segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A Saudade em Versos Diversos V


MARTHA MEDEIROS
Verdades

Você pode ir embora e nunca mais ser a mesma
Você pode voltar e nada ser como antes
Você pode até ficar pra que nada mude
Mas aí é você que não vai se conformar com isso

Você pode sofrer por perder alguém
Você pode até lembrar com carinho ou orgulho
De algum momento importante na sua vida
Formatura, casamento, aprovação no vestibular
Ou a festa mais linda que já tenha ido

Mas o que vai te fazer falta mesmo
O que vai doer bem fundo
É a saudade dos momentos simples

Da sua mãe te chamando pra acordar
Do seu pai te levando pela mão
Dos desenhos animados com seu irmão
Do caminho pra casa com os amigos e a diversão natural
Do cheiro que você sentia naquele abraço
Da hora certinha em que ele sempre aparecia pra te ver
E como ele te olhava com aquela cara de coitado pra te derreter

De qualquer forma, não esqueça das seguintes verdades
Não faça nada que não te deixe em paz consigo mesmo
Cuidado com o que anda desabafando
Conte até três (tá certo, se precisar, conte mais)
Antes só do que muito acompanhado
Esperar não significa inércia, muito menos desinteresse
Renunciar não quer dizer que não ame
Abrir mão não quer dizer que não queira
O tempo ensina, mas não cura.

CECÍLIA MEIRELES
Silenciosas Lembranças


De que são feitos os dias?
De pequenos desejos
Vagarosas saudades
Silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias
Momentâneos lampejos
Vagas felicidades
Inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes
De pecados, de glórias
Do medo que encadeia
Todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos
Dentro deles choramos
Em duros desenlaces
E em sinistras alianças.

ADRIANA FALCÃO
Fugir da lembrança

 

Saudade é quando o momento
Tenta fugir da lembrança
Para acontecer de novo e não consegue.

FERNANDO ANITELLI
Belo e incerto


Metade de mim agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo, incerto
Depende de como você vê.

TATI BERNARDI
Saudadezinha


Eu tenho saudade de mil coisas
E todas essas mil coisas sempre caem
Na mesma única coisa de que eu tenho tanta saudade.

Eu tenho saudade de tudo
Não é um sentimento egoísta e muito menos possessivo
É apenas uma saudadezinha
Gostosa, tranquila, bonita, saudável, de longe.

RENATO RUSSO
Acrilic on Canvas


É saudade então, e mais uma vez
De você fiz o desenho mais perfeito que se fez
Os traços copiei do que não aconteceu
As cores que escolhi
Entre as tintas que inventei
Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos
De um dia sermos três...
Trabalhei você em luz e sombras
E era sempre não foi por mal
Eu juro que nunca quis deixar você tão triste
Sempre as mesmas desculpas,
E desculpas nem sempre são sinceras, quase nunca são.
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar.
A armação fiz com madeira das janelas do seu quarto
Do portão da sua casa fiz palheta e cavalete
E com as lágrimas que não ficaram com você destilei óleo de linhaça
Da sua cama arranquei pedaços que entalhei estiletes de tamanhos diferentes
E fiz, então, pincéis com seus cabelos
Com o batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte
E era sempre não foi por mal
Eu juro que não queria machucar você
Prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez
E era sempre, sempre o mesmo novamente, a mesma traição
Às vezes é difícil esquecer
Sinto muito ela não mora mais aqui
Mas então porque eu finjo
Que acredito no que invento
Nada disso aconteceu assim
Não foi desse jeito.
Ninguém sofreu,
E é só você que provoca essa saudade parecia
Tentando pintar essas dores com o nome de amor perfeito

Teófilo Braga (Cabelos de Ouro)

Recolhido no Algarve

Um homem e a sua mulher tinham dois filhos, mas não tinham que lhes dar a comer; uma noite estando já deitados ouviu o pequeno estarem dizendo:

– É necessário matar um destes filhos, porque não podemos com tanta família.

O pequeno acordou com a irmãzinha, contou-lhe tudo e botaram a fugir de casa. Foram andando noite e dia, e já muito longe o rapazinho cansado deitou-se no chão e adormeceu com a cabeça no regaço da irmã. Passaram por ali três fadas, e vendo a criança, deram-lhe três dons:

Que fosse a cara mais linda do mundo;

Que quando se penteasse deitasse ouro dos cabelos;

Que tivesse as mais raras prendas de mãos.

Assim que o pequeno acordou, puseram-se outra vez a caminho, e foram dar a casa de uma velha muito feia, que os recolheu. Passaram-se anos, e um dia que o rapazinho quis dinheiro, a irmã penteou-se, e ele levou o ouro para vender na cidade. O ourives que lho comprou ficou desconfiado, perguntou ao rapaz como é que arranjava aquele ouro, mas não quis acreditar tudo quanto ele disse. Foi dar parte ao rei, que o mandou prender até vir a irmã à corte para se apurar a verdade.
   
A velha, que tinha ficado com a menina dos cabelos de ouro, resolveu matá-la à fome; já estava havia dois dias sem comer, e quando lhe pediu alguma coisinha a velha disse-lhe que só se ela lhe deixasse tirar um olho. Ela deixou para não morrer. Depois de outros dois dias, estava já a menina a cair com sede, e pediu à velha uma pinga d’água, e ela disse que só se lhe deixasse tirar o outro olho. Até que ficou ceguinha. Foi então que veio ordem do rei para que a levassem à corte; a velha pensou que era melhor deitar a menina ao mar, e levar uma filha que tinha em lugar dela. O rapaz que estava preso numa torre que tinha uma fresta para o mar, viu andarem boiando na água umas roupinhas, que a maré trouxe para terra; botou-lhe uns lençóis torcidos para que ela subisse.

A velha tinha chegado à corte com a filha, e se ela não botasse ouro dos cabelos, o rapaz iria a matar. Quando a menina soube isto disse ao irmão que lhe arranjasse do carcereiro um papel fino para fazer flores. O carcereiro trouxe o papel, e a menina assim mesmo cega fez um ramo muito lindo cheio de pérolas e ouro que lhe caíam dos cabelos. O irmão pediu ao carcereiro para lhe mandar vender aquele ramo, não por dinheiro, mas sim por um par de olhos. Apregoou-se o ramo, todos o queriam, mas ninguém se atrevia a dar os olhos da cara por ele; só a velha quando ouviu o pregão é que o comprou pelos olhos da menina, que tinha guardado. O carcereiro trouxe o par de olhos, e a menina tornou a pô-los outra vez na cara.

Veio o dia em que a velha teve de apresentar a filha diante do rei, mas não deitava ouro dos cabelos. O rapaz ia já a morrer, quando mandou pedir ao rei que se lhe dessem um fato de mulher; iria buscar sua irmã, que a velha tinha querido matar. Deram-lhe o fato, e trouxe então da torre a menina, que se penteou diante do rei, e todos ficaram pasmados daquele dom e da sua grande formosura. A menina contou tudo ao rei, que lhe perguntou o que queria que fizesse da velha.

– Quero que da pele se faça um tambor, e dos ossos uma cadeirinha para eu me assentar.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.º 43 – 3 de janeiro de 1888

Deus lhes dê muitos bons dias,
Deus lhes dê muitos bons anos,
Lençóis para as noites frias,
Para as de calor, abanos.

Se é certo que os novos planos
Melhoram as loterias,
Convém evitar enganos,
Devaneios e utopias.

Exemplo: as áreas vazias
Estão dos tais soberanos
Com que se pagam folias,
Prazeres e desenganos.

Logo os ímpetos insanos
De curar academias
Com os tais calomelanos
Das modernas francesias,

São custosas fantasias
Para a arte e seus arcanos;
Mil vezes as ferrovias
E os carros americanos.

Façamos com que dois manos,
Saindo às ave-marias
De Ubá ou Curitibanos,
Vão almoçar a Caxias.

Mas gastar novas quantias,
Para ter alguns maganos
Que pintem quatro Marias
E as bodas de dois ciganos;

Ou meia dúzia de ulanos
Entre bélicas porfias,
Ou revoltas de oceanos...
Sou seu criado Mathias!

Lá para ver agonias
De um mártir, de dois tiranos,
Conheço melhores vias:
É ler casos mexicanos.

Se os Zeferinos ufanos
Podem ser seguros guias
Digam lá os paduanos;
Não sou dessas freguesias.

São talvez cerrancerias,
Chamam-me a flor dos marcianos,
Cá vou pelas simpatias
Cá dos meus paroquianos.

Neste tempo de pianos,
Lembra-me ainda as poesias
Em que falavam Albanos
Com as pastoras Armias.

Então quando as minhas tias,
Casadas com dois baianos,
Tinham as peles macias,
Inda sem rugas nem panos;

E nos meses marianos,
Cantavam as melodias,
Que os nossos peitos humanos
Enchem de melancolias;

Enquanto duras harpias
Com a guerra dos Cabanos,
Tiravam sangue às bacias,
Além de outros muitos danos;

E as velhas tinham bichanos,
Que eram as suas manias,
E os primos Salustianos
Iam às alcomanias;

Então as mesmas teorias
Tinha a arte e seus fulanos:
Tudo o que agora copias
Copiaram veteranos.

E os fulanos e sicranos,
Batizados noutras pias,
Podiam ser Ticianos,
Sem novas filosofias.

Concluo que as velharias,
Como os tabacos havanos,
Podem trazer alegrias
A nós, como aos turcomanos.

Que mais? Bahias? Tucanos?
São rimas de melodias...
Deus lhes dê muito bons anos,
Deus lhes dê muito bons dias.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas – Roberto Amaral

                Roberto Amaral (R. Átila A. Vieira) nasceu em Fortaleza, 1940. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1970. Graduou-se como bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, em 1964. No ano seguinte, formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Ceará. Autor de mais de duas dezenas de livros na área da ciência-política-comunicação-direito, publicou também Viagem e Outras Estórias (contos), São Paulo: Brasiliense, 1991; Não Há Noite Tão Longa (romance), Rio de Janeiro: Record, 1996, e Limites (contos), Rio de Janeiro: Record, 1999.

                Há muito se preconiza que a falta de tempo para leitura tem levado os escritores a escreverem poemas e contos curtos. E, em razão disso, o romance seria gênero do passado. Entretanto, publicam-se todo ano milhares de romances no mundo. E a maioria dos contistas não se deixou seduzir pela fórmula do chamado miniconto. Roberto Amaral é um deles. Algumas de suas narrativas chegam a mais de vinte páginas. Esse fôlego de atleta empurra o ficcionista para caminhos mais largos e longos, que aproximam suas composições de pequenas novelas. Assim, nele o tempo é sempre dilatado. Não se contenta com flashes, flagrantes, um só episódio. “Pessach” subdivide-se em três momentos. Essa “mudança de foco” ocorre em outras peças. Em “Amor” primeiro se vê Mariazinha num quarto de hotel. No meio da história surge “o velho Praxedes”, pai da moça citada, e Dr. Santana, futuro marido dela. Novo hiato, e Marizinha reaparece em retrospecto, ao encontro do novo amor, o jovem Janjão. E, ao final, a cena do hotel se completa. O desfecho é o flagrante do adultério: “quando se deparam (Mariazinha e Janjão) com os olhos esbugalhados do juiz”.

                Em “Conto das águas” diversos episódios se costuram cronologicamente e até iludem o leitor. Melquíades, o protagonista, se mostra em luta com as formigas que invadem a casa. O leitor não entende logo que as inimigas do homem sejam formigas: “elas permaneciam inatingíveis e invulneráveis”, o que acontece na terceira página: “Vêm desde cedo, irmãos siameses, o ódio e a repugnância às formigas.” Não compreende também que o narrador prepara sua atenção para uma longa chuva e que as formigas não terão mais nenhuma importância na obra. E a mudança de foco se dá de forma abrupta: “Foi nesse exato momento, numa dessas noites, que o céu iluminou a cozinha e depois despencou sobre sua cabeça”. Consciente de sua arte, Roberto Amaral não permite ao leitor se dizer enganado: as formigas simplesmente anunciaram a tempestade.

                O ficcionista não se limita ao espaço geográfico de uma cidade, imaginária ou real. Os episódios de suas composições transcorrem em pequenas cidades, em Fortaleza, no Rio de Janeiro, em Paris, etc. Em “Você vai morrer” a cidade pequena aparece logo no início da narrativa. O narrador a chama de vila, embora se refira a uma avenida, a um mercado, a uma rua e uma praça. Mais adiante se sabe onde se localiza a tal vila: no Nordeste brasileiro, pela referência a “anos de seca” e penitentes. Na sequência da narração, o leitor percebe com mais nitidez onde vivem os personagens: no Ceará, pela menção de alguns topônimos (Canindé, Quixadá, Joazeiro (sic) do Norte, Guaramiranga) e nomes históricos (padre Cícero, beata Maria de Araújo). “Pessach” tem como espaço geográfico o Rio de Janeiro. E não são meras citações de nomes de logradouros e bairros. O personagem percorre as ruas e o narrador descreve o espaço como se filmasse. Em “Amor” o escritor volta ao Ceará. Narrações/descrições do centro da cidade conduzem o leitor pela mão, em passeio saudosista, sem deixar de lado a citação de nomes de velhos logradouros e prédios históricos. O mesmo se vê em “Feliz Natal”, com as referências ao tradicional diário O Povo e à Livraria do Edésio. E em “Conto das águas”, quando diz que a “estreita Domingos Olímpio estava alagada”. Hoje a avenida é larga, mas ainda se alaga quando chove. O alagamento da cidade de Fortaleza é descrito com perfeição.

                Os longos períodos de seca têm inspirado ficcionistas nordestinos, desde o século XIX, a criar romances e contos de retirantes. Por outro lado, essa mesma escassez de água tem induzido escritores do Nordeste a “inventar” chuvas, aguaceiros, muitas águas – o que também sucede, é claro, mas nunca como em outras regiões do país. Assim, Caio Porfírio Carneiro escreveu a coleção Chuva, os dez cavaleiros, em que todas as histórias têm como pano de fundo a chuva. Roberto Amaral não escapou desse sonho de nordestino: algumas de suas histórias estão repletas de água. O próprio título de um deles – “Conto das águas” – bastaria para ilustrar este argumento. Uma frase – “quando se viu chover tanto assim no Ceará?” – mostra o “horror” vivido pela população cearense naquele ano de tanta chuva, quando todos os açudes do Estado estiveram cheios “e o Orós pegou sua lâmina mais alta, desde que a barragem foi construída”. Como se descrevesse o dilúvio, o narrador encerra a história assim: “As águas continuaram subindo.”

                Os personagens de Roberto Amaral são quase sempre trágicos ou lembram os heróis e as heroínas dos romances realistas europeus do século XIX, de Shakespeare, dos gregos. O clima de tragédia percorre todas as linhas de “Você vai morrer!”. Há mesmo um quê de helenismo nesta peça, como no nome de uma personagem, Helena, inconsolada, com a morte do marido, desde moça até a velhice. A epígrafe de “Sentença” – “A vida é uma triste armadilha”, Tchekhov – referenda este raciocínio.

                Outros personagens do escritor parecem menos trágicos, como os de “Pessach”, judeus brasileiros. Entretanto, o principal tema da obra é a solidão, a velhice, a proximidade da morte, tão presente em Abrão, apegado ao comércio, aos livros, aos sonhos, às preocupações. Chegado aos 60 anos, sentia que a vida era “uma pequena solidão que caminha para a solidão absoluta”. Mariazinha, de “Amor”, tem muito daquelas mulheres dos romances realistas franceses. No enigmático “Feliz Natal” também é explorado o tema da solidão e da morte. Estranhamente, o protagonista é chamado apenas de Advogado, como se este fosse seu nome. Melquíades, de “Conto das águas”, não chega a ser trágico. Talvez patético, primeiro em sua luta desesperada com as formigas, depois com a chuva que não pára. Sua impotência, sua fraqueza, ele que sempre fora tão correto, tão civilizado, tão cumpridor dos deveres.

                Construídas nos moldes das narrativas tradicionais, as composições ficcionais de Roberto Amaral têm certo ímã, ainda mais porque sua linguagem não se alimenta de modismos, malabarismos e outros “ismos”. Entretanto, o ensaísta (ele é autor de 16 livros de ensaios) ainda não se distanciou totalmente do contista. Alguns contos poderiam ser mais enxutos, menos informativos, menos recheados de sociologia. Mas, mesmo assim, os limites da prosa ficcional de Roberto Amaral são largos.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Erros Comuns em Redação III

56.
Ficou contente "por causa que" ninguém se feriu.

Embora popular,a locução não existe.

Use porque: Ficou contente porque ninguém se feriu.

57.
O time empatou "em" 2 a 2.

A preposição é por:
O time empatou por 2 a 2.

Repare que ele ganha por e perde por. Da mesma forma: empate por.

58.
À medida "em" que a epidemia se espalhava...

O certo é:
À medida que a epidemia se espalhava...

Existe ainda na medida em que (tendo em vista que):
É preciso cumprir as leis, na medida em que elas existem.

59.
Não queria que "receiassem" a sua companhia.

O i não existe:
Não queria que receassem a sua companhia.

Da mesma forma:
passeemos, enfearam, ceaste, receeis

(só existe i quando o acento cai no e que precede a terminação ear: receiem, passeias, enfeiam).

60. Eles "tem" razão.

No plural, têm é assim, com acento.

Tem é a forma do singular.

O mesmo ocorre com vem e vêm e põe e põem: Ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm; ele põe, eles põem.

61.

A moça estava ali "há" muito tempo.

Haver concorda com estava.

Portanto:
A moça estava ali havia (fazia) muito tempo.

Ele doara sangue ao filho havia (fazia) poucos meses.

Estava sem dormir havia (fazia) três meses.

(O havia se impõe quando o verbo está no imperfeito e no mais-que-perfeito do indicativo.)

Fonte:
www.info-vest.com.br

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Varal da Saudade em Trovas I


Jangada de Versos do Ceará (9) Filgueiras Lima

ANTONIO FILGUEIRAS LIMA
Lavras da Mangabeira  1909 – 1965


SÍMBOLO DO FIM

Hão de viver-me sempre, na memória,
este crepúsculo e esta despedida.
A beleza da tarde é merencória...
A luz do teu olhar é dolorida...

O sol, num instante último de glória,
beija as rosas vermelhas da avenida.
E morre, entre suspiros, esta história,
que era todo o esplendor da nossa vida!

Tua trêmula voz, dói-me escutá-la.
Na tarde passa uma andorinha leve,
sozinha e triste, pelo céu de opala.

- Adeus, adeus! respondes-me chorando.
Vai-se a felicidade, que foi breve,
como a andorinha que fugiu do bando...

POEMA DA DISTÂNCIA

                 A Stênio Gomes

No coração do espaço
a noite acordou, com a sua mão de sombra,
as notas de ouro das estrelas.
E a imponderável música dos astros
veio descendo,
por uma escada trêmula de luz,
até o chão colorido do jardim.
Todas as rosas cantaram
pela voz ignota dos perfumes...

Foi aqui - eu me recordo ainda! -
que, numa noite assim,
à música sonâmbula das estrelas
recebi tuas últimas carícias!
Na penumbra
              o repuxo, tristíssimo, chorava...
Depois
a poeira violácea da saudade
escreveu, entre nós, o poema da distância...

A CIGARRA E A FORMIGA

Passada a quadra invernosa,
de sofrimento e expiação,
a cigarra desditosa
vai gozar outro verão.

O ouro do sol espadana
pelos vales e campinas.
Toda a terra se engalana
de fulgurâncias divinas.

Que alegria, que algazarra,
aos resplendores do dia!
É que, de novo, a cigarra
fretine, canta, zizia. . .

A burguesa da formiga
vê então que a sorte é vária
Tem inveja da cantiga
da cigarra proletária.

Quem lhe dera aquele canto,
que todo mundo aprecia,
para encher o seu recanto
de música e de alegria!

E, à porta do formigueiro,
onde a fartura se abriga,
ela, passa o dia inteiro
bebendo aquela cantiga. . .

Fala à cigarra - a formiga,
que de vergonha se cobre:
- De nós duas, minha amiga,
eu sou, decerto, a mais pobre.

De que me serve o celeiro
em tempos fartos e bons?
Você, se não tem dinheiro,
é milionária de sons!

E eu negar - oh! que tristeza!
um simples naco de pão
a quem possui a beleza
sonora deste verão.

Que inveja ao vê-la, taful,
cantando, pelo arrebol,
na glória do céu azul,
dentro de um raio de sol!

A cigarra não responde
à vil formiga vulgar.
Porém, no verde da fronde,
põe-se, mais alto, a cantar!

RELÓGIO

Bates, de hora em hora,
e ouço no teu bater alguém que chora.
É o tempo que soluça em tuas cordas,
diante das horas que passam,
sinuosas, trêfegas, volúveis,
deixando um beijo em cada curva
e uma saudade em cada beijo...

Elas dançam
o bailado da ilusão:
rápidas chegam
e, rápidas, se vão,
como sombras que apenas deixam
outras sombras em nosso coração...

Quando te escuto,
ó meu velho relógio de parede,
conta-gotas de horas convencionais,
lamento a tua faina inglória e vã,
porque - bem sei - não poderás jamais,
embora andando e pelejando assim,
medir as horas infinitas
do Tempo que não tem fim.

Fonte:
Antonio Miranda

Cecília Meireles (História de uma Letra)

Muita gente me pergunta se deixei de escrever o meu sobrenome com letra dobrada devido à reforma ortográfica; e quando estou com preguiça de explicar, digo que sim. Mas hoje tomo coragem, balanço-me a confessar a verdade, que talvez não interesse senão aos meus possíveis herdeiros.

A verdade nunca é simples, como se imagina. E em primeiro lugar, devo dizer que o meu sobrenome simplificado só vale na literatura. Nos documentos oficiais prevalece a forma antiga, e eu por mim gosto tanto da tradição que não me importava nada carregar um ípsilon, um th, todas as atrapalhações possíveis que enrugam e encarquilham um idioma.

Por outro lado, as reformas ortográficas são sempre tão arrevesadas que já perdi as esperanças de estar algum dia completamente em condições de escrever sem erros, descansando assim no tipógrafo e no revisor, que são os grandes responsáveis pelas nossas faltas e pelas nossas glórias. Não foi, portanto, por afeição às reformas que sacrifiquei uma letra do meu nome. A história é mais inverossímil.

Todos na vida atravessamos certas crises. Dever-se-ia mesmo escrever sobre a gênese, desenvolvimento, apogeu e fim das crises. Se uma pessoa está sem emprego, o natural é que se empregue. Se está doente, o natural é que morra ou se cure. Mas o fenômeno da crise é importante precisamente por ser o contrário do natural. De modo que se a pessoa está desempregada, não há maneira de arranjar emprego, e se está doente não há maneira de se curar, etc...

As crises são muito variadas. Há crises sentimentais, econômicas, de inspiração, de talento, de prestígio — e o povo classifica essa situação, que ele, em sua sabedoria, já observou, com o fácil nome de azar.

O azar não é lógico. Isso é que o torna desesperador. A pessoa sai de casa, bem com a sua consciência, com as faculdades mentais em perfeita ordem, os músculos, os nervos, tudo bem governado, atravessa a rua como um cidadão correto, observando o sinal, e quando chega do outro lado, apanha na cabeça um tijolo que um operário, inocente, deixou cair do sétimo andar de uma construção.

Naturalmente, todo o mundo tem refletido sobre as razões secretas dessas coisas inexplicáveis. E foi assim que, com o correr do tempo, se chegou à caracterização de um certo número de fatos e objetos que servem de prenúncio ao azar: espelhos quebrados, relógios parados, sal entornado na mesa, sapato emborcado, tesoura aberta, gato preto, mariposas, sexta-feira dia treze, mês de agosto, gente canhota e estrábica, vestido marrom, para só falar dos principais.

Penetrando mais no estudo de todas essas superstições, pessoas entendidas têm procurado explicá-las pelas correlações existentes com as crenças do paganismo, estas por sua vez baseadas no empirismo e na ignorância dos nossos antepassados, e assim por diante, o que não impede que as pessoas ainda hoje se benzam, quando bocejam, para que o Demônio não lhes entre pela boca; e não cruzem a mãos, quando se cumprimentam, para não atrapalharem algum matrimônio, e não se deitem com os pés para a rua, e não façam muitas outras coisas, só pelo medo das suas conseqüências ocultas.

Outras pessoas, igualmente entendidas, dão rumo diverso aos seus estudos, descobrem o entrelaçamento das causas e efeitos universais, chegam até a afirmar que tudo quanto nos acontece nesta encarnação é fruto remoto de encarnações anteriores, e respeitam o que diz um provérbio oriental — que o simples roçar da roupa de um passante, na nossa roupa, é indício de alguma proximidade de vidas, em tempos imemoriais.

E há os que seguem o caminho dos astros, e com uma circunferência, umas retas, uns planetas, uns cálculos, dizem e predizem os nossos destinos, com todas as suas inesperadas trajetórias.

E há os que lêem nas linhas das mãos, e contam as nossas viagens, os nossos padecimentos de fígado, o que vamos fazer daqui a vinte anos, e o minuto em que empalidece a nossa estrela...

Está claro que creio em tudo isso. Eu justamente creio em tudo. Creio até no contrário disso. A minha faculdade de crer é ilimitada. Não compreendendo por que as pessoas crêem numas coisas e noutras não. Tudo é crível. Principalmente o incrível. Não estou fazendo paradoxo. A vida é que já é por si mesma paradoxal, desde que seja vista não apenas pela superfície.

Ora, uma vez, todas as coisas começaram a correr contra mim. Fazendo a mais profunda e leal introspecção, estou bem certa de que não merecia tanto. Se punha roupa branca, chovia; se precisava ver a hora, o relógio estava parado; muitas coisas pequenas, assim e outras maiores, já com intervenção humana, e que, por isso, não é necessário contar.

Então, considerando que tal concordância de acontecimentos desagradáveis devia ter uma razão secreta, pus-me a procurá-la.

Ao contrário do que geralmente se faz, comecei por atribuir a mim mesma a razão dos meus males. É certo que todos temos muitos defeitos. Mas nunca me dei ao luxo de ter tantos que justificassem a conspiração que se fazia contra mim.

Admitida a minha inocência, passei ao exame das circunstâncias que por acaso estivessem sob a minha responsabilidade. Nem espelho partido nem vestido marrom nem gato preto nem número fatídico na porta.

E assim descendo de observação em observação, e consultando algum conhecido — e os nossos conhecidos sempre sabem essas coisas ocultas e se não nos ajudam com as suas luzes é pela timidez em não acreditarem o momento propício — passei a analisar o meu nome.

Esqueci-me de dizer que estava disposta a todos os despojamentos. Se a culpa fosse de algum mau sentimento, de alguma ação malvada, eu me castigaria energicamente. E até para me estimular recordava o exemplo daquela senhora americana que arrancou um olho e cortou a mão, convencida de que esses dois fragmentos do seu corpo estavam estragando a sua alma.

Foi nessa ocasião que me explicaram o valor cabalístico das letras, e a razão por que muitas pessoas mudam de nome, trocando aquele que lhes foi dado por outro em que haja uma combinação de valores mais favorável aos seus destinos.

Todos os conhecimentos têm uma profunda sedução. Quem conseguisse saber tudo ficava igual a Deus. Por isso é que muitos são de opinião que se saiba o menos possível, para não se ter a mesma sorte de Eva, que logo no princípio do mundo estragou o Paraíso com o pecado do saber.

Digo isto porque um tratado de biologia me atrai com a mesma força que um volume de ciências ocultas, e os números e as letras me parecem tão organizados, tão sensíveis, tão vivos, tão poderosos, enfim, como um animal, uma planta, um átomo.

Naturalmente, desmontei o meu nome, peça por peça, calculei, pesei, refleti, devo ter chegado a alguma conclusão de que já não me lembro, e não tenho a impressão de que os meus cálculos fossem assim desfavoráveis. Mas pelo sim, pelo não, como havia uma letra disponível, achei melhor sacrificar essa letra.

Há os que sacrificam os filhos, os carneiros, as aves, e há os que sacrificam o seu coração. Sacrifiquei o meu. Porque eu gostava de todas as minhas letras, fervorosamente. Ter de cortar uma, não foi assim coisa tão fácil como as reformas ortográficas ordenam. Uma letra é um signo, é uma coisa misteriosa que as gerações vêm carregando consigo, modificando de longe em longe, por mão inexperiente, por súbito esquecimento, por ignorância de algum escriba emprestado.

Deu-me um trabalho muito grande, ficar sem essa letra. Quando olhava para o meu nome sem ela, sentia como se me faltasse um pedaço, como se estivesse realmente mutilada, sem a mão ousem o olho. Consolava a letra perdida. Escrevia-a sozinha, do lado, sorria-lhe, contava-lhe coisas, para distraí-la. Tudo era muito infantil e muito triste. A pobrezinha ficava para trás, e dava-me saudade. Recapitulando estas coisas, sinto-me entristecer, e preciso recobrar a minha força de vontade para não alterar outra vez o sobrenome.

Afinal, como último trabalho convincente, estabelecemos este acordo. A letra não ficaria perdida: seria usada nos documentos oficiais, nesses lugares respeitáveis em que a firma é a garantia da nossa pessoa recebendo e pagando os lugares que nos vemos que merecem a consagração e a estima unânimes dos nossos colegas humanos.

Quanto às coisas literárias, essas efêmeras coisas pelas quais vamos morrendo dia a dia, não são assim de tal modo graves que precisem da firma autêntica, daquela firma por que os juízes nos podem perguntar um dia, brandindo um papel pavoroso e fulminante: "Dize, bandido, foste tu que assinaste este documento?" Não, as coisas literárias não chegam a esse ponto. O mais que nos pode acontecer é tirarem o nome que escrevemos no fim e substituírem-no por outro, sem juiz, sem fulminação, sem defesa...

Isto posto, a letra abandonada e eu nos abraçamos ternamente, e nos separamos. Como era uma letra suave, terá querido dizer com o seu romantismo: "Quero apenas que sejas menos infeliz. Acompanhei-te durante tanto tempo! Tiveste tanta dificuldade em aprender a escrever-me... Pensavas com inocência no mistério das letras dobradas... Sentias orgulho, na escola, por essa letra dobrada no nome... Mas talvez eu esteja pesando demais na tua vida. Não fiques triste. Adeus."

Fiquei muito triste. Faltava-me a letra. Já não era como se me faltasse um pedaço de mim, — mas, um parente, um amigo extraordinário.

A minha vida, porém, mudou tanto que, por mais saudade que me venha dessa letra perdida, não me animo a fazê-la voltar.

E está feita a confissão. Como se vê, uma história longa, que não se pode repetir a cada instante. Principalmente porque é uma história íntima, e ninguém deve cortar as letras do seu nome só por ter visto outras pessoas fazê-lo. E fica explicado para sempre que assino deste modo por motivos sobrenaturais, fantásticos, como quiserem, mas não pela reforma ortográfica, aliás muito cautelosa com os nomes próprios, respeitando-os tanto quanto me parece deverem ser respeitados, principalmente pelos mistérios que dentro deles vão navegando.

(Rio de Janeiro, A MANHÃ, 27 de dezembro de 1944.)

Fonte:
Cecília Meireles. Obra em prosa. Volume 1. RJ: Nova Fronteira, 1998.

Irmãos Grimm (Dona Ola)

Era vez uma viúva que tinha duas filhas — uma delas era bonita e trabalhadora, ao passo que a outra era feia e preguiçosa. Mas a mãe gostava mais da filha que era feia e preguiçosa, porque ela era sua filha própria; e a outra, que era filha do marido dela, era obrigada a fazer todo o trabalho doméstico, e como tal, era a Gata Borralheira da casa. Todos os dias a pobre garota tinha de sentar-se perto de um poço, que ficava à beira do caminho, e fiava e fiava até que seus dedos sangrassem.

E então aconteceu que um dia a bobina ficou manchada com o sangue dela, então ela mergulhou a bobina no poço, para remover as marcas de sangue; mas a bobina escorregou das suas mãos e caiu no fundo do poço. Ela começou a chorar, e correu até a sua madrasta e contou a ela o seu infortúnio. Esta porém, repreendeu-a com severidade, e foi tão impiedosa a ponto de dizer, "Como foi você que deixou a bobina cair dentro do poço, você deve pegá-la de volta."

Então a garota voltou até o poço, e não sabia como fazer isso; e como o seu coração estava aflito, ela pulou dentro do poço para pegar a bobina. Ela perdeu os sentidos; e quando acordou e voltou a si novamente, percebeu que estava num lindo campo onde o sol brilhava e milhares de flores estavam desabrochando. Ela começou a vagar pelo campo, e finalmente avistou um forno de padaria repleto de pães, e o pão gritava para ela, "Oh, me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; já estou assado há muito tempo!" Então ela se aproximou dele, e tirou todos os pães, um após o outro, com uma pá de pegar pães.

Depois disso, ela continuou andando até que encontrou uma árvore repleta de maçãs, que gritaram para ela, "Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! porque nós estamos todas maduras!" Então, ela chacoalhou a árvore, até que caiu uma chuva de maçãs, e ela continuou chacoalhando até que todas tivessem caído, e quando ela tinha apanhado um montão delas, ela seguiu seu caminho.

Finalmente ela chegou numa casa pequenina, onde uma velhinha estava espiando; mas ela tinha dentes tão grandes que a garota ficou assustada, e teve vontade de fugir.

Mas a velhinha gritou para ela, "Do que você tem medo, minha menininha? Fique aqui comigo; se você fizer todo o trabalho de casa direitinho, você mostrará que é uma boa menina. Somente você deve tomar muito cuidado para arrumar bem a minha cama, e você deve sacudir bem forte até que as penas voem  —  e então é como quando a neve cai sobre a terra. Eu sou a Dona Ola."[1]

Como a velhinha falava de um modo tão gentil com ela, a garota tomou coragem e concordou em fazer o serviço. Ela fez todo o serviço para satisfação da velhinha, e sempre sacudia a cama dela com tanta força que as penas voavam por todo lado e caíam como flocos de neve. Então ela tinha uma vida agradável ao lado da velhinha; que nunca se zangava; e comia comida boa todos os dias.

Durante algum tempo ela ficou em companhia de Dona Ola, e depois ela começou a ficar triste. A princípio, ela não sabia qual era o problema que a aborrecia, mas aos poucos ela foi descobrindo que era saudade da sua casa: embora ela fosse mil vezes mais feliz aqui do que na sua casa, mesmo assim ela sentia uma grande vontade de estar lá. Por fim, ela acabou dizendo para a velhinha, "Estou com muita saudades de casa; e embora eu seja muito feliz aqui, não posso ficar mais; preciso voltar para a minha família."

Dona Ola disse, "Fico feliz que você sinta saudade da tua casa, e como você me serviu com tanta dedicação, eu mesma vou te levar de volta." Dito isto, ela pegou a menina pela mão, e a levou até uma porta muito grande. A porta estava aberta, e assim que a donzela estava passando bem debaixo dela, uma pesada chuva de ouro começou a cair, e todo ouro ficava colado no corpo dela, até que ela ficou completamente coberta do metal.

"Tudo isso será teu porque você é muito esforçada," disse a Dona Ola; e ao mesmo tempo deu de volta a ela a bobina que ela havia deixado cair dentro do poço. E então a porta se fechou, e a pequena donzela se viu deitada no chão, não muito distante da casa da sua madrasta.

E a medida que ela caminhava em direção ao quintal ela avistou um galo que estava pousado ao lado do poço, e gritou — "Cocoricó! A menina de ouro voltou para casa!" Então ela foi até sua mãe, e quando ela se aproximou toda coberta de ouro, ela foi bem recebida, tanto por ela como pela irmã.

A garota contou tudo o que aconteceu a ela; e assim que a mãe ficou sabendo como ela conseguiu tanta riqueza, ela ficou muito desejosa que a sua filha, feia e preguiçosa, tivesse a mesma sorte. A única coisa que ela tinha de fazer era ficar sentada ao lado do poço e fiar e fiar; e para que a bobina ficasse manchada de sangue, ela precisou encostar a mão num espinheiro para que seu dedo fosse picado. Depois, ela atirou a bobina dentro do poço, e em seguida pulou dentro dele.

Ela se viu então, no mesmo e belo campo, como a sua outra irmã, e percorreu os mesmos caminhos. Quando ela chegou perto da fornalha o pão gritou novamente, "Oh, me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; há muito tempo que já estou assado!" Mas a pequena preguiçosa respondeu, "Como se eu tivesse alguma vontade de me sujar!" e continuou seu caminho. Pouco depois, ela encontrou o pé de maçãs, que falou para ela, "Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! As maçãs estão todas maduras!" Mas ela respondeu, "Eu gostaria de fazer isso! mas uma de vocês poderia cair na minha cabeça," e continuou andando.

Quando ela chegou à cada de Dona Ola ela não ficou com medo, porque ela já tinha ouvido falar dos dentes grandes que ela possuía, e logo começou a fazer todo serviço que precisava ser feito.

No primeiro dia ela se esforçou para trabalhar com dedicação, e obedecia à Dona Ola quando esta lhe pedia para fazer alguma coisa, pois ela estava pensando em todo ouro que a velhinha lhe daria. Mas no segundo dia ela começou a ficar com preguiça, e no terceiro dia com mais preguiça ainda, até que ela não queria mais levantar cedo de jeito nenhum. Ela nem sequer arrumava a cama de Dona Ola como deveria, e não sacudia a cama com força até que as penas começassem a voar.

Dona Ola então se cansou de tanta preguiça, e falou para ela para que se fosse dali. A menina preguiçosa estava mesmo querendo ir embora, e pensou que naquele momento uma chuva de outro começaria a cair. Dona Ola a conduziu até uma porta muito grande; mas quando ela estava bem debaixo da porta, ao invés de ouro uma chuveirada de piche caiu por todo seu corpo. "Esta é a recompensa pelos teus serviços," disse a Dona Ola, fechando a porta.

E então a menina preguiçosa foi para casa; mas ela estava totalmente coberta de piche, e o galo estava sentado ao lado do poço, e assim que ele viu a menina, exclamou — "Cocoricó! A menina cheia de piche chegou!" Mas o piche estava tão grudado no corpo dela, que não pode ser removido durante toda a sua vida.
==============
Nota
[1] É por isso que em Hesse, na Alemanha, quando cai neve, as pessoas dizem: "Dona Ola está arrumando a cama agora.”


Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Versos Diversos IV

GERMANA FACUNDO
Saudades do que nunca viveu

Que saudades
Como pode alguém sentir saudades do que nunca houve
Como pode alguém sentir saudades do que nem viveu
É como estou hoje
Com saudades
Morrendo de saudades dos sonhos que criei
Chorando de saudades das horas que imaginei
Das histórias que sonhei
Hoje estou assim
Querendo que o tempo vá para onde eu quero
Para onde ele nunca esteve
Mas a saudade é tanta que me paralisa
É muita saudade
E nem aconteceu
E nada eu vivi
Como se pode sentir saudades de uma época que não existiu
De fantasias e de promessas que nunca se concretizaram
Por que sentir saudades de um futuro inventado
Quando há um presente imenso para se viver
Mas não se manda no coração
O coração é pretensioso e quase sempre faz o que quer
A razão até tenta dominar
Mas raramente consegue
E por causa do coração a gente faz um monte de besteira
E fica esperando, esperando
Esperando que tudo volte a ser como antigamente
Ou pior
Que tudo seja como criamos em nossos sonhos mais recorrentes.

CHARLES CHAPLIN
Se amanhã sentires saudades

Tua caminhada ainda não terminou
A realidade te acolhe
Dizendo que pela frente
O horizonte da vida necessita
De tuas palavras
E do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades
Lembra-te da fantasia
E sonha com tua próxima vitória
Vitória que todas as armas do mundo
Jamais conseguirão obter
Porque é uma vitória que surge da paz
E não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações
Tempestuosas novamente
Mas haverá de ver sempre
O lado bom da chuva que cai
E não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem
Atender a quem te chama é belo
Lutar por quem te rejeita
É quase chegar a perfeição
A juventude precisa de sonhos
E se nutrir de lembranças
Assim como o leito dos rios
Precisa da água que rola
E o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã
O sinônimo de nunca
Nem o ontem te seja o mesmo
Que nunca mais
Teus passos ficaram
Olhes para trás
Mas vá em frente
Pois há muitos que precisam
Que chegues para poderem seguir-te.

MÁRIO QUINTANA
Do Amoroso Esquecimento

Eu, agora - que desfecho
Já nem penso mais em ti
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Teófilo Braga (O Ovo e o Brilhante)

Recolhido no Porto

Havia uma mulher, que tinha uma filha e uma enteada. Estavam sozinhas em casa, uma sempre na cozinha, muito maltratada, e a outra sempre altiva e soberba na janela. Passou uma velhinha, e pediu se lhe davam alguma coisa. Disse a soberba:

– Vá-se embora, tia, que não há pão cozido.

A outra disse:

– Não tenho que lhe dar; só se for este ovo fresco que pôs agora a galinha.

E deu o ovo à velhinha. A velhinha quebrou-o, e dentro do ovo estava uma grande pedra preciosa, que era um brilhante; pegou nele e deu-o à menina:

– Trazei sempre essa pedra ao pescoço, que enquanto andares com ela haveis de ter todas as felicidades.

A pequena pôs a pedra ao pescoço. A irmã, com inveja, foi também buscar um ovo, e deu-o à velhinha.

Ela disse que o partisse pela sua mão; assim fez, e rebentou o ovo choco, que estava com mau cheiro e a cobriu de porcaria pela cara e pelas mãos.

A velhinha foi-se embora. Aconteceu passar por ali o rei, e viu aquela menina com a pedra ao pescoço, e achou-a tão linda, e ficou logo tão apaixonado, que a mandou buscar e casou com ela.

Ficou rainha; e como era boa, a madrasta e a irmã pediram-lhe para que as deixassem viver no palácio; deixou.

Um dia o rei foi para uma guerra, onde tinha de se demorar; a rainha ficou no palácio. Ora a madrasta, que já sabia do poder da pedra preciosa, confiava mais a filha com intuito de ver se lhe furtavam, até que um dia que ela estava no banho, e que a irmã lhe tinha ido botar o lençol, furtou-lhe a pedra sem ela saber.

Imediatamente ficou muito aflita, e a irmã mais a madrasta fugiram para irem ter com o rei, que estava na campanha, porque tinha a certeza que ele a tomaria por mulher.

Pelo caminho puseram-se a descansar e adormeceram. Passou uma águia e viu luzir a pedra, e de repente desceu e arrancou-a, e engoliu-a. Quando as mulheres continuaram o seu caminho, chegaram à barraca do rei, sem terem ainda dado pela falta da pedra.

Pediram licença para entrar, dizendo que era a mulher do rei que vinha visitá-lo, porque tinha muitas saudades. O rei conheceu quem eram, e mandou-lhes dar muita pancada e pô-las fora; foi então que a rapariga deu pela falta da pedra, e se colocou a fugir, e a mãe atrás dela.

Quando o rei chegou ao seu reino, veio a rainha ao seu encontro; mas como não tinha a pedra o rei não a conheceu, e disse:

– É uma tola como as outras. E escorraçaram-na.

Ela tornou para o palácio, e lá só a aceitaram para ajudar na cozinha. De uma vez estava-se a arranjar um grande jantar para o casamento do rei, e ela ao preparar uma águia, achou-lhe no papo uma grande pedra preciosa.

Guardou-a, e pediu ao dono para ir servir à mesa. Assim foi; pôs a pedra ao pescoço, e assim que entrou na sala, o rei conheceu-a e lembrou-se dela, e perguntou-lhe como é que aquilo tinha sido.

Ela contou-lhe tudo, e o rei sentou-a logo à sua direita, e a outra princesa foi-se embora.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 42 – 28 de dezembro de 1877

Eu cá, quando toda a gente
Chora ou treme de assustada,
Tenho um desejo veemente
De dar uma gargalhada.

E a razão, — se há razão nisto,
Não é senão porque é útil
Fazer deste mundo um misto
De terrífico e de fútil.

Outrora o teatro dava,
Ao riso afrouxando a rédea,
Depois de uma peça brava,
Uma farsa, uma comédia.

Acabado o Aristodemo,
Vinha uma ária do Martinho;
Ao fel que chorava o demo,
Ao fel que sucedia o vinho.

Eu não, eu misturo tudo,
De modo que cada grito,
Angustioso ou sanhudo,
Não nos traga um faniquito.

Ou então uso o contrário;
Quando é geral alegria
Solto o verbo funerário
E misturo a noite e o dia.

Para não irmos mais longe,
Ninguém dirá que passamos
Uma existência de monge,
Que rezamos, que choramos.

Antes vejo anunciados
Bailes de vários feitios,
Teatros abarrotados
De cristãos e de gentios.
Malgrado o sol e a poeira,
Corridas de bons cavalos;
Toda uma cidade inteira
Brincando sem intervalos.

Pois é justamente agora
Que eu, por integrar a vida,
Deito a vista para fora,
Desordenada, insofrida.

E, ao ver do lado do norte
Aquele pobre diabo
Que encontrou comprida morte
Onde torce a porca o rabo;

Que foi com rara presteza,
Agarrado, arrebatado,
E com toda a ira acesa,
Crucificado e esfolado;

Vingando a sorte, vingando
Aquela porca mesquinha
Que, em suas roças entrando,
Foi morta e não foi rainha;

E, ao lado do sul, a dama
Que à preta engolir fazia,
Não garoupa sem escama,
Nem doce, nem malvasia;

Mas comidas singulares,
Não feitas por encomenda,
E a beber com tais manjares
Vinho de outra pipa horrenda;

E se a boca recusava
O petisco enjoativo,
Tição aceso lhe dava
Novo e forte aperitivo;

Sem contar a bordoada,
Que as rijas carnes alanha,
E era a música obrigada
Daquela ceiata estranha;

Às pressas trago estas duras
Histórias com que tempero
As folias e aventuras,
E ato ao jovial o fero,

Para que, quando tomarmos
No Pascoal alguma cousa,
Ou algum colar mirarmos
Na loja do V. de Souza.

Digamos: — P’ra lá, menina,
Menina in-oitavo, in-fólio,
Dá cá tua mão divina
Ao teu amador Malvólio.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Ricardo Kelmer (O Rio que não Gostava de Mudar)

Movimento significa contínua transformação, mudança, aprendizado. Significa evolução.

Isso nos faz lembrar da historinha sobre o sentido da vida. Ela diz que somos todos como o rio que vai descendo, procurando o melhor caminho. Podemos nos enganar muitas vezes mas isso fará parte do aprendizado e não da derrota. Podemos cansar de tudo e, deprimidos, querermos até desistir. Então, parados, transformamo-nos em lagos, para assim podermos provar a nós mesmos que estamos sozinhos e que o universo ao redor, com sua mania de movimento e transformação, não nos diz respeito e tudo que se dane.

No entanto, começa a cair uma chuvinha irritante que termina nos fazendo transbordar e lá vai o rio descendo novamente, seguindo caminho, inapelavelmente.

O rio, então, muda-se para um lugar onde não chove e ele possa continuar sua reclusão em paz, onde ele possa sofrer sozinho sem ninguém para lhe dar lições de moral. Mas aí, acaba descobrindo que aos poucos está se transformando em vapor, subindo para o céu e virando nuvem. Ele até pensa em aproveitar e seguir como uma nuvem até o polo sul, onde desceria como neve e ficaria como aquelas montanhas de gelo, solitárias e autosuficientes. Mas só de pensar no quanto teria de se transformar, desiste. Além do mais quem garante que até elas não evaporem mesmo com o sol fraco dos polos?

Achando aquilo tudo o cúmulo da aporrinhação e intromissão, o rio enfim decide esconder-se numa caverna profunda, a mais profunda que houvesse, no centro do planeta, onde enfim pudesse ser um pequeno lago, eternamente tranquilo e sem ninguém a lhe dar conselhos sobre evolução e transformação. Foi um esforço tremendo. Teve que primeiro transformar-se em chuva e umedecer bem as rochas, depois penetrá-las e descer por dentro delas, tendo sempre que buscar reforço quando o calor ameaçava estragar tudo. Pensou várias vezes em desistir mas aquilo era sua única saída. Sabia que talvez levasse toda a vida provando sua tese mas valeria a pena. Por fim terminou conseguindo. Virou um lago no fundo da caverna mais profunda. Mostrou ao mundo que podia ficar deprimido e desistir de tudo, tinha esse direito de não querer seguir em frente, de não querer se transformar.

Então, completamente exausto, sorriu satisfeito e morreu. E a morte veio saudar-lhe com todas as honras. Afinal, um rio que dedicou sua vida inteira a se transformar no lago mais distante da mais profunda caverna, e conseguiu, é mesmo um rio bem especial. Um rio que captou como nenhum outro que a evolução é o sentido da vida.

Moral da história: tudo se transforma, cada um a seu modo, ainda que insista em não se transformar. Porque somos a própria evolução.

Fonte:
KELMER, Ricardo. Quem Apagou a Luz?.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas: Ricardo Kelmer

      
      Ricardo Kelmer (Fortaleza, 1964) estreou como cronista de jornal em 1994 e no ano seguinte publicou o primeiro livro. Cursou Letras e Comunicação Social e foi redator de publicidade. Livros publicados: Quem apagou a Luz?, ideias espiritualistas,1995; O irresistível charme da insanidade, romance, 1996; Guia Prático de sobrevivência para o final dos tempos, contos, 1997; Baseado nisso – viagem pelo universo folclórico da maconha, contos; Matrix: o segredo dos predestinados, artigos, 2003;  A arte zen de tanger caranguejos, crônicas, 2003; Matrix e o despertar do herói, 2005; Blues da vida crônica, crônica, 2006, e Guia do Escritor independente.

            Em Guia prático de sobrevivência para o final dos tempos, Ricardo Kelmer reuniu nove narrativas, quase todas longas. Trata-se de uma literatura diferente da que se vem publicando no Brasil, sobretudo nos gêneros conto e romance. Na obra de Ricardo não se vê nada de violência urbana, infância desamparada, miséria, favelização das cidades, etc, temas tão caros à maioria dos escritores brasileiros desde os anos 1970. Para ele a “realidade” se encontra muito longe disso. Seus personagens convivem com íncubos, demônios, princesas perdidas em bosques e sonhos, mortos que vivem em outras dimensões, bichinhos invisíveis, etc.

                Em “O íncubo” o narrador onisciente fala a uma mulher ideal, faz suposições, usa muitas vezes os verbos no futuro, como se fizesse a defesa do íncubo, que estaria nos sonhos de todas as mulheres. No final observa: “Lera certa vez alguma coisa sobre demônios que invadem o sono das mulheres para copular com elas, lendas medievais.” Temas como esse reaparecem em outras peças do livro. Em “Quando os homens não voltam para casa”, um casal – Luciane e Junior – vive uma história inteiramente insólita: o homem deixa uma carta para a moça, desaparece e... A carta narra uma estranha sequência de fatos: a aquisição de um quadro em que uma princesa posa diante de um lago, um sonho, uma briga do casal, outros sonhos. Lida a missiva (ponto de vista de Junior), se inicia (ou se completa) a narração, por narrador onisciente, de uma série de fatos, com o surgimento de outros personagens e o desfecho misterioso.

                Esse clima de mistério aparece em todas as narrativas do livro. Em “O presente de Mariana” o leitor deparará o mundo do espiritismo, dos transes, dos orixás. No belíssimo “Há algo de podre no 202” (o conto não merece este título), veem-se o amor de duas meninas, a sequência da vida delas, a separação, o reencontro (já moças), a morte de uma delas, e, sobretudo, os misteriosos seres que atormentavam a narradora. História terna e, ao mesmo tempo, chocante.

                Não há como negar a vocação de Kelmer para o fantástico. Não o realismo mágico dos hispano-americanos, mas o fantástico puro ou mais próximo do absurdo. Em “O cilindro da luz azul” o leitor poderá até vislumbrar nele uma alegoria, uma sátira às sociedades totalitárias, como o fizeram Aldous Huxley, George Orwell, Anthony Burgess e outros. O povo é dividido em categorias: desobedientes, destoantes, resistentes, etc. Ao surgirem uns cilindros nas areias das praias, o leitor percebe que não se trata de literatura de protesto e pode até pensar em ficção científica. Entretanto, no final verá que o conto nada tem nem de uma coisa nem de outra. Mas Kelmer também pratica ficção científica, como em “Pequeno incidente em Hukat”.

                As tramas de Ricardo Kelmer se desenrolam quase sempre em espaços irreais ou imaginários. Uma das poucas histórias em que os personagens se movimentam em espaço real é “A vertigem”. Em Quixadá, cidade do sertão cearense, vive seo Pepeu, um velho aloucado que conversa com uns “bichinhos”, seres invisíveis, pequenos demônios. Também a cidade de Fortaleza é palco de outra narrativa: “Crimes de Paixão”, que destoa das demais, por seu realismo urbano.

                Em algumas composições, mundos opostos – o real e o irreal – se mesclam. Luciene de “Quando os homens não voltam para casa” trabalha num escritório, mora em apartamento, vive numa cidade grande. Outra “realidade”, no entanto, se manifesta no mundo pintado num quadro de sua casa. A cidade de “Cilindro azul” é absolutamente irreal, fantasmagórica.

                Ricardo se vale dos mais variados recursos expressivos. Em algumas peças utiliza somente a narração. Em outras intercala, como se tem feito ao longo dos tempos, diálogos (ainda com travessão) à narração. A linguagem coloquial das falas, com seus erros gramaticais comuns, ele a usa com muita frequência. Há um conto – “O strip-tease”– constituído somente de diálogo. Não há, portanto, em sua literatura, insubordinação de linguagem, como se pode ver em Jorge Pieiro. Pelo contrário, Ricardo Kelmer cultiva as formas tradicionais de contar. Mas isto não desmerece a sua arte.   

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Erros Comuns em Redação II

51.
Chegou "a" duas horas e partirá daqui "há" cinco minutos.

Há indica passado e equivale a faz, enquanto a exprime distância ou
tempo futuro (não pode ser substituído por faz):

Chegou há (faz) duas horas e partirá daqui a (tempo futuro) cinco minutos.
O atirador estava a (distância) pouco menos de 12 metros.
Ele partiu há (faz)pouco menos de dez dias.


52.
Blusa "em" seda.

Usa-se de, e não em, para definir o material de que alguma coisa é feita: Blusa de seda, casa de alvenaria, medalha de prata, estátua de madeira.

53.

A artista "deu à luz a" gêmeos.

A expressão é dar à luz, apenas:

A artista deu à luz quíntuplos.

Também é errado dizer: Deu "a luz a" gêmeos.

54.
Estávamos "em" quatro à mesa.

O em não existe:

Estávamos quatro à mesa.
Éramos seis.
Ficamos cinco na sala.

55.
Sentou "na" mesa para comer.

Sentar-se (ou sentar) em é sentar-se em cima de.

Veja o certo:
Sentou-se à mesa para comer.
Sentou ao piano, à máquina, ao computador.

Fonte:
www.info-vest.com.br

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Acruche Collection - Trova 22


José Roberto Balestra (Autofágico)

(miniconto em três capítulos)

Capítulo I:

Era de câncer.

Capítulo II

Comeu caranguejo.

Capítulo III - Final

Morreu.
-----------------------
José Roberto Balestra é jornalista, de Maringá/PR

Fontes:
Imagem by www.antares.com.br
http://zerobertoballestra.blogspot.com.br/2011/01/tragediautofagica.html

2º Prêmio de Trovas Humorista Chico Anísio/2013 – UBT-Maranguape (Resultado Final) 3a. Parte, final

ÂMBITO: ESTADUAL

TEMA: Personagens de Chico Anysio

(Trovas Humorísticas)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Pra contar uma potoca
Pantaleão não se aperta
Sem milho já fez pipoca
Quem quiser pergunte a Terta.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

2º. Lugar:


Nazareno bem parece
Mas, de besta nada tem.
Sua mulher, sempre esquece,
Pra paquerar, a de alguém.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

3º. Lugar:


Cuidado, Brasil querido,
Pra não cair na besteira
De ser, de novo, iludido
Por Eike "Canavieira"!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Por não gostar da pobreza
Justo Veríssimo diz:
sem o voto da pobreza
fui eleito e sou feliz...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

5º. Lugar:


O Coronel Limoeiro
Leva chifre com certeza
Sempre diz ao mundo inteiro
Cadê Maria Tereza?
MARIA RUTH BASTOS A BRANDÃO
Maranguape/CE

 

6º. Lugar:

Azambuja, um trambiqueiro,
Conhecido por machão,
Ao lograr um motoqueiro
Sua fama foi ao chão.
ANA MARIA NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Justo Veríssimo é,
O retrato verdadeiro
Do sujeito de má fé,
Chamado politiqueiro.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

8º. Lugar:

 

O primo rico se orgulha
Pela fartura que tem
E o primo pobre mergulha
Na classe do Zé-Ninguém.
RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO
Maranguape/CE

9º. Lugar:

 

Painho pediu penico
Quase que descadeirou
Porque na casa do Chico
Privada não encontrou.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

DESTAQUES

10º. Lugar:


Justo Veríssimo, diz:
que não gosta de pobreza,
quando vê um infeliz
dobra esquina, com certeza...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

11º. Lugar:


Hoje clamo ao Deus Altíssimo
Pra livrar nossa Nação
Da praga "Justo Veríssimo",
Causa do mal "Mensalão"!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

12º. Lugar:


O primo pobre procura
O primo rico-abonado
Conta a sua desventura
Sai sempre desconfiado.
RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO
Maranguape/CE

ÂMBITO: INTERNACIONAL EM LINGUA HISPANICA

TROVAS CLASIFICADAS

TEMA: SONRISA (S) [L/F]

VENCEDORES

 

1º. Lugar:

Si quieres la puerta abierta
ten presente esta premisa:
todo éxito se concierta
siempre con una sonrisa.
MARÍA ELENA ESPINOSA MATA
San Nicolás De Los Garza/Nuevo León/  México

2º. Lugar:

 

Tu sonrisa me fascina
invitándome a soñar.
Eres imagen divina
que me cautiva mirar.
MARÍA CRISTINA FERVIER
Salto Grande/ Provincia Santa Fe/ARGENTINA

3º. Lugar:


En el niño la sonrisa
es un reflejo del cielo,
es como la suave brisa...
es ver a DIOS, sin un velo.
MAGUI DEL MAR (MARGARITA RUIZ)
Tijuana/Baja California/México.

Menciones Honrosas

4º. Lugar:


Si quiere tener salud
y gozar de larga vida
la sonrisa es la actitud
que sana cualquier herida.
HÉCTOR JOSÉ CORREDOR CUERVO
Bogotá DC./Colombia

5º. Lugar:


Pienso en Dios y su sonrisa
ilumina la mañana,
y en mi mente se improvisa
un salmo que lo engalana.
GISELA CUETO LACOMBA (CUBA)
Union City/New Jersey/USA.

6º. Lugar:


Como amor de amanecer
Siento tu beso de brisa,
y enciendes todo mi ser
con el sol de tu SONRISA.
TERESA DE JESÚS RODRÍGUEZ LARA
San Cristóbal de La Laguna/ Islas Canarias/España

Menciones Especiales

7º. Lugar:


Hay sonrisas seductoras
que nos llenan de pasión,
tan pícaras, tentadoras,
que al beso es invitación.
CATALINA MARGARITA MANGIONE (MARGA MANGIONE)
Berazategui/ Buenos Aires/Argentina

8º. Lugar:


Soy amiga de las risas
y me gusta ser así.
Si repartes mil sonrisas
ellas volverán a ti.
FABIANA PICEDA
Florencia (Santa Fe) /Argentina

9º. Lugar:

 

Tu sonrisa prende luces
en tus ojos por hermosos,
estrellitas que conduces
si me miran silenciosos.
STELLA MARIS TABORO
San Jorge/ Provincia Santa Fé/Argentina

Destacas

10º. Lugar:

 En el rostro una sonrisa
demuestra dulzura y paz;
si en tu cara se entroniza,
donde vayas la hallarás.
HILDEBRANDO RODRÍGUEZ
Mérida/ Mérida/Venezuela

11º. Lugar:


La sonrisa fue el oficio
que sublimaste con arte,
Dios te guarde Chico Anisio
en una estrellita aparte.
ALMENDRA VICTORIA AGUIRRE
San Fernando/Buenos Aires/Argentina

12º. Lugar:


El valor de la sonrisa
solo es dable comparar
con el soplo de la brisa,
con la eternidad del mar.
MARÍA ROSA RZEPKA
Fcio Varela/ Provincia de Buenos Aires/Argentina

Irmãos Grimm (O Ganso de Ouro)

Era uma vez um homem que tinha três filhos. O mais moço era chamado de Dummling[1] — mais conhecido como João Bocó, pois todos achavam que ele era mais do que a metade de um tolo, — e ele era o tempo todo zombado e mal tratado por todos da casa.

Aconteceu que o filho mais velho cismou de ir à floresta para buscar lenha, e a sua mãe lhe deu um bolo delicioso e uma garrafa de vinho para ele levar, para que ele pudesse se refrescar e se alimentar durante o trabalho.

Quando ele entrou na floresta, um pequeno velhinho cinzento lhe disse bom dia, e falou:

— Será que você poderia me dar um pedaço de bolo que você tem no prato, e um pouco de vinho da sua garrafa, porque estou com muita fome e sede. Porém, este jovem e esperto rapaz respondeu:

— Dar a você o bolo e o vinho que trago comigo? Não, obrigado, eu não tenho o suficiente para mim mesmo. E foi embora.

Logo ele começou a derrubar uma árvore, mas não tinha dado senão algumas machadadas quando ele errou o golpe, e se cortou, e foi obrigado a ir para casa para cuidar do ferimento.

Ora, tinha sido o pequeno velhinho que fizera ele cometer este acidente.

Em seguida, o segundo filho saiu para trabalhar, e sua mãe lhe deu também um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho. E o mesmo velhinho encontrou-se com ele também, e lhe pediu algo para comer e para beber.

Mas ele também se achava muito esperto e falou:

— Quanto mais você comer, menos sobra para mim: então vá embora! O pequeno velhinho pensou que ele também teria a sua recompensa, e no segundo golpe que ele deu contra a árvore, ele errou o alvo e acertou bem na perna, então ele foi obrigado a ir para casa.

Então João Bocó disse:

— Pai, eu gostaria de ir para cortar lenha também. Mas o seu pai respondeu:

— Os seus dois irmãos machucaram as pernas, seria melhor que você ficasse em casa, pois você não sabe nada sobre esse negócios de cortar lenha.

Mas João Bocó era muito teimoso, e finalmente seu pai concordou:

— Vai então! Você ficará mais esperto quando você sofrer por causa da sua tolice. E a sua mãe deu a ele somente um pouco de pão seco e uma garrafa de cerveja choca. Mas quando ele entrou na floresta, ele encontrou o pequeno velhinho que lhe disse:

— Me dê um pouco de comida e de bebida, pois estou com muita fome e sede.

João Bocó disse:

— Eu tenho apenas pão seco e cerveja choca; se isso for bom para você, poderemos sentar para comer tudo que temos, juntos.

Então eles se sentaram e quando o rapaz pegou o pão para comerem, eis que ele se transformou num bolo delicioso: e a cerveja que estava choca, ao saboreá-la, havia se transformado em vinho finíssimo. Eles comeram e beberam com satisfação, e quando haviam acabado, o pequeno homem disse:

— Como você tem um bom coração, e teve a alegria de dividir tudo comigo, eu lhe darei uma bênção. Alí está uma árvore velha, corte-a e você encontrará algo embaixo de suas raízes. Então, ele pediu licença e continuou o seu caminho.

João Bocó pôs-se a trabalhar, e derrubou a árvore; e quando ela caiu, ele encontrou, em buraco debaixo das raízes, um ganso com penas de puro ouro. Ele pegou o ganso, e foi em direção a uma pequena estalagem à beira do caminho, onde ele pensou dormir durante a noite antes de retornar para casa.

E aconteceu que o estalajadeiro tinha três filhas, e quando elas viram o ganso, elas ficaram muito curiosas para saber, como era maravilhosa aquela ave, e queriam muito retirar uma das penas do rabo do ganso. Por fim, disse a mais velha:

— Eu quero e vou conseguir uma pena. Então ela esperou até quando João Bobo foi dormir, e então segurou o ganso pela asa, mas para sua grande surpresa ela ficou grudada, pois nem sua mão, nem seus dedos conseguiam se soltar.
   
Depois veio a segunda irmã, e pensou em pegar uma pena também, mas no momento que ela tocou a sua irmã, ela também ficou grudada.

Finalmente veio a terceira irmã, e ela também queria uma pena, mas as duas outras gritaram:

— Se afaste, pelo amor de Deus, se afaste!

Todavia, ela não entendeu o que elas queriam dizer.

— Se elas estão lá, pensou ela, eu também posso ir lá. Então ela foi até elas, mas no momento que ela tocou as suas irmãs ela ficou grudada, e presa ao ganso, como elas tinham ficado. E então elas fizeram companhia para o ganso a noite toda no relento.

Na manhã seguinte João Bocó levantou-se e colocou o ganso debaixo de seus braços. Ele não percebeu de modo nenhum as três garotas, mas saiu com elas penduradas bem atrás dele. Então, toda vez que ele corria, elas eram forçadas a segui-lo, quer elas quisessem ou não, tão rápido quanto suas pernas pudessem correr.

No meio de um campo um pastor os encontrou, e quando ele viu o cortejo, ele disse:

— Vocês não se envergonham de si mesmas, suas garotas atrevidas, correr atrás de um jovem rapaz dessa maneira pelos campos? Esse é um comportamento digno?

Então ele pegou a mais jovem delas pela mão para levá-la embora, mas, assim que a tocou ele ficou preso imediatamente, e seguia o cortejo, embora totalmente contra a sua vontade, pois não estava ele em boa forma para correr tão depressa, e exatamente, naquele momento ele sentiu uma pequena agulhada no dedão do seu pé direito.

Foram andando e encontraram um sacristão, e quando ele viu o seu amo, o pastor, correndo atrás de três garotas, ele ficou espantado e disse:

— Calma aí, senhor reverendíssimo, para onde vais com tanta pressa? Tem um batizado hoje?

Ele ele correu e tocou na sua roupa, e eis que ele ficou grudado também.

Enquanto os cinco estavam assim marchando rapidamente, um atrás do outro, eles encontraram dois camponeses que vinham do trabalho com suas enxadas, e o pastor gritou com toda sua força para que eles o ajudassem. Porém, mal eles tocaram as mãos no pastor, quando também ficaram na fila, e daí eles já eram sete, todos correndo juntos atrás de João Bocó e do seu ganso.
   
Ora, João Bocó pensou que ele gostaria de fazer um pequeno passeio antes de ir para casa, então ele e os seus acompanhantes o seguiram, até que finalmente chegaram numa cidade onde havia um rei que tinha somente uma filha.

A princesa era pessoa tão séria e mal humorada que ninguém conseguia fazê-la rir, e o rei havia mandado falar para todo o mundo, que aquele que conseguisse fazê-la rir a teria por esposa.

Quando o jovem rapaz soube disso, ele foi até ela, com o seu ganso e todos os seus acompanhantes, e assim que ela viu os sete presos uns nos outros, e correndo juntos, e pisando um no calcanhar dos outros, ela não conseguiu segurar uma longa e barulhenta gargalhada.

Então João Bocó reivindicou a sua esposa, e se casou com ela, e ele se tornou herdeiro do reino, e viveu durante muito tempo e feliz com a sua esposa.

Mas o que aconteceu com o ganso e o rabo do ganso, isso eu nunca fiquei sabendo.
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Nota
[1] Em algumas versões desta história, o filho mais novo se chamava Simpleton


Fontes:
Contos de Grimm
ilustração de L. Leslie Brooke, (1905)

Cecília Meireles (Chuva com Lembranças)


Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gota que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa. (Como desejariam pular em poças d'água! — Mas a chuva não vem...)

Nas terras secas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!

Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flores das cercas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.

Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos para-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sobre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...

Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.

Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aqueles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.

Por enquanto, caem apenas algumas gotas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças d'água onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:

"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,
lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:
Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”

Fonte:
Quadrante 2. RJ: Editora do Autor, 1963.

A Saudade em Versos Diversos III


ARNALDO JABOR
Volta


Existe gente que precisa
Da ausência para querer a presença
O ser humano não é absoluto
Ele titubeia, tem dúvidas e medos
Mas se a pessoa realmente gostar, ela volta
Nada de drama.

FLORBELA ESPANCA
Saudades


Saudades!
Sim... Talvez...
E porque não?
Se o nosso sonho foi tão alto e forte.
Que bem pensara vê-lo até à morte.
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?
Ah! Como é vão!
Que tudo isso, amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte.
Deve-nos ser sagrado como o pão!
Quantas vezes, amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

ÁLVARO DE CAMPOS
Mesma saudade


Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo
Espécie de acessório ou sobressalente próprio
Arredores irregulares da minha emoção sincera
Sou eu aqui em mim, sou eu
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim...

CLARICE LISPECTOR
Sentimento urgente


Saudade é um pouco como fome
Só passa quando se come a presença
Mas, às vezes, a saudade é tão profunda
que a presença é pouco
Quer-se absorver a outra pessoa toda
Essa vontade de um ser o outro
para uma unificação inteira
É um dos sentimentos mais urgentes
que se tem na vida.

MACHADO DE ASSIS
Dever de amor


Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio a minha saudade
Como um dever do meu amor
E quando houver em ti um eco de saudade
Beija estes versos que escrevi chorando.

VITAL FARIAS
Ai Que Saudade d´Ocê

 

Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo
Ai que saudade d´ocê

Se um dia ocê se lembrar
Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio
Com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar meu desejo
Lhe mando um monte de beijos
Ai que saudade sem fim

E se quiser recordar
Aquele nosso namoro
Quando eu ia viajar
Ocê caia no choro
Eu chorando pela estrada
Mas o que eu posso fazer
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é d´ocê.

Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo...
Ai que saudade d´ocê .