segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Nato Azevedo (Jardim de Trovas) I


Ao te dar o ramalhete,
me olhando sem emoção
despedaçaste o bilhete
e também meu coração.

A verdadeira virtude
passa ao largo da vaidade
e é reflexo da atitude
de servir com humildade.

A Vida sem fantasias
nessa loucura geral
que é o mundo de nossos dias
era hospício ou hospital.

Caso a canoa soçobre,
ir água abaixo não temo:
logo que as forças recobre
sigo montado no remo!

De mil manias estava
tão cansado que, a meu ver,
ultimamente ele andava
com mania de morrer.

Diante do rosto bonito
eu digo e meu bem não crê
que, maior que o infinito,
é o meu amor por você.

Digo entre sério e risonho,
respondendo a seus apelos:
- "A Vida é um belo sonho
com dois ou três pesadelos"!

Diz na Fruteira o mascate
ao velho que lhe pede ôvo:
- "Pro vovô só abacate...
ou, então, nascer de novo"!

Dos beijos, do abraço terno,
das juras e ramalhetes...
de nosso amor - que era eterno -
só me sobraram bilhetes.

Eis, na era da informática,
a conclusão que se tira:
é que a Verdade, na prática,
anda ao lado da mentira.

Era tão pouca a fazenda
e tantos para enganar
que o ladino pôs à venda
terra, em lotes, sob o mar.

Fiz das máscaras escudo
a esconder-me dos fracassos.
Esforço inútil, contudo...
eles me têm em seus braços !

Hoje, que o peso da idade
é o fardo mor de meus dias,
vejo que a felicidade
é recordar alegrias.

Não preciso muito estudo
para um conselho à moçada:
não se meta em vale-tudo
se você não vale nada !

Na Vida, no dia-a-dia,
digo com sinceridade
que os momentos de alegria
são a tal felicidade.

No esporte, lazer ou lida,
em quase tudo, afinal,
há gente que faz da vida
um eterno carnaval.

No sertão bravio o pobre,
perdida toda confiança
e sem água, pão nem cobre,
se sustenta de esperança.

Ouça meu conselho drástico,
teus caros filhos desarma:
quem, hoje, "fere" com plástico,
amanhã mata com arma.

Palhaço desempregado,
sem máscara vou seguindo
tendo o mundo todo, ao lado,
da minha desgraça rindo.

Quantos retratos, memórias
guardadas nos camafeus
realçam mudas histórias
de amor, saudade e adeus.

Rico, famoso, invejado,
o insuportável sujeito
tinha o defeito danado
de se achar sem um defeito.

Se a fortuna bate à porta,
o que pensamos  primeiro
é o que geralmente importa:
que seja muito dinheiro !

Se as dúvidas me consomem,
guardo certezas bem fundo:
pode haver vida sem o Homem,
mas sem Mulher não há Mundo.

Se do antigo amor eu guardo
em um bilhete o perfume,
ele me recorda o fardo
que foi teu atroz ciúme.

Se oculto a dor, o desgosto,
o que o Tempo desmascara
é a máscara que, no rosto,
se faz às vezes de cara.

Televisão (quem diria...)
que, em certos casos, atrasa,
põe mundos de fantasia
na sala de nossa casa.

Tempo é confuso dilema
que, com surpresa imprevista 
passa veloz num cinema
e se arrasta no dentista.

Ter ambição não é pecar
mas, para muitos na vida,
fortuna é se ter um lar,
mulher, filhos e comida.

Vai o barco multicor...
navega pleno de graça,
tocando qual beija-flor
as terras por onde passa.

Velhas casa tão singelas
- do Passado, monumento -
são as orquídeas mais belas
de uma selva de cimento.

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