quarta-feira, 13 de junho de 2018

Dorothy Jansson Moretti (Chá da Tarde) III


Acomodada a um banquinho,
o meu ranguinho é um banquete;
porque à luz do lampiãozinho,
meu ranchinho é um palacete.

A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso,
no pentagrama de prata.

A luz, filtrando entre os galhos,
borda a estampa definida
de uma colcha de retalhos
que enfeita meu chão sem vida.

Apático à seca e à geada,
com suor regando o chão bruto,
lavrador, de um quase nada,
faz surgir belo e bom fruto.

Baixam as brumas na serra,
lençol de gaze sutil,
que o Sol, amante da Terra,
ergue e lhe beija o perfil.

Como aos badalos do sino,
resiste o bronze ao fragor,
que aos embates do destino,
respondeu com fé e amor!

Erguem-se mãos numa prece,
se débil raio fulgura,
e por instantes aquece
uma vida triste e escura.

Fazer castelo no ar...
Ilusão da mocidade...
Nele só quem vai morar
é o fantasma da saudade.

Inquilina indesejável,
Vaidade tão bem se instala,
que o Coração, vulnerável,
já nem pensa em despejá-la.

Mesmo em sombria refrega,
ansiosa por segurança,
minha alma frágil se apega
ao frágil fio da esperança.

Não chores essa derrota
que te faz sentir-se morto!
O mar que engole uma frota
é o mesmo que leva ao porto.

O laço que nos estreita
já ficou tão apertado,
que nenhum de nós se ajeita,
sem ter o outro abraçado.

Paixão, fina taça cheia
de champanhe borbulhante;
fascínio que nos tonteia,
e se esvai no mesmo instante.

Palmos de terra em conflito,
conflito entre as religiões...
 e da paz mundial o grito
sufoca-se entre os trovões.

"Paz na Terra!"... E no entretanto,
o mundo, em afãs insanos,
há muito esqueceu o canto
que se ouviu há dois mil anos!

Persuasiva e eloquente,
saudade fala de afeto,
com sete letras, somente,
que valem todo o alfabeto.

Poeta enfrenta o destino,
sendo a alma repartida
entre badalos de sino
e desenganos da vida.

Por agradáveis caminhos,
quantos trilharam, comigo!
Mas na esteira dos espinhos
descobri: não tinha amigo!

Seja o mar agreste ou manso,
eu peço ao vento que deixe
regressar sempre ao remanso,
minha jangada e o bom peixe.

Tufões, motins, calmaria...
Intrépida, inflando a vela,
da gávea, enfim, ela ouvia:
" Terra à vista, Caravela!"

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Ernest Hemingway (O Casal Elliot)


O Casal Elliot tentou o possível para ter um filho. Tentou até quando a Sra. Elliot aguentou. Tentaram em Boston depois do casamento e tentaram na viagem de navio. No navio não tentaram muito porque a Sra. Elliot enjoou. Enjoou muito, e quando enjoava ficava enjoada como toda sulista. Sulista quer dizer do sul dos Estados Unidos. Como toda sulista a Sra. Elliot se desmantelou rapidamente ao balanço do mar, viajando de noite e levantando-se muito cedo. Muitos passageiros do navio pensavam que ela fosse a mãe de Elliot. Outros que sabiam que eram casados achavam que ela ia ter filho. Ela tinha quarenta anos. Os anos dela se precipitaram de repente quando ela iniciou a  viagem.

Parecia muito mais moça, aliás parecia nem ter idade, quando Elliot casou com ela depois de várias semanas de namoro, depois de tê-la conhecido há muito tempo na  casa de chá dela antes do beijo que lhe deu uma noite. 

Hubert Elliot fazia pós-graduação em direito em Harvard quando se casou. Era poeta e tinha uma renda de quase dez mil dólares anuais. Escrevia poemas longuíssimos e rápidos. Tinha vinte e cinco anos e nunca tinha ido para a cama com alguma mulher antes de se casar com a Sra. Elliot. Queria manter-se puro para levar à mulher a mesma pureza de corpo e mente que esperava dela. Dizia a si mesmo que isso era viver com decência. Namorou várias moças antes de beijar a Sra. Elliot e sempre dizia a elas numa ou noutra ocasião que levava vida limpa. Quase todas as moças se desinteressaram dele. Ele ficava admirado e até horrorizado  de ver como as moças ficam noivas e casam com homens que andaram se arrastando nas sarjetas. Uma vez tentou prevenir uma moça contra um homem que tinha sido um patife no colégio (disso ele tinha quase prova), e as consequências foram bem desagradáveis.

O nome da Sra. Elliot era Cornélia. Ela o ensinou a chamá-la de Calutina, apelido de sua família no sul. A mãe dele chorou quando ele apareceu em casa com Cornélia  depois do casamento, mas se recompôs quando soube que o casal ia viver no estrangeiro. Quando ele disse a Cornélia que havia se conservado limpo para ela, ela o chamou de "meu doce garoto" e o abraçou muito. Cornélia também era pura. "Me dê outro beijo  assim", ela pediu.

A princípio Hubert nem pensava em casar com Cornélia. Nunca pensou nela nesse sentido. Ela era uma boa amiga, e um dia, dançando com ela ao som de um gramofone na salinha que ficava no fundo da casa de chá enquanto uma amiga dela atendia na loja, ela olhou-o nos olhos e ele a beijou. Ele não se lembrava do momento em que  ficou decidido que iam se casar, mas casaram-se.

Passaram a primeira noite de casados em um hotel de Boston. Ambos ficaram desapontados, mas por fim Cornélia dormiu. Hubert não conseguiu dormir, e saiu várias vezes  para andar no corredor do hotel vestido com o novo roupão Jaeger que comprara para a viagem de núpcias. Nessas caminhadas pelo corredor viu todos os pares de sapatos, pequenos e grandes, nas portas dos quartos. com isso o coração dele disparou e ele voltou correndo para o seu quarto, mas Cornélia dormia. Não quis acordá-la, e logo tudo se acalmou e ele dormiu tranquilo.

No dia seguinte visitaram a mãe dele e no outro embarcaram para a Europa. Podiam tentar ter um filho, mas Cornélia não podia tentar com muita frequência, apesar de ambos quererem um filho mais do que tudo no mundo. Desembarcaram em Cherburgo e daí foram para Paris. Tentaram ter um filho em Paris. Depois resolveram ir a Dijon, onde havia cursos de verão e para onde tinham ido algumas pessoas que viajaram com eles no navio. Descobriram que nada havia para fazer em Dijon. Mas Hubert estava escrevendo muitos poemas que Cornélia datilografava para ele. Eram todos poemas muito compridos. Ele era muito exigente contra erros, e fazia Cornélia bater de novo uma página inteira se houvesse nela um erro. Ela chorava muito e os dois tentaram várias vezes ter um filho antes de deixar Dijon.

Voltaram a Paris, para onde voltava também a maioria dos amigos que tinham viajado no navio. Cansaram-se de Dijon, mas podiam dizer agora que, depois de Harvard ou Colúmbia ou Wabash, tinham estudado na Universidade de Dijon na Cote d'Or. Muitos teriam preferido ir para Languedoc, Montpellier ou Perpignan se houvesse universidades  nesses lugares. Mas são todos lugares distantes. Dijon fica apenas quatro horas e meia de Paris e tem jantar no trem.

Foram todos para o Café du Dome, evitando a Rotonde do outro lado da rua porque está sempre cheia de estrangeiros. Frequentaram a Rotonde por alguns dias antes de  os Elliot alugarem um castelo em Touraine que viram anunciado no Herald de Nova York. Elliot tinha amigos que agora admiravam a sua poesia, e a Sra. Elliot convencera  o marido a mandar vir de Boston a amiga dela que ficara tomando conta da casa de chá. com a chegada da amiga, a Sra. Elliot ficou mais alegre, e choraram juntas muitas vezes. A amiga era muitos anos mais velha do que Cornélia e a chamava de Doçura. Ela também era de velha família do sul.

Os três, e mais vários amigos de Elliot que o tratavam de Hubie, foram para o castelo em Touraine. Acharam Touraine um lugar plano e muito quente, parecido com  Kansas. Elliot já tinha poemas para um livro. Ia publicá-lo em Boston e até já mandara o cheque para o editor, com quem assinara contrato.

Aos poucos os amigos foram voltando para Paris. Touraine não correspondera ao que parecera ser no princípio. Logo todos os amigos partiram com um jovem rico, solteiro  e poeta para uma praia perto de Trouville. Foram todos muito felizes em Trouville. Elliot continuou no castelo de Touraine porque o alugara para o verão. Ele e a Sra. Elliot tentaram com afinco ter um filho na grande cama dura do enorme quarto  quente. A Sra. Elliot estava aprendendo a datilografar com os dez dedos, mas descobriu que, apesar de aumentar a velocidade, aumentava também a quantidade de erros. 

Agora a amiga datilografava praticamente todos os manuscritos. Era organizada e eficiente, e parecia gostar do trabalho. Elliot passou a beber vinho branco e viver num quarto separado. Escrevia muita poesia de noite, e no dia seguinte amanhecia exausto. A Sra. Elliot e a amiga agora  dormiam juntas na grande cama medieval. Choraram bonitos choros juntas. À noite jantavam todos no jardim debaixo de um plátano, o vento quente soprando, Elliot bebendo  vinho branco e a Sra. Elliot e a amiga conversando, todos muito felizes.

Fonte:
Ernest Hemingway. Contos.
Editora Civilização

Anthero de Quental (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 8) I


OS CATIVOS

Encostados ás grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um ultimo clarão.

Entre sombras, no longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.

E os cativos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.

E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o voo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!

Aonde ides? qual é vossa jornada?
Á luz? á aurora? á imensidade? aonde?
- Porém o bando passa e mal responde:
Á noite, á escuridão, ao abismo, ao nada! -

E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento.

E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devesas?

Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da soidão onde se esconde?
- Porém o vento passa e só responde:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada! -

E os cativos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente.

E fitam-se, em silencio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...

E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro donde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?

Por que esperais? nessa amplidão sagrada
Que soluções esplendidas se escondem?
- Porém os astros tristes só respondem:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada! -

Assim a noite passa. Rumorosos
Sussurram os pinhais meditativos,
Encostados ás grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos.

OS VENCIDOS

Três cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cai a noite do céu, pesadamente.

Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corcéis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cai o sangue, em gotas.

A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horizonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.

E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz num soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!

Com largo voo, penetrei na esfera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.

Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!

A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo cálix purpurino
Só ressuma* veneno e podridão.

Irmãos, amei - amei e fui amado...
Por isso vago incerto e fugitivo,
E corre lentamente um sangue esquivo
Em gotas, de meu peito alanceado.»

Responde-lhe o segundo cavaleiro,
Com sorriso de trágica amargura:
«Amei os homens e sonhei ventura,
Pela justiça heroica, ao mundo inteiro.

Pelo direito, ergui a voz ardente
No meio das revoltas homicidas:
Caminhando entre raças oprimidas,
Fi-las surgir, como um clarim fremente.

Quando há de vir o dia da justiça?
Quando há de vir o dia do resgate?
Traiu-me o gládio em meio do combate
E semeei na areia movediça!

As nações, com sorriso bestial,
Abrem, sem ler, o livro do futuro.
O povo dorme em paz no seu monturo,
Como em leito de purpura real.

Irmãos, amei os homens e contente
Por eles combati, com mente justa...
Por isso morro à míngua e a areia adusta
Bebe agora meu sangue, ingloriamente.»

Diz então o terceiro cavaleiro:
«Amei a Deus e em Deus pus alma e tudo.
Fiz do seu nome fortaleza e escudo
No combate do mundo traiçoeiro

Invoquei-a nas horas afrontosas
Em que o mal e o pecado dão assalto.
Procurei-o, com ânsia e sobressalto,
Sondando mil ciências duvidosas.

Que vento de ruína bate os muros
Do templo eterno, o templo sacrossanto?
Rolam, desabam, com fragor e espanto,
Os astros pelo céu, frios e escuros!

Vacila o sol e os santos desesperam...
Tédio ressuma a luz dos dias vãos...
Ai dos que juntam com fervor as mãos!
Ai dos que creem! ai dos que inda esperam!

Irmãos, amei a Deus, com fé profunda...
Por isso vago sem conforto e incerto,
Arrastando entre as urzes do deserto
Um corpo exangue e uma alma moribunda.»

E os três, unindo a voz num ai supremo,
E deixando pender as mãos cansadas
Sobre as armas inúteis e quebradas,
Num gesto inerte de abandono extremo,

Sumiram-se na sombra duvidosa
Da montanha calada e formidável,
Sumiram-se na selva impenetrável
E no palor da noite silenciosa.

ENTRE SOMBRAS

Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim
 - A noite desce, desfolhando as rosas -
Vem ter comigo, ás horas duvidosas,
Uma visão, com azas de cetim...

Pousa de leve a delicada mão
 - Rescende amena a noite sossegada -
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração...

E diz-me essa visão compadecida
- Ha suspiros no espaço vaporoso -
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?

Vem comigo! Embalado nos meus braços
- Na noite funda ha um silencio santo -
Num sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços...

Porque eu habito a região distante
- A noite exala uma doçura infinda -
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante...

Habito ali, e tu virás comigo
- Palpita a noite num clarão que ofusca -
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alivio, pobre amigo...

Assim me fala essa visão noturna
- No vago espaço ha vozes dolorosas -
São as suas palavras carinhosas
Água correndo em cristalina urna...

Mas eu escuto-a imóvel, sonolento
- A noite verte um desconsolo imenso -
Sinto nos membros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento...

Fito-a, num pasmo doloroso absorto
- A noite é erma como campa enorme -
Fito-a com olhos turvos de quem dorme
E respondo: Bem sabes que estou morto!
________________
Nota:
* Ressuma: goteja, verte, destila

Fonte:
Anthero de Quental. Sonetos Completos. 
Porto: Typographia Occidental, 1886.

Antero de Quental (1842 – 1891)

Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada/Açores/Portugal, 18 de abril de 1842 — 11 de setembro de 1891) foi um escritor e poeta português do século XIX que teve um papel importante no movimento da Geração de 70.

Nascido na Ilha de São Miguel, Açores, filho do combatente liberal Fernando de Quental e Ana Guilhermina da Maia. O casal teve sete filhos, sendo Antero o quarto, numa família onde proliferavam as mortes prematuras e a loucura.

Durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política. Deu início aos seus estudos na cidade natal, mudando-se para Coimbra aos 16 anos, ali estudando Direito e manifestando as primeiras ideias socialistas. Fundou em Coimbra a Sociedade do Raio, que pretendia renovar o país pela literatura.

Em 1861, publicou os seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes Modernas, influenciadas pelo socialismo experimental de Proudhon, enaltecendo a revolução. Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã*, em que Antero e outros poetas foram atacados por António Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual. Como resposta, Antero publicou os opúsculos Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Exmo. Sr. António Feliciano de Castilho, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais.

Ainda em 1866 mudou-se para Lisboa, onde experimentou a vida de operário, trabalhando como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris, entre janeiro e fevereiro de 1867.

Em 1868 regressou a Lisboa, onde formou o Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós, Abílio de Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão.

Foi um dos fundadores do Partido Socialista Português.

De 1869 data a sua viagem à América, com partida do Porto. Sabe-se que visitou primeiro Halifax, no Canadá, e depois Nova Iorque, onde permaneceu cerca de um mês. Desta viagem, que terá sido atribulada, não ficou nenhum testemunho da autoria de Antero, mas apenas os relatos feitos anos depois por Joaquim Negrão, que alguns hoje consideram parcialmente desmemoriado ou fantásticas.

Em 1870, fundou em Lisboa o jornal A República - Jornal da Democracia Portuguesa, com Oliveira Martins.

Em 1871, reuniu-se em Lisboa com delegados da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) para apresentar as ideias anarquistas.

Nessa altura, em Maio do mesmo ano, igualmente participa numa conferência Iberista e aí apresenta um polêmico discurso em que tenta explicar as razões do atraso português, e do espanhol, desde o século XVII.

Juntamente com José Fontana, em 1872, passou a editar a revista O Pensamento Social.

Colaborou igualmente em diversas outras publicações periódicas: A Esperança (1865-1866), Renascença (1878-1879?), O Pantheon (1880-1881), Branco e Negro (1896-1898), Contemporânea (1915-1926), A imprensa (1885-1891), O Thalassa (1913-1915) e, a título póstumo, no periódico O Azeitonense (1919-1920).

Em 1873 herdou uma quantia considerável de dinheiro, o que lhe permitiu viver dos rendimentos dessa fortuna. Em 1874, com tuberculose, descansou por um ano, mas em 1875, fez a reedição das Odes Modernas.

Em 1879 mudou-se para o Porto, e em 1886 publicou aquela que é considerada pelos críticos como a sua melhor obra poética, Sonetos Completos, com características autobiográficas e simbolistas.

Em 1880, adotou as duas filhas do seu amigo, Germano Meireles, que falecera em 1877. Em setembro de 1881 foi, por razões de saúde e a conselho do seu médico, viver em Vila do Conde, onde residiu até maio de 1891, com pequenos intervalos nos Açores e em Lisboa. O período em Vila do Conde foi considerado pelo poeta o melhor da sua vida: "Aqui as praias são amplas e belas, e por elas me passeio ou me estendo ao sol com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos adoradores da luz."

Em 1886 foram publicados os Sonetos Completos, coligidos e prefaciados por Oliveira Martins. Entre março e outubro de 1887, permaneceu nos Açores, voltando depois a Vila do Conde. Devido a essa sua estadia, foi fundado nesta cidade, em 1995, o "Centro de Estudos Anterianos"

Em 1890, devido à reação nacional contra o ultimato inglês, de 11 de janeiro, aceitou presidir à Liga Patriótica do Norte, mas a existência da Liga foi efêmera. Quando regressou a Lisboa, em maio de 1891, instalou-se na casa da irmã, Ana de Quental. Portador de distúrbio bipolar, nesse momento o seu estado de depressão era permanente. Após um mês, em junho de 1891, regressou a Ponta Delgada, cometendo suicídio no dia 11 de setembro de 1891, com dois tiros, num banco de jardim junto ao Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde está na parede a palavra "Esperança", no Campo de São Francisco. Os seus restos mortais encontram-se sepultados no Cemitério de São Joaquim, em Ponta Delgada.

Foi impressa uma nota de 5.000$00 Chapas 2 e 2A de Portugal com a sua imagem.

Análise da obra

A poesia de Antero de Quental apresenta três faces distintas:

1) As experiências juvenis, em que coexistem diversas tendências;
2) Poesia militante, empenhada em agir como “voz da revolução”;
3) Poesia de tom metafísico, voltada para a expressão da angustia de quem busca um sentido para a existência.
A oscilação entre uma poesia de combate, dedicada ao elogio da ação e da capacidade humana, e uma poesia intimista, direcionada para a análise de uma individualidade angustiada, parece ter sido constante na obra madura de Antero, abandonando a posição que costumava enxergar uma sequência cronológica de três fases.

Antero atinge um maior grau de elaboração em seus sonetos, considerados por muitos críticos uns dos melhores da língua e comparados aos de Camões e aos de Bocage. Há, na verdade, alguns pontos de contato estilísticos e temáticos entre esses três poetas: os sonetos de Antero têm inegável sabor clássico, quer na adjetivação e na musicalidade equilibrada, ou na análise de questões universais que afligem o homem.

Algumas Obras

– Sonetos de Antero, 1861
– Beatrice e Fiat Lux, 1863
– Odes Modernas, 1865 (na origem da polémica Questão Coimbrã). Reeditadas em 1875.
– Bom Senso e Bom Gosto, 1865 (opúsculos)
– A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, 1865
– Causas da decadência dos povos peninsulares, 1871
– Primaveras Românticas, 1872
– Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, 1872
– A Poesia na Actualidade, 1881
– Sonetos Completos, 1886
– Tendências Gerais da filosofia na Segunda Metade do Século XIX, 1890
– Raios de extinta luz, 1892
____________
Nota:

* A Questão Coimbrã (também chamada de “Questão do Bom Senso e Bom Gosto”) representou uma polêmica travada em 1865 entre os literatos portugueses.
       De um lado, estava Antônio Feliciano de Castilho, escritor romântico português. De outro, o grupo de estudantes da Universidade de Coimbra: Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro.
    A Questão Coimbrã foi o marco inicial do movimento realista em Portugal. Ela representou uma nova forma de fazer literatura, trazendo à tona aspectos de renovação literária aliado as ideias que surgiram na época em torno de questões científicas.
       Por isso, ela se afasta dos moldes ultrapassados dos ultrarromânticos, atacando assim, as posturas de atraso cultural da sociedade portuguesa da época.

Fonte:

Academia Pedralva Letras e Artes (Histórico)

Foi numa oficina de bicicletas, de Hermann Lessa, na antiga Rua Barão de Cotegipe, atual Governador Theotônio Ferreira de Araújo, onde funciona hoje a firma Neves e Irmãos, que nasceu a ideia da fundação da Academia Pedralva, formada pelas iniciais de seus três fundadores, poetas Pedro Baptista Manhães, Almir Maciel Soares e Walter Siqueira, todos, na época, jovens, inspirados e entusiastas pela poesia.

Mais tarde, já fundada, a Pedralva começou a se reunir efetivamente na residência do poeta-fundador Pedro Manhães, na Rua Conselheiro José Fernandes (ex-Rua dos Bondes), em frente à Primeira Igreja Batista de Campos, com a presença de dezenas de poetas, trovadores e cronistas da terra. Eram reuniões inteligentes, agradáveis, bem-humoradas, durante as quais eram servidos café e refresco amigos. Pedro foi sempre um gentleman.

A academia cresceu e por motivos vários, passou a realizar as suas reuniões no escritório do advogado e intelectual Walter Silva, pedralvense, no antigo Edifício Bartholomeu Lysandro (também conhecido por edifício d’”A Brasileira”). Mas não ficou por muito tempo. Crescendo e se projetando cada vez mais, a Pedralva foi abrigada pela Associação de Imprensa Campista (AIC), entidade pronta a atender às iniciativas comunitárias, em particular às culturais. Retornando, mais tarde, a se reunir na oficina de bicicletas, em outro endereço.

Na sede da AIC, a Pedralva, que contava também com jornalistas pedralvenses, realizou importantes e memoráveis reuniões e solenidades, com a participação de intelectuais campistas e visitantes e a presença constante de convidados e populares.

Com o passar do tempo, por exigências estruturais, a entidade passou a se chamar Academia Pedralva – Letras e Artes, editando livros e boletins, realizando palestras e conferências, programação de intercâmbio literário e a saudosa criação dos Salões Campistas de Trovas, de dois em dois anos.

Os salões de trovas marcaram época, desde a sua instituição em 1959. Até o último, em 1993, foram abordados os mais variados temas, contando invariavelmente com a participação de trovadores locais, nacionais e internacionais. Nesses períodos de realizações trovadorescas, a Pedralva trouxe a Campos, para palestras, manhãs, tardes e noites de autógrafos, lançamentos de livros e outras iniciativas, renomados nomes da cultura, como J. G. de Araújo Jorge, Hélio Teixeira, João Felício dos Santos, Vitor Visconti, Lourdes Povoa Bley, Aparício Fernandes, Zalkind Piatigorsky, Alice de Oliveira, Jacy Pacheco, Pedro Paulo Gavazzoni, Nabor Fernandes, Raul de Oliveira Rodrigues, Navega Cretton, Alípio Mendes, Aurélio Buarque de Hollanda, Herberto Sales, entre muitos e muitos outros. Os salões deixaram de ser realizados por questões financeiras.

A Academia Pedralva possui 40 cadeiras. Há 62 anos ininterruptos difunde a cultura campista pelo Brasil. Foi fundada em 20 de fevereiro de 1947, com sede no Palácio da Cultura (Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima), graças ao ex-prefeito Raul David Linhares Corrêa e mantida pelos prefeitos posteriores.

Foram presidentes, segundo arquivo, os pedralvenses Walter Siqueira (o poeta), Pedro Manhães, Walter Silva, Latour Neves Silva Arueira, Ebenézer Soares Ferreira, Herbson da Rocha Freitas, José Ferreira da Silva, Adamastor Barros da Cunha, Waldir Pinto de Carvalho, José Florentino Salles e Heloísa Helena Crespo Henriques.

A APLA tem hoje a administrá-la o poeta Roberto Pinheiro Acruche. Nomes como os de José Viana Gonçalves, Aldiney de Souza Sá, Carlos Augusto Souto de Alencar, Geraldo Ferreira da Silva, Manoel Junqueira e Elias Rocha Gonçalves compõem a atual diretoria pedralvense.

No ano de 2017, completou 70 anos de atividades ininterruptas em prol da cultura campista e regional, desenvolvendo diversas atividades em comemoração à data de sua fundação.

Eis, em síntese, uma micro-história da Academia Pedralva Letras e Artes, que toda Campos dos Goytacazes conhece e admira pelos seus trabalhos culturais. Por fim, como muito bem disse, certa vez, o poeta Walter Siqueira, “o sonho de Almir Soares não se desfez com a sua morte: materializou-se na Academia que ele desejou ver triunfar e recebeu o cognome feliz de “Casa de Almir Soares””.

No Reino dos Céus, ao som de harpas e trombetas, Pedro, Almir e Walter, juntamente com Walter Silva, José Ferreira da Silva, Latour Arueira, Antônio Roberto Fernandes, Waldir Pinto de Carvalho e tantos outros, prosseguem versejando e amando as belezas do Eterno, enquanto nós, aqui na Terra, vamos, firmes e fortes, empunhando a bandeira pedralvense em defesa da nossa cultura.

Funcionando atualmente no Museu Histórico de Campos dos Goytacazes-RJ, a APLA se reúne quinzenalmente aos sábados, sempre às 16h.

Fonte
http://academiapedralva.blogspot.com/p/sobre.html

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Trova 305 - Amilton Maciel Monteiro (São José dos Campos/SP)


Caldeirão Poético 8


O Vagalume

Quem és tu, pobre vivente,
Que vagas triste e sozinho,
Que tens os raios da estrela,
E as asas do passarinho?

 A noite é negra; raivosos
 Os ventos correm do sul;
 Não temes que eles te apaguem
 A tua lanterna azul?

 Quando tu passas, o lago
 De estranhos fogos esplende,
 Dobra-se a clícia amorosa,
 E a fronte mimosa pende.

 As folhas brilham, lustrosas,
 Como espelhos de esmeralda;
 Fulge o iris nas torrentes
 Da serrania na fralda.

 O grilo salta das sarças;
 Piam aves nos palmares;
 Começa o baile dos silfos
 No seio dos nenúfares.

A tribo das mariposas,
 Das mariposas azuis,
 Segue teus giros no espaço,
 Mimosa gota de luz!

 São elas flores sem haste;
 Tu és estrela sem céu;
 Procuram elas as chamas;
 Tu amas da sombra o véu!

Quem és tu, pobre vivente,
 Que vagueias tão sozinho,
 Que tens os raios da estrela,
 E as asas do passarinho?


O Caroço

Eu comi ontem no almoço
A azeitona de um empada;
Depois botei o caroço
Sobre a toalha engomada.

Mas mamãe logo nota
E me ensina com carinho:
– O caroço não se bota
Sobre a toalha, meu benzinho.

O que ele me diz eu ouço
Sempre, com toda atenção!
A perguntei-lhe:– O caroço
Mamãe, onde boto então?

– Toda pessoa de linha,
De educação. de recato
O osso, o caroço, a espinha
Põe num cantinho do prato.

E eu então lhe respondo,
Com respeitoso carinho:
Mas meu prato é redondo,
Meu prato não tem cantinho...


Bolhas

Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!
Olha a bolha de vinho
na rolha!
Olha a bolha!
Olha a bolha na mão
que trabalha!
Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha
Olha a bolha!
Olha a bolha
que molha
a mão do menino:
A bolha da chuva da calha !


A Casa e o seu Dono

Essa casa é de caco
Quem mora nela é o macaco.

Essa casa tão bonita
Quem mora nela é a cabrita.

Essa casa é de cimento
Quem mora nela é o jumento.

Essa casa é de telha
Quem mora nela é a abelha.

Essa casa é de lata
Quem mora nela é a barata.

Essa casa é elegante
Quem mora nela é o elefante.

E descobri de repente
Que não falei em casa de gente.


Os Sapos

Enfunando os papos, 
Saem da penumbra, 
Aos pulos, os sapos. 
A luz os deslumbra. 

Em ronco que aterra, 
Berra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi à guerra!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

O sapo-tanoeiro, 
Parnasiano aguado, 
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado. 

Vede como primo 
Em comer os hiatos! 
Que arte! E nunca rimo 
Os termos cognatos. 

O meu verso é bom 
Frumento sem joio. 
Faço rimas com 
Consoantes de apoio. 

Vai por cinquenta anos 
Que lhes dei a norma: 
Reduzi sem danos 
A fôrmas a forma. 

Clame a saparia 
Em críticas céticas:
Não há mais poesia, 
Mas há artes poéticas..." 

Urra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

Brada em um assomo 
O sapo-tanoeiro: 
- A grande arte é como 
Lavor de joalheiro. 

Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo". 

Outros, sapos-pipas 
(Um mal em si cabe), 
Falam pelas tripas, 
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!". 

Longe dessa grita, 
Lá onde mais densa 
A noite infinita 
Veste a sombra imensa; 

Lá, fugido ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo 
E solitário, é 

Que soluças tu, 
Transido de frio, 
Sapo-cururu 
Da beira do rio…