terça-feira, 15 de outubro de 2019

Jaqueline Machado (Lançamento do Livro “Pétalas” – 50 anos da UBT)


Jaqueline está lançando a partir do dia 20 deste mês um livro de trovas em homenagem aos 50 anos da UBT. 

PÉTALAS é o titulo do seu mais recente trabalho. São mais de 100 trovas e mais um bônus com 12 poemas de sua autoria. 

PÉTALAS é um livro cheio de amor e tem como objetivo acarinhar docemente os poetas e trovadores da UBT. 

A edição é limitada. Não deixe de adquirir o seu exemplar. 

O lançamento oficial será no decorrer dos Jogos Florais de Porto Alegre que ocorrerão nos dias 25, 26 e 27 de outubro. 

Quem estiver presente poderá comprar diretamente com ela. 

Mas quem não puder se fazer presente pode encomendar através do e-mail: tudoepossivelw7@gmail.com 

Fonte:
Jaqueline Machado 
Presidente da UBT Cachoeira do Sul - RS 

Exposição de Poesias e Artes (20 de Outubro, em Curitiba)


Fonte: AVIPAF

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

João de Toledo Tito (Em Qualquer Esquina, Um Texto)


Parado, indeciso, em frente à gôndola na adega, já com uma cartela generosa de presunto de Parma debaixo do braço e com uma garrafa de vinho tinto seco em cada uma das mãos, tento optar por uma delas. Procuro ávido por socorro, e lá está ele. Grande, quase de meu tamanho, afixada em uma coluna metálica estruturada, uma seta vermelha - onde se lê: Leitor de Código de Barras - aponta para baixo na direção da maquininha. Aproximo-me da intensa luzinha verde que ela emite, exponho as barrinhas que até agora não me significam nada e meu problema se resolve. O leitor transmite os dados a um computador central, o qual, entre informações catalogadas para cada produto, seleciona aquela mais interessante aos clientes que a procuram, e voilá, leio o preço dos vinhos. Escolho o mais caro, pois não é tão mais caro assim, dirijo-me ao caixa, pago e saio dali.

Mais relaxado e caminhando em busca de quem amo, só me falta uma boa música para que a festa fique completa, e ela começa a martelar a minha cabeça: "Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando um violão debaixo do braço... Em qualquer esquina eu paro, em qualquer botequim,.,"

Consigo também pensar neste meu texto. Não seria ele como aquele código de barrinhas, que nada significa sem os olhos brilhantes de um leitor a transmitir ao mais poderoso dos computadores as informações capazes de emocionar com as informações certeiras - só um amontoado de símbolos previamente organizados, mas ainda sem finalidade?

Apresso os passos, ansioso e feliz, para o encontro. Trocar afagos, saborear os petiscos, presentear com meus escritos, na esperança da conquista final, a leitora desavisada que me espera distraída na janela. Mal sabe ela que levo também outras rimas na cabeça, que só farão sentido depois da sua leitura. E a música continua em minha cabeça: "Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando um texto debaixo do braço... Em qualquer esquina..."

(Crônica Premiada no VII Concurso Literário “Cidade de Maringá”)

Nato Azevedo (Jardim de Trovas) I


Ao te dar o ramalhete,
me olhando sem emoção
despedaçaste o bilhete
e também meu coração.

A verdadeira virtude
passa ao largo da vaidade
e é reflexo da atitude
de servir com humildade.

A Vida sem fantasias
nessa loucura geral
que é o mundo de nossos dias
era hospício ou hospital.

Caso a canoa soçobre,
ir água abaixo não temo:
logo que as forças recobre
sigo montado no remo!

De mil manias estava
tão cansado que, a meu ver,
ultimamente ele andava
com mania de morrer.

Diante do rosto bonito
eu digo e meu bem não crê
que, maior que o infinito,
é o meu amor por você.

Digo entre sério e risonho,
respondendo a seus apelos:
- "A Vida é um belo sonho
com dois ou três pesadelos"!

Diz na Fruteira o mascate
ao velho que lhe pede ôvo:
- "Pro vovô só abacate...
ou, então, nascer de novo"!

Dos beijos, do abraço terno,
das juras e ramalhetes...
de nosso amor - que era eterno -
só me sobraram bilhetes.

Eis, na era da informática,
a conclusão que se tira:
é que a Verdade, na prática,
anda ao lado da mentira.

Era tão pouca a fazenda
e tantos para enganar
que o ladino pôs à venda
terra, em lotes, sob o mar.

Fiz das máscaras escudo
a esconder-me dos fracassos.
Esforço inútil, contudo...
eles me têm em seus braços !

Hoje, que o peso da idade
é o fardo mor de meus dias,
vejo que a felicidade
é recordar alegrias.

Não preciso muito estudo
para um conselho à moçada:
não se meta em vale-tudo
se você não vale nada !

Na Vida, no dia-a-dia,
digo com sinceridade
que os momentos de alegria
são a tal felicidade.

No esporte, lazer ou lida,
em quase tudo, afinal,
há gente que faz da vida
um eterno carnaval.

No sertão bravio o pobre,
perdida toda confiança
e sem água, pão nem cobre,
se sustenta de esperança.

Ouça meu conselho drástico,
teus caros filhos desarma:
quem, hoje, "fere" com plástico,
amanhã mata com arma.

Palhaço desempregado,
sem máscara vou seguindo
tendo o mundo todo, ao lado,
da minha desgraça rindo.

Quantos retratos, memórias
guardadas nos camafeus
realçam mudas histórias
de amor, saudade e adeus.

Rico, famoso, invejado,
o insuportável sujeito
tinha o defeito danado
de se achar sem um defeito.

Se a fortuna bate à porta,
o que pensamos  primeiro
é o que geralmente importa:
que seja muito dinheiro !

Se as dúvidas me consomem,
guardo certezas bem fundo:
pode haver vida sem o Homem,
mas sem Mulher não há Mundo.

Se do antigo amor eu guardo
em um bilhete o perfume,
ele me recorda o fardo
que foi teu atroz ciúme.

Se oculto a dor, o desgosto,
o que o Tempo desmascara
é a máscara que, no rosto,
se faz às vezes de cara.

Televisão (quem diria...)
que, em certos casos, atrasa,
põe mundos de fantasia
na sala de nossa casa.

Tempo é confuso dilema
que, com surpresa imprevista 
passa veloz num cinema
e se arrasta no dentista.

Ter ambição não é pecar
mas, para muitos na vida,
fortuna é se ter um lar,
mulher, filhos e comida.

Vai o barco multicor...
navega pleno de graça,
tocando qual beija-flor
as terras por onde passa.

Velhas casa tão singelas
- do Passado, monumento -
são as orquídeas mais belas
de uma selva de cimento.

Fonte:

Antonio Carlos de Souza (Chimarrão) Parte 1


( Nota: as palavras em itálico negritado possuem o seu significado no vocabulário gauchesco no final a postagem)
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Pintura em tecido, por Rosvita

A Erva Mate foi descoberta pelos Índios Guaranis, antes do Descobrimento do Brasil. CAÁ – significa Erva Mate na linguagem Guarani, CAÁ-Y – significa a água da erva. Hoje mate amargo ou Chimarrão.

O Chimarrão, um grande patrimônio da Tradição Gaúcha, foi descoberto no atual Estado do Paraná, lá pelos idos do ano de 1554. Com as notícias da Prata, logo após a descoberta da América do Sul, muitos Europeus desembarcaram em nosso Continente, rumando para Assunção – Paraguai. Tentavam atingir a terra das valiosas minas, subindo pelo Rio da Prata. Foi numa dessas investidas que o governador de Assunção, IRALA, em 1554, descobriu o Mate Amargo. Partindo de Assunção o governador seguiu a leste, para conquistar terras para a Espanha e a busca de riquezas. Alcançando Guaíra, hoje Estado do Paraná, foi recepcionado, junto com a sua comitiva, por um povo indígena, que compunha uma Nação de 300.000 índios Guaranis. Ficaram impressionados com a hospitalidade jamais vista em suas andanças. Foram convidados a tomar uma bebida estimulante, que dava inspiração e proteção, ensinada por Tupã, Deus Indígena, aos pajés. Essa Erva era chamada pelos índios de “Erva Tupã”, porque era abençoada por Deus, seu mate produzia efeitos estimulantes e fortalecedores, ao corpo e ao espírito, para os guerreiros. Consistia em torrar as folhas de uma certa árvore silvestre, fragmentá-las e coloca-las num pequeno porongo, com água morna, quase quente, chupar com um canudinho de taquara. Um trançado de fibras de cascas e membranas de árvores, em sua base, impedia a ingestão de partículas das folhas, via canudinho. Era o CAÁ-Y, que também era consumido como chá, fervido e até mascado, sob a forma natural, em folhas verdes ou secas.

E disse o Hélio Moro Mariante em sua Fronteira do Vaivém:


Há uma árvore importante
Que nasce sem se plantar.
Sua folha é estimulante
Depois de se a sapecar.
É planta, mas chamam erva.
Dizem que as forças conserva,
Dos que a tomam no frequente
É chupada de um porongo
Com canudo e água quente.

A boa nova foi levada pelos expedicionários à Assunção e foi se espalhando por toda a América do Sul. A erva mate chegou a ser moeda corrente no Paraguai.

No início da era da erva mate a Igreja Católica foi sua fervorosa combatente. Os padres Franciscanos, em nome dos mais santos princípios da Igreja, instituíram a “excomunhão” dos que mateavam. Era o tempo da Inquisição. Eles chamavam a “erva do diabo”, por ter surgido no meio indígena, com a benção do deus Tupã.

Por isso Dimas Costa nos conta em sua Carta à Mãe Natureza:

– E assim é que o mate amargo
Tem muito de pago e china.
E a tradição é que ensina
Que o chimarrão, no passado,
Foi erva amaldiçoada
E por isso foi queimada
Por um conselho sagrado.

Então daí criou-se o hábito de quem prepara o mate toma o primeiro gole, para provar que ali não havia diabo algum. Foram muitas décadas de lutas da Igreja Católica, contra o uso da erva mate, porém o hábito invadiu o Continente. Até que a Igreja resolveu suspender o combate infrutífero. Formaram-se, então, dois grandes polos de produção, GUAÍRA, no Paraná, e Sete Povos das Missões, às margens do Rio Uruguai, no atual estado do Rio Grande do Sul.

Glaucus Saraiva realça em poesia o divino da erva mate:

Trazes à minha lembrança,
Neste teu sabor selvagem,
A mística beberagem,
Do feiticeiro charrua,
E o perfil da lança nua,
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha,
Por onde rolou a história,
Empoeirada de glórias,
De tradição farroupilha.

No Rio Grande do Sul, quando se deixou brotar a tradicional hospitalidade Gaúcha, sempre esteve uma mão amiga estendida, alcançando o símbolo desse gesto, um chimarrão. Nas estâncias Gaúchas nunca faltaram às rodas de chimarrão. Nas charlas galponeiras, ao redor dos fogos de chão, entre um mate e outro, sempre foram tomadas as mais importantes decisões do curso de nossa história.

O momento do chimarrão é propício para se ordenar e planejar os negócios do dia. Ninguém mateia com pressa. A exploração da Erva Mate, como descoberta nativa, constituiu-se em grande fonte de divisas para o Rio Grande do Sul, principalmente pelos missioneiros, especialmente após a chegada ao pó da erva.

E o grande payador Jayme Caetano Braun em seu Potreiro de Guaxos explica:

É por isso meu patrício
Que não mateio solito
Embora o verde bendito
Pra mim seja mais que vício.
É o meu último munício
Que não dispenso nem largo
E peço a Deus, sem embargo,
Na xucreza do meu canto,
Que no céu me guarde um Santo
Parceiro para o Mate Amargo. 

Cedo provei o Chimarrão. Via todo mundo sorvendo nas bombas de prata, via o topete da erva de um verde diferente dos outros porque a vida nela adormecera e esperava, e era como uma alusão misteriosa ao sabor que deveria subir lá de dentro da cuia. Via o mate correr entre homens e mulheres, entre os homens da casa da fazenda e no galpão, e pelos alpendres das manhãs acesas ou das tardes tristes, o mate obscuro das mulheres negras da cozinha nas tardes escuras de chuva, quando elas andavam silenciosas, descalças sobre os ladrilhos gastos, com a cuia na mão. (Reynaldo Moura – Romance no Rio Grande).

- Já o grande poeta Guilherme Shultz Filho, pinta o quadro poético que se emoldura:

Mate amargo! Que doçura!
Velha cuia de porongo!
Nesse teu feitio oblongo
Que parece um coração,
És toda uma tradição,
Todo um passado resumes!
Desde os singelos costumes
Do meu pago e minha gente
Velha cuia confidente!
Mate Amargo! CHIMARRÃO!

- O Amargo se expande na síntese de Aureliano de Figueiredo Pinto:

Com o porongo Africano
A bomba peninsular,
Erva do índio Americano
Três Continentes a dar
A sua contribuição
A democrata reunião
Fraterna que anima e puxa
E acende a veia Gaúcha
Nas charlas de um CHIMARRÃO.

- Eis que Valdomiro Sousa relembra um naco da nossa história:

Eis que a cuia me ensina:
Quando chegou Silva Paes,
Sepé entre os ervais
Tomava o seu chimarrão,
Feliz, na paisagem guasca.
Sepé que soberbo e ousado
Sucumbiu, despedaçado,
Por amor deste Rincão.

- E Hermelindo Cavalheiro ao mate amargo se aferra:

Chimarrão, vinho da terra
Onde na paz ou na guerra,
Seu apanágio é o valor,
Sempre foste para o gaúcho
Bebida simples sem luxo
Mas sem igual no sabor.

- O Grande cantor e compositor Lupicínio Rodrigues compôs:

Amigo boleie a perna,
Puxe o banco e vá sentando.
Descanse a palha na orelha,
E o crioulo, vá picando. 
Enquanto a chaleira chia, 
O Amargo vai cevando.

- E a poesia que imortalizou o Mate Amargo de Glaucus Saraiva:

CHIMARRÃO

Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.

Glaucus Saraiva também ensina como encilhar um mate:

UM POEMA AO CHIMARRÃO 

Palmeio o velho porongo
derramo a erva com jeito
encosto a cuia no peito
batendo a erva pra um lado;
com os quatro dedos curvados
formo um topete bem feito.

Com um poquito de água morna
bem devagar despejado,
tenho o amargo ajeitado
que ponho a um canto pra inchar;
e espero a água esquentar
pitando o baio sovado.

A pava chiou no fogo.
Encho a cuia que promete;
a espuma se arremete
bem pra cima, borbulhando,
e acariciante, beijando,
branqueia todo o topete.

Agarro a bomba de prata,
tapo o bocal com o dedão,
calço o bojo bem no chão
da cuia e vou destapando
a bomba que vai chupando
um pouco de chimarrão.

Derramo outro pouco d'água
para aumentar o calor...
e o mate confortador
vou sorvendo em trago largo,
pois me saiu um amargo
despachado e roncador.

E do grande poeta Aureliano de Figueiredo Pinto nos brinda com esses maravilhosos versos:

CHIMARRÃO DA MADRUGADA

Não sei por que nesta noite
o sono velho sebruno
ergueu a clina e se foi!
E eu que arrelie ou me zangue.
Tenho olhos de ave da noite,
ouvidos de quero-quero
cordas de viola nos nervos
e uma secura no sangue.

Então, da marquesa salto
e vou direto ao galpão:
bato tição com tição
e a labareda clareia
os caibros do galpão alto.
Já a cuia bem enxaguada,
corto um cigarro daqueles
de reacender vinte vezes
num trote de quatro léguas
de uma chasqueira troteada.

E, quando a chaleira chia,
principio um chimarrão,
mais verde e mais topetudo
do que um mate de barão.
Me estabeleço num banco
pra gozar gole e fumaça,
pitando um naco de branco.
E entre tragada e golito
saludo mui despacito
cada recuerdo que passa.

É um gosto olhar os brasidos
E os luxos das labaredas
dançando rendas e sedas
para a ilusão dos sentidos.
E entre o amargo e a tragada
tranqueiam na madrugada
tantos recuerdos perdidos.

E o chimarrão macanudo
vai entrando pelo sangue!
Vai melhorando as macetas,
curando as juntas doridas
como água arisca de sanga
sobre loncas ressequidas.

O peito avoluma e arqueia
como cogote de potro.
E as ventas se abrem gulosas
por cheiro de madrugada.
- Potrilhos em disparada
num Setembro de alvoroto.

Ah! Sangue velho... Descubro
porque hoje estás de vigília:
- Dois séculos de Fronteiras.
de madrugadas campeiras,
de velhas guardas guerreiras
bombeando pampa e coxilha!

Por isso é que hoje não dormes!
Ouviste a voz de ancestrais:
-"O chimarrão principia”!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
Um taura não dorme mais...

- O ato de tomar um mate é muito maior do que simplesmente ingerir uma bebida: É um ritual símbolo da cultura Gaúcha, uma tradição que une as pessoas.

Foste bebida selvagem
E hoje és tradição,
E só tu, meu chimarrão,
Que o gaúcho não despreza
Porque és o livro de reza
Que rezo junto ao fogão.
(Vitor Ramill)

continua… parte 2 (final)
_________________
Vocabulário Gauchesco:

Alvoroto – Burburinho. Motim, revolta. O mesmo que alvoroço.
Bombeando – espionando, explorando, vigiando.
Brasidos – braseiros.
Charlas – conversas.
Charrua – Palavra que caracteriza os atuais habitantes do território outrora ocupado pela tribo Charrua, o que hoje equivale ao sul do Rio Grande do Sul e toda a República Oriental do Uruguai. Indivíduo que habita as regiões fronteiriças entre Brasil e Uruguai.
Chasqueira – diz-se do animal de trote duro.
China – Mulher guapa, valente. Tal gíria é muito utilizada em regiões da fronteira do estado do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
Clina – O mesmo que "crina", pelagem comprida que fica no pescoço e/ou no rabo de animais como o cavalo.
Cogote – pescoço grosso.
Crioulo – cigarro de palha.
Despacito – devagar, vagarosamente.
Encilhar – colocar erva na cuia de chimarrão.
Guasca – correia, corda de couro cru. Tem sentido pejorativo também.
Lonca – couro fino do animal para costurar.
Macanudo – bom, poderoso.
Maceta – tornozelos inchados, dificuldade para andar.
Marquesa – espécie de cama muito larga.
Munício – gado de corte para alimentação dos soldados.
Pago – lugar em que nasceu.
Pava – chaleira.
Payador – quem escreve payada, que é uma forma de poesia improvisada vigente na Argentina, no Uruguai, no sul do Brasil e no Chile. É uma forma de repente em estrofes de 10 versos, de redondilha maior e rima ABBAACCDDC, com o acompanhamento de violão.
Porongo – 1. cuia de chimarrão. 2. Fruto não comestível, caracterizado por seu tamanho grande, formado por uma casca grossa e com sementes por dentro, sem polpa. Utilizado para confecção de cuias de chimarrão, berimbau (concha acústica), ou mesmo para fazer casas de passarinhos.
Recuerdos – lembranças, recordações.
Rincão – ponta de campo cercada de rios, matas.
Sanga – Pequeno riacho, córrego, com nascente própria e que geralmente deságua em rios ou lagos.
Sebruno – animal cavalar de pelo escuro.
Sepé – Sepé Tiaraju (1723 – 1756) foi um guerreiro indígena brasileiro, considerado santo popular e declarado "herói guarani missioneiro rio-grandense" por lei. Chefe indígena dos Sete Povos das Missões, liderou uma rebelião contra o Tratado de Madri.
Taquara – tipo de bambu.
Taura – individuo valente, destemido.


Fonte:
Texto enviado pelo autor.

domingo, 13 de outubro de 2019

Sebas Sundfeld (Visita Importante)


Caboclo de compleição franzina, gênio brando, barba rala no rosto cor de cobre, cabelo rente e grisalho, pitando cigarro de palha, seu Pedrinho passou a vida no trabalho rude do campo. Com a mulher, morava agora, de favor, numas terrinhas de onde tirava o seu sustento.

Rocinhas ralas de milho e de mandioca e um chiqueirinho ocupavam as proximidades do seu rancho de pau-a-pique, de três cômodos ligados por passagens sem porta. Apenas a do quarto exibia uma cortina amarrotada, na preocupação com olhares curiosos de algum
visitante inesperado. Sim, por que às vezes aparecia por lá alguém da fazenda.

Naquela manhã clara e quente, chegaram dois cavaleiros, moços da cidade em férias e a procura de aventuras por aquelas simplezas rurais. "Visita importante" matutou seu Pedrinho.

Recepcionou os desconhecidos com agrados na fala. Sabendo a que vinham, levou-os para dentro. Enxotou os frangos empoleirados nas cadeiras, para que os recém-chegados sentassem. Então serviu-lhes a bilha com água fresquinha da mina que brotava à sombra dos taquaruçus. Desajeitados, emborcaram a bilha. Saciaram a sede. E molharam a camisa. Mal humorados já iam se despedindo. Um cheiro adocicado que vinha da cozinha deteve a saída altiva dos jovens não habituados aos aromas da roça.

– É a Filoca ali no fogão, explicou o dono do rancho.

Disse e foi buscar uma panela de milho cozido, quentinho, fumegando. Colocou sobre a mesa e convidou respeitoso:

– Experimente, moço, pra vê cumo é bão. Com um pôco de sar fica mió ainda.

Os visitantes, de saída, voltaram olhares vertendo ironia. O comentário de um deles desprezou a generosidade do anfitrião roceiro.

– Nós não comemos milho cozido.

Desapontado, seu Pedrinho quis se desculpar. Sua resposta veio singela e apropriada:

- Intão me descurpe, moço, pruquê o mio cru os porco comero.

(Crônica vencedora no IV Concurso Literário "Cidade de Maringá")

Fonte:
Maria Eliana Palma (org.). Livreto dos vencedores: VII Concurso Literário “Cidade de Maringá”; II Concurso Literário “Maria Mariá”. Maringá/PR: Nova Criação, 2016.

Flávio Roberto Stefani (Querência de Trovas)


A gatinha, de bom tom,
só quer mesmo, no seu ninho,
em vez de um baita edredom
um musculoso gatinho...

A gatinha, na balada,
viu seu gato, com um "cacho",
e partiu para a "porrada",
mostrando quem era o macho...

Ah, se eu pudesse, faria,
tudo de novo outra vez,
estudava economia,
pro salário dar pro mês...

A vergonha foi demais
no casório da velhinha:
a velha queria mais
e mais o velho não tinha…

Caiu a casa do gato
da madame 'socialite'
depois ela viu um rato
desfilando no seu 'site'...

Chuta o balde a dona Mima
porque o marido, Vavá,
em vez de partir pra cima,
vai pra baixo do sofá...

Desesperado, o ladrão,
vendo que vítima orava,
roubou-lhe a própria oração
só pra dizer que roubava...

É político de escol,
sabe tudo, até no escuro,
faça chuva ou tenha sol,
não sai de cima do muro...

Esse inverno tudo arrasa
e a gente agora aconselha
ter sempre guardado em casa
um bom cobertor de orelha...

Morre a sogra... e no velório,
aparece, no cantinho,
o genro com o foguetório
já prontinho... já prontinho...

Na jogada de furor,
a galera aperta o passo,
quando o urso driblador
faz o gol sai pro abraço...

Na sociedade mais rica,
preguiça é 'doença rara'
que o médico diagnostica
somente olhando na cara...

No balcão do botequim,
o bebum tenta falar,
mas gasta todo o latim...
e não consegue explicar…

No desespero, o casal
vestiu a roupa ao contrário,
e o flagrante foi fatal:
"casal mal vestido e otário..."

O barulho na cozinha
denunciou mais um duelo:
o gordo atrás da sardinha,
a esposa atrás do chinelo...

O jogo foi traiçoeiro,
e foi expulso o infeliz,
porque o chute foi certeiro
bem nas partes do juiz...

O pijama de bolinha,
não anima nada, nada…
e o coronel perde a linha,
a vontade, o jeito, a espada...

O sabonete caiu
e o desespero da Bruna,
não foi tanto o que ela viu,
mas o drama da coluna...

O soldado trapaceiro
vai pra banda, e, como tal,
'ta’ treinando dia inteiro
para ser o general...

O velho fica feliz
pois há tempos não namora,
mas a velha acorda e diz
- "Muita calma nessa hora...”

Passa a noite no batuque,
mas, na volta, muda o tom:
ele, atrás de um novo truque,
mas ela, atrás do batom…

Põe pijama, baixa o som...
E o meu compadre, na cama,
bem na hora do "bem bom"
só quer mostrar o pijama…

Pra sogra que mora ao lado,
tem um remédio chinfrim:
fazer um muro elevado,
igualzinho ao de Berlim...

Toda vez que o time afunda,
deixando a torcida à míngua,
a rima, rica e profunda,
esta na ponta da língua...

Trabalhando a noite inteira
na boate, a Leonor
não entra na bebedeira,
pois só toma... suador!...

Vendo a grave situação,
o padre ao casório vem,
e aproveita a ocasião
para o batismo também...

Fonte:
Flávio Roberto Stefani. Novas andanças: trovas & poemas. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.

Carlos Drummond de Andrade (Banco Barroco)


— Quer comprar o meu banco? Ele não está à venda.

Falava com superioridade de banqueiro que se sabe forte na praça, capaz de resistir à pressão de grupos econômicos poderosos. Tornou-se arrogante:

— Não vendo ele de jeito nenhum. Já recusei muitas propostas. Por que havia de vender? Gosto dele, não vai mudar de proprietário enquanto eu for vivo.

— Perdão, eu não queria comprar.

— Queria então o quê?

— Queria permissão para ver. Estou estudando mobiliário barroco, e soube que o senhor tem em casa uma peça valiosa.

— Valiosa? Pra mim ele não pode ser avaliado em cruzeiros. Nem em dólar, que aliás hoje não é mais lá essas coisas. O senhor quer ver apenas?

— Ver e, com sua licença, fotografar.

— Ah, fotografar pra quê? Pra botar no jornal?

— Não trabalho em jornal.

— Então, trabalha pro governo, já vi tudo. Vem ver o meu banco, tira retrato, faz relatório, depois, pimba: o governo desapropria o meu banco por essa tal de utilidade pública. Muito bonito.

— O senhor está completamente enganado. Não sou funcionário público, sou estudante e trabalho no escritório da Light. Olhe aqui as minhas carteiras.

— Carteiras? Carteira não prova nada.

— Bem, se não acredita…

— Prefiro acreditar na sua cara, que me parece de gente de bem. Pode entrar.

A salinha era pobre, só o banco impunha sua classe, misturado a trastes sem estilo.

— Século XVII, no duro. Joia.

— Eu sei, eu conheço o que é meu.

— O senhor permite que eu tome as medidas?

— Pra que tirar medida? Não chega tirar retrato?

— Para documentar bem a peça. Vou fazer um sucesso danado lá na Escola, com o trabalho sobre este banco.

A desconfiança voltou a acinzentar os olhos do dono:

— Sei não. Este seu interesse pelo meu banco…

— O senhor está pensando que eu vim a mando de algum antiquário? Dou minha palavra de honra que faço uma pesquisa escolar.

— Bom, pode tirar as medidas.

O rapaz aproximou-se, alisou o couro lavrado, com carinho. Banco de igreja nordestina, jacarandá venerando, oito pés retorcidos, duas traves torneadas, como é que um tesouro desses foi parar naquela casinha vulgar de Madureira?

— Vou dar ao senhor cópias das fotos.

— Não carece, moço. Prefiro olhar pro meu banco do que olhar pro retrato dele.

— O senhor… posso saber como essa coisa linda veio ter às suas mãos?

— Olha só a curiosidade dele. Eu não falei? Agora tem fiscalização de móveis na casa da gente?

— Não precisa responder, é claro. Está se vendo que isto é um bem de família, o senhor herdou de seu pai.

— E meu pai de meu avô. Meu avô do pai dele, ou da mãe, sei lá. Negócio muito do antigório.

— Mas este banco não é do tempo do seu bisavô. É muito mais antigo.

— Como é que eu posso saber quem foi a primeira pessoa da minha família que possuiu este banco? Não sou adivinhão.

— Bem, ele saiu duma igreja.

— Isso eu sei.

— Não estou duvidando de sua família, claro. Absolutamente. Mas seus pais não lhe contaram nada, nada, não lhe falaram de uma tradição da família em torno deste banco?

Ficou pensativo, coçando a testa.

— Parece que tinha um padre…

— Lógico que tinha um padre.

— Vou confiar no senhor. Negócio perdido na fumaceira do tempo, né? a gente pode contar.

— Isso.

— Uma dona da nossa família era casada com ele. Naquela base, entende? O padre morreu, a comadre guardou o banco de lembrança. O senhor vê que este banco é sagrado. Não vendo ele pra Onassis nenhum. Ninguém tem o direito de sentar nele. Nem eu. Sou pobre mas sustento a honra do passado. Agora que já sabe tudo, o senhor aceita uma xicra de café coado na hora?

Fonte: 
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

José Feldman (Adeus, Minha Irmã!)


POEMA: ADEUS, MINHA IRMÃ
(Para a Mel - 3/5/2003 - 8/10//2019

Adeus, ó minha irmã querida
deixas meu coração em pranto.
foste pura doçura em vida,
a luz, a alegria e o canto.

Teus latidos se calaram...
a noite ficou muito fria
as estrelas se apagaram,
não há mais a tua alegria.

Foste a bússola a me guiar
com teu jeitinho carinhoso
a ternura sempre a encantar
em teu modo de olhar dengoso.

Foste um ser iluminado
que a luz na terra se apagou,
um coração abençoado
que com lágrimas, nos deixou.
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NOTA:

Por hora não haverão postagens, pois é tempo de dor e pranto. Breve retornarei.

Conto com vossa compreensão
José Feldman

domingo, 6 de outubro de 2019

Maurício Cavalheiro (O Segredo de Boas Histórias)


No intervalo vespertino, deixo o escritório para combater a fome na padaria da praça. Peço pão na chapa e pingado. Junto à mesa, na calçada, observo o movimento.

As 15 horas, precisamente, ele aparece com o livro à axila. Caminha lento, apoiado na bengala, até se acomodar no banco ao lado do coreto. Ajeita o chapéu, apruma os óculos, pigarreia. Dizem que no início tagarelava para os pombos. Mas estes preferiam bicar resíduos de alimentos no chão a ter que ouvi-lo.

Por um bom tempo foi considerado destrambelhado. Por isso os pais criavam medo nos filhos, para não se aproximassem do velho "doido". Mas como toda invencionice tem prazo de validade e criança é um bicho impertinente, o enredo se desfez. Há muitos anos, o filho rebelde do prefeito resolveu importunar o 'Velho doido". Tentou de todas as maneiras. Fez isso, fez aquilo, e mais um pouco. Não adiantou: acabou pacificado pelas histórias do nonagenário. Desde então, o degredo perdeu forças e o velho ganhou popularidade.

Ainda menino, inúmeras vezes ouvi histórias contadas por ele. Histórias que não se repetem. Naquele livro mágico nasciam - e nascem - reinos, galáxias, monstros, florestas e muito mais. Naquele livro há passados e futuros inimagináveis. Confesso que, de vez em quando, deixo o café para ouvi-lo, como neste instante.

Atravesso a rua e me aproximo da plateia; crianças e adultos sentados na grama. Ele me reconhece. Cumprimento-o com um aceno. Ele dá uma piscadela e encosta o indicador no nariz me pedindo para manter o segredo. Meneio a cabeça assentindo.

Depois de pigarrear mais uma vez, abre o livro e começa a contar, elaborando gestos e expressões faciais para cada momento da história. Sua voz, embora rouca e um pouco enfraquecida, tempera com sabedoria cada palavra. Crianças e adultos, literalmente, viajam nas histórias.

Ao fim da oratória, recebe aplausos e outras manifestações de carinho. E vai embora.

Dentro de mim, o menino continua maravilhado. Dentro de mim, reina o segredo inviolável: ele é analfabeto e conta histórias guardadas no coração,

Fonte:
Maria Eliana Palma (org.). Livreto dos vencedores: VII Concurso Literário “Cidade de Maringá”; II Concurso Literário “Maria Mariá”. Maringá/PR: Nova Criação, 2016.

Fernando Vasconcelos (Tertúlia da Saudade)


Ante a montanha serena,
é que o homem vê, com certeza,
como a criatura é pequena;
como é grande a natureza.

Ao criar toda grandeza,
em seu divino mister,
querendo amor e beleza,
Deus se esmerou na mulher.

A trova é coisa sucinta,
toda glória ao inventor...
só com pouquinho de tinta,
eu posso falar de amor.

Corre o homem a toda brida.
buscando mil emoções...
é cavalo de corrida,
no prado das Ilusões.

Deus deu ao Norte a salina,
para o cabra ter, quiçá,
no rigor de sua sina,
bem pertinho no jabá.

Esta saudade é um jeitinho
de estarmos juntos, nós dois;
de reviver teu carinho,
já tantos anos depois.

Faça este bom sonho arder,
no fundo do coração...
quando o querer é poder,
desejo se faz ação.

Palavras são universos,
aqui mesmo está a prova,
ao prender em quatro versos
o infinito de uma trova.

Pelo espírito picante,
as salinas, com esmero,
em colóquio incessante,
vão dando aos mares tempero.

Preso nas encruzilhadas,
bem depois de tantas fugas,
rolam lágrimas cansadas.
por velhas trilhas de rugas.

Quem do verso tem a lida,
a trova trazendo a lume.
porta a lâmina da vida
e usa bem certo o seu gume.

Quem já viu só tem certeza
e guarda no coração...
não há uma maior beleza
que um olhar de gratidão.

Quis a vida minha sina
fosse loucura qualquer,
por estes olhos menina;
por este corpo mulher.

Sinta forte, queira fundo,
nada move mais a gente,
nas estradas deste mundo,
que puro desejo ardente.

Solidão, estado d'alma
que não tem definição...
quando temos toda calma
a gerar agitação.

Solidão, este vazio,
vil chuva de pranto, em vão,
com gosto seco de estio,
sem definir a estação.

Um clima que, então, existe.
lembre-se disso, ó irmão...
estar só não é tão triste.
quanto sentir solidão.

Um rico conhecimento
é certo e trago comigo:
para quem não vive atento,
o desejo é um perigo.

Vendo tão calma a montanha,
não traz suspeita a visão,
de que, em sua rude entranha,
pode dormir um vulcão.

Vento que ondula copadas,
nesta sina de viajor
leve, nas tantas jornadas,
as nossas trovas de amor.

Fonte:
Fernando Vasconcelos. Estou nascendo para a trova. Ponta Grossa/PR: Gráfica Planeta, 1994.