, e espera morrer abraçado à cruz do claustro.

O que faz interessar esta poesia é que ela representa um estado sincero da alma do poeta. uma aspiração conscienciosa; a designação do século XVIII, feita por ele, para tirar os seus versos do círculo das impressões atuais e constituí-los em simples apreciação histórica, nada significa ali, e se alguma coisa pudesse significar, não seria a favor do prestígio do livro. Os "Claustros", o "Apóstolo Entre as Gentes", e algumas outras páginas, exprimindo o estado contemplativo do poeta, completam essa unidade do livro que ele não viu, por virtude de um escrúpulo exagerado.

Não diz ele próprio algures, saudando a profissão de um religioso:


Eu também ideei a linda imagem
Da placidez da vida;
Eu também desejei o claustro estéril
Como feliz guarida.


Pois bem, as páginas aludidas representam nada menos que a imagem ideada pelo poeta; dar-lhes outra explicação é mutilar a alma do livro.

O poeta canta depois o "Monge". É o anverso da medalha; e a decepção, o arrependimento, o remorso. Aqui já o claustro não é aquele refúgio sonhado nos primeiros tempos; é um cárcere de ferro, o homem se estorce de desespero, e chora suas ilusões perdidas. Quereis ver que profundo abismo separa o "Monge" dos "Claustros", ligando-o todavia, por uma sucessão natural? O próprio monge o diz:


Corpo nem alma os mesmos me ficaram.
Homem que fui não sou. Meu ser, meu todo
Fugiu-me, esvaeceu-se, transformou-se.
Vivo, mas acabei meu ser primeiro.
....................................
Dista, dista de mim minh'alma antiga.


Aquele ser primeiro, aquela alma antiga, é o ser, é a almados "Claustro". A transformação do poeta fica aí perfeitamente definida no livro. E para avaliar a tremenda queda que a alma devia sentir basta comparar essas duas composições, tão diversas entre si, na forma e na inspiração; elas resumem a história dos três anos de vida do convento, aonde o poeta entrou cheio de crença viva, e donde saiu extenuado e descrente, não das coisas divinas, mas das obras humanas. Da comparação entre essas duas poesias, fruto de duas épocas, é que resulta a autoridade de que vem selada aquela sentença contra a instituição monacal. Sem excluir da comparação o "Apóstolo Entre as Gentes", devemos todavia lembrar que há nessa poesia um tom geral, um espírito puramente religioso, que não deriva da inspiração dos "Claustros", nem se prende à existência dos mosteiros. O poeta canta simplesmente a missão do apóstolo; a história e a religião são as suas musas. Falando a um sentimento mais universal, pois que a filosofia não tem negado até hoje a grandeza histórica do apostolado cristão, Junqueira Freire eleva-se mais ainda que em todas as outras poesias, e acha até uma nova harmonia para os seus versos que são os mais perfeitos do livro. Aí é elemais poeta e menos frade: alguns versos mesmo deviam produzir estranha impressão aos solitários do Mosteiro; o poeta não hesita em proclamar a unidade religiosa de todos os homens, a mesma divindade dominando em todas as regiões, sob nomes diversos. Os últimos versos, porém, resumem a superioridade do sacerdote cristão; superioridade que o poeta faz nascer da constância e do infortúnio:

Nos, áditos do místico pagode
O ministro de Brama aspira incensos.
O áugure de Teos assentado
Na trípode tremente auspícios canta.
O piaga de Tupá, severo e casto,
Nas ocas tece os versos dos oráculos.
E o sacerdote do Senhor, — sozinho, —
Coberto de baldões, a par do réprobo,
Ante o mundo ao martírio o colo curva,
E aos céus cantando um hino sacrossanto,
Como as notas finais do órgão do templo,
Confessa a Deus, e — confessando — morre.


A sentença de impiedade que o poeta antevia, se lhe deram, não teve nem efeito nem base. Combatendo o anacronismo e a ociosidade de uma instituição religiosa,
Junqueira Freire não se desquitava da fé cristã. A impiedade não estava nele, estava nos outros Veja-se, por exemplo, os versos a "Frei Bastos", um Bossuet, na frase do poeta, que se afogava, ébrio de vinho:


No imundo pego da lascívia impura
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Desces do altar à crápula homicida,
Sobes da crápula aos fulmíneos púlpitos.
Ali teu brado lisonjeia os vícios,
Aqui atroa apavorado os crimes.
E os lábios rubros dos femíneos beijos
Disparam raios que as paixões aterram.


Ora, vejamos: este espetáculo era próprio para avigorar o espírito do poeta, na sua dedicação à vida monástica? Imagine-se uma alma jovem, de elevadas aspirações, ascética por índole, buscando na solidão do claustro um refúgio e um descanso, e indo lá encontrar os vícios e as paixões cá de fora; compare-se e veja-se, se a elegia do "Monge" não é o eco sincero e eloqüente de uma dor eloqüente e sincera.

"Meu Filho no Claustro" e a "Freira" exprimem o mesmo sentimento do "Monge"; mas aí o quadro é mais restrito, e a inspiração menos impetuosa. o monólogo da "Freira" é sobretudo lindo pela originalidade da idéia, e por uma expressão franca e ingênua, que contrasta singularmente com a castidade de uma esposa do Senhor.

Fora dessas poesias que compõem a história do monge e do poeta, muitas outras há nas Inspirações do Claustro, filhas de inspiração diversa, e que servem para caracterizar o talento de Junqueira Freire: "Mílton", o "Apóstata", o "Converso", o "Misantropo" , o "Renegado" várias nênias a morte de alguns religiosos. Todas nascem do claustro; pelo assunto e pela forma; vê-se que foram compostas na solidão da cela; esta observação precede mesmo em relação ao “Renegado”, canção do judeu. Uma só poesia faz destaque no meio de todas essas: é a que tem referência a uma mulher e a um amor. Entraria o amor, por alguma coisa, na resolução que levou Junqueira Freire para o fundo do mosteiro? Ou, pelo contrário, precipitou ele o rompimento do monge e do claustro? A este respeito, como de tudo quanto diz respeito ao poeta, apenas podemos conjeturar; nada sabemos de sua vida, senão o que ele próprio refere no prefácio. Qualquer que seja, porém, a explicação dessa página obscura, nem por isso deixa ela de ser uma das mais dolorosas da vida do poeta, uni elemento de apreciação literária e moral do homem.

Tratamos até aqui do frade; vejamos o poeta. Junqueira Freire diz no prefácio que não é poeta, e não o diz para preencher essa regra de modéstia literária, que é comum nos prólogos; sentia em si, diz ele, a reflexão gelada de Montaigne, que apaga os ímpetos. Teria razão o autor das Inspirações? Achamos que não. Não e inspiração que lhe falta, nem fervor poético; colorido, vigor, imagens belas e novas, tudo isso nos parece que sobram em Junqueira Freire. O seu verso, porém, às vezes incorreto, às vezes duro, participa das circunstâncias em que nascia; traz em si o cunho das impressões que rodeavam o poeta; Junqueira Freire pretendia mesmo dar-lhe o caráter de prosa medida, e por honra da musa e dele devemos afirmar que o sistema muitas vezes lhe falhou. Tivesse ele o cuidado de aperfeiçoar os seus versos, e o livro ficaria completo pelo lado da forma. O que lhe dá sobretudo um sabor especial é a sua grande originalidade, que deriva não só das circunstâncias pessoais do autor, mas também da feição própria do seu talento; Junqueira Freire não imita ninguém; rude embora, aquela poesia é propriamente dele; sente-se ali essa preciosa virtude que se chama — individualidade poética. Com uma poesia sua, uma língua própria, exprimindo idéias novas e sentimentos verdadeiros, era um poeta fadado para os grandes arrojos, e para as graves meditações. Quis Deus que ele morresse na flor dos anos, legando à nossa bela pátria a memória de um talento tão robusto quanto infeliz.

Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.

Soares de Passos (O Canto do Livre)

Ao meu amigo Alexandre Braga.

Gema embora a terra inteira
Acurvada a iníquas leis;
Esta fronte sobranceira
Jamais de rojo a vereis.
Oh! ninguém, ninguém a esmaga,
Que eu sou livre como a vaga,
Que sacode sobre a plaga
O jugo d'altos baixéis.

Liberdade é o mote escrito
No céu, na terra, e no mar!
Di-lo a fera no seu grito,
E as aves cruzando o ar;
Di-lo o vento da procela,
A vaga que se encapela,
E nos espaços a estrela
Em seu contínuo girar.

Di-lo tudo! mas ainda
Mais livre me criou Deus
Que os astros da altura infinda,
Os ventos, e os escarcéus.
Eu tenho mais liberdade
Desta alma na imensidade,
Pois tenho nela a vontade,
Tenho a razão, luz dos céus.

Eu sou livre! erguendo a fronte
Diz-mo uma voz na amplidão,
Quando de pé sobre o monte
Me elevo rei da soidão;
Quando além do firmamento
Alçando meu pensamento,
Solto nas asas do vento
Meu canto d'inspiração.

Eu sou livre! eis minha crença,
Nem força contra ela vale.
Que um tirano enfim me vença –
Triunfarei por seu mal.
Triunfarei, que algemado
E diante dele arrastado,
Sou livre! será meu brado
Té ao momento final.

E que importa que o tirano,
Jurando vingança atroz,
Faça erguer, sorrindo ufano,
Um cutelo à sua voz?
Minha fronte sempre erguida
Há-de encará-lo atrevida,
E só cair abatida
Ao rolar aos pés do algoz.

Mas nunca! pois fora um preito
Dar os pulsos ao grilhão.
Tenho um ferro, e neste peito
Tenho um livre coração!
Não! jamais serei cativo!
Se vencido restar vivo,
Cairei, sorrindo altivo,
Sob o punhal de Catão!

Fonte:

Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Ricardo Azevedo (Voltando da Escola pra Casa)

O menino estava voltando a pé da escola. A vida para ele parecia uma coisa sempre igual. Chegar em casa, comer, fazer lição, brincar, tomar banho, jantar, dormir, acordar. No dia seguinte, tudo a mesma coisa outra vez.

Um ruído veio de um terreno baldio. Parecia uma voz. Por entre as folhagens, o menino viu um cachorro cobrindo o focinho com as patas. O bicho, de repente, resmungou:

— Isso não podia ter acontecido!

O cabelo do menino ficou duro feito arame. Saiu correndo, mas parou. Onde já se viu cachorro falar? Deu risada de si mesmo. Já estava quase na 4a série. Sabia escrever, ler e fazer contas. Aquilo só podia ser alguma confusão.

Deu meia volta e passou de novo pelo terreno baldio. O cachorro agora estava andando de uma lado para o outro dizendo:

— Não, não e não!

Quase sem respirar, o menino chegou mais perto.

Foi quando o animal gritou:

— É a pior desgraça que podia ter acontecido em minha vida!

O menino sabia que aquilo era impossível. Mesmo assim, sentiu pena do cachorro, um bicho não muito grande com o focinho sujo de terra.

O animal soltou um uivo tão sem esperança que o menino entrou no mato e perguntou se ele estava precisando de alguma coisa.

Dois olhos surpresos examinaram o menino de alto a baixo. Depois, o bicho encolheu-se, escondendo o rosto com as patas. O menino sentou-se e acariciou aquela cabeça peluda.

— Se eu contar o que acabo de descobrir hoje — disse o animal — você não vai acreditar.

E continuou falando devagarinho:

— Faz tempo, conheci uma cachorra linda. Eu estava fazendo xixi num poste. Ela passou. Abanei o rabo. Ela também. Foi amor à primeira vista.

O menino não conseguia piscar os olhos.

— No fim — continuou ele — a gente acabou se casando. A cachorra era viúva e tinha uma filha já grandinha. Cuidei dela como se fosse minha própria filha. Um dia, meu pai veio me visitar. Ele também era viúvo. Só sei que os dois gostaram um do outro, namoraram e casaram.

O menino queria fugir e ficar.

— Do casamento de meu pai com minha filha — contou o animal — nasceu uma ninhada de três cachorrinhos que, ao mesmo tempo, são meus netos, pois são filhos de minha filha, e meus irmãos pois são filhos do meu pai. Eu também tive três filhotinhos. Eles passaram a ser irmãos da minha madrasta, a filha da minha mulher. Portanto, além de meus filhos, são meus tios.

As lágrimas esguichavam dos olhos do cachorro.

— Meu pai é casado com minha filha, ou seja, minha madastra é também minha filha. Por outro lado, sou pai dos irmãos do meu pai, logo, pai de meu próprio pai. E como o pai do pai de alguém é avô desse alguém … — e aí o cachorro agitou-se — descobri que sou avô de mim mesmo!

O queixo do menino balançava debaixo da boca.

— É duro ser avô da gente mesmo! — exclamou o cachorro em prantos.

Abraçado com o menino, o animal chorou ainda durante um bom tempo. Depois, enxugou as lágrimas, pediu desculpas, despediu-se e, com ar agradecido, sumiu no matagal. Naquele dia, o menino chegou em casa mais tarde, almoçou e foi para o quarto. Deitado na cama, ficou só pensando. Como a vida pode ser uma coisa rica, complicada, meio louca, bonita, espantosa e cheia de surpresas!
Fonte:
Revista Nova Esacola. Extraído do livro Não Tenho Medo de Homem, nem do Ronco, publicado pela Fundação Cargill

Jornais e Revistas do Brasil (Folha do Acre)

Período disponível: 1910 a 1946
Local: Rio Branco, AC

O jornal Folha do Acre começou a circular em 14 de agosto de 1910, quando se declarou “órgão das aspirações e dos ideaes do povo acreano”. Era editado em “Cidade da Empresa”, cidade que daria origem à atual Rio Branco, capital do atual Estado do Acre.

O Acre era então território federal (criado em 1904), dividido em três departamentos: Alto Acre – com sede na cidade da Empreza (hoje Rio Branco), onde o jornal impresso; Alto Purus – sede em Sena Madureira e Alto Juruá – sede em Cruzeiro do Sul. Este último departamento foi desmembrado em 1912 para formar mais um, o Alto Tarauacá.

Esta organização administrativa prevaleceu até 1920, quando os departamentos foram extintos. Até então, cada departamento era administrado por prefeitos, nomeados pelo presidente da República. Com a extinção, o Território Federal do Acre passou a ter um governador, também designado pelo presidente da República.

A falta de autonomia política e econômica (o Acre não tinha controle sobre o recolhimento dos impostos oriundos da sua produção de borracha, importante geradora de riqueza para o país até a década de 20) e o sentimento de abandono por parte do governo federal provocaram crescente insatisfação da população acreana, que tentou, algumas vezes, reivindicar e até mesmo se rebelar contra a situação do território. Essa mobilização da população ficou conhecida como Movimento Autonomista.

O primeiro movimento, chamado de Revolta dos Cem Dias, ocorreu já em 1910, quando o prefeito do departamento do Juruá, o coronel João Cordeiro, foi deposto por comerciantes da cidade de Cruzeiro do Sul, e a região passou ao governo de uma junta autonomista durante cem dias. A revolta foi controlada pelo Exército e, dois anos depois, o departamento perdeu ainda mais autonomia e poder ao ser desmembrado. Na primeira página do número inicial da Folha do Acre podem-se ler notícias sobre a luta pela autonomia do Acre:

"No intuito de prestarmos aos nossos leitores as mais amplas informações sobre o movimento autonomista que nesse departamento se levantou triumphante no dia 1 de junho ultimo, extrahimos os seguintes tópicos da longa e circumstanciada noticia que a respeito estampou o nosso illustre colega Cruzeiro do Sul sentindo não a podermos reproduzir na integra, attendendo á absoluta falta de espaço em nossa folha.

Há muito que os habitantes do Alto Juruá anciavam a sua libertação do regimem prefeitural que não se retribuía de nenhum modo as suas aspirações de liberdade. 

A nomeação do exmo. Sr. Coronel João Cordeiro, para prefeito do Alto Juruá veio implantar no espírito popular a convicção de que o governo não concederia tão cedo a nossa tantas vezes solicitada autonomia.

A população continuava onerada pelo pezado gravame dos impostos; a verba que o governo concedia á Prefeitura era escassa e mal satisfazia as mais urgentes necessidades; a instrução publica estava ameaçada de desapparecer, pelas reduções dos ordenados dos professores; todos finalmente experimentavam a negra sensação de um eclipse que viesse obumbrar todas as nossas aspirações.

Com recurso supremo foi decidida a proclamação da autonomia do Território do Acre. 

O governo seria forçado a nos conceder o que até então nos havia recuzado.

Anuciou-se a vinda á vinda a esta cidade do venerando e prestimoso chefe do Partido Autonomista, exmo. Sr. Coronel Francisco Freire de Carvalho, e, de fato, á 29 do mez passado a população do Cruzeiro do Sul, assistia comovida a mais solene e expotanea consagração feita a um vulto político."

Dois anos depois, no departamento do Alto Purus, o prefeito também foi deposto pela população. No entanto, nos dois departamentos, a prefeitura foi retomada pelo governo federal.

A insatisfação popular não diminuiu com a extinção dos departamentos em 1920 e a questão autonomista continuou em pauta até a criação do Estado do Acre, em 1962.

Foi este o contexto histórico em que circulou a Folha do Acre, um período de tensão (e conflitos) na história do Acre, que se estendeu por mais de cinquenta anos.

Lançado com quatro páginas, o jornal era propriedade de uma “Associação”, de origem não identificada. Seus primeiros diretor e redator foram respectivamente Teophilo Maia e Nelson Noronha. Em 1911 o jornal passou ao controle do Partido Constructor Acreano – “Órgão do Partido Constructor Acreano”, segundo passou a informar a edição número 50, de 14 de agosto de 1911. Nota na mesma edição informava que o jornal continuaria defendendo “os interesses do povo” e apoiando à administração municipal de Deocleciano de Souza.

No número 102, de 20 de dezembro de 1912, a Folha do Acre noticiou a primeira reforma do Território do Acre, ao publicar decreto, datado de 28 de outubro de 1912, criando o novo departamento de Tarauacá. Em 23 de novembro de 1920, no número 339, o jornal publicou decreto de 1 de outubro de 1920, que extinguia os departamentos unificando o território. Dois números depois, já no ano de 1921, o local de publicação informado não é mais o “Departamento do Alto Acre”, mas sim o “Território do Acre – Brasil”, enquanto a primeira página noticiava a chegada do primeiro governador do território unificado, Epaminondas Jacome.

No início as assinaturas anuais custavam 50$000 e semestrais 30$000. Era impresso em máquina “Marinoni” em oficina própria, na rua General Olimpio da Silveira, na Cidade da Empreza.
Fonte
Morais, Maria de Jesus. “Acreanidade”: invenção e reinvenção da identidade acreana. 2008. 301f. Tese (Doutorado em Geografia). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.
Disponível em http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/folha-do-acre

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 771)


Uma Trova de Ademar  

Um desejo que me abrasa,
no Ano Novo é ver os nobres,
levando as sobras de casa
para a casa dos mais pobres!

–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional


A paz que tanto almejei,
em sonhos que não tem fim,
estava onde não busquei:
- perdida dentro de mim!

–Luiz Antonio Cardoso/SP–

Uma Trova Potiguar


Mais um ano se inicia,
e o tempo a gente é que faz;
quem quiser ter alegria,
plante a semente da paz.

–Djalma Mota/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema - FIM DE ANO - M/H


Muitos vultos tenho visto
nos anais com grande glória;
mas somente Jesus Cristo
dividiu a nossa história.

–Antonio Vogel Spanemberg/RS–

...E Suas Trovas Ficaram


Que o ano novo lhes traga,
ó meus irmãos Trovadores,
aquela mais alta vaga
no pódio dos vencedores!

–João Freire Filho/RJ–

U m a P o e s i a


Hoje eu pedi para o povo
em preces e em orações,
muita paz neste Ano Novo,
muito amor nos corações!
E fiz pra Deus uma carta
pedindo uma mesa farta
para o faminto comer;
mandei essa carta em nome
daquele que passa fome...
E que não sabe escrever!

–Ademar Macedo/RN–

Soneto do Dia

TRANSITÓRIO.
–Vanda Fagundes Queiroz/PR–


Trezentos e sessenta e cinco dias,
meu calendário, foi seu tempo exato.
Agora é estranho, quando então constato:
- É um bloco velho, já sem serventias.

Mas eu o estimo. As datas foram guias...
Cada lembrete compôs um retrato
do cotidiano que se fez, de fato,
de altos e baixos, sombras e alegrias.

Releio as notas... Dói-me concordar:
- Dever cumprido! Ceda o seu lugar
para o que chega e estreia no cenário.

Tão companheiro, em toda a minha lida
de um ano inteiro... para mim, tem vida!
– Adeus, meu velho amigo Calendário...

Teatro de Ontem e de Hoje (Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá)

Em estilo realista, a peça de Fernando Mello faz um retrato da solidão humana na metrópole, por meio de um viciado que sonha ser Greta Garbo. Na função de coadjuvante, o jovem ator Mário Gomes conduz o espetáculo e surpreende a crítica.

A história, ambientada no subúrbio carioca, se passa no apartamento de Pedro, que sonha ser Greta Garbo. Pedro acolhe Renato, um jovem que chega do interior para estudar medicina. No primeiro ato, o jovem, que tem por amante uma prostituta, vive o conflito da definição sexual devido ao envolvimento com seu anfitrião.

Renato acaba roubando drogas na enfermaria onde trabalha para satisfazer Pedro, que nega abrigo à prostituta quando ela se vê perseguida pela polícia.

Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá se sustenta na construção psicológica de Pedro, Renato e Mery, nos diálogos e no conflito que liga as três personagens. A trama, que começa como comédia e desemboca na crueldade e na amargura da relação entre os dois personagens masculinos, se conclui com a solidão do protagonista.

Em crítica para o Jornal do Brasil, Yan Michalski elogia a solidez do realismo construído pelo autor e a densidade dos personagens masculinos. Faz restrições ao esquematismo do papel da prostituta, que tem aparições episódicas, insuficientes para lhe atribuir densidade semelhante à de Pedro e Renato.

Aldomar Conrado, em crítica para o Diário de Notícias, escreve que na peça se encontram "as características muito especiais desse pernambucano radicado no Rio: seu humor ácido, seu diálogo incisivo, sua capacidade de, em rápidas pinceladas, definir toda uma situação".1

Sobre o espetáculo, depois de criticar algumas escolhas da direção, como o uso de slides para sublinhar a passagem de tempo, afirma: "Já no campo dos atores, Léo Jusi conseguiu um rendimento surpreendente. E algo de muito especial terminou acontecendo. Embora Nestor de Montemar e Arlete Salles possuam toda aquela experiência de teatro, Mario Gomes, ainda engatinhando no teatro e na televisão é que vai conduzir o espetáculo. Bonito de ver como este jovem ator consegue tirar rendimento da sua própria inexperiência. [...] Nestor de Montemar em seu melhor momento no teatro. A 'louca' amargurada que sonhava ser Greta Garbo, comove e convence".2

Notas

1. CONRADO, Aldomar. Greta Garbo de Irajá. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08 jul. 1973.

2. CONRADO, Aldomar. Greta Garbo: o espetáculo. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10 jul. 1973.