terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Paulo Walbach (Caderno De Versos)

APENAS UMA PLUMA

Sou apenas uma pluma carregada pelo vento;
vou vivendo a minha vida, por aqui ou acolá,
sem morada, sem família e sem ninguém.
Sou apenas uma pluma, desgarrada de meu sabiá...

Não tenho asas, não tenho canto,
não tenho vida, só tenho encanto.
Sou suave, leve solta eu sou,
Sem presa, sem saber para onde vou.

Sou apenas uma pluma do meu sabiá,
que voava e cantava pra viver...
Mas, um dia, triste dia aconteceu:
Uma pedra, dura pedra o abateu.

E soltei-me da plumagem de seu peito,
e do sopro derradeiro, eu voei...
Sou a pluma separada do meu ser,
que morreu, sem saber do meu viver!

Minha vida se é vida, feito assim...
Pouco dela sei, pouco sei de mim.
Pois eu vivo, se o sopro me soprar,
se a brisa ou se o vento me levar.

Mas um dia, a sorte me pegou
pelo vôo de um pássaro de acolá,
carregando-me pelo bico familiar:
Era o bico da mulher do meu sabiá.

De uma vida com passado, sem futuro,
transmutada de um dia para cá...
Do nada, quase nada, virei ninho
da ninhada dos filhotes do meu sabiá!
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A LINGUAGEM DO POETA
 

Arte, Sonho, Liberdade! – a Poesia;
que o poeta,sem passagem, acredita,
pelos sonhos, perambula na magia
das palavras de sua Língua tão Bendita.

Ele voa pelas asas da alegria,
no embalo da estrela que palpita…
nos acordes do silêncio e da folia;
acelera, anda, passa, freia, grita…

Na linguagem; sinestesia ele tenta…
Escrevendo, vai suprindo sua emoção,
muitas vezes, já cansado de Sonhar…

O Poeta, com coragem, experimenta
até o fogo, que embriaga o vulcão,
acendendo seu pavio do Amar!
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RASCUNHO & BORRÃO

Nas linhas pautadas do velho caderno
aterrissam sonhos, que viajam em mim…
Vêm de algures, além do inverno,
ao porto seguro da pista molhada,
em versos sem fim…

Pedaços poemas, delírios sem asas,
fonemas opacos que vêm para mim;
às vezes quebrados, não chegam, não vingam,
se perdem no espaço…
e viram poeira num outro jardim.

Palavras sem forças, sem nexo,sem voz,
que risco e apago e faço borrão.
Pensamentos que fogem, se soltam no ar,
e voltam sem vida na mente cansada
de minha emoção…

Os versos que morrer no ventre da alma
são sementes estéreis jogadas no chão…
Sepulto as letras nas pautas vazias,
escritos perdidos à espera de luz,
meu lápis riscando em traços em cruz…
fechando o caderno rascunho e borrão!
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VENTO MENINO

Acordei com a voz do vento,
Que batia na minha janela...
Pensei na hora e no tempo,
Acendi ao meu lado uma vela.

Lá fora o frio ardia,
Doíam, a relva e a flor...
O vento na janela batia;
Batendo, implorava calor.

Abri a janela e o vento...
Tremendo, em mim desmaiou;
Passei minhas mãos sobre ele,
Sorrindo, o vento acordou.

Parecendo um menino perdido
Entre as mãos espalmadas o acolhi,
Balbuciando logo em meu ouvido,
melancólico adágio eu ouvi.

Tremendo ainda o vento,
No outro ouvido cantou...
Parecendo elemento alado,
O vento pra mim sussurrou.

Não sendo menino e nem pássaro,
Que presos, ainda podem cantar...
Levei-o tão logo à janela...
E o vento se põe a voar!
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MÃE

MÃE é presente e eternidade
Que amarra a prole e a família
Por laços de verdade,
No mais nobre sentimento e magia.

MÃE é futuro da mulher...
Que DEUS faz no seu corpo crescer
A semente da mais bela flor,
Pelo filho que um dia há de nascer.

MÃE é passado de glória, agonia e ventura...
É esplendor e saudade pura
Num perene estado espiritual.

MÃE é um ser tão singular,
Da mais forte e fiel expressão
Dos verbos sofrer e amar!
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CURITIBA...
 

Índios correndo, abrindo picadas por dentre as matas....
Itupava...caminho de pedras, início de tudo.
Atuba, primeiro local, riacho tão rico, de ouro e pedras.
Cory-etuba!.
Pinheiros rodeando, pinhão florindo, é seu dia de festa!

Um pássaro azul solta seu canto,
voeja suas asas plantando a semente,
fazendo seu ninho nos braços esguios da árvore gigante.
Nasce a cidade, no largo central...
Pelourinho, futura matriz – a Catedral...

29 de março de mil e seiscentos e noventa e três...
Mateus Leme, Ébano Pereira, Baltazar Carrasco dos Reis...

Cidade Sorriso da rua das flores...
Do Ipê amarelo que traz primavera,
Dos campos, colinas, riachos, amores...
Curitiba escancara nos abraços seus,
fazendo de sua terra a miscigenação,
na riqueza dos irmãos filhos de Deus,
Que fizeram desta casa o seu rincão.

No sotaque tão aberto deixa a gente
Tão sem graça e na graça, vem o riso
quando pede o gostoso ´leite quente´...

Curitiba, de seus bosques e postais,
Ornamenta a cidade nos Natais
Curitiba dos tubos, da Boca Maldita...
Cidade que se recicla, cidade bendita.

Curitiba dos prêmios internacionais,
Capital modelo, no papel e no serviço,
Da Universidade quase centenária tem nos anais,
o irmão, o Centro de Letras de Emiliano Perneta,
Euclides Bandeira, Emilio Meneses e de tantos mais...

Curitiba, cantamos o Parabéns pra você,
Por que é a menina cativa que muito cresceu...
És a dama de sempre, e dos pinheirais
Curitiba, poema, te amamos demais!

Fontes:
http://simultaneidades.blogspot.com
http://poetasdobrasil.blogspot.com
Lilia Souza (organizadora). Coletânea da Academia Paranaense de Poesia. 2012

Moacir Costa Lopes (Estante de Livros)

MARIA DE CADA PORTO

Romance de estréia do autor, Maria de Cada Porto é uma narrativa ousada que nos conta o drama de marinheiros náufragos que, enquanto esperam a salvação ou a morte, refletem sobre sua rotina a bordo e sobre o seu passado de festas, amores e desamor em cada porto.

Trechos do Livro

Mas é bonito o mar. Experimente ficar no bico de pro-a. A gente olha a linha do horizonte e diz tolamente: daqui a pouco estarei lá. E nunca está, nunca transpõe aquela linha que brinca de correr com a gente. A maresia entra-nos pelas narinas e nos dá vontade de ser toninhas, as bailarinas do mar. O sol mergulha e vai surpreender os peixinhos lá embaixo, às vezes mostra um peixe grande correndo atrás dos pequenos para engolir. Os peixes-voadores são zombeteiros, o grande vem com fome, raiva e sede, eles pulam fora d’água e voam vinte metros, o peixe grande engole dez sardinhas por vingança. Mais adiante um lombo escuro empurra o mar para os lados e parece até uma ilha submersa que quer respirar, mas é uma baleia que vem estudando há bilhões de anos um modo de engolir peixes sem água e, não fosse a chaminé em cima da cabeça, teria que mijar muitos dias seguidos.

O sol fica com raiva, vermelho, por não ter podido ferver o mar, e essa vermelhidão cai em cima d’água e resvala, tirando faísca de luz do costado e dos vidros das vigi-as. A maruja fica enternecida, bestamente sentimental, e dá em pensar na infância frustrada e descobre que está longe dela pela velhice de tantas viagens.

Então, um dia a gente pisa no cais, e ele parece mexer-se.

– Linda manhã.

– Manhã linda. Há muito te esperava. Que viagem longa!

– Longa viagem. Regresso mais velho, mais tolo.

E vi muita coisa. Num crepúsculo manso, uma vaga de onda crescendo e se envergando em forma de vespa, vi as bolhas se inflarem com a luz do sol morto, no topo da vaga, e se arrebentarem no arrojo das águas, se partindo, e o som do estalo chegando ao ouvido da maruja embevecida como canto das sereias, de que narram lendas antigas.

E vi também, numa esquina de rua, um homem só morrer sozinho de frio e de fome e de uma chaga roendo-lhe o corpo; janelas abertas ao lado e de frente, homens e mulheres lhe observando a morte, de portas fechadas. Quando o homem deu o último suspiro, esparramando moedas de uma lata no chão, homens e mulheres fecharam suas janelas, abriram as portas e trouxeram velas acesas para cercar o corpo do homem só, que morreu sozinho. Aí rezaram... e sentiram sua morte.

– Vi mais coisa e volto mais velho.

– Vamos então.

– Vamos.

... amores explosivos que têm a existência de um foguete de junho, amor de parada de trem, amor de linha de telefone cruzada, amor de marinheiro. Depois, num cantinho de nossa memória, esse amor catalogado mas sem local, sem data e sem nome.

– Lembrarei esta tarde por muito tempo.

– Então façamos dela uma grande lembrança, meu bem, pois estamos vivendo hoje o nosso passado de amanhã.
 
POR AQUI NÃO PASSARAM REBANHOS

Sexto e mais alegórico romance de Moacir C. Lopes, Por aqui não passaram rebanhos nos convida a refletir sobre o tempo, a transitoriedade do homem e a eternidade simbolizada pela pedra.

Na linha explícita do realismo mágico, o livro sugere que, enquanto busca sua definição como ser completo, o homem é um monstro em transição. Inspirado no Parque das Sete Cidades, no Piauí, cujas antiquíssimas formações rochosas lembram seres petrificados, conta a história de um homem despojado do passado que não sabe o que o espera no futuro.

Longe da civilização e em meio a uma região inóspita, Emiliano refugia-se numa caverna onde encontra Selene, jovem bela e sedutora que o espera há três mil anos. Ele se apaixona e tenta a todo custo embarcar no tempo dela para viverem juntos para sempre. No processo, conhece o Sumé, um velho aguadeiro cujo animal carrega tonéis furados no lombo. Por onde vai pingando a água dos tonéis, nasce uma floresta onde crianças se tornam adultos em questão de minutos. Eles dividem o mesmo espaço, mas seus tempos são desencontrados.

No final, de alguma maneira Emiliano se torna eterno, mas nem ele arriscaria dizer se ficou mais próximo da redenção ou da ruína.

Trecho do Livro


Emiliano não sabe quanto tempo caminhou. Vem de longos caminhos.

Um dia uma mulher morreu nos seus braços e os habitantes de seu povoado, em bandos de caçadores, com armas e cães, o seguiram até o meio da floresta, como fera que estivesse ameaçando o mundo. E ele era apenas uma criança. Nem trazia o contágio da doença que matara aquela mulher. Arrastava consigo apenas o contágio de sua própria espécie.

Muito depois, outra mulher, jovem, morreu nos seus braços. Também esta o amava, e ofertava-lhe o corpo cada noite. Antes, ela lhe dissera: eu vou morrer. E ele falou: vamos. A minha morte será mais longa que a tua. Assim, a partir desse dia, Emiliano começou a morrer. E não sabe quando completará a sua morte.

A última lembrança foi de uma criança com quem conviveu. Não lhe dera nome, nem sabe se chegou a ser sua filha, esposa ou irmã, só recorda que ela estendia-lhe as mãos porque queria convivência. Quando ficou adulta e julgou que já conhecia o mundo, um dia, na bifurcação de dois caminhos, ela seguiu o outro.

Foi esquecendo os gestos aprendidos, porque não conseguiu mais entender seus semelhantes, se aprendeu a sorrir também não sabe. Surpreendeu-se algumas vezes de mãos estendidas mas logo as contraía, envergonhado de querer, de pedir ou mesmo de ofertar-se. Só restava caminhar.

Lembrou-se que, por onde havia passado, o mundo era todo pertencente, cada metro quadrado de chão fora medido, entre um e outro havia faixas que diziam: passe por aqui, cuidado. E cada pedaço do mundo era de alguém que criara um idioma próprio para poder comunicar-se com os rebanhos que lhe pertenciam. Se ele caminhava por um quadrilátero e sua sombra se projetava no quadrilátero vizinho, taxavam bem caro a invasão de sua sombra.

Então, do alto do promontório, contemplando o vale, disse: por aqui não passaram rebanhos. Seguirei por aqui.

Assim, como se o corpo não lhe pertencesse e fosse trapos que espalhara, as estrelas perto do seu rosto, velando seu cansaço, adormeceu sono profundo.

Fonte:
http://www.moacirclopes.com.br/obras.php

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Moacir Costa Lopes

Moacir Costa Lopes (Quixadá, 1927 – Rio de Janeiro, 2010) ingressou na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará em 1942. Viajou, em vários navios, por toda a costa brasileira, em patrulhamentos de guerra. Deixou a Marinha em 1950, fixando-se no Rio de Janeiro. Estreou em 1959, com o romance Maria de Cada Porto. Seguiram-se diversos romances, traduzidos para idiomas como russo, checo, inglês. Em 1969 fundou a Editora Cátedra. Em 1971 organizou e editou a Antologia de Contistas Novos. Seu primeiro livro de histórias curtas é O Navio Morto e Outras Tentações do Mar, de 1995. Moacir C. Lopes não costuma ser mencionado em livros de história e crítica literária cearenses. Também de geração muito anterior à daqueles que estrearam nos anos 1970.

Compõem O Navio Morto e Outras Tentações do Mar nove peças longas, quase novelas, nas quais é o mar, se não o tema, o ambiente das tramas. Em “O mar devolverá o corpo de Clarissa”, narrado ora na primeira pessoa do feminino, ora na terceira pessoa, a poesia impregna todas as páginas. Clarissa é poeta e elabora a narração com metáforas: “Saía pela noite a engravidar-me de estrelas, meus poros transpirando vaga-lumes”. No desenlace da narrativa, confessa: “Sinto que me engravidei. Dentro de alguns meses nascerá um poema”.

                Os mistérios do mar e das pessoas que vivem dele – os pescadores, suas mulheres e filhas, a urbana Clarissa – são o principal ingrediente desse conto. E, sobretudo, o estranho homem que aparece de repente, não se sabe de onde, ergue um casebre e passa a viver na colônia de pescadores.

                Os temas do mar estão presentes em muitas outras narrativas, como indica o próprio título do livro. E isso se explica pela vivência de Moacir no mar, marinheiro que foi por alguns anos.

                Em outra inusitada composição, “Do corpo de Marisa brotarão orquídeas”, o ambiente é o de uma chácara. No entanto, o mistério também envolve os personagens. E mais uma vez uma mulher assume papel de protagonista. História em que o incesto é visto por outro ângulo, porque arquitetado pela filha, com objetivos puramente materiais. As cenas de lubricidade explícita dão um toque de realismo à peça. No entanto, no desfecho “poético” pode-se vislumbrar um quê de fantástico: “Cuidado, maninho, ao se mexer, para não esmagar os botões de rosas e orquídeas que brotarão de nossos corpos enquanto dormimos. E o pólen que brotará dos meus seios”.

                Em “A alma e a aura da corveta Jaceguai” a ação se transporta da praia para uma embarcação misteriosa e sua proprietária, a bela Rosana. Em “O navio morto” se narra outra lenda do mar. Belona, a nau fantasma, carrega a morte, mortos que ressuscitam, para, no final, inexplicavelmente, atravessar outro navio e nada acontecer. Narrativa de aparente realismo (uma epidemia ou peste, uma poeira desconhecida, a fuga das pessoas da cidade para o navio), que, aos poucos, vai tomando ares de história de suspense e horror, para, no final, se mostrar como exemplo de composição fantástica.

                Moacir conhece os meandros das técnicas de narrar e, por isso, compõe suas histórias – sempre entremeadas de mistério – de diversas maneiras, sem se deixar levar pelo encanto do malabarismo verbal. Simplesmente muda de ponto de vista de uma frase para outra. No conto de Clarissa, não usa travessões nos diálogos. Aspas aparecem somente nas falas dos personagens secundários. Entretanto, a diversidade de ações o leva a se estender na narração e a segmentar o tempo. Por outro lado, há no contista, ainda, uma preocupação desnecessária com a informação histórica, misturada à memória.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) – N.° 3 – 12 de novembro de 1886

"Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.


Aqui está, em folhas várias,
Uma cousa que se presta
A notas e luminárias.
Aqui vai a cousa, é esta:

— Na rua Larga se aluga,
Em bom estado, uma beca. —
Parece uma simples nuga,
E é mais que uma biblioteca.

Eis aqui o que eu diria:
Há nesta beca alugada
Uma idéia que devia,
Há muito andar publicada.

Primeiramente, repare
Que esta beca não se vende
Por preço barato ou caro;
É que, alugada, mais rende.

Comprá-la, era possuí-la;
Alugá-la, é só trazê-la,
Usá-la e restituí-la,
Sem rompê-la ou descosê-la.

Não haverá neste caso
Um sintoma? Não parece
Que a beca tomada a prazo
Uma lição oferece?

Que, sem correr Seca e Meca,
Muita gente delicada,
Assim como traz a beca,
Traz a ciência alugada?

Que, sendo esta leve e pouca,
Apenas meia tigela
Não chega a entornar da boca,
E pouco pedem por ela?

Que, inda mesmo sendo um quarto
De tal tigela, e não meia,
Parece falar de fato
Quem fala de boca cheia?

E que esse pouco, bastando
A que o locatário almoce,
É tolice andar estando
Ciência de sobreposse?

Nada sei; mas ofereço
A toda a pessoa séria
Este problema de preço
E passo a outra matéria.

Escreve um correspondente
Cholera-Morbus chamado:
“Conto que proximamente,
Malvólio, estou ao teu lado.

“Aqui nesta Buenos-Aires,
Terra de belas meninas...
Que salero e que donaires!
Que formosas Argentinas!

“Aqui, por mais que me esbofe,
Levo uma vida vadia;
Esperava um rega-bofe
E vou de pança vazia.

“Quando mato uma pessoa,
Surge-me logo uma junta,
Que a declara viva e boa,
Por mais que a deixo defunta.

“Negam-me tudo; o meu ato,
O nome, e até a existência;
Chamam-me simples boato
Sem razão nem consistência,

“Aborrecido com isto,
Determinei ir-me embora
Por esse mundo de Cristo;
Estou aqui, estou lá fora.

“Aí me vou, caro mio,
Só não sei de que maneira,
Se diretamente ao Rio,
Se atravessando a fronteira.

“Ir por água é arriscado
A dar com o nariz na porta;
Se achar o porto trancado,
Eu fico de cara torta.

“Enfim, veremos... Espero
Que, de um modo ou de outro modo,
Lá, entre; e aqui te assevero
Que com pouco me acomodo.

“Saudade, tenho saudade
De outr'ora. Há mais de trinta anos
Que andei por essa cidade
Com grandes passos ufanos.

“Mudou tudo? Existe ainda
O teatro Provisório?
Onde está Lagrua, a linda
Que teve um lapso amatório?

“O gordo Tatti? O magano
Ferrari? A Charton divina?
Vive ainda o João Caetano?
Vive ainda a Ludovina?

“A Loja do Paula Brito
Mudou de dono ou de praça?
Paranhos, grave e bonito,
Vive ainda? Vive o Graça?

“Mora ainda no Rocio
Muita família? O teatro
Tem inda o mesmo feitio?
São ainda os mesmos quatro?

“Publica-se inda o elegante
Mercantil? Que faz? Que escreve
Maneco? e o Muzzio? e o brilhante
Alencar de estilo leve?

“Vou vê-los todos, e juro
Em honra aos dias passados,
Que ao meu golpe áspero e duro
Serão poupados, poupados...”

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Antonio Brás Constante (O filme que ainda não assistimos...)

Joana está na frente da locadora de DVD. Não lembra como chegou ali, mas sua vontade agora é de voltar para casa o mais breve possível, e ver o filme que está em suas mãos.

Chegando em casa vai direto para seu quarto, coloca o DVD no aparelho e deita-se confortavelmente em sua cama.

O filme começa com um nascimento, a mulher que deu a luz ao bebê parece-lhe estranhamente familiar. As cenas seguintes vão mostrando a vida desta criança, o primeiro banho, seus primeiros passos, as primeiras palavras. De repente, Joana se dá conta que aquela menina que aparece nas imagens é ela. Consegue finalmente identificar sua mãe, que na época estava bem mais jovem, seu pai, seus irmãos. O filme transcorre mostrando toda sua vida, suas alegrias, tristezas, brigas, vitórias e derrotas.

“Que incrível”, pensa Joana. Cada momento apresentado é uma recordação preciosa. Sua mente retorna no tempo junto com o filme, viajando até época da escola, e depois da faculdade. A excursão para Paris. Seus amores. Os amigos conquistados. Os empregos por onde passou.

Cada pedacinho de sua história é contata detalhadamente. Apresentada com tal realismo, que parece que está tudo acontecendo novamente. O filme chega então ao seu momento presente. Começa mostrando a hora em que Joana acorda, seu café, o jornal deixado sobre o sofá. O dia vai transcorrendo através da tela do televisor. Ela então se recorda do que aconteceu ao se aproximar da locadora de filmes. Já estava a poucos metros da loja quando começou a escutar o barulho das sirenes. Ouviu o ruído de uma freada de carros. O som de tiros. Gritos. Confusão. Lembra de se sentir tonta, o mundo todo girando diante de si, e então o desmaio.

Agora estava tudo muito claro, aquilo não foi um desmaio. O ambiente ao seu redor vai se modificando neste instante. O quarto desaparece. Joana está novamente em pé, parada em frente à locadora, olhando para ela mesma caída no chão. Várias pessoas em volta do corpo sem vida, algumas chamando por socorro. Ela foi atingida por uma bala perdida. Está morta. Uma luz aparece envolvendo-lhe por completo. Sua história termina aqui.

Tudo fica escuro e nesta escuridão começam a aparecer legendas, iguais às que surgem ao final de um filme. Nelas está escrito:

Estes acontecimentos, foram baseados em fatos que se tornam reais a cada momento, em todas às partes do mundo. O que aconteceu com Joana poderia ter acontecido com qualquer pessoa, comigo, com um parente seu, um conhecido, quem sabe seu pai, irmão, esposa, filhos ou até mesmo com você. A violência não faz distinção quanto ao sexo, credo, idade, ou cor da pele. Ela está a nossa volta e, para ser o ator principal, o único critério exigido é o de se estar vivo”.

Fontes:
http://www.recantodasletras.com.br/contosdesuspense/944364
Imagem = http://natizsche.blogspot.com

José Alcides Pinto (Eu)

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http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Jos%C3%A9+Alcides+Pinto&ltr=J&id_perso=989

José Alcides Pinto (Cuí-Qui)

  
          — Deixe as muriçocas em paz, menino. Ninguém sabe o que é inseto, ninguém sabe o que é bicho.

            A tia não queria que matasse os insetos, afugentasse os bichos. As baratas voavam na cozinha, caíam na xícara de leite.

            — Ninguém sabe o que é inseto, ninguém sabe o que é bicho.    

            A loucura da tia, a casa em desordem, virada pelo avesso. Moscas, baratas, ratos, como donos da casa, invadindo tudo, roendo, roubando, destruindo.

            — Tia, viu minhas meias?

            — Procure, menino; procure. Não criaram asas. Estão n’algum lugar.

            — Botei dentro dos sapatos, vai ver que os ratos levaram.

            — Não levaram, menino; você precisa amar os bichos. Sua mãe não lhe queria assim.

            — Pois bem; eu quero agora as minhas meias e não encontro. Não encontro porque os diabos dos ratos são os donos da casa.

            — Diabos? Não diga isso, menino; não fale assim. O Demônio nunca porá os pés enquanto viva eu estiver. Espere um pouco, tenha paciência, e eu encontro suas meias.

            Saiu pela casa inteira, chouteando nas chinelas de couro, espiando os cantos das alcovas. Acendeu uma vela. Alumiou buracos, frinchas. Meteu a mão num velho urinol fora de uso, e um ratinho escorregou-lhe entre os dedos, e fez cuí-qui ao cair no chão. Ela apanhou o filhote e colocou no fundo do ninho. Voltou ao quarto dele e estendeu-lhe duas cédulas.

            — Compre, menino, na loja de seu Domingos, um par igualzinho ao seu.

            — Juro como um dia destes acabo com esta praga — rosnou o menino.

            — Não acaba, não. Eles são como filhos, como você. Não vê que nunca me casei? Não vê que nunca tive filhos? No dia em que você se casar, o que será feito de mim, sem eles?

            O menino sentiu o azedume das palavras, mas logo esqueceu.

            "No dia em que você se casar..."

            Sua inocência chegava a tanto. Não lhe passava pela cabeça que o sobrinho...

            — A senhora não vê que este menino...

            — Maldade. Por isso o Demônio andava solto no mundo, atentando as criaturas.

            — A senhora não vê que ele é igualzinho a uma menina?

            — É bonitinho, sim; igualzinho à mãe dele.

            As pessoas abanavam a cabeça, desoladas. Ela não compreendia, meio aluada — doença de solteirona, envelhecendo sozinha, numa casa cheia de ratos e baratas.

Fontes:
http://www.germinaliteratura.com.br/2009/colunapanaplo_jorgepieiro_out2009.htm

Imagem = http://escritasdatiaju.blogspot.com

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) José Alcides Pinto

José Alcides Pinto (São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, 1923 – Fortaleza/CE, 2008) foi poeta, romancista, novelista, contista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário. Como poeta, é considerado um dos melhores do Ceará, ou, por que não dizer, do Brasil. Seus romances são excelentes. Alguns críticos o aproximam de Sartre, Camus, Rimbaud, Baudelaire (que é até personagem de um de seus contos), Augusto dos Anjos e outros monstros sagrados da literatura universal.  O conto não é o gênero de sua maior predileção, pelo menos enquanto escritor. Seu primeiro livro no gênero é de 1965, Editor de Insônia, seguido de Reflexões. Terror. Sobrenatural. Outras estórias, de 1984. Em 1997 ambos foram reeditados, sob o título Editor de Insônia e outros contos, e, como informa Pedro Salgueiro, organizador da reedição, “muitos outros contos foram resgatados do ineditismo na presente edição”.

Algumas narrativas de José Alcides Pinto são maravilhosas, como “Domingão”, “Animal” e “Avelino”. JAP é tão meticuloso, reescreve tanto as suas obras, que há neste livro dois contos quase totalmente iguais: “Isabel” e “Como evitar o monstro”.

 Uma curiosidade: no “livro primeiro”, intitulado “Editor de Insônia”, os títulos de todos os contos têm apenas um vocábulo. O que não significa falta de imaginação. Machado de Assis deixou diversos contos com títulos muito simples, como “D. Benedita”, “O Empréstimo”, “Fulano”, “Uma Senhora”, “Mariana”, “D. Paula”, “Viver!” e outros.

Outra curiosidade: teria o contista escrito uma narrativa intitulada “Editor de Insônia” e resolvido excluí-la do livro? Teria mudado aquele título, reescrevendo o conto? Nesses casos, deveria ter dado outro título ao volume.  Ou o título teria sido criado apenas para dar título ao livro? Nesse caso, somente numa análise mais profunda seria possível ao leitor descobrir alguma relação entre o título geral e os contos.

A presença de Edgar Allan Poe é visível em alguns contos: a maldade, a obsessão pelo mau, a impiedade de algumas personagens. E também o mistério, o terror, como nos contos já mencionados e em outros. “Ando ultimamente cheio de terror. Imagino-me, à noite, possuído pelo animal, comendo-me as vísceras, dominando-me com seu olhar surdo.” (“Animal”). Todo o conto “Avelino” é de pleno terror. A personagem, logo após morrer, é devorada por piolhos, bichos-tapurus, bichos-vermes, estranhos parasitas. Uma orgia sem tamanho. “O que não ficou bem claro – isso sim – é como sendo tão asseado, Avelino dos Santos, e tendo morrido de repente, e principalmente em se tratando de um homem dado à religião, fosse seu corpo repositório de tantos bichos.”

Merece também destaque a narrativa “O Fogo das Paixões”. As cenas de sangue, assassinato, esquartejamento, motivadas por ciúmes e paixões, são de um naturalismo radical.

Algumas narrativas são sonhos ou alucinações das personagens. O narrador às vezes faz questão de informar ao leitor tratar-se de fato real aquilo que vai narrar: “Se assemelha mais a um sonho o que vos vou contar, mas tal se passou de verdade, sem nada ter de fantasioso.” (“Irmãs Gêmeas”). Outras vezes o próprio contista se antecipa ao narrador, intitulando os contos: “O Sonho”, “Outro Sonho” e “Os Sonhos”. Em “O Corpo e a Alma” o narrador afirma: “Como os sonhos são poderosos e como as ilusões são belas.” No entanto, a narradora de “Restaurante Comunitário” conclui sua pequena “história” assim: “Eu nunca sonho.”

 Casas antigas, casarões mal-assombrados são ambientes de algumas histórias. E também casas de prostituição, fazendas abandonadas, manicômios, conventos de freiras. Em “Domingão” há dois lugares, um no passado da personagem principal - “Criado na caatinga.”- e outro no presente – “o povoado”. Do povoado são mencionados o cemitério e a casa, construída por Domingão “num cotovelo de rua”.

As personagens são sempre muito sofridas, mesmo as crianças. Porque envelhecem logo, às vezes na segunda página da narrativa. Como em “Composição Escolar”. Em “Animal”, o narrador – o suposto ser humano – inicia assim a sua história: “De repente minha empregada começou a andar de gatinhas.” A empregada é o animal, segundo o narrador. Nem sequer tem nome. Tem somente atitudes de bicho. Por isso, “no dia em que abocanhar-me o calcanhar, atiro-a pela janela do apartamento”, conclui o narrador. Não quer dizer que não existam personagens mais comuns no livro. Há-os, sim, como os filhos desnaturados diante da mãe moribunda; Pereirão e sua jovem mulher, quase menina; o casal de velhos; a adolescente sedenta de sexo ou dinheiro e o turista nigeriano; e outros.

Em que cidade vivem as personagens de José Alcides Pinto? Nenhuma cidade é citada nos contos. Não há qualquer referência a nomes de logradouros públicos. Aqui e ali aparecem nomes de cidades, porém não como palco das cenas narradas. “No fim da semana chegaram, do Rio de Janeiro, Frederico e Ducas.” (“Inspetor”). Os nomes das ruas não aparecem, como neste trecho: “É forçoso tornar público o que testemunhei da janela de meu apartamento, no oitavo andar do edifício onde moro, aqui na artéria principal da cidade.” (“O Fogo das Paixões”). Em “Apontamentos Importantes” há uma referência à Ribeira do Acaraú, com nota de pé-de-página.

O “livro segundo” é constituído de contos e peças literárias de gêneros variados ou indefinidos. Daí a impropriedade do título geral do livro, assim como do próprio “livro segundo”. “A Lição” é a narração de um episódio vivido pelo escritor. Pelo menos assim entenderá o leitor que o conhece de perto e sabe de sua decisão de abandonar a Universidade e se dedicar exclusivamente à literatura e à fazenda que adquiriu. “Apontamentos Importantes” também fogem à estrutura do conto.

No geral, os contos de José Alcides Pinto se afastam das principais características do conto tradicional ou clássico. Assim, ao lado de peças sem qualquer diálogo, apresenta até dois contos em forma de teatro – “Caducos” e “Granjeiros”. Em “Domingão” há apenas dois diálogos. Porém, não se libertou das formas tradicionais nos diálogos: “disse”, “exclamou”, “comentou”, “gritou” etc.

No conto tradicional as personagens são sempre poucas. E JAP não foge a esta regra. “Domingão”, que não é um conto realista, tem seis personagens: Domingão (protagonista), sua mãe Bela, seu pai Diogo, Joaquim, sua mulher e a moça. Aparentemente são dois os conflitos. Joaquim se apaixona por Bela, que é casada. Enciumada, a mulher de Joaquim jura matar a outra. E o faz. No mesmo dia Joaquim morre. Daí em diante a vida de Domingão se transformou. “Corriam histórias. Domingão, o diabo. Guarda-chuva fechado. Levando chuva nos campos. Pijamas de grossas listas colado ao corpo. Contavam histórias. Das narinas afrontadas de Domingão se levantava a tempestade que rachava o telhado das casas. Escarvava a terra. Esbagaçava árvores.” Ao ver Domingão pela primeira vez, uma moça por ele se apaixonou. Por seus cabelos trançados. Inicia-se o “segundo” conflito, o “segundo” drama. Ao se encontrarem, ocorre pequeno diálogo: “- Cortei.”, “- Onde os guardou?”, “- No cemitério. No caixão da mãe.” A moça vai ao cemitério. Súbito reaparece Domingão. E dá-se o desfecho: as tranças sufocam a moça. E Domingão a sepulta. “Exausto, deitou-se ao pé da cova para morrer.” Este desenlace lembra os dos contos de Edgar Allan Poe.

José Alcides Pinto é um escritor singular na Literatura Brasileira. Não pode ser visto como um adepto do realismo fantástico ou posto ao lado de contistas como Murilo Rubião e José J. Veiga. Seus contos também não são regionalistas, assim como não o são os de Moreira Campos. Há mistérios nos contos de ambos, embora entre eles não se possa vislumbrar qualquer semelhança. Mesmo quando os conflitos são do tipo policial, como em “O Fogo das Paixões”, não se trata de conto policial ou realista, como os de Rubem Fonseca. JAP está mais para Poe.

Como escreveu Francisco Carvalho, na ficção de José Alcides Pinto “não há lugar para os devaneios da retórica nem para as quimeras do lirismo cordial.”

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008. atualizado por José Feldman

Folclore de Minas Gerais (Lenda da Serra do Caraça)

O cacique Ubiratã, cujo nome designava o branco lenho com que os índios fabricavam lanças, ao morrer, deixara dois intrépidos e robustos filhos — Ubajara, o canoeiro, e Tatagiba, o braço de fogo.

A viúva adoecera de desgosto pela morte de Ubiratã. Os filhos tinham ido aos pajés rogar lenitivo para a mãe doente, e não houve remédios de plantas que a curassem. E era o anjo daquela taba.

— Há um só meio de restabelecer-se — advertiu o mais velho dos pajés. Ir à região das abelhas sabarás e, nas cercanias, procurar três coisas: ouvir a árvore que tem harmonias, ver o pássaro azul que diz coisas misteriosas e trazer um pouco d’água das fontes de ouro. Têm essas águas a propriedade mágica de curar as doenças mais rebeldes. Mas cuidado ali porque há monstros que encantam a gente!

Tatagiba, o mais moço, partiu à procura do remédio aconselhado pelo pajé.

Atravessou as matas. Veio surgir onde sabia existirem as abelhas sabarás. Num recanto, sobre um arbusto que se debruçava para o rio de águas doces, descobriu Tatagiba uma araquara, o esconderijo dos papagaios. E, com surpresa, viu o papagaio azul indicado pelo ancião. Realmente, aquele pássaro conhecia a língua dos tupis.

— Deve ser esta a região maravilhosa! — exclamou Tatagiba enlevado, porque ali também via as fontes de água de ouro. De cansado sorveu um pouco daquela água. E o murmúrio do vento lhe trouxe aos ouvidos sons delicadíssimos, partidos do seio da floresta.

Acompanhou aqueles sons misteriosos, com o intuito, igualmente, de apanhar alguma caça furtiva, e de súbito sentiu-se agarrado por grande mão de monstro, que o fazia crescer, crescer desmesuradamente como outro gigante e o prostrou de costas para o chão, encantado em enorme serra cor do céu — o morro da Piedade. Montanha de ferro, porque forte como ferro ou itaúna fora a resistência de Tatagiba. Ficou resplandescendo ao longe. E mais tarde chamaram-lhe, por isso, monte do Sabarabuçu — ou grande montanha brilhante.

Ubajara notou que o irmão havia três meses não regressava à taba.

— Pajé, meu irmão desapareceu…

— Bem o previ — acudiu o velho mago. Ficou talvez transformado em montanha, como sucedeu a tantos guerreiros que para ali partiram. E tu tens coragem?

— Tenho.

— Pois bem, vou dar-te um óleo perfumado que te livrará de todo o perigo e poderá encantar o monstro mais astuto. Basta derramar uma gota e o perigo ficará inteiramente afastado.

Ubajara partiu. Muniu-se da clava, da flecha ligeira e do óleo mágico, dado pelo pajé. Chega ao local das abelhinhas sabarás. E admira-se: o lindo pássaro azul que fala em lingua tupi! Vê em frente a si onça feroz. Mas, a uma gota de óleo derramado, o jaguar escapa num relance.

— Ah! exclamou contente. Deve estar aqui perto meu irmão Tatagiba, porque vejo o pássaro azul e lhe escuto a fala misteriosa. Às praias deste rio acorrem fontes de água puríssima, de sabor inigualável.

Nota grupiaras e percebe brilhar entre os cascalhos algumas pepitas de ouro. Esta água seria, por certo, a água salvadora.

Nisto, uma voz ressoa do bosque:

— Ubajara, sou teu irmão Tatagiba. Aqui estou, encantado nesta serra enorme, depois de tornado gigante pelas mãos daquele monstro que viste deitado, na tua viagem. Costuma ficar com o rosto para o alto. Na volta, põe-lhe por cima teu óleo perfumoso, e êle ficará para sempre ali petrificado, como eu.

Ubajara chorou de saudades e não teve palavras para responder! Toma daquela água das fontes de ouro e ruma com destino à taba de seus pais. Ao transpor a montanha derrama uma gota do misterioso óleo, sobre o monstro que dormia, e o Caraça fica transformado em rocha imóvel. Parecia um grande rosto de pedra voltado para o azul.

* * *

A mãe de Ubajara conseguiu restabelecer-se com a água trazida pelo filho. E resolveu morar ao pé do Sabarabuçu, para escutar o doce marulho das águas, como ecos de saudades.

Quiseram fazer-lhe companhia duas velhas indias. Acomodaram-se nas fraldas da serra, na enseada do cruzamento dos rios. E os posteros deram àquele rio o nome de Rio das Velhas. Significaria o rio das águas de ouro, cujas margens falava misteriosamente o pássaro azul, em sons divinais da mata.

Parecia à boa mãe de Ubajara rever a Tatagiba, quando faiscavam raios de ouro sobre o dorso da serra de cor cinza, e considerava o filho, petrificado, num repouso de relvas.

Todos que dali passavam viam, naquele famoso recanto, o símbolo monumental de um coração de ouro em peito gigantesco de ferro.

Essa região devia retratar mais tarde o caráter meigo de um povo enérgico.

Fonte:
Pe. Armando Guerazzi: Lendas e Fábulas Indígenas. Revista de Cultura, Ano XII, 1938, Rio de Janeiro. In Anísio Mello (seleção). Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. 1962

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) III

THE GARDENER

O amor
Planta flores
De todos os matizes
No sagrado jardim
Dos corações felizes.

CHARME
 

Cegos de amor
Meus olhos
Tateiam teu corpo
Que insensível
Finge-se de morto.

O PEREGRINO
(Para Khalil Gibran)

Um dia neste mundo surgiu
Um jovem peregrino.
Diziam que Ele era vulgar e violento
Diziam que Seus cabelos
Eram penteados pelos ventos
Diziam também que a chuva
Suas roupas assentava
E atribuíam aos demônios Suas palavras
Mas o que diziam não importa
Há mais de dois mil anos
Ele abriu uma porta
E ainda hoje
Convida-nos a entrar.

O PEREGRINO II

Quem dera
Eu ali sentado
No poço de Jacó
CRISTO ao meu lado
Sorrindo palavras de luz
Enchendo de vida meu cântaro
Sem medos cruzes ou prantos
Somente eu e Ele, JESUS.

O PEREGRINO III

Jesus
Nome gravado na pedra
Cristo
Suave grito no ar
Um
Deixou marcas na areia
Outro
Nas ondas do mar
Juntos
Humano e divino
Conjugam o verbo
Amar.

O PEREGRINO IV

As flores de Getsêmani
Murcharam contritas
Às voltas de Um inocente
A ser condenado simplesmente
Por amar a liberdade e a justiça.
Na solidão de Suas lágrimas
Encontra-se o antídoto
Para todos os covardes
Deste novo milênio.

SENHOR DA POESIA
 

Oh, Senhor que une versos
Vida sonhos e verdade
Que vossa pureza possa
Livrar-nos das sombras da nossa
Imensa perversidade.

SALMO

Senhor
Dono das águas e dos astros
Do ar dono dos pássaros
Senhor
Mestre dos mestres e ateus
Budistas hindus judeus...
Senhor
Revolucionário imperador do bem
Soldado e mendigo também
Senhor
Aqui se encontra alguém
Que não aprendeu orar
Mas a dizer-lhe
Amém.

BUDDHA

Quando a aflição me atinge
Procuro refúgio
Sob a frondosa figueira
Dos frutos imperecíveis
Aos pés da delicada
Flor de Lótus.


 

Quem ama vê mais cores
Quem sonha pode voar
Quem canta espanta as dores
Quem dança encanta o olhar
Quem faz as quatro coisas
Caminha por sobre o mar.

CRISTO ADOLESCENTE

Faço parte do sonho
Que meu Pai sonhou
Se pesadelo existe
É meu não do amor.

Sou o sonho sonhado
Sou o sopro a vida
Sofro e sangro calado
Arranho e lambo a ferida.

Sou o canto a esperança
Sou aquilo que é seu
Sou o sonho do sonho
Eu sou filho de Deus.

MENINO LUZ

Doce menino andante
Meiga flor do oriente
Incansável viajante
Dos labirintos da mente.

Do brilhar de duas pérolas
Fez-se teu olhar
Do brancor de tu’alma
Todo imaginar.

Chegaste tão humilde
Numa centelha de luz
Foste tão corajoso
No alto de uma cruz

Que me sinto envergonhado
De estar acovardado
Diante da vida, obrigado
Muito obrigado Jesus.

NATAL

Era noite madrugada
Um casebre uma estrada
No brilho de uma estrela
Veio Deus nos visitar

Trazendo a esperança
Nos olhinhos de criança
No peito um veio de ouro
Nas mãos abertas ofertas

Pois O Cristo já habitava
Aquele sorriso de luz
Tão meigo sincero e bonito
Do pequenino Jesus.

FORÇA DE VONTADE

Você não pediu um dia para nascer
Sentenciado está agora a viver
De nada adianta querer questionar
Se solução não tem solucionado está.

Não pense em morrer enquanto vida houver
Pois aqui nada acaba se você partir
Deve se encaixar onde te couber
E fazer de tudo e a tudo resistir.

Retome sua calma libere seu coração
Deponha sua arma estenda sua mão
Junte ao sorriso um brilho no olhar
E esqueça a falsidade fria de um gargalhar.

Lembre-se da força acima bem maior
Força que te ergue e te pode derrubar
Força dO Homem simples livre superior
Força de vontade de amar.

CÂNTARO
 

Nesse frágil vaso de barro
Nascemos florimos...
Crescemos em direção à luz.
Todos de braços abertos
Tentamos abraçar o sol.

MONGES DO SINAI

Aos pés do monte Sinai
Um mosteiro contempla
A presença de Deus.
Por trás de suas muralhas
Humildes monges colhem ossos
Sabendo que um dia
Serão as próximas flores.

A CAMINHO
 

Descobrimos o fogo
Inventamos a lâmpada
Iluminamos as trevas
Do espírito.
Participamos do grandioso
Milagre da luz.
Um dia com certeza
Seremos sol.

GANDHI

Quando o calar é lutar
Quando se render é vencer
Quando o silêncio é cantar
Quando morrer é viver

Quando o chorar é sorrir
Um riso muito maior
Toda solidão do existir
Por pior que seja é menor

Quando se é grande é assim
Quando se é Gandhi melhor
Seu exército luta por mim
Entregando se humilde a vós

Deus da vida, Deus do amor
Deus da não violência
Ensina-me, por favor,
O caminho dessa inocência.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Nei Garcez (Despedida de Luis Renato Pedroso da Presidência do Centro de Letras do Paraná)

O Desembargador, aposentado, Dr. Luis Renato Pedroso, depois de 12 anos como Presidente, ativo, do Centro de Letras do Paraná, está se despedindo de suas funções de Presidente daquela Instituição Cultural. Inclusive, ontem, 07, sábado, aconteceu um almoço, por adesão, de confraternização e ao mesmo tempo de despedida, no Mabu Hotel, em Curitiba.

De todos os seus grandes feitos e vencimento de tantas dificuldades, nestes últimos 12 anos, coube-lhe a gloriosa oportunidade em ser o Presidente que comemorou, na Presidência, o Centenário do Centro de Letras do Paraná, no dia 19 de Dezembro de 1912, cuja comemoração ainda, por muito tempo, será uma inesquecível e agradável fragrância das letras.

De eloquente oratória, prosador à toda prova, o Dr. Pedroso, conserva a humildade de declarar, sempre, o seu "profundo sentimento em não ser um Poeta", mas que por outro lado, tem a gratidão e alegria de conviver com a inspiração dos Poetas que lhe cercam junto ao Centro de Letras.

Na verdade, a prosa do Dr. Luis Renato Pedroso, sem quaisquer bajulações, é uma verdadeira poesia, não só no conteúdo, sábio, mas também na própria expressão  e colocação de cada palavra, sonoramente agradabilíssimas.

Tanto o é que o defini assim:

De oratória majestosa,
doutor em sabedoria,
Luis Renato tem, na prosa,
todo o encanto da poesia!


Enfim, o Dr. Pedroso, carismático de nascença (só pode ser), natural de Foz do Iguaçu, sempre se refere ao Centro de Letras do Paraná como:

"O Centro de Letras do Paraná é a Casa de todos nós."

Na próxima terça feira, 10, às 17 horas, haverá, no Centro de Letras do Paraná - em Curitiba - uma das maiores comemorações que será a transmissão da presidência para

ALZELI BASSETTI
-Cadeira Poética número 24 - Patrono: Altivir Bassetti

Curitibana e Vulto Emérito da cidade, Alzeli Bassetti é licenciada em Letras/Inglês pela UFPR, com especialização em francês, italiano, alemão, latim e português. Obteve o 1º lugar em concursos nacional e estadual de monografias. Sua longa luta pela paridade de gênero valeu-lhe a Medalha de Ouro outorgada pelo Conselho de Ministros da Itália; o engajamento cultural premiado com a Medalha Cultural de Ouro "D'Almeida Vitor" (DF).

Fonte:
Nei Garcez
UBT-Curitiba/Paraná/Brasil
Academia Paranaense da Poesia

sábado, 7 de dezembro de 2013

Roberto Pinheiro Acruche (Caderno de Trovas)

A alvorada, em seus traços,
me trouxe nova esperança
de ter de novo em meus braços
quem não me sai da lembrança.
-
Amor! Eu estou morrendo
de saudades de você.
Amor, eu só estou vivendo,
de amor por quem não me vê.
-
Ao abrir minha janela,
inundada de luar,
mais forte a lembrança dela
fez a saudade apertar.
-
Ao passar a mocidade,
aquecida, tal verão,
o sol da maturidade
me deu nova direção!
-
Arteiro, ágil e risonho...
Era assim, na mocidade!
Hoje cansado e tristonho,
só leva o peso da idade.
-
A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
-
Chorei de tanto sorrir!
Sorri ao chegar o fim,
de pensar não existir
amores falsos por mim!
-
Enquanto estas a sorrir...
Evitas o que aborrece.
Tristeza pode existir,
mas delas, você esquece!
-
Era jovial e prosa,
Bom contador de vantagens.
A vida lhe foi calosa...
Está no fim da viagem!...
-
Esta vida é complicada,
imagine, meu consorte,
pois se a vida é temporada,
que será, então, a morte??
-
Eu bebi para esquecer
esqueci porque bebi,
agora quero saber,
o que será que esquecí?
-
Eu nunca vivi uma guerra!
Jamais vivi uma tragédia!
Se a dor no meu peito encerra...
Será que a vida é comédia?
-
Jurou-me que voltaria...
Eu juro, muito esperei!
Outra vez você mentiu...
Outra vez acreditei.
-
Mágico é teu esplendor,
outono da minha vida.
Beijo a sorte, vivo o amor...
Ironizando a partida.
-
Meu coração bate forte
ao chegar sua mensagem
que bom se tivesse a sorte...
Vê-la chegar da viagem.
-
Minha saudade e alegria
no Natal é recordar
do amor que meu pai trazia
quando vinha me abraçar!
-
Ministros e Presidente
tentam dar explicação,
mas o povo, infelizmente,
é quem paga o apagão!...
-
Nada ainda terminou!
Então siga a caminhada...
Se o mundo não acabou,
A vida não está parada!
-
Na madrugada, tristonho,
Sem sono o jovem medita
A vida é um grande sonho,
Feliz quem nele acredita.
-
Na semeadura errada
Você cultivou espinho,
mas hoje, em triste jornada,
anda descalço e sozinho.
-
Nas rimas quanta saudade,
De tão triste até chorei,
és uma grande verdade...
Tão pouca vida te dei.
-
Natal... dia de alegria...
de festa...sentimental!
Ah!... tão bom se todo dia
fosse dia de Natal!…
-
Natal! É festa de luz!
Vou comemorar com amor,
agradecendo a Jesus
o meu mestre e salvador!
-
Nesta vida o tempo passa
o meu consolo é você!
Mas sou poeta sem graça,
quando passas e não me vê!
-
Nunca foi obra de arte,
mulher de cintura fina,
digo isso em qualquer parte,
ela é uma obra divina!
-
O que eu não quero é morrer
quero ser doce lembrança
sempre que eu merecer
Te encontrar feito criança
-
O sonho do trovador
é fazer trova perfeita;
não consegui ser o autor,
mas consegui vê-la feita!
-
O tamanho do meu sonho
não se mede em comprimento
mas nos versos que componho
na medida do lamento...
-
Por capricho do destino
te encontrei tarde demais
Sou badalo, você o sino
sou a moça, tu és o rapaz.
-
Por momento passageiro
fostes trocar os teus sonhos.
Vive agora o tempo inteiro
dias vazios, tristonhos...
-
Posso reclamar de tudo...
Direito que me convém!
Mais fico todo “sisudo”
quando reclamas também.
-
Quando chove reclamamos
e se não chove também.
Se a chuva traz certos danos,
outros têm quando não vem.
-
Quando te amei de verdade,
jamais eu pensei, “por certo”,
Que tu serias saudade
e o meu coração, “deserto”!
-
Que nós somos filhos Teus,
muitos dizem, e acredito...
Boníssimo pai, meu Deus...
Teu amor é tão bonito!
-
Quero um natal diferente
Com muita paz e união
Que as bênçãos do onipotente
Alcance toda a Nação.
-
Sabiá da minha terra,
Por que vem cantar aqui?
Não sabe seu canto encerra
Saudades de onde vivi?...
-
Se eu pudesse voltar à infância
Nem que fosse por um dia
Abraçaria a inocência
e nunca mais a soltaria.
-
Se eu tivesse te encontrado
antes, meu imenso amor;
teus olhos que estão molhados
não chorariam de dor.
-
Se o hoje é cheio de dor
não pense que a vida é vã...
enquanto existir amor,
sustente a fé no amanhã!!!
-
Somente o amor verdadeiro
é por Deus abençoado;
e por não ser passageiro
é tão sublime e sagrado!
-
Sopra a brisa, sopra a vida,
passa o tempo, o tempo passa...
Andei por uma avenida
sem luz, sem amor, sem graça!
-
Sou um rio nesta vida
e você meu belo mar;
tento lhe adoçar querida,
você só faz me salgar!...
-
Trabalho que nem "saúva",
para ganhar o meu pão
pois, lá do céu, só cai chuva
e, às vezes, um avião…
-
Trabalhou por longo tempo
nos muitos anos vividos...
e traz agora o lamento
nos seus ombros doloridos.
-
Tua voz é melodia,
com bemóis e sustenidos,
a mais perfeita harmonia
a encantar meus sentidos.
-
Uns me chamam de poeta...
Já outros, de Trovador!
Eu só sei que a minha meta,
é escrever com muito amor.
-
TROVAS A DUAS MÃOS
-
Quero o sorriso mais belo
Quero o olhar mais bonito... (Roberto Acruche)
com eles, formar um elo
entre a terra e o infinito... (MariluX)
-
Queria que neste dia
reinasse a felicidade (Roberto Acruche)
trazendo muita alegria
aos homens de boa vontade (Claret)
-
Vinha andando pela rua...
Foi aí que te encontrei (Roberto Acruche)
Relembrei as noites de lua
Que do seu lado eu passei (Beth)
-
Mas a vida continua
e de ti eu esqueci. (Sonho Azul)
-Ah! Quantas saudades tua...
E quanto tempo eu perdi!... (Roberto Acruche)
-
Fonte:
http://robertoacruche.blogspot.com.br

Roberto Pinheiro Acruche (Poesias Avulsas)

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EXALTAÇÃO A SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA
-

São Francisco de Itabapoana
Como eu gosto de você.
Sua beleza encantadora
Há de sempre resplandecer.

Suas praias, sua grandeza,
Seus campos e floração colorida,
Obra prima da natureza
Eu me orgulho de ter nascido aqui.

Salve seu povo hospitaleiro,
Bom, amigo e trabalhador;
Salve terra abençoada
De São Francisco nosso senhor...

Abraçada pelos rios,
Beijada pelo mar,
Ornada com lagoas
Você é linda, sempre vou lhe amar.

São Francisco de Itabapoana
Onde o sol brilha mais o ano inteiro,
Estrela de grandeza reluzente
Do Estado do Rio de Janeiro.

O MANGUE

Beleza que surpreende o imaginário,
Frondosas árvores, a tudo sombreando,
Folhas que caem, seguindo o seu fadário
Bandos de pássaros, aninhando e gorjeando.

Sobre um tapete macio, escurecido,
Aonde o sol chega brando e sereno,
Caminham os crustáceos, em merecido
Passeio, pelo ensoberbecido terreno.
A natureza criadora e esplendorosa,
Surpreendentemente primorosa
Improvisa a pluralização da existência.
Translada para o mangue o berço
Proporcionando a vida todo apreço

ENCANTO

Esta poesia que fiz somente para ti
leva em cada palavra um beijo carinhoso,
em cada verso o amor que sinto e é todo teu.

Busco nas estrelas e não encontro o brilho
que vejo em teus olhos.
Olho o luar e não vejo a beleza que tem a tua face.
Não tem o sol o mesmo calor que sinto em teus braços
e nem a brisa a suavidade de tua pele.

Quisera colocar em cada letra o perfume das rosas
para que pudesses sentir o aroma que exala
do jardim que plantei no coração.

INCOMPARÁVEIS DIAS

Imperturbáveis foram os dias
De paixão e amor desmedido
Que rasgamos nossa fantasias
Num encontro de ternura vivido.

A imensidão daqueles momentos
De aspiração e sonhos realizados
Avivam nos meus pensamentos;
São a todos os instantes lembrados.

Ocasião incomparável, agora saudade!
Dos delírios arrebatadores
Convivido com tanta intensidade

A imagem da mulher atraente
Dos aconchegos, fascinante, envolvente...
Verdadeiro encontro com a felicidade!…

HOJE EU ACORDEI COM SAUDADES DE VOCÊ
-

Meu coração bate forte
Quando chega sua mensagem
Que bom se tivesse a sorte...
Vê-la chegar da viagem.

Quando te amei de verdade,
jamais eu pensei, “por certo”,
Que tu serias saudade
e o meu coração, “deserto”!

MORTO DE CIÚMES

Embriaguei-me no seu perfume
afoguei-me nos seus cabelos
quase morri de ciúmes!
Acolhi os seus queixumes
atendi os seus apelos
afoguei-me nos seus cabelos
quase morri de ciúmes!
Realizei as suas fantasias,
a enchi de alegria
assim, foram tantos dias.
Separados a seguir ficamos
depois que brigamos
por um caso qualquer...
Cada um de nós foi para um lado;
mesmo apaixonado
não queria procurá-la.
Certo dia, nós nos reencontramos,
fomos logo abraçando-nos
entregando-nos a paixão...
Depois de tempos perdidos
ouvindo os seus gemidos,
embriagando-me no seu perfume
afogando-me nos seus cabelos
após dias sem vê-los...
Estava MORTO de CIÚMES.

OBRA DIVINA

Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minutenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

A FORÇA DA FÉ

Por que tudo que sonho
está tão distante
e não posso alcançar?

Por que minhas vitórias
são tão sofridas, lutadas,
somente alcançadas
no limite da tolerância?

Por que tantos obstáculos
no meu caminho, desilusão,
tanta ingratidão sofrida?

Será uma provocação a minha fé?...
Persista, ela não tem limite,
é forte, acredite,
é meu rumo, é minha vida.

UM AMIGO

Um amigo de verdade, é aquele:
Companheiro de todos os momentos
Que podemos contar com ele
Mesmo sem provimentos.

Um amigo de verdade, é aquele:
Que nos promove esperança
Que podemos contar com ele
Que conosco quer fazer aliança.

Um amigo de verdade, é aquele:
Que não desaparece
Quando algo ruim nos acontece...

É aquele que nos conduz
Que ouve as nossas preces
Que podemos contar com ele... JESUS!

RITA

Você era tão bonita...
De uma beleza sem igual.
Eu, como tal,
encantado com a sua silhueta
retratava na memória
você vestida de azul...

De um azul que cintilava
como o céu na sua mais fascinante imagem.
Lembro-me ainda de quanta bobagem
o tempo que desperdicei
por não ter coragem
de revelar pra você a minha fascinação.
Não mereço perdão!

Devia castigar-me
por ter sido tão covarde.
Talvez fosse a idade
Talvez a timidez.
Só sei que a perdi de vez.
 
Perdi você Rita, que era tão bonita,
pra alguém que sequer merecia o seu olhar.
E você olhou
apaixonou-se
entregou-se
E se acabou na desventura
acreditando naquela criatura
que não soube amá-la
não soube respeitá-la
acabando por entregá-la
ao desgraçado mundo da ilusão.

Dói-me o coração
de vê-la descuidada
desiludida, acabada, desfigurada,
como não existisse mais nada...

Ou razão pra viver.
Ah! Rita, você era tão bonita...

FANTASIA          

Num aviãozinho, de papel, de cor azul, viajei pelo universo...
Naveguei nas nuvens
Passei pelas estrelas
Visitei a lua cheia
Pairei por distantes planetas
Avistei inúmeros cometas.
Quando cruzei o arco-íris...
Acordei do mundo da fantasia.

TEU SORRISO

Não há como esquecer o teu sorriso,
que vai comigo por onde eu andar!
É a imagem viva do paraíso,
estabelecida no meu olhar.

Teus lábios mexem com o meu juízo,
deslumbram-me, levando-me a sonhar...
Tu és a confidência que eu preciso,
a minha poesia, o meu cantar.

Teus gestos de suave singeleza,
teu corpo de exuberante beleza,
incendeiam de vez a minha chama.

Mas o encanto que teu sorriso reflete,
desaba como chuva de confete
neste coração, que tanto te ama.

SEMPRE AS FLORES

Uma borboleta
voava lentamente
e pairava suavemente
sobre as flores...
Um beija-flor
voava rapidamente
retendo-se repentinamente
para beijar as flores...
Uma garoa
que brandamente caia
em plena noite fria
vinha abluir as flores...
Uma abelha
trabalhava indefinidamente
sugava insistentemente
o néctar das flores...
Um jardineiro
jardinava diariamente
com aspecto plangente
diferentes espécies de flores...
Um romântico
caminhava apressadamente
levava todo contente
um buquet de flores...
Por que será
que inadvertidamente
tantos reverentemente
dirigem-se as flores?

UMA ROSA SEM ESPINHOS

Quando a música parou, ela veio,
Trazendo na mão um copo de vinho,
Eu que a olhava sem qualquer receio...
Avistava uma rosa sem espinho.

Os seus ombros, o seu corpo, seus meneios...
E improvidente, devagarzinho,
Tocava-lhe, de mansinho os seus seios,
Beijando-a com emoção e carinho.

Sequioso sugava sua boca
Ávido do mel, da essência dela,
Correspondia-me deveras, louca!

E deixando seu colo desnudado
Que a tornava mais sedutora e bela
E eu completamente apaixonado.

FLOR

Encontrei um jardim tão florido, tão bonito,
que me senti extasiado, perdido, encantado
diante de tanta realeza.
Cheguei a duvidar da certeza e pensar que estava vivendo um sonho!
Era uma realidade esplendorosa!
Um mundo de rosas, violetas, dálias, orquídeas...
Impossível contemplar apenas sem que tocasse cada flor,
sentisse seu aroma e afogasse na sua fragrância.
Senti-me poeta por estar como tal,
tomado pela sensibilidade e entender porque falam das flores;
e até comparam a sua formosura com a beleza do amor.
A flor sem dúvida é a culminância da arte, a obra prima divina, a perfeição!
Impossível evitar a emoção...
Inevitável sair da razão e não se aprofundar no mundo da fantasia!
Transportei-me então, a esse paraíso encantado,
e enamorado declarei minha fascinação a cada uma...
- Flor amarela, como é bela...
- Rosas, como são formosas...
- Flor vermelha, as outras em ti espelhas!
- As matizadas como são amadas...
- Flores azuis, tua beleza reluz!
- Flor negra, quanta nobreza!
- Flor branca que tanto me encanta...
- Flor lilás... Ah!... Flor lilás...
Quanta saudade me traz!

QUANDO MORRE UM POETA

"Quando morre um Poeta
Uma luz se apaga
Uma rima deixa de ser feita
Um trovador se cala.
- O belo é menos escrito
Do jeito mais bonito
de externar a inspiração.”

MEU ESPELHO
-

Meu espelho, revelador!...
Arca de memórias,
juiz implacável do presente,
profeta mudo do futuro,
confessionário e principal consultor.
Sorrindo diante de ti
relembro os meus dias de infância
gesticulando e fazendo caretas...
Na vaidade da adolescência e juventude
extraindo acnes, penteando os cabelos,
raspando os primeiros fios de barba
experimentando roupas...
Quanto desvelo, com a aparência!
Tudo sem perceber as transformações naturais
provocadas pela maturidade,
fator imposto pela idade,
pelo tempo, senhor de cada momento,
fosse ele, alegre, feliz, triste ou sofrido.
Agora, diante de ti,
mesmo estando a sorri
estou subordinado às mutações...
Uma ruga que antes não existia,
hoje, habita e marca a minha fisionomia...
Os cabelos longos, fortes, cheios,
que exigiam tantos cuidados,
apenas uns poucos, ainda existem,
presentemente esbranquiçados
e jogados um tanto para os lados.
No entanto, o que mais me revela e me assusta,
não é a modificação, irreversível, progressiva e bruta,
não são os momentos felizes ou tristes do passado;
nem o que fiz, de certo ou errado;
não são os tempos perdidos, desiludidos...
Não são os ideais que não puderam ser alcançados;
ainda que me deixem entristecido.
Muito menos, por tanto haver me empenhado
e me obrigado a compromissos...
Nada disso!
Mesmo que tenham me abalado, também não são,
as paixões e os amores fracassados...
Não é o futuro das minhas obras e conquistas;
não é a aparência de um homem cansado
desestabilizado, desalinhado,
vivido, sofrido,
nem sempre barbeado...
Definhando!...
Mas o que verdadeiramente me revela e me assusta
é o presente!... Esse presente
sem prorrogação, motivação,
sem meios de recuperação;
para a efetivação de tantos sonhos
que ainda vivo sonhando.

CAMINHOS

Caminhos... Caminhos!
Cada um com a sua história,
Cada um com um destino!...
Caminhos que levam e trazem,
caminhos cruzados, esquecidos, abandonados,
caminhos que se encontram, caminhos que se perdem!...

Caminhos do medo, da incerteza e da revolta,
caminhos dos enganos e dos desenganos,
onde durante anos aguardei a sua volta!...

Caminho da insensatez, da vaidade;
pelo qual você foi,
deixando de vez
um peito angustiado,
sofrendo de saudade.

Fontes:
http://robertoacruche.blogspot.com.br
Facebook do poeta

Roberto Pinheiro Acruche (Presidente da Academia Pedralva Letras e Artes 2014/2016)

A Academia Pedralva Letras e Artes – numa eleição considerada histórica, elegeu dia 23 de novembro, por unanimidade de votos dos Acadêmicos participantes da reunião, sua nova Diretoria para o biênio 2014/2016. O clima de paz, unidade e de grandes perspectivas reinou durante o evento. 

A Diretoria ficou assim constituída:

Presidente – Roberto Pinheiro Acruche
Vice-Presidente – José Gurgel dos Santos
Secretário Geral – Carlos Augusto Souto de Alencar
Secretário Adjunto – Thelmo Albernaz
Tesoureiro Geral – Vitória Rangel
Tesoureiro Adjunto – Ana Lúcia
Diretor de Patrimônio – Aldinei
Conselho Fiscal: Agostinho Rodrigues Herberson Fretais e José Viana.


Fonte:
http://saofranciscoagora.blogspot.com

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mário Quintana (A Vida)

Clique sobre a imagem para ampliar
Fonte:
Imagem formatada = http://www.dudabrama.com/2009/12/08/quintana

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N. 2 – 5 de Novembro de 1886

Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.

Muito custa uma notícia!
Que ofício! E nada aparece,
Que canseira e que perícia!
Que andar desde que amanhece!

E tu, leitor sem entranhas,
Exiges mais, e não vês
Como perdemos as banhas
Em te dar tudo o que lês.

És assim como um janota
De maneiras superfinas,
Que não sabe o preço à bota
Com que cativa as meninas.

Agora mesmo, buscando
Saber de associação
Que se deu ao venerando
Ofício de proteção

Aos animais — não sabia
Onde achasse os documentos
Dessa obra de simpatia,
Para transmiti-la aos ventos.

Achei quatrocentas atas
De reuniões semanais,
Ofícios, notas e datas,
Tudo espalhado em jornais.

Mas das ações praticadas
Em favor da bicharia,
E das vitórias ganhadas,
Nada disso conhecia.

Então lembrei-me de um burro,
Sujeito de algum valor,
Nem grosseiro nem casmurro,
Menos burro que o senhor.

E pensei: “Naturalmente
Traz toda a historia sabida;
É burro, há de ter presente
A proteção recebida”

Lá fui. O animal estava
Em pé, com os olhos no chão,
Tinha um ar de quem cismava
Cousas de ponderação.

Que cousas, porém, que assunto
Tão grave, tão demorado,
Ocupava o seu bestunto,
Nada lhe foi perguntado.

Talvez, ao ver-se assim magro,
Cativo como um nagô,
Pensasse no velho onagro,
Que foi seu décimo avô.

Entrei, dizendo-lhe a causa
Daquela minha visita;
Ele, depois de uma pausa,
Como gente que medita,

Respondeu-me: — Em frases toscas
Mas verdadeiras, direi,
Enquanto sacudo as moscas,
Tudo o que sobre isto sei.

Juro-te que a sociedade,
Contra os nossos sofrimentos,
Tem obras de caridade,
Tem leis, tem regulamentos.

Tem um asilo, obra sua,
Belo, forte, amplo e capaz;
Já se não morre na rua,
Dá-se ali velhice e paz.

Gozam dessa benta esmola,
Em seus quartos separados,
Mais de uma onça espanhola,
E muitos gatos-pingados.

Todos os galos na testa
Acham lá milho e afeição;
Lá vive tudo o que resta
Da burra de Balaão.

Mora ali a vaca fria.
E mais a cabra Amaltéia,
Única e só companhia
Do pobre leão de Neméia.

Não posso fazer elipse
Dos bichos caretas, nem
Da besta do Apocalipse,
Que ali seu abrigo têm.

E o cisne de Leda, e um bode
Expiatório, e o cavalo
De Tróia, escapar não pode;
Mas há outros que inda calo.

Peguei no papel, e a lápis
Escrevi tudo, e escrevi
Mais o nome do boi Ápis,
Que ele inda me disse ali.

E perguntei: — Meu amigo,
Por que é que a tantos amaina
O tempo, naquele abrigo,
E você anda na faina?

Ele, burro circunspecto,
Asno de boa feição,
Tirou de fino intelecto
Esta profunda razão:

— Se eu estivesse ali junto
Com outros da minha banda,
Você não tinha este assunto
Para a “Gazeta de Holanda”.

Vá consolado: que importa
Que eu viva cá fora ou lá?
Qualquer porta há de ser porta,
Para sair; vá, vá, vá.

E enquanto assim me dizia
frases que chamava toscas,
Chagas de pancadaria
Iam convidando as moscas.

Lá o deixei como estava,
Em pé, com os olhos no chão,
Parecendo que cismava
Cousas de ponderação.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Carlos Valadares (Poemas Avulsos)

Pintura: O Poeta , de Francisco Javier Rodriguez
Esperança {TC "Esperança "}

Aspirar o murmúrio
silêncio de mil lutas
recolhendo sons, despojos
de insanes loucos
sobrevivendo.

Erguer a lança, porém
bandeiras ao alto
cavalgando Rocinantes
em busca da utopia

Tornar-se guerreiro
em tormentosas batalhas
o impossível
viável há de ser.

Cicatrizes

Cicatrizes
vários matizes
artísticos
de sobreviventes
quase valentes?
Úlceras ardidas
inquietas
ocultas sofridas
inesperadas agonias
de inveja despojo
de alegrias desprimor
desossadas cicatrizes
de soslaio arremetidas
de gentes
mais que valentes?
ardentes úlceras
de fogo despegadas
de humanas gentes
sobreviventes.

Necrológio

Tanto de estranho oferece a vida
pavor mórbido a face empalidece
obsessiva leitura dos necrológios
procura trêmula de um nome
amigo, parente, anônimo
este morreu jovem, acidente,
atropelo. Matou-se?
Por amor, paixão, desdita
infarto, cansaço, velhice.
O nome, colega de escola, folguedo,
vizinho, a menina da esquina.
Eu me encontro em cada letra
imagino meu nome desfeito
um tempo qualquer, não me lembro
ainda continuo a buscar meu nome.

Fênix

‘Vida era uma coisa desesperada.”
Guimarães Rosa (Noites do Sertão)


Os escombros
as sombras
amedrontadas
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
bruscos lampejos
na vida sem freios
Súplica de beijos
desejos
eterna busca
perto do fim
do que não acabou,
ainda.
Cômodos fechados
oito cadeados
sete chaves
correntes arrastadas
do passado
atrás das serras
nas vésperas
do nascer do sol
apagar as marcas
gravadas riscadas
cicatrizes
cinzas
nas oficinas
do sofrer.
Renascer
com os sóis
girassóis
sobreviver
desabrochar
assustar o medo
de amar.

Incógnita

Ignorado
ocaso dos paradigmas
quais?
Verdades de seu tempo
aviltadas pelo dogmatismo.
Pioneiros
tirando água das pedras
construindo do nada
política é coliseu de paixões
O que é a vida
vendaval de ilusões
destruídas
tempestades de sonhos
por construir
novo antigo paradigma

Cinzas de outubro

Escute o silêncio
brado de mudas vozes
de tempos passados,
ultrapassados,
sem futuro.
No trabalho o silêncio se espalha,
fala o corpo.
Encontro de olhares
de viés.
Escute as vozes do silêncio
presságio de tormentas
súbito desconforto.
Escute o fluxo, as correntes
os subterrâneos,
nas entranhas
a varrer silêncios
e dos arbítrios
os donos.

Quase pânico

Porque a noite esconde tantos fantasmas
despertados pelo insone medo
de perder-se na trama do sono
onde náusea e quiasmas
discutem a existência do nada.
Não durmo e tenho medo
de passos antepassados
memórias desmemoriadas
sons, ruídos, diversos
sombras e luzes movediças.
Não durmo e tenho medo
da ausência do corpo a meu lado
Anseio e sinto falta
de sua presença na casa
do cheiro, perfume o que seja...
O vagar pelos cantos
o sono, o sonho, o nada
o temor de cerrar os olhos
estar só
e não despertar.

Pedaços de papel

Perdi a conta do que já escrevi
pedaços de papel rasgados,
amarrotados
atirados ao lixo,
ainda com o gosto salgado
das lágrimas, salvos talvez pelo destino
no fundo obscuro de uma gaveta
esquecidos entre as páginas de um livro
que não tive tempo de reler
e continuo a escrever
dores, sofrimentos, amores
para nunca serem lidos
falta a coragem
a oportunidade
o medo de se abrir
de abrir as portas.
Assim é a vida

Sem vida

A rotina amordaça
é o mofo, é a traça
tece a névoa
entorpece a vida
de nada tinge o tédio
o conflito obscurece
desbota o colorido
trança a rede
da descrença
atormenta o íntimo
aprisiona as cores
imobiliza
destrói os sonhos
ata as peias
correias, cadeias
A rotina odeia o sol
a luz, a vida, o amor,
a rotina
faz morrer

Fonte:
Goulart Gomes (Organizador). Antologia do Pórtico I.2003.

Nilto Maciel (A Lágrima)

Deitado de bruços, mãos no fuzil, Fernando circunvagou a vista pelo sítio. Corpos caídos aqui e ali. No entanto, o comandante caminhava e gritava: batalha vencida, hora de voltar às montanhas. Fernando ergueu-se e se pôs a andar no encalço do comandante e dos outros guerrilheiros.  Deu alguns passos e por pouco não pisou no peito de um inimigo. Olhou para baixo. O homem ainda vivia. Daria o tiro de misericórdia? Ergueu o fuzil. "Não atirem após a batalha, a não ser em caso de extrema necessidade”.O soldado gemia, olhos semi-abertos. É você, Vicente? Quando meninos haviam jurado amizade eterna. Quando eu for grande vou ser médico. E você? Não, médico eu não quero ser. Não posso ver sangue. Besteira, Fernando. É bonito curar as pessoas. Corriam para lá e para cá, jogavam bola no meio da rua, riam à toa. Formavam times e, às vezes, jogavam em lados opostos. Quando se chocavam, caíam, tombavam, ajudavam-se, pediam desculpas. Mas também brigavam. Até por motivos fúteis. Intrigas de outros meninos. Estudavam na mesma escola, trocavam colas*. Não vamos mais brigar, não é? Os olhos de Vicente se apagavam em lenta agonia. O comandante e os guerrilheiros se afastavam às pressas. Atire. Quero morrer. Não aguento mais tanta dor. Fernando se abaixou. Vicente, você está me reconhecendo? Eu sou o Fernando. Uma cobra se arrastava a dois passos da cabeça do soldado. A vida antigamente parecia muito bonita. Guerras só no cinema e nos livros de História. Tudo muito distante, como se fosse apenas ficção. Grandes formigas pretas se afogavam em rios de sangue. Urubus sobrevoavam o sítio. Um dia vou ser médico, para salvar muitas vidas. Tenho medo de sangue. Não sei ainda, mas talvez vá ser engenheiro. Não, jogador de futebol. Chuta forte, Vicente. Nunca mais vamos brigar, não é? Nunca, eu juro. Vamos ser amigos para sempre. Inimigos, nunca. O comandante e os guerrilheiros haviam sumido no mato. As formigas tentavam se salvar do afogamento nos riachos vermelhos. Os urubus crocitavam, em algazarra. Os olhos de Vicente se abriram desmesuradamente e fitaram os de Fernando. Agora somos inimigos. Mate-me de vez. Fernando pôs o fuzil no chão. Uma lágrima custou a sair do fundo de seu olho. No entanto, saiu, resvalou por seu rosto e, lentamente, como se nunca fosse cair, se alojou no olho do moribundo. Adeus, amigo.

Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.
Imagem = http://psicografiasdocarlos.blogspot.com