quarta-feira, 9 de outubro de 2013

José Feldman (Francisco Pessoa: “Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso”)

Esta semana recebi o livro de um brilhante escritor brasileiro, que devorei (metaforicamente falando… o livro) até hoje. Talvez eu seja meio suspeito por tal afirmação, pela amizade que vimos desenvolvendo no decorrer do tempo, desde que tivemos contato há poucos anos, atualmente irmãos de glicose.

O poeta português Fernando Pessoa (1888 – 1935) dizia: "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.  Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Eu, como grande parte da população daqui do Paraná, sempre pelo pouco que estudamos e lemos, acreditamos que os grandes escritores além dos paranaenses, estivessem no eixo Rio-São Paulo, mas o Brasil é tão vasto, e nossa crença em nosso conhecimento ser enorme, é ledo engano. Vai muito além, e confesso que em minha ignorância de sulista, tomei conhecimento que o nordeste do Brasil possuía grandes escritores, no caso que especifico agora, os cearenses. Romancistas, contistas, cronistas, poetas, trovadores, uma lista de nomes que mostra que a literatura não é somente uma estrela, mas uma constelação enorme de pessoas que enobrecem as páginas da cultura brasileira. O fato é que simplesmente por falta de acesso, por falta de divulgação, enfim por diversos fatores que nos obstruem a ampliação de nossa consciência, ou em palavras mais tecnológicas, não são inseridos dados no HD de nosso cérebro.

Fernando Pessoa foi um grande poeta português que é do conhecimento de boa parte da população brasileira, mas sem querer desmerecer o nome deste poeta que sempre fez parte de minha biblioteca particular, também possuímos o nosso Pessoa. No caso, Francisco Pessoa, um cearense que no livro que lançou recentemente “Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso”, coloca-nos seja em trovas, poesias, décimas, cordéis, crônica e contos a sua arte, que divide conosco.

Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, nos diz: Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és no mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive.

Nosso Pessoa segue este poema, e se mostra grande no que faz, e faz com que o brilho do lago, seu reflexo se estenda muito além de si mesmo, de sua cidade (Fortaleza) e ilumine quem quiser ser iluminado.

Francisco, Chico para os amigos, nos diz : Meus sonhos por si navegam/ levando-me ao transcendente, / por mil estradas enxergam /bem mais do que enxerga a gente.

Nos mostra como na trova acima, que buscamos novos caminhos, mas tão enraizados que estamos em nossas visões, não vemos todos os caminhos que podemos seguir. Este é Chico, mostrando a sua arte de versejar, percorrendo o caminho entre o lírico/filosófico e o humorístico: Feliz da vida se logra/O Zeca exibe o caneco/que ele trocou pela sogra/  na feira do cacareco.

Sempre temos a visão do médico, aquela pessoa que de certo modo acredita ser Deus, arrogantes, contudo existem exceções. Chico é uma delas. Médico oftalmologista, uma pessoa simples, calma, alegre e sempre pronta a amizades, que com seu falar eloquente parece querer abraçar o mundo.

Segundo Alberto Caeiro (outro heterônimo de Fernando Pessoa): Sejamos simples e calmos, / Como os regatos e as árvores, / E Deus amar-nos-á fazendo de nós / Belos como as árvores e os regatos, / E dar-nos-á verdor na sua primavera, / E um rio aonde ir ter quando acabemos!…

Somos o que somos, mas nem sempre o demonstramos para as pessoas que nos rodeiam. Muitas vezes usamos máscaras para disfarçar o que nos vêm no íntimo. E a cada situação, uma nova máscara, um novo eu, que não mostra a sua verdadeira face. Em seu livro, Chico em uma décima nos diz em “O Palhaço”: A vida se nos faz meros palhaços…/Sorriso solto num choro prendido, / Querer que é dado nunca agradecido / Saltar ao vento sem pisar os passos. / Tragar o fumo dos prazeres baços / Embebedar-se tanto pra esquecer, / Sentir-se ser alguém, mesmo sem ser, / No picadeiro, o aplauso, a falsa glória, / Imagem tão real quanto ilusória / Pranto da morte rindo pra viver!

Mais uma do Fernando Pessoa: “Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.”

Mas Chico vai além, ele vive e cria. Cria a vida e vive a criação, este é o ideal do verdadeiro artista. Faz que “Não há placa de chegada/na minha estrada da vida…/faço de cada parada/ novo ponto de partida.

Ele segue adiante, cria, sonha, deseja:
“Se eu fosse…
Um Malba Tahan, calcularia cm segundos as horas de alegria que a vida nos dá./ Um Einstein, criaria um antídoto para entibiar a bomba que certo dia flamejou o céu de Hiroshima./ Um Alexandre, o grande, teria conquistado o coração do incrédulo, fazendo-o crer no Grande Arquiteto./ Um Ataúlfo Alves, no meu arrependimento, diria como ele disse: aquilo sim, é que era mulher,/ Um Graham Bell, teria inventado um telefone que, pudesse eu, sentir o odor dos teus lábios, e que minhas frases ouvisse maviosas./ Um Braille, transportaria os dedos para uma zona do cérebro./ Um Barnard, só transplantaria coração de um homem bom para um homem de bem./ Um Bill Gates, tornaria virtual a violência que envolve os povos.
(…) Um Salomão, eu seria um sábio e teria trezentas mulheres?., acorda, Pessoinha!!!”


Um outro amigo, o poeta potiguar Ademar Macedo (1951 – 2013) : “De todos os sonhos meus,/ realizei o mais fecundo: /ser um Poeta de Deus / e mandar versos pra o mundo!

Isto é que faz nosso Pessoa, pinta a aquarela das palavras com sua magia.

Chico em “De Pessoa pra Pessoa”
Poesia é um sonho e, se sonhado,/ Sobre nuvens volutas, pictóricas,/ Rédeas soltas sem bridas, metafóricas,/ Faz do poeta um ser místico e alado./ Quem o lê, leia certo ou leia errado, / Sempre os versos encontram seu intento…/ Lamentar cada um com seu lamento, / E sorrir cada um com seu sorriso, / Coração de poeta é sem juízo/ E a razão de fingir é seu talento!

Aproveitando o se falar em Pessoas, Clevane Pessoa, de MG nos diz neste trecho de seu poema Pensares: Meus pensamentos são mares/ De muita profundidade, / Mas que rasantes nas areias / Lambem o calor que encintram, / Ajudam a esfriar as orlas / Com suas ondas agitadas... / Às vezes fazem redemoinhos / Em caldeirão perigoso ... / Podem chegar a maremotos, / Em fenômenos encadeados, / Mas a maré esperada / Somente depende dos ciclos / Caprichosos das faces de dona lua...

Chico mostra através de suas trovas o caminho que escolhemos seguir. Cada qual faz o seu destino. "Toda colheita contém/ uma lição de moral:/ quem planta o bem colhe o bem/ quem planta o mal colhe o mal"

Outro grande amigo meu, já falecido há muitos anos, Artur da Távola (1936 – 2008) dizia: “A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir e entender. E....nessas moradas estão tesouros da ternura humana. De que só os diferentes são CAPAZES.”

Sem mais delongas, a pessoa que está na pessoa de Pessoa, FRANCISCO JOSÉ PESSOA DE ANDRADE REIS.

Quirino dos Santos (O Saci)

"Que tens tu, oh, Mariquinhas,
Por que é essa palidez?
Tristeza que nunca tinhas
Te pousa na linda tez.

Ainda há pouco no terreiro
Saltavas a traquinar;
Nesse teu rosto trigueiro
Não se via um só pesar;

Sorrias sempre contente,
já hoje não sorris;
Cozias tão diligente
Cantando sempre feliz.

Já hoje tua cantiga
É toda cheia de dor,
E Aninhas, tua amiga
Não buscas mais com amor.

No quintal as tuas flores
Todas pendem a morrer;
Do sol os quentes ardores
Não lhes vais arrefecer.

Que tens tu, oh, Mariquinhas,
Por que é essa palidez?
Tristeza que nunca tinhas
Te pousa na linda tez!

Mariquinhas, minha neta,
A causa toda já sei,
De andares tão inquieta;
Agora já adivinhei!

Aquela vasta silveira
Além dos campos ali,
É assombrada a noite inteira
Por um medonho Saci.

É ele que vem horrendo
Montar nos bons animais;
A noite toda correndo
Ai! quanto susto nos faz!

Foi ali ele que tu o viste,
Que a tua face beijou...
Depois disso é que assim triste
A minha neta ficou.

Mariquinhas, minha neta,
Neta do meu coração,
Não quero te ver inquieta,
Inquieta mais assim, não!

Vai contrita e humilhada
Te prostrar aos pés de Deus;
Expiar, jura, emendada
Os graves pecados teus.

Que hás de ter infinito
Prazer imenso a fruir,
E o Sererê maldito
Para longe há de fugir.

Eia pois, oh Mariquinhas,
Finda a tua palidez;
Tristeza que nunca tinhas
Não tenhas mais desta vez!"

Assim falou a velhinha
No seu sisudo falar;
Aconselhou a netinha
E logo pôs-se a rezar!

Mariquinhas magoada
Não responde à velha, não!
Ai! pobre, de envergonhada
Ficou a olhar para o chão.

Mas de noite a janelinha
Do seu quarto se entreabriu,
E houve quem visse asinha
Que um vulto a ela assumiu!

Como ela deixa a desora
Um vulto junto de si?!
Venham cá dizer-me agora
Que não seria o Saci!…

Fonte:
A Casa do Bruxo

Stanislaw Ponte Preta (A charneca)

Então, na esperança vã de me livrar do tormento de amar-te, adormeci um pouco. E se digo vã, amor, é porque logo fiquei a sonhar contigo, a te dizer quanto vai em mim de amor, doce, terno, perdido amor às vezes; candente, nervoso, incontido amor, tantas vezes.

Oh os sonhos de amor, querida! Nele eras tão outra, tão Julieta, tão Isolda, tão Marília. E eu tão o Romeu do segundo ato, tão o Tristão da primeira ária, tão o Dirceu de antes do desterro!

Vinhas lentamente para os meus braços ansiosos, terna e eterna, simples e definitiva, como o barco que parte para o naufrágio. Tu, mulher que já caminhavas para mim, antes mesmo do dia em que te conheci. Para mim, que vivia na certeza de que de algum lugar virias, imponderável, como soem ser os destinos do amor.

No sonho, sorríamos, no sonho éramos nós dois para sempre e um dia. Tu, esquecida de tantas ingratidões, eras o mais puro dos pecados. Eu, vivendo o momento em que o homem prova a si mesmo ter um pouco de eternidade, olvidava antigos dissabores, as noites sofridas, as lágrimas caídas, a dor.

E tão glorioso fiquei, que em mim couberam todas as glórias, abateram-se sobre minha cabeça todos os hinos, e se Beethoven eu fosse, passaria, num átimo, da "Patética" à "Heróica". Que incontida alegria! Desprendí-me de ti e saí a correr pela charneca.

Na verdade eu nem sei o que é charneca, mas isto fica bacana pra burro, em romance inglês.

Ciranda da Primavera (Seleção por Simone Borba Pinheiro) Parte final

THAIS S FRANCISO
-
Adeus, Inverno!..

-
O Inverno já se despede mais uma vez,
deixando que o gelo se derreta,
e umedeça a terra,
onde sementes novas, semeei!..

Por onde caminhei,
semeei minha essência.
Semeei quem eu sou, como sou,
ora sorrindo, ora pensativa, mas
sempre carregando o amor no coração!..

A Primavera já se aproxima,
e, encontrando o solo umedecido,
deixará que o verde se renove, em novos brotos,
e, que desabrochem as flores, em variadas cores,
para encantar e colorir a vida que quer viver!..

Como a neve a gotejar,
deixo que minhas lágrimas caiam neste chão,
despedindo-me também, desta minha solidão,
pois como a estação que recomeça,
também eu vou recomeçar,
pois já é tempo de sorrir, e,
da tristeza se despedir!..

Vem Primavera!!
Vem colorir nossos jardins,
perfumar a nossa alma,
alegrar borboletas e beija-flores,
na colheita do néctar da vida, e,
nos ensinar mais uma vez
que sempre há tempo
para recomeçar novas eras
=================

TONHO FRANÇA
-
Primavera

-
Vem, abre teu coração, tua cartas, apaga as marcas
as dores, renova o coração
o vento em acordes suaves de bandolins
traz possibilidades de um céu jasmim
e de novo podemos refazer as aquarelas
somos nós o pincel, as tintas, a inspiração
Vem, há flores nas ruas, por pura intuição, magia
e a poesia de renascer, vem do Universo, de algo maior
sempre maior que se espera, é a estação do céu,
É Deus sorrindo- primavera.
==================

WILAME LIMA SILVA
-
Primavera

-
Lá vem a primavera com todas as suas flores.
Deixou pra trás outras estações e entre flores apareceu
Apareceu bela, formosa, cheia de encanto, de deslumbre.
Cheia de perfume, cheia de cor.
Cheia de ar que insinua o amor.

Lá vem primavera com o sol mais brilhante
Lá vem a primavera com as cores da natureza em si
Lá vem a primavera mostrando toda a sua cor
Cor das flores, cor das matas, do azul do céu, e tantas outras cores à mostra
Lá vem a primavera com pássaros entoando cantos primaveris
O mundo mais lindo parece ficar

Primavera cantada por tantos poetas
Cantada em prosas ou versos
Cantadas em recitais de amor
Primavera, estação festiva
Nesta estação Deus pintor se tornou

Usou Deus nesta estação uma mistura celeste
E sobre a Terra derramou
As flores foram as quem mais absorveram esta mistura
Ao mundo seu colorido mostrou
Enfeitando assim a primavera
Nunca outra estação mais bela se tornou.

Lá vem a primavera
Que seja bem vinda, querida estação
Recebemos-te, primavera
Com a alegria imensa
Mostrada em nosso coração
===================

YARA NAZARÉ
-
Rainha Primeira!

-
Hoje cedo, o sol iniciou seu ocaso
Tingiu o céu de um tom rosado
Os pássaros cruzaram os ares
Revoada de pardais e bem-te-vis
Em um belo e magistral bailado.

No regato as águas cantaloravam
No combinado ritmo da melodia
Que se ouvia através dos bosques
No colorido de todas as flores
Rosa carola, gérberas e lírios
Girassóis, orquídeas e margaridas.

E as cigarras silenciaram...
Em respeito a sua chegada
A Rainha, a mais bela das estações
A inspiradora dos grandes amores
Sua majestade, a PRIMAVERA!
====================

YARA NAZARÉ
-
Primavera

-
Eis que chega a primavera
Trazendo consigo os olores
Das flores as mais singelas
O chilreio de pássaros em festa
Em sintonia brindam nos caminhos
Saudando a ti, estação primeira.

Aquela que embala nosso andar
Faz estampar nas faces, o sorriso
Entre alamedas lindas e floridas
Embelezadas de todas as cores
Em tua paisagem tão singular.

És sim, a estação dos amores
Do pólen que a abelha conduz
Espargindo saudáveis sementes
Para a vida fluir e alimentar
No multiplicar das tuas flores!
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ZENA MACIEL
-
É Primavera no meu Coração

-
A alma povoada de doces lembranças sorri
Sonha com a chegada da primavera
O coração escancarado faz um ritual
solene para vestir-se de flores
Quer curar as dores,
com a essência dos jasmins
Quer apagar o passado,
com o rubro tom de carmim
Quer construir um ninho
de fantasias ,com as pétalas macias
da flor da virgem alegria
Quer agasalhar os sonhos ,
nas folhas aveludadas das orquídeas
Quer semear ilusões nos jardins
dos girassóis
Quer deleitar-se com o carinho
das pequenas azaléias
Quer perfumar os dias ,
com a suavidade das fantasias
Quer decorar a alma
com os versos da poesia
Quer eleger a primavera como
a rainha das estações
Quer entrar no espelho do tempo,
e esquecer a efemeridade da vida.

Fonte:
Seleção por Simone Borba Pinheiro. in http://www.familiaborbapinheiro.com

Nilto Maciel (O Vencedor)

A plateia lotava o auditório. Estudantes, professores, curiosos em geral, além de escritores locais e de fora. Repórteres de televisão, jornal e até rádio. Iluminavam o recinto com suas luzes importunas. Mocinhas mostravam os dentes, matronas se esparramavam nas cadeiras, velhotes faziam caretas. Ninguém queria perder um só detalhe da festa. O vencedor talvez até saísse carregado nos braços da multidão, consagrado para todo o sempre.

À mesa sentaram-se altas autoridades: o governador, acadêmicos, bispos. Ao centro, o patrocinador do concurso, doutor Miro Spiegel, que abriu a solenidade com um discurso enfadonho, de tão longo, repleto de citações — de Aristóteles a Zaratustra. Aplausos não lhe faltaram, o que o fez perder o fio da meada por diversas vezes.

— Como eu dizia... quero dizer, Nietzsche escreveu...

Ao virar a enésima folha sobre a mesa, anunciou final­mente o item mais importante de sua prédica e da festa — ia revelar o nome do vencedor. A plateia subitamente emudeceu. Suspiravam os corações esperançosos. Todos os olhos miravam a boquinha miúda do discursador.

— Vou anunciar o nome do grande vitorioso — repetiu Miro.

A multidão se fez mais atenta, pescoços esticados para a frente, mãos em concha ao redor dos ouvidos, como se a voz de Miro não jorrasse dos possantes amplificadores espalhados pelo auditório.

— O título da obra é...

Miro Spiegel empalideceu, sorveu meio copo de água, esfregou o lenço na testa.

— Desculpem, estou emocionado.

Alguém gritou um desaforo. Exigia brevidade.

— A obra vitoriosa foi Ao vencedor, as batatas.

Houve palmas, muitas palmas, na plateia e na mesa. O go­vernador chegou a sorrir, acadêmicos tossiram, fungaram, pigarrearam, bispos beijaram crucifixos, e Miro Spiegel não parava de enxugar o suor do rosto. As luzes dos repórteres provocavam muito calor. E os corpos da multidão também.

Miro Spiegel, diziam seus biógrafos mais impiedosos, quer às mesas dos bares, quer às cadeiras dos lares, alimentou duran­te anos seguidos o sonho de ter editado um livro. Não numa edição qualquer, por conta própria, mas por editora de peso, que aprovasse sua obra. Escreveu desde a mais tenra barba e nunca conseguiu um só editor. Nem mesmo promessa. Participou de todos os concursos literários — nacionais, estaduais e municipais — e nunca sequer lhe devolveram os originais. Não desistia, porém, da mania de ser literato. Ou de conviver com a literatura. Daí o patrocínio do importante prêmio denominado “Machado de Assis”, para romance inédito. O ganhador teria a obra editada por qualquer das grandes editoras do país, receberia uma quantia em dinheiro equivalente ao valor de luxuoso apartamento em Copacabana e seria divulgado nacionalmente. Tudo patrocinado pelo próprio Spiegel, acionista majoritário de um conglomerado de empresas do ramo de vidros.

A festa, então, chegava ao seu clímax. A plateia inteira já conhecia o título da obra vitoriosa. Logo a imprensa divulgaria a notícia para os quatro cantos do país.

— Não sei se está escrito aqui o pseudônimo ou o nome verdadeiro do autor — retomou a palavra Miro. — Quero crer que possa se tratar de uma singela homenagem...

Quando declinou o nome do vencedor, a plateia riu, entusiasmou-se, gritou, aplaudiu. Não, talvez houvesse algum equívoco. Ou uma brincadeira de mau gosto. Sim, queriam empanar o brilho da festa. E o rosto de Spiegel encheu-se de rugas, sisudez, pavor. Como se a morte se houvesse instalado nele. Ainda assim, retomou o microfone:

— Senhor Miro Spiegel, ou quem quer que se esconda atrás deste pseudônimo, queira aproximar-se da mesa.

Os olhos de todos se esbugalharam, prontos a ver primeiro o vencedor. Quem seria o genial romancista? Quem seria o irônico criador de tão estranho pseudônimo?

E, saído do meio da plateia, de algum lugar do mundo, surgiu no corredor, entre fotógrafos e retardatários, uma figura sisuda, silenciosa, solerte, quase inerte, não fosse caminhar em direção à mesa. Pausada e misteriosamente andava, sob os olhares estupefatos da plateia e da mesa.

— Quem é ele? — murmuravam.

Ninguém parecia conhecê-lo, pois todos o olhavam como se o vissem pela primeira vez.

— Talvez não seja o vencedor.

— Algum engraçadinho.

— Um doido qualquer.

O homem aproximou-se do tablado, subiu mecanicamente os degraus, e já Miro Spiegel o esperava, de pé, pronto para os parabéns da eternidade.

Sobre a mesa brilhava uma medalha de ouro, junto a um diploma em pergaminho e um cheque milionário.

A plateia, calada, parecia encantada, como se o tempo tivesse parado, toda voltada para o instante supremo. E então o desconhecido aproximou-se mais e mais de Miro Spiegel, apertaram-se as mãos, abraçaram-se e fundiram-se num só.

Fonte:
Nilto Maciel. As Insolentes patas do Cão

Monteiro Lobato (A Reforma da Natureza) Capítulo 7: Os odres vivos e o peso

A Rã falou nos percevejos, uns bichinhos inexistentes ali no sítio, e teve de contar a história dos percevejos do Rio.

- São fedorentíssimos - disse ela. - Eu tenho verdadeiro horror a esses monstros noturnos. Chupam o sangue da gente durante o sono e ficam gordos que mal podem andar. E quando esmagamos um, Emília, ah, que cheiro! Empesta o ambiente. Eu, só de me lembrar, já sinto enjoo de estômago.

Emília teve uma ideia .

- Pois podemos reformar os tais percevejos dum modo muito simples: fazendo que em vez de mau cheiro eles tenham cheiros deliciosos, melhores que todas as essências das perfumarias. Desse modo eles ficarão importantíssimos no mundo. Serão pequenos odres vivos cheios de perfume. Sabe o que é odre?

A Rã sabia. Lembrou-se logo daqueles odres de vinho que D. Quixote espetou com a espada, derramando todo o vinho do estalajadeiro.

- Pois é - continuou Emília. - São vasilhas de pele ou couro que a gente de dantes usava. Dona Benta tem um pequeno odre de borracha que enche de água quente para aquecer os pés nos dias muitos frios - mas não diz odre - diz "a minha bolsa d'água. Quem tirou a minha bolsa d'água lá do banheiro? E é sempre Pedrinho quem mexe na bolsa, para certas reinações. Pois os percevejos poderão ficar odres vivos com perfumes dentro. E as perfumarias podem fazer criações de percevejos de todas as qualidades. As moças chegam e pedem: "Quero uma dúzia de percevejos Bouton d'or, ou Kananga do Japão, ou Heliotropo", e quando quiserem perfumar-se basta que tirem um do chiqueirinho de cristal (que irão ter em seus toucadores) e o espremam no lenço, no peito, na nuca, na ponta das orelhas. E saem para a rua, todas vaidosas. E quando duas se encontram, uma pergunta para a outra: "Que percevejos você usa, Quinota? Dos nacionais ou estrangeiros?" E a Quinota, que é moça grã-fina, responderá orgulhosamente: "Só uso percevejos de Paris, da criação de Coty" - e lá se vai rebolando que nem uma cotia.

A Rãzinha aprovou a ideia - e de ideia em ideia as duas chegaram ao peso. Emília implicava-se com o peso das coisas.

Cada vez que queria mover um objeto, uma cadeira ou um pedaço de pau, tinha de chamar o Visconde ou tia Nastácia.

- Para que peso? - disse ela. - Se as coisas não tivessem peso o mundo seria muito mais interessante. Eu acho as cadeiras pesadíssimas, coitadas. Só gente grande pode com elas. Vamos reformar a cadeirinha de pernas serradas de Dona Benta?

Como essa famosa cadeira estivesse ali no quarto, fizeram imediatamente a reforma: suprimiram lhe o peso. Mas aconteceu uma coisa imprevista. A pobre cadeira ergueu-se no ar e ficou grudada ao forro. As duas reformadoras espantaram-se daquilo. Súbito, Emília compreendeu o fenômeno e berrou:

- Já sei! O Visconde me explicou isso. O peso é o que prende as coisas á superfície da terra. Ele diz que o peso vem duma tal força da gravidade, que puxa todas as coisas para o centro da terra. Essa força da gravidade é a atração, ou força centrípeta. Você não imagina. Rã, como o Visconde sabe coisas! Um danadinho! Ele disse também que o contrário da força centrípeta é a força centrífuga - que em vez de puxar as coisas para o centro da terra. Foi o que aconteceu com a cadeira de Dona Benta. Como nós destruímos o peso dela, a força centrípeta desapareceu, só ficando a força centrífuga - e lá foi a cadeira parar no forro. E se este quarto não tivesse forro, a pobre cadeira se sumiria para sempre no espaço infinito ...

Aquela experiência fez que Emília respeitasse o peso de todas as outras coisas, pois do contrário o sítio ficaria mais nu de objetos do que a cabeça do Quindó da farmácia era nua de cabelos.

Nisto o cuco lá da sala de jantar começou a dizer as horas - hu-hu, hu-hu ...

Emília contou dez.

- Dez horas já! Como é tarde ... Por isso é que estou sentindo tanto sono. Está aí uma coisa. Rã, que podemos reformar: o sono - ah, ah, ah... e bocejou.

- Como? - quis saber a Rã.

- Podemos, por exemplo... - começou Emília, mas abriu a boca, soltou mais três "ahs" e foi fechando os olhinhos - e o sono das criaturas humanas escapou da reforma.

Emília dormiu - e que lindo soninho! Como ela sabia dormir bem! A Rã reclinou-se na cama; com a cabeça apoiada numa das mãos e o cotovelo fincado no travesseiro, ficou a contemplá-la e a imaginar mil coisas. - "Que pena as crianças do mundo não poderem ver o que estou vendo!" - pôs-se a pensar lá consigo. - "Emília dorme como um anjo. E quem sabe se Emília não é de fato um anjo do céu que anda pelo mundo disfarçado em gentinha?" - e examinou-lhe as costas para ver se não havia algum sinal de toco de asa.

Havia, sim, duas leves saliências com muito jeito de serem tocos de asas - e a Rã ficou na dúvida. Seria realmente um anjo disfarçado em gentinha"?

A Rã adorava a Emília. Sabia de cor todas as travessuras da Emília, todas as "piadas" da Emília, todas as asneirinhas da Emília, todas as mas criações da Emília, e agora considerava-se a menina mais feliz do mundo, porque entre todas as meninas do mundo só ela estava tendo o privilégio de ver a maravilha das maravilhas que era o soninho da Emília.

- Ah, quando as outras souberem! Quando souberem que eu estive aqui, falando com ela, brincando com ela, deitada na caminha dela, vendo-a dormir e sorrir...

Algum sonho lindo devia andar reinando na cabeça da Emília, a avaliar pelo sorriso de enlevo que animava o seu rostinho moreno - moreno claro. "Nem isso as outras meninas sabem", pensou consigo a Rã, "que a Emília é moreninha cor de jambo. Nem sabem que tem cabelos castanhos - castanho escuro", e aproveitou-se da ocasião para arrancar um daqueles fios, o que fez Emília trocar o sorriso do sonho por uma caretinha. A Rã enrolou o fio de cabelo, murmurando mentalmente; "Vou guardá-lo no meu exemplar das REINAÇÕES. Fica sendo o meu marcador de página."

Longo tempo ficou a Rã a admirar aquela prodigiosa criaturinha que nasceu boneca de pano das mais ordinárias e foi evoluindo até tornar-se o que já era. E um pensamento lhe acudiu; "E se ela continua a evoluir e vira anjo de verdade, dos de asas, e foge para o céu? Qu se vira fada, como aquela fada Sininho do Peter Pan?" E a imaginação da Rã começou a cabriolar que nem cabritinho novo até que o primeiro "ah, ah, ah!" do sono veio, e depois veio um segundo - e afinal dormiu também.
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continua...

Guilherme de Azevedo (Alma Nova) XI

foi mantida a grafia original.
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NOS CAMPOS

A fragrância do trevo e das flores selvagens
Da noite embalsamava as tépidas bafagens:
Ao longe os astros bons olhavam-nos dos céus.
O mundo era um altar; as serras grandes aras;
E os cânticos da paz corriam nas searas
Em honra do bom Deus.

No solene silêncio imersa ia minha alma
Em tranquila mudez; naquela doce calma
Que sente germinar os frescos vegetais.
De súbito uma voz deixou-me um pouco extático:
Detive-me um momento; olhei: — era o viático!


De noite a horas tais,
Que andava Deus fazendo, assim, pela campina,
Trazido pela mão dum padre sem batina
Roubado às sensações dum longo ressonar?
Fui seguindo o cortejo até que numa choça
O Rei dos reis entrava: o padre, com voz grossa,
Movia-se a rezar.

Nos restos duma enxerga, ali, no vil casebre,
Um pobre cavador, mordido pela febre,
Torcia as grossas mãos nas ânsias do estertor;
E os filhos seminus sentindo a pena ignota
Tentavam-se esconder na velha saia rota
Da mãe louca de dor!

A voz do sacerdote a custo ressoava.
A palavra de amor que ali se precisava,
Não posso dizer bem se acaso ele a soltou.
Falava o Deus severo e forte dos castigos,
Ou esse bom Jesus que aos pés dalguns mendigos
Um dia ajoelhou?

Do padre tinham medo os trémulos pequenos.
Os magros cães fiéis erguendo-se dos fenos
Latiam tristemente em volta do casal:
E o levita lançava àquela noite escura
A bênção derradeira, erguendo a mão segura,
Num gesto maquinal!

Depois transpondo, à pressa, a porta da cabana,
Saía sem deixar da sã verdade humana
O bálsamo suave, o dom consolador!
Oh, decerto o Jesus de que nos falam tanto
Não era o que deixava ali, naquele canto
Sozinha a mesma dor!

Sorria Deus, no entanto, em toda a natureza!
Nas florestas, no vaia, nas serras, na devesa,
Nas moitas dos rosais, no movediço mar!
O constelado azul dir-se-ia um santuário!
Havia aquele albergue apenas solitário,
E frio o pobre lar!

E o rude agonizante, o triste moribundo
Que em breve ia partir; abandonar o mundo;
Os seus deixando sós, na terra, sem ninguém,
Talvez ao pressentir o fim da insana lida
Soltasse maldições, ainda, contra a vida
E contra nós também!

E eu lembrei-me então daqueles bons valentes
Que lutam todo o dia e vão morrer contentes
À noite, ao pé dos seus, depondo os vãos lauréis;
E daqueles, também, de frontes requeimadas
Que pela causa santa, em pé, nas barricadas,
Se batem contra os reis!

Lembraram-me os heróis, serenos, bons, austeros,
Que sagram toda a vida aos ideais severos
Da justiça e do bem; caindo com valor,
Sem que a dextra cruel dos déspotas os dome
Nas batalhas da ideia; opressos pela fome,
Varados pela dor!

Ó pobres multidões! As grandes noites frias
Não cessam de morder, famintas e sombrias,
Num banquete nefando os Vossos corpos nus!
E o lírio da justiça, a grande flor sagrada,
Nem sempre mostra, em vós, aberta e desdobrada,
As pétalas de luz!

Eu quando porém lanço as vistas ao futuro
E vejo dia a dia a despontar mais puro
O grande sol da ideia, em rúbidos clarões,
Recordo-me que sois a produtiva leiva
Aonde já circula uma opulenta seiva,
De grandes criações!

Folclore dos Estados Unidos (Ne Hwas, a sereia)

Há muito tempo atrás, havia um índio, com sua esposa e duas filhas. Eles viviam perto de um grande lago, ou no mar e a mãe avisou às meninas para nunca ir para a água, pois se assim o fizessem  algo que aconteceria com elas.

Elas, no entanto, enganavam a mãe repetidamente. Quando nadar é proibido torna-se ainda mais agradável. A beira do lago acabava em uma ilha. Um dia elas nadaram até lá, deixando suas roupas na praia. Os pais as perderam.

O pai tentou encontrá-las. Ele as viu nadando ao longe e chamou por elas. As meninas nadaram até a areia, mas não foram longe. Seu pai perguntou-lhes porque não podiam. Elas gritaram que tinha ficado tão pesadas que era impossível. Elas estavam muito viscosas, e tinham virado serpentes cintura para baixo. Após mergulhar algumas vezes neste lodo estranho elas se tornaram muito bonitas, com longos cabelos e olhos negros e luminosos, com faixas de prata em seu pescoço e braços.

Quando o pai foi buscar as suas roupas, elas começaram a cantar em tons mais maravilhosos:

“Deixe-as lá
Não lhes toque
Deixe-as lá! “

Ouvindo isso, sua mãe começou a chorar, mas as meninas continuaram:

“É tudo culpa nossa,
Mas não nos culpem
Isso não será nada o pior para você.
Quando você estiver na sua canoa,
Então você não precisará de remo
Vamos levá-lo junto!”

E assim foi: quando seus pais foram na canoa, as meninas a levaram para  todo lugar.

Elas as encontraram na água, e as perseguiu para tentou capturá-las, mas elas eram tão escorregadias que era impossível segurá-las, até que um, pegando a sereia pelos longos cabelos negros, conseguiu cortá-lo.

Então a menina começou a balançar a canoa e ameaçou virá-la, a menos que seu cabelo fosse devolvido. O índio que havia ludibriado a sereia a princípio recusou, mas como as sereias ou donzelas serpentes, prometeram que todos eles se afogariam a menos que isso fosse feito eles devolveram e assim sendo, foi desfeito o bloqueio que a impedia de continuar. E no dia seguinte, elas foram ouvidas onde elas tinha sido vistas pela última vez e o cabelo da sereia que havia sido cortado, estava crescendo novamente.

Fontes:
http://www.sacred-texts.com/nam/ne/al/al57.htm
http://www.firstpeople.us/FP-Html-Legends/Ne-Hwas-The-Mermaid-Passamaquoddy.html
Texto em português http://casadecha.wordpress.com

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Varal de Trovas n. 47 – Dáguima Veronica (Santa Juliana/ MG) e Manoel Cavalcante (Pau dos Ferros/RN)

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Stanislaw Ponte Preta (Certas esperanças)

É preciso - é mais do que preciso, é forçoso - dar boas festas, trocar embrulhinhos, querer mais intensamente, oferecer com mais prodigalidade, manter o sorriso e, acima de tudo, esquecer tristezas e saudades.

Façamos um supremo esforço para lembrar e sermos lembrados, porque assim manda a tradição e é difícil esquecer à tradição. Enviemos cartões e telegramas de felicitações àqueles que amamos e também àqueles que - sabemos perfeitamente - não gostam da gente. O Correio, nesta época do ano, finge-se de eficiente e já lá tem prontos impressos para que desejemos coisas boas aos outros, nivelando a todos em nossos augúrios.

Depois de abraçar e ser abraçado, desejar sincera e indiferentemente, embrulhar e desembrulhar presentes, cada um poderá fazer votos a si mesmo, desejar para si o que bem entender. Subindo na escala das idades, este sonhou todo o mês com um trenzinho elétrico, aquele com uma bicicleta (com farol e tudo), o outro certa moça, mais além um quarto sonhador esteve a remoer a idéia de ser ministro e o rico... bem, o rico só pensa em ser mais rico. O rico detesta amistosamente os ministros, já não tem olhos para a graça da moça, pernas para pedalar uma bicicleta e, muito menos, tempo para brincar com um trenzinho.

Dos planos de cada um, pouquíssimos serão transformados em realidade. Alguns hão de abandoná-los por desleixo e a maioria, mal o ano de 56 começar, não pensará mais nele, por pura desesperança. O melhor, portanto, é não fazer planos. Desejar somente, posto que isso sim, é humano e acalentador.

De minha parte estou disposto a esquecer todas as passadas amarguras, tudo que o destino me arranjou de ruim neste ano que finda. Ficarei somente com as lembranças do que me foi grato e me foi bom.

No mais, desejarei ficar como estou porque, se não é o que há de melhor, também não é tão ruim assim e, tudo somado, ficaram gratas alegrias. Que Deus me proporcione as coisas que sempre me foram gratas e que - Ele sabe - não chegam a fazer de mim um ambicioso.

Que não me falte aquele almoço honesto dos sábados (único almoço comível na semana), com aquele feijão que só a negra Almira sabe fazer; que não me falte o arroz e a cerveja - é muito importante a cerveja, meu Deus! -, como é importante manter em dia o ordenado da Almira.

Se não me for dado comparecer às grandes noites de gala, que fazer? Resta-me o melhor, afinal, que é esticar de vez em quando por aí, transformando em festa uma noite que poderia ser de sono.

E para os pequenos gostos pessoais, que me reste sensibilidade bastante para entretê-las. Ai de mim se começo a não achar mais graça nos pequenos gostos pessoais. Que o perfume do sabonete, no banho matinal, seja sempre violeta; que haja um cigarro forte para depois do café; uma camisa limpa para vestir; um terno que pode não ser novo, mas que também não esteja amarrotado. Uma vez ou outra, acredito que não me fará mal um filme da Lollobrigida, nem um uísque com gelo ou - digamos - uma valsa.

Nada de coisas impossíveis para que a vida possa ser mais bem vivida. Apenas uma praia para janeiro, uma fantasia para fevereiro, um conhaque para junho, um livro para agosto e as mesmas vontades para dezembro.

No mais, continuarei a manter certas esperanças inconfessáveis porém passíveis - e quanto - de acontecerem.

Rafael Galiza de Azevedo (Poesias Avulsas)

Minha inspiração

Mesmo que o mar continue a grande valsa de suas ondas
Mesmo que o sol continue a sorrir com a intensidade de sua luz
Mesmo que o céu continue a cobrir e descobrir nossos destinos
Ainda assim continuarei soletrando meu amor, contigo em meu peito
Mesmo que as estrelas sigam seu perfeito brilho pelo universo
Mesmo que a lua siga penetrando a alma de todos os amantes
Mesmo que os cometas ainda sigam seus rastros pelas galáxias
Ainda assim seguirei lembrando teus olhos ao escrever meus sonhos
Mesmo que as florestas permaneçam a ocultar seus mistérios
Mesmo que as plantas permaneçam a esconder seus segredos
Mesmo que as flores permaneçam a espalhar sua beleza pelo mundo
Ainda assim permanecerei cantando a alegria de teu sorriso.
Mesmo que o mundo venha a viver o pico das inspirações de poetas e romancistas
Ainda assim será de ti que virão minhas mais expressivas palavras.
===================

Quero ser mais
Quero mais, ser mais, muito mais.
Mais que as mãos que acariciam seus pêlos,
Que desenham teu corpo

Que aquecem teu desejo
Que calam teu silêncio
Que despertam seu prazer.
Quero mais, ser mais, muito mais.
Mais que estes lábios que te beijam
Que suam em tua presença
Que sugam o sedoso tecido de tua pele
Que percorrem o sabor doce e arrebatado de teu ser
Que penetram seus sentidos mais íntimos.
Quero mais, ser mais, muito mais.
Mais que os olhos que a ti penetram
Que se segam no desejo que me aflige
Que te buscam a cada segundo de tua ausência
Que te encontram no cair da noite, no erguer de um novo dia.
Quero mais, ser mais, muito mais.
Mais que posso ser, mais que imaginei, mais que um dia sonhei ser,
mais que poderia alcançar.
Quero mais, ser mais, muito mais.
Mais que o destino permite, mais que nele esteja escrito, para que
possa ser um pouco do tudo que mereces.
======================

Rio... meu paraíso

Rio que encanta no correr de seu leito
De passarelas de praias
De um dourado nativo
Inesgotável em sua beleza
Janeiro casa do calor, da cor
De uma cidade país abrigada pelo atlântico
Banhada pelos mares da beleza
Pelo sorriso da morena
Ah se eu pudesse...
Me banharia nas peles douradas deste mar
Me sufocaria nas ondas deste paraíso de mulheres
Me afogaria na vida de simplesmente ser...
...Carioca!
=============================

Se um dia

Se o mundo não mais se abrir
Se a vida deixar de sorrir
Se a felicidade não mais estiver presente
Lembre-se que jamais estarei ausente.

Se um dia o soberano mundo te excluir
Se um dia a bela vida se extinguir
Se em algum momento se sentires sós
Lembre-se que jamais serás tu e sempre seremos nós.
Se a cada passo sentires o caminhar contrário
Se a cada mergulho sentires a correnteza te levar
Se a cada vôo sentires o vento a te desviar
Lembre-se que onde quer que estejas, eu estarei lá.
Lembre-se simplesmente,
que o que nos une é algo maior que a própria existência,
e que essa se eliminará se um dia vier a nos separar.
=====================
Talvez

Não sei dizer
Talvez um dia
Talvez nunca saiba
Talvez a vida diga
Talvez o coração conte
Talvez seja sempre talvez
Talvez o mundo te mostre
Talvez ele mesmo te esconda
Talvez ele fale, talvez se cale
Talvez o céu traduza
Talvez o mar sussurre
Talvez a terra faça brotar
Um simples dizer
Que diga
Que fale
Que sinta
Que expresse
Que mostre...
...que eu te amo.
===================
Te busquei

Por quanto tempo te procurei
Sem sequer saber que te buscava
Sem sequer saber quem eras tu
Sem saber do tempo
Sem saber do lugar
Te amava sem saber
Te desejava e não sabia
Admirava e não sabia quem
Me orgulhava e não sabia de que
Me perdia e não te encontrava
Me achava mas não a ti
Longe deste amor vivi
Longe dele me escondi da vida
Longe dele me senti vazio
Me senti sozinho
Me senti como que um
Quando queria que fôssemos dois
Me senti limitado
Quando queria ser eterno
Me senti louco e insano pelo que sentia
Mas um dia te encontrei:
Percebi que te buscava
Percebi que te encontrara
Percebi que não era insano
Apenas apaixonado
Percebi que meus limites se eternizavam
Percebi que existia sim uma vida
Percebi que nunca estive vazio
Pois buscava um sonho
Percebi que sempre fomos dois
E nunca estive só
Me encontrei em ti

E em meus braços te alcancei
Pude me ver em teu olhar
Pude me sentir em teu sorriso
POR ISSO AMOR, TE AMO!

Fonte:

Ciranda da Primavera (Seleção por Simone Borba Pinheiro) Parte 7

ÓGUI LOURENÇO MAURI
Minha Catanduva Florida!

As flores chegam à "Cidade-Feitiço"...
Até que, enfim, termina a longa espera!
Setembro agoniza, já é Primavera
Com seus novos ares que não desperdiço.

Que linda, minha Catanduva florida!
Fascinam-me os matizes de seus ipês,
Uma pictorial paisagem que Deus fez
Em todo o traçado da longa avenida.

Catanduva se refaz na Primavera...
Cada ângulo é um cartão-postal,
A cidade é uma pintura natural,
Seu colorido ganha a ionosfera.

A brisa que respiro na Primavera
Coloca-me na fronteira do delírio;
Nos jardins, suas flores são um colírio
Saído de onde a Natureza impera

Reina de novo a "Estação das Flores!
Valeu aguardar... É a felicidade!
Novos fluídos envolvem a cidade;
Nos romances, beijos com outros sabores!
===================

REGINA BERTOCCELLI
O Sol da Primavera


Chegou radiante e esplendoroso
nesta manhã primaveril
Iluminando com seus raios de luz,
aquece a terra molhada
pelo sereno da madrugada
Flores desabrocham na cumplicidade
do dia, enfeitando nosso caminho,
perfumando nossa vida
Traz o sol da primavera calor e cor
aos corações apaixonados
Infinitas são as mãos que se entrelaçam,
caminhando felizes pelas alamedas,
pelos parques floridos
Ao entardecer, somos presenteados
com um deslumbrante espetáculo
de luzes e matizes variadas
Amanhã ele ressurgirá intenso,
majestoso, brilhante...
E nos brindará novamente com
sua luz e calor, neste fantástico
ciclo da mãe Natureza
============================

RENATE EMANUELE
É Primavera


O céu que amanhece tão rosa
O sol que esquenta nosso solo
A vida torna-se mais prazerosa
É a natureza que nos põe no colo

São as gotas de orvalho nas flores
Cheiro bom da grama verde molhada
A alegria pintada em todas as cores
Doce som no gorgeio da passarinhada

Vida renovada em cada coração
Na esperança dos dias mais felizes
O amor presente em cada canção
O cenário em todos seus matizes

A vida tem um especial sabor
Um novo começo uma nova era
De todo ramo nasce uma nova flor
E chega com ela a primavera
==================================

ROSENNA
Sedienta de flores


Te esperé,
sedienta de flores...
de esos aromas tibios...
mezcla de azahares, miel y canela.
Quiero navegar...
entre lirios!..
ver inundado el espacio de colores...
...de mariposas el cielo...
quiero beberme el aire que huela
a hierba recién cortada...
miles de golondrinas en vuelo
alegres en bandada...
ver los naranjos en flor,
en suave brisa adormecerme...
y sentir del sol el calor.
Quiero que todo florezca...
también... el amor,
que se palpe en el aire...
...que se sienta...
que la primavera llegó !..
=========================

SCHYRLEI PINHEIRO
Bem Vinda Primavera


Sonhando, desperta a sensibilidade
ao lado do amor.
Juntos, caminham pelas alamedas da vida,
deixando no ar o perfume colhido
nas lágrimas doces do tempo,
que secaram no calor do vento.
São sementes de carinho,
plantadas no coração da humanidade,
que irão reflorestar o vasto deserto
das estações vencidas.
Onde havia solidão,
renasce a esperança.
Tudo é festa, e a alegria canta o verbo amar;
o mundo amanheceu encantado,
a magia está presente e o futuro nos sorri.
Que felicidade!
Bem vinda, Primavera.
====================================

SUELI DO ESPÍRITO SANTO
É Festa...É Primavera


Todos jardins estão em festa
e a passarada faz um seresta
para a primavera que acorda
na manhã de um sol brilhante
com um sorriso no semblante
pela beleza que se transborda

É a primavera que é toda cores
espalhando-se com tantas flores
cada qual com o seu deslumbre
já desabrochadas... tão formosas
surgindo lindas, todas cheirosas
dando-nos o mais belo vislumbre
==============================

TERE PENHABE
Soneto à Primavera


Abrem-se as flores, no caramanchão!
Passarinhos festejam seus floridos ninhos
vem a Primavera, faz bem ao coração
a paixão repousa, afagada por carinhos.

Cantam os poetas, a magia do florir
nas verdes avencas, espalha-se a fé
e a esperança, põe o medo pra dormir.
É Primavera! Encante-se quem puder!

A borboleta azul, quiçá envelhecida
insiste no seu vôo, pousando na janela
trazendo novo sonho, para se crer ainda.

Quem ousa um sorriso, sua tristeza finda
é prenda preciosa, em toda Primavera
reduto colorido, que torna a terra linda!

Fonte:
Seleção por Simone Borba Pinheiro. in http://www.familiaborbapinheiro.com

Monteiro Lobato (A Reforma da Natureza) Capítulo 6: Reformas na Europa e nas pulgas

Depois falaram da viagem de Dona Benta à Europa. A Rã acliou que ela não conseguiria nada porque os homens são errados de nascença. Emília discordou.

- Eu conheço as idéias de "vovó" - disse ela. - A primeira coisa que vai fazer na Conferência é transformar o mundo numa Confederação Universal. Todos os países ficarão fazendo parte dessa confederação, como os Estados dos Estados Unidos. E vai acabar com os exércitos e as marinhas, com os canhões e as metralhadoras.

A Rã, que entendia um pouco de política, achou que as grandes nações eram muito orgulhosas para se sujeitarem a ser simples Estados dum grande Estados Unidos.

- Pois se não se sujeitarem, pior para elas - declarou Emília. - Dona Benta acha que os homens devem formar no mundo uma coisa assim como as formigas. Elas são de muitas raças, ruivas, pretas, saúvas, sará-sarás, quenquéns, etc. mas vivem perfeitamente lado a lado umas das outras, sem se guerrearem, sem se destruírem. Se as formigas conseguem isso, porque os homens não conseguirão o mesmo - Mas acha que os grandes de lá - os reis, os ditadores, os homens importantes - vão seguir os conselhos de Dona Benta e tia Nastácia?

- E que remédio? - respondeu Emília. - Enquanto eles se guiaram pelas suas próprias cabeças só saiu piolho: desgraças e mais desgraças, destruições sem fim. Eles devem estar convencidos de que, apesar de toda a importância, não passam duns tremendos pedaços de asnos.

A Rã concordou.

À noite, quando foram dormir, ficaram as duas na mesma cama conversando até tarde da noite. O assunto era sempre o mesmo: reformas e mais reformas. Em certo momento uma pulga mordeu Emília. Ela acendeu a luz e pôs-se a caçá-la na brancura do lençol. Pegou-a, afinal. Enrolou-a bem enrolada entre os dedos e largou-a "para ver." E o que viu foi a pulga reviver e escapar aos pulos.

Emília danou.

- É sempre o que me acontece! Esfrego, enrolo as pulgas e elas se desesfregam, se desenrolam e saem pulando.

Tenho também de reformar as pulgas.

- Como?

- Poderei fazê-las molinhas como qualquer mosca. Já reparou que, para o tamanho que têm, as pulgas são a coisa mais rija que existe no mundo? Mais rijas que borracha... E também vou mudar a velocidade do pulo das pulgas. Paço pulos em câmara lenta, de modo que a gente possa pegá-las no ar com a maior facilidade, como se estivéssemos colhendo uma bolotinha.

A Rã lembrou um "melhoramento" ainda melhor.

- E se cortássemos o pulo das pulgas pelo meio? - disse ela.

Emília não entendeu.

- Cortar, como?

- A pulga pula. Quando chega no ponto mais alto do pulo, pára. Fica paradinha no ar, como um ponto final. E a gente, sossegadamente, a pega e a estala entre as unhas. Gosto muito de ouvir o estalinho das pulgas. É o único inseto que tem essa habilidade.

- As baratas também sabem estalar - lembrou Emília.

- Cada vez que Narizinho pisa numa, ela estala. É a linguagem das pulgas e das baratas. E também dos chicotes.

Pedrinho tem um chicote que é mestre em estalos.
––––––––––––––––
continua…

Guilherme de Azevedo (Alma Nova) X

foi mantida a grafia original.
==============================

À NOITE
Eu gosto de velar a percorrer os mundos
Ó noite dos bons cânticos,
Aos lívidos clarões dos astros vagabundos
Nos êxtases românticos,

Enquanto a vil cidade, a cortesã devassa
Dos falsos ouropéis,
Com seus famintos cães, a sua lua baça
E os seus negros bordéis,

Ressona torpemente aos beijos deletérios
Dalguns velhos amantes;
— os longos hospitais e os tristes cemitérios
Que a afagam delirantes!

Contudo eu também sei que existe muito instante
De gelos, em que tu,
Feroz, cravas o dente agudo e penetrante
No pobre seio nu!

Que há horas em que vens, nas húmidas cidades,
Nas choças, nos esgotos,
Cuspir cinicamente as frias tempestades
No seio vil dos rotos,

Sem ter pena, sequer, da pobre mãe que passa
Um dia sem ter pão,
Nem dessa esfarrapada e velha populaça
Que rosna como um cão!...

Mas em breve deixando as tenebrosas vestes,
O manto dos horrores,
E o gládio vingador das cóleras celestes
Ó noite dos amores,

Retomas o tom puro e santo do mistério
Da pálida mulher
Que vai colher, cismando, um lírio ao cemitério
E ao campo um malmequer!

Em horas de tormenta és a mulher colérica!
Até cospes na cruz!
E formam-te espirais na coma atmosférica
As víboras de luz!

Porém no teu regaço, altivo, casto, enorme,
Em doce e plena paz,
É que a virtude sonha e que a desgraça dorme
Depois das horas más,

E em lúcidos cristais há cintilantes vinhos;
Os casos mais galantes;
As lânguidas canções; os belos desalinhos
E os gestos provocantes!

Ó filha do silêncio! Aos puros alabastros
Dos ombros ideais,
Se Deus arremessasse a quantidade de astros
Que em ti brilham a mais,

As pálidas visões que passam doloridas,
E um tanto contristadas,
Haviam de surgir de estrelas revestidas
Em trajos de alvoradas!

Em ti cuida escutar uns sons inexprimíveis
De lânguidas canções,
O pobre sonhador de coisas impossíveis
Que adora as solidões!

E quando o resplendor de mundos luminosos
Na tua fronte cinges,
Os gatos sensuais, elétricos, nervosos
Repousam como esfinges;

Enquanto as combustões dos lívidos cometas,
Errantes e fatais,
Consomem lentamente as grandes borboletas
Dos nossos ideais!

A VALA

Trazei mortos à vala; a hidra está com fome
E deve ser-lhe longa a hora em que não come!
Olhai como ela mostra àqueles que a vão ver,
Inerte, sem pudor, de fauce escancarada,
A amargura cruel da boca desdentada
Que pede de comer!

Lançai ao monstro informe algum repasto novo!
Trazei-lhe carne humana; arremessai-lhe o povo,
Transido pelo frio ou morto pelo sol!
E visto haver na fera abismos insondáveis
Mandai-lhe as legiões dos grandes miseráveis
Que morrem sem lençol!
Eu quero vê-la farta, a lúgubre pantera,
Que, na sombra agachada, olhando em roda, espera
A presa que lhe inveja a gula dos chacais.
Começa a ouvir-se ao longe a marcha vagarosa
Da triste procissão cruel e dolorosa
Que vem dos hospitais.

Um velho esquife chega: em duas tábuas toscas
Um pobre seminu coberto já de moscas,
Num riso deixa ver não sei que tons cruéis!
Enquanto nos sorria a luz das noites belas,
Talvez que ele varresse a lama das vielas
E o lixo dos bordéis!

E pôde, enfim, dormir no seio bom da morte!
Após, como se fora a lívida consorte
Daquele vil despojo, às mesmas horas vem,
Trazendo por sudário os seus vestidos rotos,
Uma triste mulher caída nos esgotos
Sem bênçãos de ninguém!

Devora-os ambos fera! Engole-os juntamente:
Reúne-os em consórcio e dá-os de presente
À larva que partilha as ânsias do teu ser!
Aguça o teu desejo! — A garra infecta lança
Ao corpo tenro e nu duma gentil criança
Que a mãe te vem trazer!

Redobra de apetite! Alonga-se a teu lado
A fila tenebrosa! O espectro do soldado
A par do que vergou cansado de cavar:
E o mineiro sem luz, o mártir legendário;
E amparando-se a custo ao velho proletário
A flor do lupanar!

Mastiga a turba vil e alonga essa goela!
Bem vês que vem chegando um corpo de donzela
Que pela candidez recorda uma vestal!
Voou-lhe, num sorriso, o derradeiro arranco
E traz viçoso ainda um grande lírio branco
No seio virginal!

O monstro sensual na sombra tripudia!
Celebra no silêncio a tenebrosa orgia,
Que as Deusas vêm chegando ao lúbrico festim!
Num beijo os lábios cola à frígida epiderme
E o D. Juan da morte, o cavalheiro Verme,
Que viva e goze enfim!

Eu quero ver-te farta, em hálitos profundos,
Dormindo o sono vil dos animais imundos,
De ventre para o ar, serpente infecta e má!
E amanhã, na estação dos cândidos amores,
Veremos rebentar num tapete de flores
O lixo que em ti há!

E a santa mocidade; as lânguidas mulheres,
Virão depois colher os gratos malmequeres,
Pisando-te sem medo e cheias de desdém,
Em danças sensuais; o fato em desalinho;
Compondo-te canções; regando-te de vinho;
Sem pena de ninguém!

E tu que és monstruosa, infame, vil, medonha;
Que não mostras pudor; que não sentes vergonha;
Que és a campa-monturo e não podes ser mais;
Cingida enfim, também, de rosas orvalhadas,
Terás dado um perfume às almas namoradas,
E pasto aos animais!

Ó vultos ideais, fantásticos e belos,
Que às vezes revoais nas salas deslumbrantes,
Num grande mar de tule, etéreas, flutuantes,
Aos suspiros fatais dos meigos violoncelos;

Que bom que era sonhar nos pálidos castelos,
À noite, à beira-mar, nas solidões distantes,
Nos tempos em que a flor dos tímidos amantes
À lua confiava os íntimos anelos! ...

Agora sois gentis, dispépticas, vistosas;
Pagais por alto preço as esquisitas rosas;
Nos rápidos wagons correis o mundo em roda;
Mas prostradas do baile, amarrotando a luva,
Enquanto cai na rua a sonolenta chuva,
Cismais no Deus-Milhão — no Criador da moda!

Eu vejo em tua boca as pétalas vermelhas
Duma rosa de Logo aonde vão libar
O mel das ilusões, quais tímidas abelhas,
Uns velhos ideais que em vão tento expulsar.

Dizer-me podes tu de que óvulo espontâneo,
Tocado pelo sol, em mim pôde nascer
Este bando cruel que dentro do meu crânio
Não faz há muito já senão roer, roer?!

Às vezes voa ao largo; às serras, às campinas;
Remonta aos astros bons; torna a descer dos céus;
E volta a demolir as trémulas ruínas
Do templo onde crepita a luz dos dias meus!

Ó grande flor suave! E nisto se resume
A constante batalha, o sempiterno afã!
Aspira a minha essência ao teu grato perfume;
Soçobra o dia de hoje ao dia de amanhã!

Oh, volvamos à terra; aos plácidos lugares,
Aonde os himeneus fecundos e reais
Produzem, dia a dia, os fetos singulares
E as sãs vegetações dos cândidos rosais!

E o que há de etéreo em nós, que siga as breves fases
Dum fluido transitório, erguendo-se nos céus,
Nas grandes expansões dos fugitivos gases
Onde em línguas de fogo às vezes fala Deus.

Forçoso é separar os dois rivais antigos,
Na batalha cruel que em nós se reproduz.
Sorria o que é da terra aos vegetais amigos;
Rebrilhe o que é do céu nas refrações da luz!

Folclore dos Estados Unidos (Wendigo, O Espírito Canibal)

Parte da mitologia algonquina, principalmente das tribos Cree e Ojibua, o wendigo tem muitas aparências segundo as lendas, tanto pode ser um tipo de pé-grande canibal, com longos dentes e um silvo perturbador que pode ser ouvida à distância, quanto pode ser um esqueleto ambulante, com pele cinza, olhos fundos de cadáver, e que às vezes só pode ser visto de lado, porque de frente ele aparenta ser apenas uma linha fina. Outro aspecto é sua fome incontrolável, quanto mais se alimento mais tem fome… Pode comer dezenas, centenas mas sempre terá fome… Por isso o wendigo é símbolo de ganância e insaciedade. Outra característica é seu odor. Quando um wendigo está perto se sente um odor de podridão sem igual, como se carcaças estivessem ao seu redor.

No conto de Algernon Blackwood, o wendigo aparentemente toma conto do corpo do guia, e o faz desaparecer na mata. Contemporâneo de Lovercraft, ele cria um clima de imenso terror onde não se descobre se tudo é real ou alucinação coletiva… O guia começa a ouvir uma voz sibilante e cavernosa o chamando, sente um cheiro ruim e estranho e desaparece na mata. O conto descreve o que se chama “febre das matas”, quando tudo aquilo (silêncio, mata, solidão) engloba o homem de tal maneira que ele corre para a floresta de onde não mais retorna, vítima da febre.

    Outro aspecto é sua fome incontrolável, quanto mais se alimento mais tem fome… Pode comer dezenas, centenas mas sempre terá fome… Por isso o wendigo é símbolo de ganância e insaciedade. Outra característica é seu odor. Quando um wendigo está perto se sente um odor de podridão sem igual, como se carcaças estivessem ao seu redor.

Parece ser o que acontece como guia, mas depois de muito procurar, o restante do grupo, senta ao redor da fogueira e ouve um som vindo do alto das árvores… Chamado por um deles, uma coisa cai no acampamento. É o guia, mas totalmente transfigurado… Pele pendurada no corpo, olhar feroz e alucinando, olhos esbugalhados, voz vinda das profundezas….O wendigo dele se apoderou.

O mito do wendigo está relacionado à prática do canibalismo. Muitas vezes, devido a fome e frio, principalmente durante o inverno, alguém recorria ao canibalismo para sobreviver. Fazendo isso, ele seria possuído pelo espírito do wendigo e se tornaria um.

Então tanto existe o wendigo enquanto criatura, peluda ou não, como também existe a possessão do espírito demoníaco do wendigo.

Em algumas lendas desse povo, alguém também pode se tornar um wendigo se necessário para proteger seu povo ou lar de algum perigo. A pessoa se torna um gigante e depois de passado o perigo ele pode retornar à forma humana ou se embrenhar no mato para nunca mais aparecer.

    Chamado por um deles, uma coisa cai no acampamento. É o guia, mas totalmente transfigurado… Pele pendurada no corpo, olhar feroz e alucinando, olhos esbugalhados, voz vinda das profundezas….O wendigo dele se apoderou.

Em um conto lido por mim, também podem se apresentar wendigos bons e maus… Como no caso do casal que vivia com o filho e foi visitado pelo wendigo. Ele nada fez ao casal, apenas ficou se servindo da caça trazida pelo homem e foi embora dando de presente um arco e flechas mágicos…. Porém tempos depois, a mulher estava sozinha e vendo outro wendigo se aproximando, não teve medo. Este ao chegar perto se mostra hostil e ela é morta quando tenta fugir.

    (…)O próprio índio reconheceu os sintomas e admitiu que iria se tornar o monstro, pedindo que alguém o matasse antes disso… Então deixaram o irmão dele para a tarefa, ficando por perto para ajudá-lo se necessário. Ele acertou o coração do “wendigo”, mas não houve sangue(…)

Também na literatura encontramos a “psicose do wendigo”, quando mesmo com comida à disposição, a pessoa come carne humana. Um dos casos mais famosos é o de Swift Runner, um caçador de Alberta, que comeu sua mulher e cinco filhos, mesmo a uma distância relativamente curta do posto de abastecimento. Ele foi julgado e condenado em Fort Saskatchewan.

Outro caso famoso é do chefe Cree e xamã Jack Fiddler, que entre seu povo era respeitado por localizar e exorcizar wendigos, matando alguns índios no processo. Ele e seu irmão foram julgados culpados por um tribunal, mas ele até o fim insistiu que estava livrando o povo de um mal maior e que poderia se espalhar se nada fosse feito.

Porém, para essas tribos é aceitável matar um wendigo. Casos foram julgados em que índios eram réus por esse motivo. Como Machekequonabe, uma índia que matou o seu pai adotivo, que estava possuído pelo espírito do wendigo.

Em outro caso índios Cree observaram que um membro do grupo estava se tornando um wendigo. O próprio índio reconheceu os sintomas e admitiu que iria se tornar o monstro, pedindo que alguém o matasse antes disso… Então deixaram o irmão dele para a tarefa, ficando por perto para ajudá-lo se necessário. Ele acertou o coração do “wendigo”, mas não houve sangue, então os outros vieram e acertaram o moribundo com pedaços de pau e queimaram o corpo em uma estaca. Para matar o wendigo é designado sempre um parente, assim se evita que a família queira vingança contra o carrasco.

Também um índio de nome Abisahibs matou uma família inteira em Yor Factory. Ele foi posto a ferros por um comerciante de Hudson´Bay. Ele foi solto porque gerou uma comoção entre os índios do local, que temiam caçar com ele por perto, mesmo preso. Mas mesmo solto ele não deixou o local e foi preso novamente, talvez pela própria segurança. Então os índios Cree resolveram fazer sua própria justiça, tiraram ele da prisão, o mataram com um machado e queimaram o corpo para que o espírito não os assombrassem.

O wendigo é contado em lendas e documentos oficiais. Espírito da floresta ou simplesmente faminto por carne humana, ele não mais assombra como antes. Porém, nos primórdios da colonização quando a floresta ainda “chamava” pelos incautos penso como seria estar só naquela imensidão solitária ouvindo os ruídos da mata sem saber exatamente o que seriam….

Só, naquele local o homem deveria ser possuído por algum mal ancestral que o faria novamente ser o caçador bestial de outras épocas, predando até mesmo a seus semelhantes.

Esse é chamado demoníaco do wendigo, o espírito canibal.

Fontes:
http://books.google.com.br/books?id=MJTuqyabJTgC&pg=PA75&dq=wendigo&as_brr=0#v=onepage&q=wendigo&f=false
Texto em português http://casadecha.wordpress.com
Imagem: http://www.shipoffools.wikia.com

Vocabulário de termos e expressões regionais e populares do Centro Oeste (Mato Grosso e Goiás) Frases e Locuções

A BESTUNTO — Comprar "a bestunto": sem reflexão.

A SECO — Contratar um trabalhador "a seco": sem fornecimento de comida.

ARREAR UM BEZERRO — Amarrá-lo à perna da vaca, para se fazer a ordenha.

CANTA BOM, EM VEZ DE CANTAR BEM — O galo canta bom.

CAPAZ — "É capaz que": é possível, é provável. E’ capaz que isso aconteça…"

CARREIRA — Fazer carreira; fazer favor.

CHEGUEI "DE CHORAR" — Cheguei a chorar… acabar de chorar. Também: "chegar de fazer alguma coisa", isto é, acabar de fazer…

COMER GAMBÁ ERRADO — O mesmo que "comer gato por lebre".

CORPO, "LAVAR O CORPO" — Tomar banho.

DAR A SOCA — A sobra do fósforo aceso, depois de usado uma ou mais vezes.

DAR FÉ — Perceber: F… nem deu fé do que acontecia…

DE BANDA — De lado.

DÔ…IDO! — Tá dô…ido! Exclamação, muito comum, de admiração, de contradição etc.

EM RIBA, PRA RIBA — Em cima, para cima.

ENFIAR ATRÁS DE ALGUÉM — Seguir-lhe os passos; ir ao encalço.

ESTUMAR O TIU — Atiçar o cachorro. "Estume o tiu, para espantar o gado!

EU SEI QUE NÃO FAÇO! — Resposta irônica, equivalente a: farei o que me aprouver, ou então, sou muito capaz de fazer.

FEIJÃO PAGÃO — Feijão cozido em água, sem sal nem tempero algum.

FICAR INTEIRADO — Ficar ciente. Também, se usa em sentido pejorativo: Fiquei inteirado com o mal procedimento de F…: fiquei conhecendo-o bem.

FORMIGA CABEÇUDA — Saúva.

IR ATRÁS DE ALGUÉM — Ir à procura.

MAIS LOGO — Depois, mais tarde, logo mais.

MAL SERVIDO: FICAR MAL SERVIDO COM ALGUÉM — Mal impressionado, desgostoso.

MEDIR RUA — Passar o tempo a toa, na cidade.

METIDO A SEBO — Diz-se do indivíduo pedante, pretensioso, petulante.

MUITA DÓ — Muito dó. Usa–se dó no feminino; cal e pá (aliás apá) no masculino: o cal, o apá.

NÃO ATA NEM DESATA — Nada adianta, não dá resultado algum; tanto faz como fez; é o mesmo; uma coisa equivalente à outra.

NO SUFRAGANTE — Em flagrante, (corrupt.).’

ÔVO FRITO — Ôvo estrelado.

PEGAR NO ESTRIBO DE ALGUÉM — Ato de bajulação; rastaquerismo.

PORTA-VIANDAS — Carregador de marmitas.

PRA MODE — Para; a fim de; por causa de…

PUXAR FOGO — Expressão acompanhada de movimento do polegar, na direção da boca, indicando bebida: beber cachaça.

RABO DE FORNALHA — Mesa terminal do fogão, destinada a sustentar as sobras de lenha, a arder.

RABO DE TATU — Chicote. Passar o rabo de tatu em alguém, chicoteá-lo.

RABO DOS OLHOS — Soslaio. "Olhar com o rabo dos olhos.

SEM SECA — Sem cerimônias, acessível: pessoa sem seca.

SENTIR UM RUIM — Um mal estar interno.

"SE QUISER, BEM; SE NÃO QUISER, BERÊM" — Isto é, pouco importa que queira ou não.

TANTA DE FRUTA, TANTA DE COISA — Tanta fruta, tanta coisa… Expressão muito em uso na antiga capital.

TODA A VIDA — Sempre assim.

TREM RUIM — Coisa ruim, pessoa ruim. O trem ruim por antonomásia é o capeta (demônio) .

Fonte:
Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Ed. Literat. 1962

sábado, 5 de outubro de 2013

Paulo Mendes Campos (O Despertar da Montanha)

Assim como há quem sofra de insônia, sofro de despertar. Meu sonho é tão nebuloso, tão viscoso, tão atravessado de assombrações e armadilhas, que me custa o indizível ter de me arrastar desse brejo ancestral para as obrigações do mundo urbano. Existe um poema de Henri Michaux que conta o angustioso renascimento do planeta gasoso em que certas pessoas se transformam depois da viagem noturna; dele e meu.

Enquanto pude, filho ou chefe de família, proíbi que me fosse feito qualquer pergunta durante minha primeira hora de vida cada manha.

Você vai hoje cedo para cidade? Uma questão à toa como essa, em vez de me puxar para frete, me empurra de novo para trás, para o pântano primeiro onde se conhece apenas o desconhecimento.

Quer um ovo quente? E eis-me outra vez cadáver que não morreu de todo, um morto ainda emaranhado no pesadelo de ter vivido.

Quando os pequenos foram crescendo (são dois, como no Plebiscito, um menino e uma menina), minha interdição começou a ser desmoralizada. Abro os olhos omissos e, como um cão que estranha o dono, tenho vontade de latir para o universo.

Venho de charnecas nevoentas, venho de violentos desencontros e nada quero. Sou só um pedaço de homem, sem forças para galgar os degraus do dia que se oferece. Já inclinado a regressar para sempre ao meu povoado de fantasmas, de horrores e êxtases selvagens, ouço uma voz a pronunciar palavras incompreensíveis e, decerto, sinistras. Faço um esforço sem direção. Uma faísca sonora articulou a palavra papai, estilhaçando a treva que vedava a face do abismo. Papai era eu. Abro os olhos idiotas e vejo uma carinha que não me é de todo estranha. Depois de sofrida reflexão, admito que pode ser minha filha. Mais terei uma filha? Desisto de saber. Fujo por um túnel, ando, ando, e reapareço do outro lado, onde a mesma carinha me espera com a sua condenação. Papai!

Papai sou o mesmo, digo para tranquilizar-me. Removo destroços, procuro espantar pelo menos o grosso do nevoeiro, agarro-me ao abajur, ao armário, á persiana, ao homem da caverna consegue afinal emitir uma palavra: Hã!

A menina, esperançada, repete a sentença ininteligível:

- Como é que eu distribuo 2.400 litros d'água por três reservatórios, de modo que o primeiro tenha 54 litros mais que o segundo, e este 63 litros mais que o terceiro?

Diante desse enigma repelente é muito melhor voltar á condição de ameba, mas já é tarde: estou grudado a uma zona intermediária, numa desolada terra de ninguém, entre dois mundos absurdos. Abre-se um pouco mais a réstia do entendimento, mas o impasse continua. Com timidez e ressentido orgulho, confesso: Não sei. A carinha não se afasta e compõe outro enigma, como se fosse possível a gente ignorar uma coisa e saber outra, como se os enigmas todos não constituíssem um único e esmagador enigma:

- Uma livraria manda pagar a uma casa editora de Paris uma fatura de 1.500 francos por intermédio de Banco de Londres...

Gemido e desespero. A esfinge continua implacável:

- Eu quero saber qual a quantia necessária, em moeda brasileira, se 30 fracos valem uma libra, e esta, 2 cruzeiros.

Aquela libra a 2 cruzeiros me funde e difunde outra vez :

- Não sei; pergunte á sua mãe que é inglesa.

Fecho os olhos. (Puxa, papai!) Abro os olhos. Reconheço com uma alegria de bicho inferior que a menina impertinente sumiu. Posso regressar aos meus pampas impalpáveis, ás minhas campinas eternas. Mas uma pata de urso me agarra pelos cabelos. Papai. Abra os olhos com relutância e vejo uma cara redonda e resolvida do menino.

- Pai, os músculos formam o que chamamos de carne?

- É claro - respondo sem convicção, só para ficar livre daquela cara de maçã.

- Quais são os símbolos da pátria?

- Que pátria?

- Da nossa pátria, ora bolas.

- Não me lembro de todos.

- Como eram constituídas as bandeiras?

- Mesma coisa de sempre: um pedaço de pano e um pedaço de pau.

- Deixa de ser burro, pai; essa até eu sei: as bandeiras eram constituídas de homens, mulheres, moços, velhos, índios amassados, padres, animais domésticos e bestas de carga.

- Se você sabe, por que está perguntando?

- Queria ver se você é mesmo ignorante.

- Vê se não chateia, Daniel.

Recebo uma patada no ombro e reconheço que perdi o combate: vou nascer de novo. A luz me machuca. Usando de todos os meus pseudópodos, rastejo até o chuveiro. A água faz bem aos animais.

Do outro lado da porta as perguntas também chovem: - Qual é o antônimo de fervor?

- O barulho do chuveiro não me deixa ouvir.

- Que consequências trágicas sofreu o Brasil na segunda Guerra Mundial por não possuir estradas?

- Hein? Depois eu conto.

- Movimento de translação é assim ou assim?

- Não posso ver pela porta, não é, Gabriela?

- Como Pedro Alves Cabral podia saber que tinha chegado na baía Cabrália?

- Engraçadinho!...

- Como era mesmo o nome direito do Caramuru?

- João Ramalho, menina.

- Que João Ramalho, pai?

- Uai, não é não?

- João Ramalho é aquele que ajudou Martim Afonso de Sousa na capitania de São Vicente.

- Ah, isso mesmo: o bacharel de Cananéia.

- Mas eu quero saber é o Caramuru.

- O de Caramuru eu não sei não.

Fonte:
Paulo Mendes Campos. Balé do Pato e outras cronicas. SP: Editora Ática, 2008.

Ciranda da Primavera (Seleção por Simone Borba Pinheiro) Parte 6

Retrato
MARIA ALICE ESTRELLA

-
Das marcas que trago no rosto,
muitas recordam as dores,
outras revelam os risos
de um tempo que se perdeu,
mas deixou o seu retrato
nos riscos e cicatrizes,
que lapidaram minha face
como jóia de saudade,
pedra preciosa de emoções raras,
profundas e sempre vivas.
Afinal, tenho um tesouro
que insiste em refletir
no espelho fiel,
os olhos da menina
que, ainda, brilham
nas memórias de sentir.
===================

Prima Vera
MARIA APARECIDA FELIZOLA


I
Na casa da prima Vera
Há caramanchões de primaveras
Plantadas em plena primavera
II
Todos os anos a prima Vera
poda as primaveras
que na primavera
encanta a casa dela
III
A casa da prima Vera
Fica na viela da Vila
da Ponte velha
VI
È primavera vermelha
È primavera rosa
É primavera laranja
É primavera branca
VII
Enfim um festival de primaveras
Que encanta não só a
Casa da prima Vera
mas toda a viela
da Ponte Velha.
VII
Venham todos à viela
Da Ponte Velha
Apreciar as primaveras
Da casa da prima Vera
Em plena primavera
========================

Noites Criativas da Primavera
MARIA REGINA MOURA RIBEIRO


No verão, minha alma canta...
na primavera, meu coração versos cria...
no outono, meu corpo dança...,
e no inverno, eu me entrego aos sonhos.
Prefiro as noites criativas da primavera...
======================

Primavera I
MARICI BROSS


Estação das flores
É a Primavera que chega
Cheia de vida e cores
É a estação do amor
A estação das cores
Dos sabores.

Viver, amar, desfrutar
Deste belo amanhecer
Cheio de magia e beleza

Ah! Estação do Amor
Estação da vida
Seja bem-vinda!
Traga amor e vida
A este coração cansado.

Traga a beleza de suas cores
A suavidade de suas flores
Traga o amor
Traga a vida a este coração
De muito amor.
=====================

Há de vingar o amor
MARILENA TRUJILLO


Lágrimas brilham em meu olhar,
Dolorosa saudade me invade...
Onde ficou o nosso amor, repleto
De ternura, desejo e cumplicidade?

A primavera chegou, seu perfume
Está no ar. Flores enfeitam a cidade,
Pássaros entoam hinos à natureza...
Namorados se beijam com suavidade.

Plantas se vestem de esperança, rosas
Desabrocham cor de sangue, cor de vida.
Sons, odores, vaga-lumes em plena festa...
Há de vingar o amor, de cicatrizar a ferida...

As nuvens negras, assustadas se foram...
Volto para seus braços, para os seus beijos,
Enfeitiçada pela estação, como uma borboleta
Colorida, esvoaçando, acariciando os arvoredos!
=======================

O Ipê Roxo
MÁRIO OSNY ROSA


Naquela roxa flor
A beleza que ali impera.
Ela o anunciador
Logo vem a bela primavera.

O belo jardim florido
Com olhinhos de boneca.
Seu perfume sentido
No momento nem se peca.

Azaléias e hibisco
Roseira e seus botões.
Ninguém logo resiste
Nessa sua bela floração.

Seu perfume a exalar
Que delicia essa viver.
Contaminando o ar
Na primavera conviver.
===========================

Primavera Esperada
NADIR A D'ONOFRIO


Hoje acordei feliz,
Olhei para o sol e sorri.
Chegou, a mais bela estação primavera!
Flores enfeitando as janelas...

Fragrâncias suaves,
Borboletas e abelhas,
As flores fecundando.
Colibris, como jóias cintilando!

Os pássaros no ritual do amor,
Andorinhas em revoada.
Minha sabiá...mais uma vez,
Seu ninho, sobre a porta da cozinha fez!

É a vida seu ciclo renovando,
Uns partindo, outros chegando.
Eu...nesse jardim à esperar,
Assim, nosso antigo caso recomeçar...

Eu quero e você quer também,
Ser feliz...outra uma vez.
Ter o céu e o mar para testemunhar
Um grande amor que nunca...vai terminar!

Quero viver nessa estação,
Em total plenitude, como no verão!
Dar asas à imaginação,
Poder te amar...como ordena...meu coração!
================================

Mãe Natureza
NÁDYA HAUA


O dia amanheceu triste e nublado
Há nuvens pesadas no céu
Sinto a mãe natureza grávida...
Atrás dessas nuvens negras
Um ser se esforça para nascer...
O vento age como o soro
As nuvens são as fortes contrações
Movimentando-se rapidamente
outrora lentas...
A mãe natureza vai conseguir
Um brilho quente desponta agora
A vida está surgindo em forma de luz
A mãe natureza vai ser mãe
É primavera!
E o sol acaba de nascer...
===========================

Primavera e Espera
NANY SCHNEIDER


Chegou setembro, mês de esperanças.
Já se renovam velhas lembranças.
Trazendo ares de muitas mudanças.
E a saudade de tantas andanças....

Chegou setembro, estação das flores.
Sentindo ao longe, aromas e odores.
Vindos de sonhos de antigos amores.
Flores nascendo em todas as cores.

Chegou setembro, com ele o calor.
Das noites amenas, cheias de ardor.
Antevendo o gosto, sentindo o sabor.
Da tão esperada volta do amor.

Chegou setembro, de aves cantantes.
De polens trocados por abelhas errantes.
Movimento suave de relvas ondulantes.
Onde se faz cama a muitos amantes.

Eis a Primavera a cantar.
Versos mágicos a encantar.
Mais uma vez sente-se clamar,
A natureza inteira, para se amar...
=============================

Te fuiste en Primavera
NORA LANZIERI


Las mañanas para mi, ya no tienen sentido.
Salir corriendo,
el colectivo, ¿estarás en la parada?
o llegarás tarde ¿cómo tantas veces?.

Y los sueños, ¿recuerdas?
El amor de tu “Nacho”
el amor de mi, “Adrián”…
que lindo haber vivido
esa etapa de felicidad.

Un día… el segundo y el tercero,
ya no esperabas el colectivo
mis ojos solo te buscaban a ti…
a ti ¡Amiga!, que tanto compartíamos.

Te fuiste lentamente, sin decirme nada,
como el mar con sus olas
se aleja de la orilla sin decir adiós.
Así fue tu partida.
Nuestros secretos quedarán sellados
en el vaivén de un viaje en colectivo,
cuando el otoño lánguidamente vuelva a nacer
cada año y la primavera traiga el aroma profundo
de la nueva estación enamorada.

Fonte:
Seleção por Simone Borba Pinheiro. in http://www.familiaborbapinheiro.com