domingo, 16 de setembro de 2018

Irmãos Grimm (O Espírito na Garrafa)

Houve, uma vez, um pobre lenhador que trabalhava de sol a sol. Assim conseguiu economizar um pouco de dinheiro e, chamando o filho, disse-lhe:

- Tu és meu único filho. O dinheiro que economizei com o amargo suor do meu rosto, quero empregá-lo na tua instrução. Se aprenderes tudo bem, poderás manter-me na velhice, quando meus membros estiverem endurecidos e eu for obrigado a ficar em casa sem poder fazer nada.

O jovem foi para a universidade, onde permaneceu algum tempo, aprendendo com grande aplicação, merecendo a admiração e os elogios dos mestres. Tinha seguido vários cursos, mas ainda não se aperfeiçoara em tudo, quando a mísera soma ganha com tanto sacrifício pelo pai acabou-se e ele teve de voltar para casa.

– Ah, - lastimou-se o pai - não tenho mais nada que possa dar-te e, nestes tempos ruins, nem posso ganhar um só centavo além do pão de cada dia.

– Não te aborreças, meu querido pai, - respondeu o filho - se esta é a vontade de Deus, certamente será para o meu bem e eu me conformarei.

Quando o pai se preparava a ir à floresta cortar lenha para vender e assim ganhar alguma coisa, o filho disse-lhe:

– Quero ir contigo e ajudar-te.

– Será muito duro para ti, meu filho, que não estás acostumado com trabalho pesado, não aguentarás. Além disso, só possuo um machado e não tenho dinheiro para comprar outro.

– Vai à casa do vizinho, - respondeu o filho - e pede-lhe um machado emprestado até eu ganhar o suficiente para comprar outro para mim.

O pai foi ao vizinho e pediu-lhe emprestado um machado, e assim, na manhã seguinte, logo de madrugada, saíram os dois a caminho da floresta. O filho, alegre e desembaraçado, ajudou bem o pai. Quando o sol estava a pique, disse o velho:

– Sentemo-nos um pouco aí e comamos nosso lanche. Depois continuaremos com mais vigor.

O filho recebeu a ração de pão e disse:

– Descansa um pouco, meu pai! Eu não estou cansado e prefiro dar um passeio pela floresta à cata de ninhos.

– Ó tolinho, - respondeu o pai - para que queres perambular pela floresta? Ficarás cansado e, depois, não terás força para erguer o braço. Fica aqui e senta-te perto de mim.

O filho, porém, não lhe deu ouvidos e encaminhou-se para a floresta, comendo alegremente o pedaço de pão e olhando por entre os galhos para ver se descobria algum ninho. Andando a esmo, foi longe e chegou ao pé de um carvalho enorme, assustador, que deveria ter muitos séculos de existência, pois o tronco não poderia ser abraçado por cinco homens. Deteve-se a contemplar a árvore, pensando: "Muitos pássaros, certamente, fizeram ninhos lá em cima." Nisso, prestando ouvido, pareceu-lhe ouvir uma voz abafada a gritar:

– Solte-me daqui! Solte-me daqui!

Olhou para todos os lados, mas não viu coisa alguma, parecendo-lhe que a voz saía de dentro do chão. Então perguntou alto:

– Ondes estás? Quem chama assim?

A voz respondeu:

– Estou aqui no chão, entre as raízes do carvalho. Ajuda-me a sair, ajuda-me a sair.

O estudante pôs-se ativamente a revolver a terra debaixo da árvore, procurando entre as raízes, até que, por fim, numa pequena cavidade, descobriu uma garrafa. Erguendo-a e olhando-a contra a luz, ele distinguiu dentro dela algo em forma de rã, que pulava para cima e para baixo.

– Solta-me daqui, solta-me daqui! - gritou novamente. E o estudante, sem pensar em maldade alguma, destampou a garrafa.

No mesmo instante, saiu de dentro dela um espírito, que começou a crescer, e cresceu tão rapidamente que, em poucos minutos apenas, ergueu-se diante do estudante como um horrendo gigante do tamanho da metade do carvalho.

– Sabes tu o que te aguarda por me haveres salvo? - gritou com voz terrificante.

– Não! - respondeu o estudante, sem sombra de medo - Como haveria de sabê-lo?

– Pois, então, digo-te já, - berrou o espírito - tenho que torcer-te o pescoço.

– Devias ter-me dito isso antes, - respondeu o estudante - eu teria deixado que ficasses lá dentro. Mas a minha cabeça ficará firme no pescoço, pois há alguém mais que deve dar parecer no caso.

– Qual alguém ou ninguém, - rugiu o espírito - terás o que mereces. Achas que foi por misericórdia que fiquei preso tanto tempo? Não! Foi por castigo. Eu sou o poderosíssimo Mercúrio, e quem me soltar tenho de lhe quebrar o pescoço.

– Devagar, devagar! - respondeu o estudante - Não tenhas tanta pressa! Antes de mais nada, preciso saber se realmente estavas naquela garrafa e se és na verdade um espírito, se conseguires entrar e sair novamente, acreditarei, então poderás fazer de mim o que quiseres.

– É a coisa mais fácil deste mundo, - disse o espírito, cheio de vaidade e orgulho.

Encolhendo-se mais e mais, tornou-se fininho e pequenino como fora antes, conseguindo passar facilmente pelo gargalo da garrafa. Mal entrou, o estudante tapou bem depressa a garrafa com a rolha e atirou-a outra vez para dentro do buraco, entre as raízes do carvalho. Assim o espírito saiu logrado.

O estudante dispuha-se a voltar para junto do pai, quando ouviu o espírito implorar lamentosamente:

– Solta-me daqui, solta-me daqui!

– Não, não! - respondeu o estudante - Nessa não cairei pela segunda vez. Quem atentou uma vez contra a minha vida, quando o agarrar não o soltarei nunca mais.

– Se me soltares, - disse o espírito - eu te darei o suficiente para que vivas folgadamente pelo resto da vida.

– Não, não! - respondeu o estudante - vais enganar-me como da primeira vez.

– Estás dando um pontapé na sorte! - retrucou o espírito - não te farei mal algum, e, ainda por cima eu te recompensarei regiamente.

O estudante refletiu: "Vou arriscar, talvez cumpra a palavra e não me faça mal." Destampou novamente a garrafa e o espírito saiu como da outra vez e se foi encompridando e aumentando até voltar a ser o enorme gigante.

– Agora receberás a recompensa - disse o espírito, dando ao estudante um trapo largo como um emplastro, dizendo: - Se tocas com uma das pontas deste trapo qualquer ferida, ela sarará imediatamente. Se com a outra ponta tocares ferro ou aço, logo esse objeto se converterá em prata.

– Está bem, - disse o estudante - mas antes tenho de experimentar.

E, aproximando-se de uma árvore, fez uma incisão na casca com o machado, depois aplicou em cima o trapo para ver o resultado. Imediatamente a casca se uniu e sarou, ficando tal como estava antes.

– É! - disse o estudante - Realmente é como dizes. Agora podemos separar-nos.

O espírito agradeceu por ter-lhe dado a liberdade e o estudante também agradeceu pelo seu presente e voltou para junto do pai.

– Estiveste vagabundeando até agora, não é? - disse o pai - Até esqueceste o trabalho! Eu bem sabia que não farias coisa alguma!

– Não te amofines, meu pai, vou recuperar o tempo perdido.

– Sim, sim! - disse, agastado, o pai - Quero só ver!

– Cuidado, meu pai. Vou derrubar aquela árvore aí, que ficará em pedaços.

Pegando no trapo, esfregou com ele o machado e, em seguida, desferiu valente machadada no tronco, mas como o machado se havia transformado em prata, o gume dobrou-se.

– Oh, meu pai, vê que espécie de machado me deste. Entortou completamente ao primeiro golpe!

Assustado com aquilo, pois o machado não era seu, o pai exclamou;

– Ah, meu filho, que fizeste! Agora tenho de pagar o machado e não sei como hei de fazê-lo. Grande lucro me deu o teu trabalho!

– Não te zangues, meu pai. Eu pagarei logo o machado.

– Sim, seu toleirão, - falou o pai - com que vais pagá-lo se não tens senão o que eu te dou? Pura fantasia de estudante tens na cabeça. Quanto a rachar lenha, nada entendes!

Passados alguns instantes, o estudante disse ao pai:

– Meu pai, eu não posso mais trabalhar. Vamos fazer feriado por hoje.

– O que estás dizendo? Achas que quero ficar de mão no bolso como você? Se quiseres, podes voltar para casa, mas eu continuarei aqui trabalhando.

– É a primeira vez que venho a floresta e não conheço ainda o caminho, não posso voltar sozinho. Vem comigo?

Tendo-lhe passado a raiva, o pai deixou-se persuadir pela maneira gentil do filho e acabou por voltar com ele para casa. Aí disse-lhe:

– Trata de vender o machado estragado e vê o que podes alcançar por ele. O que faltar terei que ganhar com o trabalho para compensar o nosso vizinho pelo dano sofrido.

O filho dirigiu-se então à cidade, levando o machado a um ourives que, depois de o medir e pesar cuidadosamente, disse:

– Vale quatrocentas moedas, mas não tenho tanto dinheiro.

– Não faz mal! - disse o estudante - dai-me o que tiverdes. Confio na vossa honestidade para me pagardes o resto depois.

O ourives deu-lhe trezentas moedas, ficando a dever-lhe cem. O estudante voltou para casa e disse ao pai:

– Já tenho o dinheiro. Vai perguntar ao vizinho quanto quer pelo machado.

– Eu já sei - respondeu o pai. - Uma moeda e meia.

– Dá-lhe, então, três moedas. É o dobro do que vale e acho que é mais do que suficiente. Olha quanto dinheiro tenho!

Entregou ao pai as trezentas moedas, dizendo:

– Não te faltará mais nada e poderás viver confortavelmente.

– Santo Deus! - exclamou o pai admirado - onde arranjaste todo esse dinheiro?

O filho, então, contou o que lhe tinha acontecido e como acertara confiando na Providência Divina.

Com o resto do dinheiro, voltou para a Universidade e continuou a estudar, aprendendo tudo quanto havia para aprender. Mais tarde, como podia curar todas as feridas com o pedaço de trapo, tornou-se o médico mais afamado do mundo inteiro.

sábado, 15 de setembro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) I


LÍMBICO SISTEMA

Do límbico sistema eu nada entendo, 
nem igualmente de psicologia,
mas sempre tive e continuo tendo
horror ao palavrão, que me arrepia!

Não é que eu seja algum varão pudendo,
e intransigente com a pornografia...
E nem sequer eu sou um reverendo,
talvez se trate mais é de mania...

Assim, eu tenho a língua policiada
e meus ouvidos fogem da moçada
que fala tudo, indistintamente...

Sei é que palavrão, jamais usei,
a não ser este, que aprendi e sei:
inconstitucionalissimamente!

O CRIADOR

No mesmo instante em que nos concebeu,
o Criador dotou o nosso ser
de inspiração, com todo o seu querer...
E mais, o livre-arbítrio ele nos deu!

Com isto eu posso mesmo até escolher
ser um cristão, um crente, e até um ateu...
Dar sempre a quem precisa, o que for meu,
ou só levar a vida a bel-prazer!

A liberdade dada a todos nós,
desde bem antes de nossos avós
é a grande prova de que Deus nos ama!

Para evitar, no entanto, nosso abuso,
nos deu Ele a consciência para uso;
ela é quem nos condena... ou nos aclama!

RESILIÊNCIA

Tenho perdido às vezes a paciência, 
e isto me aborrece até demais;
por qualquer coisa fico na iminência
de me tornar o pior dos “imortais”...

De fato eu nunca fora assim, jamais,
até que o meu amor, sem ter clemência,
deixou-me à-toa, por coisas banais...
Preciso, agora, de resiliência.

O meu poder de recuperação
ante um desgosto ou de sofrer pressão,
foi sempre o forte em mim, até na dor!

Quero voltar a ser resiliente;
quando ela me perdoar completamente,
de volta eu hei de ter meu grande amor!

SER POETA

Fazer poesia é fácil, meu amigo,
basta um por cento só de inspiração,
e a conclusão do poema está contigo,
é só tirá-la na transpiração.

Isto é assim já desde o tempo antigo,
na liberdade e até na escravidão,
colocada a semente num abrigo,
o restante é cuidar da plantação...

Vale a pena o suor que tu verteres,
por tudo o que requerem os afazeres,
seja no campo, ou com papel e pena.

Seja a poesia, ou mesmo outra arte,
e quem com enxada faz a sua parte,
perante a Pátria jamais se apequena!

TRIPÉ VITAL

Três relações sustem a vida humana: 
com nosso Deus, o sumo criador,
com nosso próximo, o que nos irmana, 
e com a terra, que nos dá o calor...

Confio nessa tese franciscana,
da qual o social corpo é fiador,
porque,  a felicidade,  dela emana, 
se bem cumpridas as partes, com amor!

Mas se a degradação ambiental,
e a pobreza, esse outro grande mal,
se tornam cânceres da exploração...

Desponta a crise socioambiental,
falta ao excluído a vida trivial
e ao ganancioso, sobra a indigestão!

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta

Malba Tahan (Dez anos de kest)


Interessante seria, meu bom amigo, iniciar este conto, à maneira dos escritores clássicos israelitas, citando cinco ou seis pensamentos, admiráveis, colhidos nas páginas famosas do Talmude. Como me recordar, porém, dos trechos mais belos da Sabedoria de Israel, quando é tão fraca, incerta e claudicante a minha memória? Vem-me apenas à lembrança, neste momento, um velho provérbio muito citado pelos judeus russos:

“Quando o homem é feliz, um dia vale um ano.”

A verdade contida nesse aforismo é indiscutível. E a história que a seguir vou narrar poderá servir para ilustrar a minha asserção.

Vivia em Viena, há mais de meio século, um jovem chamado Davi Kirsch, filho de um malamed (professor), homem prudente e sensato. Davi Kirsch adornava o seu espírito com uma qualidade bastante apreciável. Não ousava tomar resolução alguma de certa relevância sem se sentir esclarecido e orientado pelos conselhos dos mais velhos.

Quando pensou em casar-se, ouviu de seu judicioso pai a seguinte recomendação:

— Cabe-me dizer-te, meu filho, que deverás evitar qualquer casamento quando no consórcio resultar aproximação, por parentesco, com um roiter-id (judeu vermelho).

E acrescentou, em tom grave, com a prudência que a longa experiência da vida só ensinava aos homens:

— Se algum dia, porém, por triste fatalidade, caíres nas garras de um roiter-id procura sem demora o auxílio de outro roiter-id.

Quis o jovem Davi, com grande empenho, conhecer, mais por curiosidade que por outro motivo, a razão de ser daquele estranho conselho, mas o velho malamed se recusou terminantemente a dar, sobre o caso, qualquer explicação, alegando que tinha, para assim proceder, motivos que de consciência não poderia revelar.

Algumas semanas depois, o jovem Davi Kirsch foi procurado por um schatchhen, isto é, por um agenciador de casamentos. Trocadas as saudações habituais — Scholem Aleichem! Aleichem Scholem —, o schatchhen assim falou, assumindo como sempre um ar de máxima reserva e discrição:

— Como sei que pretendemos resolver do melhor modo possível o problema do teu futuro, com a escolha de uma companheira digna, quero informar-te de que obtive para o teu caso uma solução admirável. A noiva que tenho em vista é formosa, de família honestíssima e, além do mais, muito culta e prendada.

— E o dote? — indagou Davi grandemente interessado, procurando tocar com a máxima finura naquele assunto tão delicado.

— Quanto ao dote — aclarou logo o schatchhen, com um sorriso que traduzia o orgulho de bom profissional — está combinado que será de mil coroas e terás, ainda, dez anos de kest!

— Dez anos de kest! — repetiu Davi, numa sinceridade de veemente surpresa. — Mas isto é espantoso, inacreditável!

Sou forçado a interromper a presente narrativa para dar ao leitor não judeu, isto é, ao meu bom amigo gói (apelido com que os judeus, em geral, designam um indivíduo que não é judeu. O vocábulo “gói” [ou góim] pertence ao idioma denominado ídiche) um esclarecimento que me parece indispensável. O kest é costume tradicional entre os judeus. O pai da noiva, além do dote (que é de uso também entre os cristãos) concede ao genro, a título de auxílio para iniciar a vida, a permissão de viver durante algum tempo em sua casa, sem fazer a menor despesa, quer com a alimentação, quer mesmo com o vestuário. Esse período, durante o qual o pai da jovem toma a seu cargo a subsistência completa dos recém-casados, é denominado kest, e em geral varia de um a três anos. Para um jovem egoísta, sem ânimo para a vida, pouco inclinado ao trabalho, a oferta de um kest prolongado constitui uma isca irresistível. Era esse precisamente o caso de Davi Kirsch, indolente como um falso mendigo, amigo da boa vida e do feriado permanente.

Dez anos de kest?

Um judeu sensato não poderia hesitar. A cerimônia do noivado, com a clássica apresentação das famílias, foi marcada para alguns dias depois. Quando Davi Kirsch foi levado à presença da sua noiva, ficou maravilhado; o schatchhen não o havia iludido pintando com as cores vivas do exagero os encantos da noiva prometida. A menina era uma judia realmente graciosa, esbelta, cheia de vida, e os dez anos de kest emprestavam-lhe ao olhar, ao sorriso e aos lábios todos os ímãs inconcebíveis da beleza. Rébla, a filha do rei de Gorner, não parecera mais sedutora aos olhos do grande Salomão! Dela diria certamente o poeta: “De longe parece uma estrela; de perto, uma flor.”

Dolorosa foi, porém, a surpresa do noivo judeu ao defrontar, pela primeira vez, com o futuro sogro. Pela cor fulva dos cabelos, pelas sardas que repintavam o carão avermelhado, era o velho um tipo perfeito e inconfundível de roiter-id! Naquele momento, invadido por negrejante inquietação, recordou-se Davi do conselho que a prudência paterna lhe ditara: “Evitar qualquer aproximação, pelo casamento, com um roiter-id”! Mas que fazer naquela dependura? A sua palavra estava dada, ademais, acima de qualquer compromisso, esmagando dúvidas e receios, os dez anos de kest constituíam um argumento irrespondível diante do qual desapareciam todos os motivos que militavam contra o consórcio que se lhe afigurava tão promissor. 

Pouco tempo depois realizou-se o enlace nupcial e o jovem passou a viver, com sua adorada esposa, o seu belo período de kest, em casa do rico roiter-id.

“Esse judeu vermelho”, pensou Davi, desconfiadíssimo do caso, “alguma peça desagradável prepara contra mim. Custa-me acreditar que ele mantenha essa liberalíssima promessa dos dez anos de kest. Naturalmente aqui, em sua casa, terei um tratamento tão vil e humilhante, que nem mesmo um cão seria capaz de aturar, e ao fim de dois ou três meses, é certo, serei forçado, pela situação, a procurar outro pouso e trabalho. Alguma perfídia o meu sogro já planejou contra mim!”

Com grande espanto, entretanto, o jovem Davi verificou que o pai da esposa era de um feitio que desmentia por completo seus temores e desconfianças. O roiter-id mostrava-se delicado e afetuoso, e dispensava ao novo genro um tratamento principesco. Fazia multiplicar os pratos saborosos nas refeições, proporcionava passeios agradabilíssimos, dava-lhe roupas finas e enchia-o de presentes valiosos.

“Meu pai não tinha razão”, meditava o jovem, refletindo sobre a vida regalada e invejável que desfrutava em casa do sogro. “Que outro marido poderá ser mais feliz do que eu? Rivekelê (diminutivo carinhoso de Rachel), a minha esposa, é encantadora; por longo prazo, sem o menor trabalho, preocupação ou contrariedade, terei, nesta bela casa, mesa sempre lauta, agasalho, carinho e consideração!”

Ao cabo de alguns dias, o velho roiter-id chamou o indolente marido da filha e interpelou-o muito sério:

— Dize-me, ó Davi! És, na verdade, feliz na tua nova situação de homem casado e chefe de família?

— Muito feliz, meu sogro — confirmou o jovem, num retraimento de espanto. — Sinto-me, aqui, incomparavelmente feliz!

— Se assim é — tornou gravemente o judeu vermelho, medindo-o de alto a baixo — se é assim, o teu kest está terminado!

— Terminado o meu kest? — protestou atônito o marido parasita. — Mas se eu estou casado há pouco mais de uma semana! Como pode ser isso?

— Como pode ser? — repetiu o sogro num tom muito sério, tomando uma atitude que irradiava antipatia. — Nada mais simples. Vou provar claramente. Estás casado com minha filha há dez dias. Bem sabes que no livro dos Provérbios encontramos exalada esta sentença: “Quando um homem é feliz, um dia vale um ano.” Logo, de acordo com esse tradicional provérbio, estás casado há dez anos! Amanhã, portanto, levarás de minha casa tua esposa e irás para a tua residência. Creio que deverás, também, procurar um emprego, um meio qualquer de vida, pois de mim já recebeste o necessário auxílio, o dote e o kest prometidos.

E o nosso herói, diante da imposição do sogro, sentiu-se preso de grande furor. Quis apresentar argumentos que militavam em seu favor, mas o astucioso roiter-id se manteve intransigente, e não houve como levá-lo a reconsiderar a resolução que havia tomado, insistindo em afirmar que nada mais fazia senão atender à verdade contida no provérbio: “Quando o homem é feliz, um dia vale um ano.

Não se conformava Davi Kirsch com a ideia de ser obrigado a trabalhar para viver, e a situação a que fora, de repente, atirado envenenou-lhe o espírito com todas as toxinas do rancor. Tinha sido, a seu ver, indigno o proceder do pai de Rivekelê. Prometera-lhe, sob palavra, dez anos de kest e depois, por evidente má-fé, baseando-se num idiota brocardo judeu, reduzira o prazo a dez dias! Que tratante! Era um grande velhaco o roiter-id! Quando o interesse estava em jogo, sabia transformar um simples provérbio em lei social!

“Meu pai tinha razão”, murmurou Davi, recalcando os seus rancorosos impulsos. “Toda razão tinha, meu pai! Pratiquei uma imprudência muito séria, fazendo-me surdo aos conselhos daquele que melhor do que eu deve conhecer a vida e os filhos de Israel!”

E, resolvido a não incidir mais uma vez no erro, o jovem, recordando-se da segunda parte do conselho paterno, foi nesse mesmo dia procurar um conhecido seu, chamado Elias Bloch, também judeu vermelho, e pediu-lhe que indicasse um meio que o permitisse sair da situação crítica em que se encontrava. O inteligente Elias Bloch atendeu com amabilidade o jovem Davi, e depois de ouvir o minucioso relato da burla do kest, expediu uma risadinha seca e maldosa, e respondeu com um relâmpago de inspiração no olhar:

— Não vejo dificuldade alguma em resolver o teu caso. Irás amanhã à casa de teu sogro, e se seguires as minhas instruções sairás vencedor nesse litígio.

No dia seguinte Davi Kirsch, tendo nas mãos um exemplar da Torá — que é o livro da lei entre os hebreus — foi ter à rica vivenda do seu astucioso sogro. Depois de saudar o velho roiter-id com certa reserva e cerimônia, como se as relações entre ambos estivessem profundamente abaladas, assim falou com teatral entonação:

— Por motivos muito graves sou forçado a vir agora à sua presença. Vou divorciar-me!

Divórcio! Essa palavra para a família judaica representa uma calamidade só comparável às maiores calamidades.

— Estás louco, rapaz! — protestou o velho empalidecendo ligeiramente. — Bem sabes que o divórcio só pode ser obtido segundo a lei de Moisés. Que motivo poderá ser aludido para justificativa dessa nódoa infamante com que pretendes golpear a minha família?

— Tenho a lei a meu favor — acudiu com altivez o moço. — Como o senhor mesmo declarou e provou, vivi em sua companhia os dez anos de kest. Os doutores e rabis não ignoram que o Livro da Lei de Moisés — a Torá — diz com a maior clareza: “Quando a mulher não concebe ao fim de dez anos, o marido pode requerer o divórcio.” Ora, eu estou casado há dez anos e não tenho filhos; cabe-me, portanto, segundo a Lei, o direito de repudiar minha esposa!

— Que brincadeira é essa, meu filho! — retorquiu o roiter-id, emergindo da sua estupefação e abraçando amavelmente o genro. — Afastemos de nós as ideias tristes, pois já não foi pequeno o susto com que abalaste meu coração de pai. Fizeste mal em tomar a sério o meu gracejo sobre o tal provérbio, dos dias felizes, e, se assim é, fica o dito pelo não dito. Se eu prometi dez anos de kest é certo que poderás viver todo esse tempo em minha casa.

E concluiu, com um gesto convencido e superior, passando lentamente a mão pelos cabelos avermelhados:

— Jamais deixei, menino, como um bom judeu, de cumprir a palavra dada.
____________________________
Fonte:
Malba Tahan. Lendas do Bom Rabi. 
Rio de Janeiro/RJ: Editora Record, 2011

Nei Garcez (Elos de Trovas) Eclipse



O sol vive amargurado
sem ninguém pra conversar,
nem estrelas, ao seu lado,
que pudessem cintilar.

Fulgurava, tanto, tanto,
com seu brilho tão bonito,
que as estrelas, pelo encanto,
se apagavam no infinito.

Soube que elas aparecem
só à noite pra brilhar,
pois, ao rei sol, esmaecem,
escondendo o cintilar.

Sem perder sua paciência,
esperou o dia certo...
E não é que a providência
o deixou boquiaberto!

Viu a lua, em pleno dia...
Não parava no lugar.
Assim mesmo a perseguia
pra poder se enamorar.

Encontrando a amada sua,
começou por ofuscar…
Era o sol beijando a lua
em pleno eclipse solar!

Fonte:
Trovas em Marcadores de Livros,  enviados pelo trovador curitibano Nei Garcez.

Carolina Ramos (Quem somos nós?)


Duas linhas paralelas correm rumo ao mesmo objetivo – desvendar a origem do Universo e dos porquês da vida, ou seja, o eterno questionamento que se debate dentro de cada um e não apenas na cabeça dos filósofos: - “quem somos, donde viemos, para que viemos e para aonde iremos”, quando, enfim, virarmos pó?!

Uma, dessas linhas, em traço sinuoso, leva, continuamente a um enovelado de teorias filosóficas e científicas, evolucionistas e sempre bastante complexas! Algumas dessas teorias, aceitando ou corrigindo, dão continuidade às definições que as precederam; ou, abandonam o que foi dito e defendem pontos conflitantes, sem que, no entanto, nenhuma delas, sempre avançando em estudos, chegue, através dos tempos, a uma definição convincente e conclusiva, capaz de satisfazer, inclusive, aos próprios autores.

Esta indefinição, com certeza, há de perdurar por um tempo indefinido, que se estenderá, com certeza, até muito além da vivência de qualquer um de nós.

E, se essa linha científica, Evolucionista -  embora impulsionada por uma gama fantástica de pesquisas conduzidas através de séculos por inteligências das mais privilegiadas - ainda hoje esbarra em mistérios intransponíveis, sem  conseguir chegar a uma conclusão conciliatória, quem sou eu, para aventurar-me a segui-la?!  E, muito menos, a arvorar-me em explicá-la, o que ainda seria mais grave?!

Já a outra linha doutrinária, a Criacionista, apresenta, em contraposição, uma Verdade absolutamente plena: – Deus!

 E, com argumentação definitiva, oferece-me certo repouso ao conciliar-me comigo mesma, embora apresente, também, mistérios a serem  aceitos, sem conflitos por quem, com humildade e sem pretender desvendá-los, sente  que aquela Verdade, colocada ao seu alcance, o satisfaz!

A primeira vertente me atrai como curiosidade. Não sendo, entretanto,  conclusiva,  não me satisfaz plenamente. Esclarece muita coisa, mas... estaca, assim que chega ao principal. Aponta o desconhecido, contudo, não o desvenda. Consequentemente, não oferece o repousante desfecho àquela curiosidade que impulsiona o leitor até a derradeira página  de um alentado livro.

Já a linha oposta, a Criacionista,  responde aos meus porquês e me oferece objetivos. Ao dar sentido à vida, tranquiliza-me  e me ajuda a viver, sem maiores questionamentos.  E, acima de tudo, ao valorizar o rumo dos meus passos, abre um caminho à minha frente! Caminho capaz de me conduzir a algo que me determino a alcançar, desde que me fiz gente.

Portanto, continuo a ler, passivamente, e com muita satisfação, o que me vem às mãos, com o mesmo diletantismo ávido de quem quer saber algo mais sobre esse apaixonante e contestado assunto, mas, também, com a certeza de que, virada a última página, nada terá alterado as convicções de quem crê porque quer crer, convicta de que, se a Ciência tem limitações...  a Fé jamais as  tem!

Fonte:
Texto enviado pela autora

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

37ª Semana Literária SESC Maringá (17 a 22 de setembro – Programação)

Local:
Av. Duque de Caxias,1517
Telefone: (44) 3265-2750

DIA 17/09 – Segunda-Feira

 9h  ; 10h ; 14h
Conto de fadas às avessas, com Fernanda Munhão
O espetáculo reúne histórias inspiradas em contos de fadas clássicos com finais surpreendentes, entre outras situações engraçadas. Porquinhos, fadas, príncipes e duendes são repaginados de forma cômica e atual. Além das histórias, o espetáculo é composto de músicas autorais da própria narradora, que interagem com a narração de modo divertido para todos os públicos.

14h ; 15h
A maior flor do mundo, com Cia TPK
“A maior flor do mundo” é uma magnífica história para crianças, mas, antes de tudo, é um legítimo Saramago, o que o torna uma fonte de prazer também para adultos. Em perfeita sintonia com a sensibilidade dos pequenos leitores, o autor transmite para este livro, a inventividade poético-narrativa contida em suas obras. A Cia TPK vem contar esta história de uma forma a dialogar com as linguagens cênicas.

15h
Produção literária e seus caminhos
com Domingos Pellegrini
Neste encontro, Pellegrini vai falar sobre sua trajetória como escritor desde o início da carreira até os dias atuais: o dia a dia da profissão e como funciona o processo criativo de uma obra. Pellegrini contará também sobre o desafio de escrever para um público mais jovem, contando a história de suas obras.

20h
Vozes femininas e literatura
com Letícia Wierzchowski e Karen Debértolis
Durante longos anos, a literatura foi cenário dominado pelos homens, cabendo às mulheres o papel de frágeis e doces donzelas, o que foi alterado com as percursoras da escrita feminina, que mesmo sob pseudônimos encontraram uma fenda e se infiltraram no universo da escrita. Ondas feministas contribuíram diretamente para o fortalecimento das escritoras, sendo o trabalho delas ferramenta de propagação dos ideários do movimento. Contudo, esse foi um processo árduo e lento de ruptura de toda uma cultura imposta sobre a falta de intelecto das mulheres. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a produção feminina se intensifica entre os séculos 18 e 19, apenas na segunda metade do século 19 que a escrita feminina se intensificou no Brasil, embora grandes nomes já tivessem despontado anteriormente. Estaria a escrita feminina impreterivelmente atrelada ao movimento feminista? Em tempos onde o termo empoderamento é tão forte e representativo, seria adequado limitarmos a escrita de mulheres ao termo literatura feminina, considerando a busca atemporal por igualdade entre os gêneros? Por que ela se diferenciaria dos textos de escritores?

DIA 18/09 – Terça-Feira

9h ; 14h ; 15h
Africontos, com Cia Mapinguary
A Cia Mapinguary traz como centro do espetáculo Africontos o continente africano, berço da civilização, onde a oralidade se faz de extrema importância para a manutenção de todo um repertório cultural de um povo. A sabedoria e cultura de um povo através das histórias. Ao tocar do tambor, começa a narração das histórias, como Os gêmeos do tambor, oralidade do povo Massai, a cigarra e o camundongo, história do Mageb, depois o Macaquinho de Nariz Branco, conto da Guiné-Bissau, e por fim Ananse e o Pote da sabedoria, entre muitas outras!

10h
Histórias de arrepiar: literatura policial e suspense
com Raphael Montes
Raphael Montes é um dos nomes com maior destaque atualmente no gênero policial, considerado o mais importante romancista policial da nova geração no Brasil. Desprendido de estigmas de “como se escrever um bom livro”, enreda as histórias de maneira que o escritor fica preso a elas e à trama envolvida. Todo esse despojamento e sagacidade o colocam no topo dos livros mais vendidos do estilo e garante a ele uma legião de fãs. Montes participará de um bate papo sobre suas obras e sobre os desafios de escrever romances policiais na atualidade e sobre o seu estilo de escrita.

DIA 19/09 – Quarta-Feira

9h
Canções paranaenses com a Banda Retrosense e orientadores do Centro de Difusão Musical (CDM)
Apresentação de canções paranaenses com os orientadores de Atividades do Centro de Difusão Musical (CDM) - SESC Maringá e a Banda Retrosense. Retrosense é uma banda de Rock Alternativo de Maringá- PR. A banda foi formada em 2012 por Rash (vocal), Otávio Kosak (guitarra), José Roberto (bateria), influenciados por bandas como ABBA, Roxette, The Cramberries, Paramore.

09h30 ; 10h30 ; 14h30 ; 15h30
Encontro com a escritora Vanessa Meriqui
A autora remete primeiramente à oralidade, ferramenta primordial do seu ofício: contar histórias é possivelmente uma das mais antigas manifestações artísticas da humanidade. Desde sempre, reunir adultos e crianças para ouvir histórias, conhecer personagens que falam à nossa alma, que ultrapassam obstáculos, enfrentam desafios e longas jornadas para, ao final, serem felizes ou simplesmente nos dizer algo, é dar voz à imaginação humana, é buscar a construção de um mundo mais leve.

14h ; 15h
Helena de Curitiba
“Helena de Curitiba” narra a história da professora e poetisa paranaense Helena Kolody. O documentário traz imagens e depoimentos inéditos da poetisa, colhidos um mês antes de sua morte, em fevereiro de 2004, aos 92 anos. O enredo do filme nasce com cenas fictícias da infância e adolescência dela em meio à natureza paranaense, passando pelo amadurecimento da escritora, professora e mostrando a sua história como filha, jovem, mulher e autora. Relata parte da história da imigração ucraniana no Paraná através de imagens do acervo da Cinemateca de Curitiba.

DIA 20/09 – Quinta-Feira

9h ; 10h  ; 14h
Pitico, o menino que queria voar, com João Luiz do Couto
O espetáculo une músicas, narrativas e imagens. Por meio da musicalização, brincadeiras e trava-línguas emoldura a história de um menino ávido por voar no mundo da literatura, que morava em uma cidade cercada por muros, e que sonha em um dia poder ver a luz além da muralha. Uma história para gostar de ler!

14h
Sarau poético-musical com os textos de “Samba de Uma Noite de Verão”
com Renato Forin Jr.
O encontro com o escritor, jornalista e diretor de teatro Renato Forin Jr. é sobre as relações entre literatura, música e teatro. O trabalho terá como base o seu livro-CD “Samba de Uma Noite de Verão”, premiado na categoria “Adaptação” na última edição do Jabuti. Nesta dramaturgia, o autor de Londrina reescreve o clássico “Sonho de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare, como uma metáfora da formação do país, só com elementos e personagens da cultura brasileira. A oficina terá caráter teórico-prático e passará por conversas sobre identidade nacional, poesia, oralidade e transposição do texto escrito para o corpo e para a voz.

16h30
Lira Otaku, com o escritor Roberth Fabris
O bate-papo consiste numa homenagem ao Imin 110 - amizade Brasil Japão, por meio de poemas de anime como Pokemon, Saint Seya, Bleach, tarde de autógrafos, curiosidades e fotos com os presentes, sendo que o escritor vai estar com roupas temáticas vindas do Japão valorizando o mundo otaku, será uma tarde uma tarde geek animada.

19h
O Contador de Causos, com a escritora Loide Caetano
O contador de causos, de autoria da escritora Loide Caetano, é um livro que une história e ficção. A obra é baseada em algumas das inúmeras histórias contadas por Agenor Borghi, conhecido como Zico Borghi, um pioneiro que chegou a Maringá com a sua família em 1946 e nela vivenciou todo o processo de uma cidade em formação. Viu a mata ser derrubada, a chegada de muitas famílias e a plantação de lavouras de café. Por ser uma pessoa criativa, Zico Borghi apropriou-se de alguns elementos da cultura popular e criou suas próprias histórias como se ele mesmo tivesse enfrentado animais estranhos como a mula sem cabeça, o lobisomem, o tamanduá chupa-cabra, entre outros.

DIA 21/09 – Sexta-Feira

9h  ; 15h
Histórias da nossa gente, com Viramundo
Você já ouviu falar de um tal vaqueiro que não sabia mentir? Ou, quem sabe, conhece Alexandre e seu olho torto? Já ouviu os causos sobre o duelo entre o sábio e o camponês? Sabe como as crianças indígenas da América do Norte colocaram o céu no lugar onde ele está até hoje? Essas e outras histórias e personagens são evocadas e nos transportam ao fantástico da cultura popular oral e do universo mágico da literatura infanto-juvenil.

10h ; 14h
Vermelho de dar dó, com Cristiano Gouveia
O músico, escritor e contador de histórias Cristiano Gouveia apresenta um  encontro entre as linguagens artísticas: o som vira narrativa, a literatura vira uma história cantada, uma música ganha as páginas de um livro para crianças. Cristiano apresenta contos cantados inspirados em livros, causos, fábulas e histórias do mundo inteiro. E apresenta também seu livro/cd Vermelho De Dar Dó, a uma história cantada inspirada no conto clássico da Chapeuzinho Vermelho.

19h

Canções paranaenses com a Banda Retrosense e orientadores do Centro de Difusão Musical (CDM)
Apresentação de canções paranaenses com os orientadores de Atividades do Centro de Difusão Musical (CDM) - SESC Maringá e a Banda Retrosense. Retrosense é uma banda de Rock Alternativo de Maringá- PR. A banda foi formada em 2012 por Rash (vocal), Otávio Kosak (guitarra), José Roberto (bateria), influenciados por bandas como ABBA, Roxette, The Cramberries, Paramore.

DIA 22/09 – Sábado

8h às 12h; 14h às 18h
Oficina: Formação de contação de histórias com Viramundo
Partindo da máxima da literatura enquanto arte da palavra, esta oficina propõe refletir acerca do texto literário tomando-o como fundamental para a formação humanizada do indivíduo. Deste modo, serão pautados diálogos acerca da arte do narrar: a contação de histórias e suas aplicações em sala de aula.
Carga Horária: 8h
Número máximo de participantes: 50
Custo: Gratuito

Fonte:

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

MIFORI (Participe de Duas Cirandas de Trovas)

I. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA SONO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. Quase sempre eu me emociono
quando eu sonho com você;
e acordo feliz do sono,
tão feliz! Será por que? 
Amilton Maciel Monteiro – UBT/ S. José dos Campos

3. Ao desafeto abandono
e durmo feliz assim:
pois não vou perder o sono
por quem não gosta de mim.
Edweine Loureiro - UBT-Japão

4. O sono é suave estrada,
macia como veludo...
que, embora não tenhas nada, 
um  sonho te dará tudo!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

II. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA ESPELHO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. O espelho é amigo sincero,
que às vezes, sem caridade,
não diz aquilo que eu quero,
mas... sempre diz a verdade!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

Enviar trovas para mifori@terra.com.br

Joaquim de Melo Freitas (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 5) III


ANTONIO PEDRO

Antonio Pedro, astro fulgurante
Que cruzas do tablado a vasta senda
Como guerreiro impávido da lenda,
Que, em busca de proezas, vaga errante.

Ei-lo cingindo as armas de diamante!
Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda,
Cada vez mais se engolfa na contenda,
Em prol da esquiva fama alti-sonante.

Quando o véu do futuro descortino
No alcáçar da justiça, que rebrilha
Sabeis o que descubro, e vaticino?

(Isto me pasma! transporta! e maravilha!)
Votado a berço humilde p'lo destino
Filho do povo, “a Gloria te perfilha”!

MISTERIOSO ABISMO

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.

NA FLORESTA

Conversa nos abetos a bafagem,
Nas franças range o vento compassado
E à matilha esquivando-se um veado
Pasma de ver no brejo a sua imagem.

Que rumor tão sutil, que doce agrado,
Poesia terna e pérfida, selvagem,
Em que os ecos se arrastam na folhagem
Entre dóceis de musgo aveludado.

Irrompem as gazelas nos aceiros
E as cobras aparecem na gesta
Quando as gralhas alagam os olmeiros.

Triste como o silencio da floresta,
Ouço dentro de mim uivos d'horror.
Combatem dois leões – “Ciúme e Amor!”

O CÃO DE BORDO

A cerração é densa. O pobre iate
Sem leme desarvora na refrega;
Penetra na escotilha a onda cega,
Alquebra-se o baixel no duro embate.

A trovoada estala, a proa abate;
No escaler a maruja ao céu se apega,
Este a vida infeliz surdo lhe nega,
Que as lágrimas não bastam p'ra resgate!...

Um cão hirsuto, magro, avermelhado,
Com os olhos chorosos, flamejantes,
Que brilham como negros diamantes

Late com desespero, busca a nado,
Mergulha entre os cadáveres boiantes,
O dono encontra, e morre extenuado.

NO HARÉM

No matiz do tapete auri-felpudo
Haydé reclina as formas langorosas,
Cismam d'inveja purpurina as rosas
Admirando-lhe as faces de veludo.

Modelo, que convida a obsceno estudo
N'um desmaio entre gases vaporosas
Pelas cassoulas de prata suntuosas
O âmbar, o beijoim arde a miúdo.

Quando rompe nos céus a madrugada
Sentem-se beijos em lascivo espasmo
Que iluminam a alcova perfumada

E um eunuco decrépito sarcasmo!-
Que a barbacã vigia na esplanada,
Crê-se na terra um mero pleonasmo.


ESCULTURA

Que bela estátua! Colo d'alabastro,
Um riso de cristal, faces ardentes,
Um adereço de pérolas os dentes
E os olhos chispam o fulgor d'um astro!

De maus intentos o porvir alastro
Porque passando desdenhosa sentes,
Que intimidas com lívidas correntes
Quem doido beija o sulco do teu rastro.

Paradoxo cruel! treva d'arminho,
Ídolo deslumbrante, ruim criança
Que da ternura forjas sevo espinho!

Quando te vejo ocorre-me a lembrança,
Flor de gelo, sinistro rosmaninho,
D'enforcar-me a sorrir na tua trança.

Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas. 
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883