sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Lima Barreto (Mais uma vez)


Este recente crime da rua da Lapa traz de novo à tona essa questão do adultério da mulher e seu assassinato pelo marido.

Na nossa hipócrita sociedade, parece estabelecido como direito, e mesmo dever do marido, o perpetrá-lo.

Não se dá isto nesta ou naquela camada, mas de alto a baixo.

Eu me lembro ainda hoje que, numa tarde de vadiação, há muitos anos, fui parar com o meu amigo, já falecido Ari Toom, no necrotério, no largo do Moura por aquela época.

Uma rapariga - nós sabíamos isso pelos jornais - creio que espanhola, de nome Combra, havia sido assassinada pelo amante e, suspeitava-se, ao mesmo tempo maquereau* dela, numa casa da rua de Sant'Ana.

O crime teve a repercussão que os jornais lhe deram e os arredores do necrotério estavam povoados da população daquelas paragens e das adjacências do beco da Música e da rua da Misericórdia, que o Rio de Janeiro bem conhece. No interior da morgue 2, era a frequência algo diferente sem deixar de ser um pouco semelhante à do exterior, e, talvez mesmo, em substância igual, mas muito bem vestida. Isto quanto às mulheres - bem entendido!

Ari ficou mais tempo a contemplar os cadáveres. Eu saí logo. Lembro-me só do da mulher que estava vestida com um corpete e tinha só a saia de baixo. Não garanto que estivesse calçada com as chinelas, mas me parece hoje que estava. Pouco sangue e um furo bem circular no lado esquerdo, com bordas escuras, na altura do coração.

Escrevi - cadáveres - pois o amante-cáften se havia suicidado após matar a Combra - o que me havia esquecido de dizer.

Como ia contando, vim para o lado de fora e pus-me a ouvir os comentários daquelas pobres pierreuses* de todas as cores, sobre o fato.

Não havia uma que tivesse compaixão da sua colega da aristocrática classe. Todas elas tinham objurgatórias* terríveis, condenando-a, julgando o seu assassinato coisa bem feita; e, se fossem homens, diziam, fariam o mesmo - tudo isto entremeado de palavras do calão obsceno próprias para injuriar uma mulher. Admirei-me e continuei a ouvir o que diziam com mais atenção. Sabem por que eram assim tão severas com a morta?

Porque a supunham casada com o matador e ser adúltera.

Documentos tão fortes como este não tenho sobre as outras camadas da sociedade; mas, quando fui jurado e, tive por colegas os médicos da nossa terra, funcionários e doutos de mais de três contos e seiscentos mil réis de renda anual como manda a lei sejam os juízes de fato escolhidos, verifiquei que todos pensavam da mesma forma que aquelas maltrapilhas rôdeuses* do largo do Moura.

Mesmo eu - já contei isto alhures - servi num conselho de sentença que tinha de julgar um uxoricida* e o absolvi. Fui fraco, pois a minha opinião, se não era falhe comer alguns anos de cadeia, era manifestar que havia, e no meu caso completamente incapaz de qualquer conquista, um homem que lhe desaprovava a barbaridade do ato. Cedi a rogos e, até, alguns partidos dos meus colegas de sala secreta.

No caso atual, neste caso da rua da Lapa, vê-se bem como os defensores do criminoso querem explorar essa estúpida opinião de nosso povo que desculpa o uxoricídio quando há adultério, e parece até impor ao marido ultrajado dever de matar a sua ex-cara-metade.

Que um outro qualquer advogado explorasse essa abusão* bárbara da nossa gente, vá lá; mas que o Senhor Evaristo de Morais, cuja ilustração, cujo talento e cujo esforço na vida me causam tanta admiração, endosse, mesmo profissionalmente, semelhante doutrina é que me entristece. O liberal, o socialista Evaristo, quase anarquista, está me parecendo uma dessas engraçadas feministas Brasil, gênero professora Daltro, que querem a emancipação da mulher unicamente para exercer sinecuras* do governo e rendosos cargos políticos; mas que, quando se trata desse absurdo costume nosso de perdoar os maridos assassinos de suas mulheres, por isso ou aquilo, nada dizem e ficam na moita.

A meu ver, não há degradação maior para a mulher do que semelhante opinião quase geral; nada a degrada mais do que isso, penso eu. Entretanto...

Às vezes mesmo, o adultério é o que se vê e o que não se vê são outros interesses e despeitos que só uma análise mais sutil podia revelar nesses lagos.

No crime da rua da Lapa, o criminoso, o marido, o interessado no caso, portanto, não alegou quando depôs sozinho que a sua mulher fosse adúltera; entretanto, a defesa, lemos nos jornais, está procurando "justificar" que ela o era.

O crime em si não me interessa, senão no que toca à minha piedade por ambos; mas, se houvesse de escrever um romance, e não é o caso, explicaria, ainda me louvando nos jornais, a coisa de modo talvez satisfatório.

Não quero, porém, escrever romances e estou mesmo disposto a não escrevê-los mais, se algum dia escrevi um, de acordo com os cânones da nossa crítica; por isso guardo as minhas observações e ilusões para o meu gasto e para o julgamento da nossa atroz sociedade burguesa, cujo espírito, cujos imperativos da nossa ação na vida animaram, o que parece absurdo, mas de que estou absolutamente certo - O protagonista do lamentável drama da rua da Lapa.

Afastei-me do meu objetivo, que era mostrar a grosseria, a barbaridade desse nosso costume de achar justo que o marido mate a mulher adúltera ou que a crê tal.

Toda a campanha para mostrar a iniquidade de semelhante julgamento não será perdida; e não deixo passar vaza que não diga algumas toscas palavras, condenando-o.

Se a coisa continuar assim, em breve, de lei costumeira, passará a lei escrita e retrogradamos às usanças selvagens que queimavam e enterravam vivas as adúlteras.

Convém entretanto lembrar que, nas velhas legislações, havia casos de adultério legal. Creio que Sólon e Licurgo os admitia; creio mesmo ambos. Não tenho aqui o meu Plutarco. Seja, porém, como for, não digo que todos os adultérios são perdoáveis. Pior do que o adultério é o assassinato; e nós queremos criar uma espécie dele baseado na lei.
______________________________
Vocabulário:
Maquereau = cafetão.
Pierreuses = prostitutas.
Objurgatórias = condenações.
Rôdeuses = vagabundas.
Uxoricida = assassino da própria esposa.
Abusão = crença, superstição.
Sinecuras =emprego ou cargo rendoso que exige pouco trabalho.


 Fonte:
Lima Barreto. Bagatelas. s.d.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 7. conto - Coração de Ouro

CORAÇÃO DE OURO


Foco Narrativo
Narrado em 3ª pessoa

Espaço
Rio de Janeiro-São Paulo. Hotel onde patrão e secretária se hospedam.

Personagens:
a) Antenor Couto - novo rico-herdeiro de grande fortuna tinha que aprender novos hábitos como os dos magnatas. A.C. torna-se “quixotesco”, atitudes tolas...como pagar o dobro do pedágio...Ser identificado pelas iniciais demonstra a importância social.
b) Secretária - sedutora, manipuladora da vida de A.C. "ar de princesa, dedos finos, delicado cerrar das pestanas, que lhe haviam recomendado como um cartão de visitas do Tiffanys"

Antenor Couto é o protagonista deste conto. Tendo recebido uma herança,  títulos, dois prédios, em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Reservou a suíte presidencial do hotel Sheraton em São Paulo, enviou um carro com chofer e a secretária, fundamental para Antenor, mas não como a sua agenda, pois sua vida gira em torno dela.

A linda secretária se aproveita do patrão rico manipulando-o através de uma agenda e telegramas forjados....Assim ele desfruta da fortuna do patrão. O fato de estar empolgado com o dinheiro não enxerga as artimanhas da secretária que mantém sua vida sob controle.

Jamais abandona a agenda que era o coração dos dois.

Fonte:
Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 22 –

 


Contos e Lendas do Mundo (A Última Folhinha Verde)


Há muito tempo atrás, no Hemisfério Norte, havia um rei que estava de cama, muito doente ... morrendo lentamente.

Porém, mais forte do que a doença que lhe consumia, era o profundo desânimo que lhe tocava a alma. O rei havia desistido de viver.

Sua filha vinha vê-lo todos os dias e tentava animá-lo, relembrando dos bons momentos da vida.

Mas em vão, ela não reagia. O rei havia desistido e viver.

Passava os dias inteiros na cama, olhando para a janela à sua frente e observando uma grande árvore que ia lentamente perdendo suas folhas, porque o outono havia chegado.

Em uma manhã, quando a filha tentava animá-lo, o rei lhe disse:

- Sabe, filha, quando aquela árvore perder a última de suas folhas, terá chegado a minha hora de morrer...

- Que é isso pai? Que tolice! Por que amarrar o seu destino ao destino de uma árvore?

Mas o rei não a ouviu, tão absorto estava em sua melancolia.

A filha então compreendeu que existem momentos em que as palavras ficam muito pobres e não dão mais conta de acender uma luzinha no coração das pessoas.

Resolveu agir.

Assim que o pai adormeceu, a moça entrou no quarto com um pincel e um potinho de tinta verde. Subiu em um banquinho e pintou no vidro da janela, bem na direção da árvore que seu pai olhava, uma folhinha verde.

À medida em que o outono ia avançando e o inverno tomava seu lugar, as folhas da árvore desprenderam-se todas e saíram dançando ao vento...

O rei observava cuidadosamente todos os seus movimentos.

Observava, especialmente, uma certa folhinha verde muito teimosa e persistente, que não se movia do lugar e ficava agarrada a árvore, não importava o quão forte fosse o vento, quão inclemente fosse a chuva.

Até que a neve chegou e cobriu a árvore com um manto branco.

Mas, de sua cama, o rei havia atado o fio da vida àquela folhinha verde e continuava olhando-a fixamente.

E foi assim, agarrando-se à folhinha verde que o rei atravessou o inverno de sua doença e o inverno de sua alma.

Então, quando a primavera chegou e muitas novas folhinhas cobriam a árvore e aquela pequena folha verde ficou perdida entre tantas outras, o rei encontrou seu ânimo, sua vontade de viver e ficou de pé. Voltou à vida.

Mais tarde, enquanto limpava a folhinha pintada na janela a filha pensou:

- Espero que, algum dia, se o desânimo tomar conta do meu ser, alguém consiga oferecer uma folhinha verde, para que eu possa receber, através dela, a seiva da vida.

Fonte:
Conto reescrito por Rosângela Alves, do original de Magali Bonniol. La fille de l’arbre. Paris, L’école des loisirs, 2002. Disponível em Contar e Encantar.

I Concurso de Trovas Três Fronteiras (Prazo: 31 de Maio)

Realização da UBT – Delegacia de Foz do Iguaçu/PR

 REGULAMENTO

1. Do Tema. -  

1.1. Trovas líricas ou filosóficas. Máximo 02 (duas) trovas por concorrente.

A. Âmbito Nacional/ Internacional: Brasil (exceto Paraná) e demais países de língua portuguesa.  

Categorias  Veterano/ Novo Trovador:

Fronteira


B.  Âmbito Estadual : apenas Paraná.

Categoria Veterano/ Novo Trovador:

Esperança

 1.2. Para todos  os temas a palavra tema não precisa  constar do corpo da trova.

1.3. Nos âmbitos Nacional/internacional e Estadual, serão contemplados trovadores das categorias Novo Trovador e Veterano.

1.3.1. Será considerado Novo Trovador aquele trovador que não obteve até a divulgação deste regulamento, 03 (três) classificações em concursos de trova oficiais da UBT em nível nacional.  

 2. Do Prazo:

Para todos os âmbitos e categorias:Serão consideradas as trovas que chegarem até 31 de maio de 2021.
 
3. Modo de Envio:

As trovas em língua portuguesa, inéditas, deverão ser enviadas por sistema de envelopes, ou – Por e-mail.

3.1. Pelo sistema de envelope, deverá constar no envelope pequeno a categoria pela qual concorre o trovador.

As trovas deverão ser digitadas ou datilografadas.

Não serão aceitas Trovas manuscritas, mesmo que sejam em letra de forma, tampouco envelopes coloridos.

Na identificação do inscrito deverá constar: o âmbito, o tema e a categoria pela qual concorre o trovador, além de  nome e endereço completo, telefones e e-mail se tiver;

3.2. Por e-mail, para todos os âmbitos e categorias:

O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o âmbito, o tema e a categoria pela qual concorre o trovador, além de  nome e endereço completo, telefones e e-mail. NÃO SERÃO ACEITOS ANEXOS.

4. Endereço para remessa sistema de envelopes:

4.1. Todos os âmbitos e categorias - Sistema de envelopes:

I Concurso de Trovas Três Fronteiras.

A/C Carmo Braz de Oliveira.
Rua Joaquim Guimarães, nº 505, Jd. São Paulo I  
CEP. 85856360 - Foz do Iguaçu - PR


4.1.1. Para todos as categorias e âmbitos, deverá constar no envelope no envelope como remetente Luiz Otávio, e o mesmo endereço do destinatário, bem como o tema com o qual concorre.

4.2. Por E-mail, as trovas deverão ser encaminhadas para os seguintes Fiéis Depositários:  

A. Trovas Líricas/Filosóficas:  

- Âmbito Nacional e Estadual (VETERANO):
Jerson Brito:    jersonbrito.pvh@gmail.com

- Âmbito Nacional e Estadual (NOVO TROVADOR):
Lilia Souza:     liliasouza@uol.com.br


5. Da Premiação

5.1. Serão concedidos Diploma para os classificados  

6. Da Comissão Organizadora

6.1. A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos e suas decisões serão definitivas e irrecorríveis.

6.2. As trovas remetidas em desacordo com quaisquer itens deste regulamento, serão eliminadas automaticamente do concurso.

6.3. A simples remessa das trovas significa total conhecimento e completa aceitação deste Regulamento.

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 3 –


A aquele que arrasta a cruz
e, aos ritos do amor se entrega...
Deus põe dois braços de luz
na cruz do bem que carrega!
= = = = = = = = = = =
Adeus!... Passado tão lindo,
encanto dos dias meus!...
Disseste-me adeus, sorrindo
e, eu triste, te disse adeus!
= = = = = = = = = = =
A ingratidão se resume
num coração descontente,
a um velho facão sem gume
cortando os sonhos da gente!
= = = = = = = = = = =
Com remendos e arremedos,
em desmedidos desvãos;
alguns vão sujando os dedos
na sujeira de outras mãos!
= = = = = = = = = = =
Depois de feita a moldura
da aquarela do arrebol,
Deus pôs gotas de ternura
na rosa rubra do sol!
= = = = = = = = = = =
Do mar, a mais linda prenda
que a espuma branca ponteia,
é a camisola de renda
que as ondas tecem na areia!
= = = = = = = = = = =
Feliz Natal!... Se é feliz,
como crer nisto; afinal...
Se há tanta gente infeliz
quando é noite de Natal?!.
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Hoje, eu refiz o meu ninho
e, abri janelas e portas,
para cantar com carinho
cantigas das tardes mortas!
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Lembro, mamãe, do teu canto,
num doce e breve estribilho,
tentando enganar o pranto
do choro triste do filho!
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Meu pensamento deduz,
seguindo os teus passos certos
que, a intensidade da luz
dobra em teus braços abertos!
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Na vida há tantas essências
e aparências desiguais,
que, eu penso que as reticências
são velhos pontos finais!
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Neste Natal, meu Senhor,
quando a vida se refaz...
Teu vinho, é o sangue do amor
teu pão, o corpo da paz!
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O ocaso da vida, é um sonho.
Quando se alcança esse prazo,
fica um pouco mais tristonho
nosso sorriso, no ocaso!
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Peço, ó tempo, que me acudas,
faz-me entender a canção
do canto das folhas mudas,
secas, mortas pelo chão!
= = = = = = = = = = =
Por temor da noite ingrata
e, antes que, a treva se afoite,
surge uma luz, cor de prata,
no teto negro da noite!
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Posso dizer de joelhos
ante os teus pés andarilhos,
que escuto pai, teus conselhos
aconselhando os meus filhos!
= = = = = = = = = = =
Saudade é um sonho roubado,
que de forma inconsequente...
Vive no tempo passado,
numa ilusão do presente!
= = = = = = = = = = =
Saudade! – Velhas raízes
da solidão dos meus ais,
longe das noites felizes
dos meus antigos Natais!
= = = = = = = = = = =
Se há estradas tão dolorosas
e há cardos pelos caminhos...
Larga o caminho das rosas.
Põe teus pés sobre os espinhos!
= = = = = = = = = = =
Sei que a saudade me escolta,
mesmo triste e tão sozinho!...
Como é bom quando se volta,
mesmo velho, ao velho ninho!
= = = = = = = = = = =
Seis horas!... E, em triste canto,
o sino em seu padecer...
Vai driblando a dor do pranto
nos dobres do entardecer!
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Sempre o mar nas horas calmas
dos sóis de suas manhãs,
liberta os grilhões das almas
presas, às ondas pagãs!
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Sigo do ocaso ao sol posto,
da vida não me envergonho.
O tempo enruga o meu rosto
mas não põe ruga em meu sonho!
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Sinto que o amor se agasalha,
nos teus olhos cor de mel...
Quando a lágrima enxovalha
meu lencinho de papel!
= = = = = = = = = = =
Um samba, dentre os mais belos
que, a memória perpetua...
E aquele, de teus chinelos
nas pedras de minha rua!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Eduardo Affonso (O pior leitor é aquele que não quer ler)

Toda mulher quer ser amada, disse a Rita Lee.
Todo homem, também.

Ser amado é fácil. Basta encontrar alguém que não nos conheça a fundo.

Quem escreve quer mais que ser amado: quer ser compreendido.

Quer dizer “A” e ter a ilusão não apenas de que o leitor entenda “A”, mas que “A” signifique para quem lê algo parecido com o que significa para ele, que escreve.

Por isso é que, mais que inspiração e domínio do idioma, o escritor precisa de bons leitores.

Pode parecer uma paulocoelhice, mas o bom leitor é aquele que lê.

A maioria das pessoas não lê. Apenas foi alfabetizada – seja pelo método fonético do Ivo viu a uva ou pela pedagogia do oprimido, na qual é o patrão explorador de Ivo quem vê, vende ou devora a uva, e Ivo fica a ver navios.

O verbo “ler” vem de “legere”, que significava, originalmente, “colher, escolher”, selecionar os melhores frutos no pé, na parreira.

Ivo não só viu a uva. Ao ler a palavra “uva”, Ivo a colheu.

Assim como “cultura”, que era apenas o ato de cultivar plantas (cultura de café, cultura de cana de açúcar) e adquiriu depois o sentido de cultivar o intelecto (cultura artística, cultura geral), o verbo “ler” passou a designar o que se colhe com os olhos, o que se percebe através das letras, das palavras.

De uns tempos para cá, “ler” começou a ser uma colheita seletiva às avessas – não dos melhores frutos, mas dos bichados, bicados, imaturos, apodrecidos. Lê-se o que se quer ler, não o que se quis dizer ou o que está dito. Lê-se por meio de falácias, de silogismos. Nas entrelinhas, nas entreletras, pelo avesso.

Ler deveria ser uma forma de aprender (trazer para junto de si, levar para a memória), não de aprisionar.

Ambos – aprender e aprisionar – vêm do verbo “prehendere” (agarrar, prender), que também (como “ler” e “cultura”) tem origem rural: “prae” (à frente) + “hedera” (hera) = a trepadeira que se agarra às paredes para crescer.

Quem escreve quer ser lido (colhido), compreendido (acolhido) e amado (de “amare”, verbo que gerou amor, amigo, mãe). Talvez porque escrever (do latim “scribere”) seja, lá na sua gênese, o mesmo que cortar, fazer uma incisão.

Ao escrever, o escritor se abre. É preciso ter olhos amorosos (de mãe, de amigo, de amante) para ler (colher) os melhores frutos dessa vinha, dessa ferida.

Ler o que está fora de nós, e que o outro nos trouxe, é compreensão, aprendizado.

Ler no que o outro escreveu o que já trazemos dentro é uma forma de prisão.

Fonte:
Blog do Autor

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Varal de Trovas 464

 


Silmar Böhrer (Croniquinha) 15


Pois amanheci pensando na vida, no viver, nas vivências. Buscamos as transcendências que às vezes nem imaginamos. Costuramos sonhos, labutas e vilegiaturas que fazem crescer o caldo dos dias. Caldos doces, alguns, amargos, outros. Alguns, insípidos. Muitos, deliciosos.

Vamos transformando os dias numa crônica que acaba virando um
romanção. Cada um escreve o seu romance - páginas e páginas de vida que são narrativas boas ou más, neste mundo de dualidades, onde nos acostumamos a viver dando arras aos pendores e convicções, misturando fainas com os momentos de merecido lazer e - lá na frente - deixaremos um calhamaço de bons ou maus exemplos que fizeram a nossa história.

Oxalá o livro da caminhada de cada um seja uma constante de bons momentos mesclados com o remelexo do dia a dia.
 
Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Izo Goldman (Trovas Humorísticas) - 1 -


A mini saia amarela
da professora, eu bendigo...
pois, em frente à mesa dela
é que eu fiquei de castigo!...
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A noiva esconde a... "cintura"...
com as dobras do vestido;
e, na igreja, alguém murmura:
– Casório... pré concebido...
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Ao galo meio inibido,
diz a pata sem recato:
–  Não tenha medo, querido,
meu marido é mesmo um... pato!!!
--------------
Ao ver um vulto suspeito,
o ciumento não poupa:
dá dois tiros bem no peito
do espelho do guarda-roupa…
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Cara cheia... Perna bamba,
ele mesmo se conforta,
olha a rua e diz: – "Caramba!"
Nunca vi rua mais torta!..."
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"Casamento... – alguém já disse –
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa a criançada..."
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"Causa mortis" de um otário:
alergia ou resfriado.
Espirrou dentro do armário,
e o marido estava armado!
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Da vaidade ela se exime,
é gorda mas não se importa.
Em vez de fazer regime,
mandou aumentar a porta!
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Diz o Zezinho, zangado,
do zero que recebeu:
– Não acho que escreva errado,
se escrevo, o "pobrema" é meu!...
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É tão magro que de frente,
parece que está de lado,
e de lado, simplesmente,
nem pode ser avistado...
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Explicava, minha amiga,
os muitos filhos que tem:
– "De dia o marido briga,
de noite... fica de bem..."
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Ficou rico o Zé Maria
na seca do Juazeiro,
vendendo "fotografia
de chuva"... por "dois cruzeiro"…
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Na briga que o meu cabelo
e a careca estão travando,
lamento ter dizê-lo,
a careca está ganhando...
--------------
No paraquedas, fechado,
uma etiqueta dizia:
– "Se falhar ao ser usado,
reclame. Tem garantia..."
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No seu discurso que cansa,
o candidato ao Congresso
me lembra que "a inguinorança"
é que "astravanca o pogresso"...
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O pai da moça, que é mau,
chega em casa e acaba o "baile"...
É que o Zé, "cara-de-pau",
tava namorando em... "braile"!!!
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O parafuso anda cheio,
pois tem o corpo enrolado,
cabeça partida ao meio
e vive sendo apertado...
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Pergunta o padre ao noivinho:
– "É de espontânea vontade?"
e ele respondeu baixinho:
– "Não senhor... necessidade!..."
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Quando abraço mulher feia
que não seja minha amiga,
ou estou de "cara cheia"
ou separa... porque é briga…
--------------
Quando pergunta o burrinho,
diz a mula, envergonhada:
– "Tu nasceste, meu filhinho,
por causa de uma... burrada!..."
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Sai do museu, braço dado
com sua sogra, o Sinfrônio;
e o guarda grita, alarmado:
"Tão roubando o patrimônio!"
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Se ao telefone um amigo
me pede "algum" emprestado,
eu disfarço a voz e digo:
– Senhorrr ligarrr enganado!...
--------------
Tenho medo de mulher
com marido, e mesmo sem...       
– da solteira, porque quer...
– da casada, porque tem...
--------------
Todo "barbeiro" sustenta
que a batida foi assim:
– Veio um poste a mais de oitenta,
na contra-mão, contra mim!...
--------------
Vendo alguém varrer o chão,
ele deita de comprido
e dá logo a explicação:
"Quero ser... doido varrido..."

Fonte:
Izo Goldman. Trovas de quem ama a trova.
Livro enviado pelo autor.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 6. Conto – Tarzan e Beijinho

TARZAN E BEIJINHO


Ambiente:
Rio de Janeiro, Malibu, a vida de exilados.

Foco narrativo:
Primeira pessoa.

Personagens:

Tarzan e Beijinho: homem e mulher brasileiros que tentam desvendar o seu país.
 
Narrador: 
Espectador da vida de Tarzan e Beijinho.

Beijinho e Tarzan, irmãos que são sobrinhos de Tia Gênia, uma exímia contadora de histórias. Juntos com seus amigos (inclusive o "descrente" Baguinho), eles criam as mais diversas fantasias: até um barco!

Conheci Tarzan e Beíjinho em Malibu, antes de se transferirem para o Leblon, uma praia que havia tragado o coração de almirantes batavos e sereias, litorâneas. Viviam em Malibu como se ainda pisassem as araras de Cabo Frio. Para tanto recorrendo a símbolos nacionais, desde o azeite de dendê, até à flâmula rubro-negra. E quando uma pergunta lhes soava particularmente delicada, respondiam em português, teimando em apelidar de João a Mr. Blackmur. A nostalgia do exílio, longe de debilitá-los, poupava-os de qualquer desgosto. Assim, sempre que lhes falavam de Copacabana, como um sonho distante no horizonte. - Beijinho dizia, para eu traduzir:

— Ah, a invernada de Olaria.

Eu não sabia explicar a frase a Mr. Blackmur. Havia um país a preservar. E nós éramos o país deixado atrás à altura do Rio de Janeiro. Tratava-se sim de uma festa móvel, celebrada em qualquer estação do ano, e para a qual a população era convocada. Todo o morro descia para o espetáculo. Cabia ao destino indicar os protagonistas de um festejo a que jamais faltavam bebidas, sangue e alegria.

—E quem separa a alegria da tristeza! - disse Tarzan, para que o aplaudíssemos. Beijinho prontamente condenou-lhe a antinomia em desuso, criada com intenção de ferir a uma das raças mais nobres do hemisfério.

— E a que raça ofende sem querer?

— Os ciganos. Eles choram privados de qualquer critério. Nunca sabem se é de alegria ou de tristeza. Por favor, Tarzan, não me venha mais com metáforas. Como pode ser um homem do mundo se ainda recorre às heranças deixadas no chão e pisoteadas por todos.

Induzido por Beijinho, que recém tingira o cabelo de louro, Tarzan compreendeu que deviam regressar à pátria. Mais econômico seria fingir no Rio que estavam em Malibu. O cargueiro holandês cuidou em trazê-los junto à coleção de conchas, búzios, cavalos-marinhos, o pinguim empalhado, toda a imensa concentração de salitre e mineral que Tarzan e Beijinho haviam recolhido do fundo do mar. Certa vez, eles me confessaram, no fundo do mar encontram-se nossos corações, é preciso ir ( bem fundo para ouvir-lhes as pulsações. Teria sido: um convite para eu fugir deles, me .censurariam o modo de olhá-los? Ou simplesmente suplicavam que fosse visitá-los com o aqualung até o fundo mar. Sobretudo Beijinho retraía-se sempre que tocada. Mesmo diante do gesto que tivesse como desfecho abrir-lhe o zíper do collant vermelho. O seu pudor, obrigavam e a pedir-lhe desculpas pelas uvas roubadas do seu prato em nome da minha fome. Sua vingança nestes casos era corrigir- me, dizia meu nome duas vezes: sabendo que a força dele estava em pronunciá-lo de um só fôlego. Sempre me esvaí quando o repetiam com ociosidade.

COMENTÁRIO:

Tarzan fala de força, de intrepidez, de masculinidade: refere-se ao homem. Beijinho fala de doçura, de carinho, de feminilidade: refere-se à mulher. Tarzan fora exilado da selva onde vivia. Foi acompanhado pela mulher: Beijinho. A selva é o Brasil. Malibu é o lugar do exílio. “A nostalgia do exílio, longe de debilitá-los, poupava-os de qualquer desgosto”. “Quando retornam ao Brasil, tentam descobri-lo, disfarçados de turistas, isto é, não querendo ser reconhecidos”. Na verdade, eles não se reconhecem no próprio país de origem o qual tentam decifrar e compreender. O narrador é o espectador que acompanha a trajetória de Tarzan e Beijinho.

Fonte:
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 21 –

 


Humberto de Campos (O Gato e o Passarinho)


A encantadora Palmirinha Camargo havia concluído o seu curso de datilografia na Escola Remington, quando, uma tarde, participou, contente, a Dona Brasília:

- Sabe, mamãe, arranjei um emprego excelente. O ordenado é de trezentos mil réis!

A bondosa senhora deixou a costura, endireitou os óculos, e, chamando a filha para perto de si, ordenou:

- Senta aí. E onde é esse emprego?

A moça, risonha e inocente, explicou:

- É no escritório do Dr. Alexandre.

- E quem é esse Dr. Alexandre? É aquele que esteve, outro dia, no baile da Violeta?

Palmirinha confirmou, ingênua, e Dona Brasília, tomando-lhe as, mãos, retorquiu, sensata:

- Queres que te fale com franqueza, minha filha? Esse emprego não te convém.

A menina fixou com os seus grandes olhos claros e puros a doçura do rosto materno, e a boa senhora continuou:

- Tu és uma jovem inexperiente, um anjo que não conhece os espinhos do mundo. O Dr. Alexandre é um moço esperto, um homem habituado a lidar com as fraquezas alheias. Se se tratasse de um escritório grande, de uma casa em que trabalhassem outras moças ou outros advogados, eu não teria receio; mas, assim, com ele e tu, sozinhos, no escritório, o meu coração não poderia ficar descansado.

- Oh, mamãe! - estranhou a moça, corando. - A senhora não tem confiança em mim?

Dona Brasília compreendeu a ofensa que fizera àquele pedaço do seu coração, e, para não insistir, atalhou:

- Tenho, minha filha, tenho toda a confiança em ti.

E concordou, beijando-a nos olhos:

- Está bem, vai. Amanhã, podes ir para o teu novo emprego.

A moça pulou, contente, beijando sofregamente a testa, a cabeça, a face, a boca e os olhos maternos, e, à noite, ia recolher-se, quando D. Brasília chamou:

- Palmira?

- Senhora! - acudiu a, mocinha.

Bondosa e grave, a digna senhora pediu:

- Traze daí a gaiola do teu canário.

A moça foi à copa, e voltou com a gaiola, onde um canarinho dormia, sossegado, muito encolhido, muito amarelo.

D. Brasília abriu a portinhola daquele carcerezinho de ouro, e, indo à cozinha, voltou com o gato na mão.

- Para que é isso, mamãe? - indagou a moça, espantada.

Para meter na gaiola, com o canário.

- Oh, mamãe! - gemeu a mocinha, horrorizada.

- Que mal faz? - indagou D. Brasília, sorrindo significativamente para a filha. Tu não tens confiança no teu canário?

Palmirinha compreendeu o alcance da lição, e atirou-se nos braços maternos, prometendo, entre soluços:

- Eu não irei, minha mãezinha; deixe estar, eu não irei!

E não foi. No dia seguinte, contrariando as esperanças do gato, o canário amanheceu feliz e simples, cantando na sua gaiola…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.

Isabel Furini (Poemas Avulsos) II


ÀS 3 HORAS


Nada a declarar - além da ferrugem
mastigando meus pés de metal

na garganta guardo um silo de palavras
que também foram atingidas pela ferrugem
das noites de insônia
quando a solidão avança sobre os párpados*
e invade as retinas
e conspira contra o relaxamento de meus ombros
e não me deixa dormir

são 3 horas da madrugada – momento de escuridão  
é nefasto esse horário de desamor e solidão.
_____________
* Párpados - pálpebras.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

CERCEAR

quero purificar o meu passado
- cercear
os bicos e as asas
desse corvo-fantasma
que  crocita ao anoitecer
e enquanto crocita
multiplica
as sombras do ontem
e ao dançar na desajeitada memória
acorda os terrores noturnos.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

DONS

a poesia possui dons ocultos
:
transforma ideias contaminadas em água pura
e ajuda
a exorcizar os fantasmas do passado
que dormem no precipício das paixões.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

PALAVRAS NECESSÁRIAS

Não cantarás
    usando palavras vãs
não jogarás
    palavras ao mar
    nem ao vento
- só ao fogo
    pois consome as vaidades.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

POEMA TORTO

quase morto e com os pés tortos
o poema enfrentou o desconforto
da análise

rebelde
e com teimosia
o poema gritou
que não era um ser mimético
ele era dialético
magnético
e frenético
e queria ouvir
alguma conclusão derivada
da vertigem instaurada entre a tese e a antítese

nos anais filosóficos
o poeta vislumbrou as águas do rio de Heráclito
onde a vida e a morte se encontram
e se abraçam
e bebem a ambrosia dos deuses Olímpicos
e angústias e alegrias
e provocam a catarse da poesia.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

Isabel Furini é escritora, poeta, palestrante  e educadora. Natural da Argentina, radicada em Curitiba/PR. Autora de 35 livros, entre eles, “Os Corvos de Van Gogh” (poemas). Seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal; é criadora do Projeto Poetizar o Mundo; membro da Academia de Letras do Brasil/Paraná; membro da AVIPAF (Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia), coeditora da Revista Carlos Zemek de Arte e Cultura; recebeu Comenda Ordem de Figueiró, Artes e Cultura do Brasil em Rio de Janeiro; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido Serrano (Espanha, 2017); Participou de Antologias poéticas em Portugal, Argentina e Chile; Foi convidada para palestrar sobre a arte de escrever, na Feira Internacional do Livro de Foz de Iguaçu, na Feira do Livro e da Leitura de Campo Mourão/PR, e na Felima (Festival Literário Internacional de Machadinho/RS); Realizou recitais poéticos na 36a. Semana Literária do SESC & XV Feira do livro da UFPR, em 2017, e um Recital Poético na Biblioteca Pública de Burlingame, Califórnia, USA, em 2018. Seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal.

Fonte:
Versos e biografia enviados pela poetisa.

Arthur de Azevedo (Poverina)


Era naquele tempo o Salazar uma das figuras mais salientes do nosso diletantismo literário. Os seus artigos de critica, os seus versos, os seus contos, as suas fantasias estavam ao alcance de todas as inteligências, e eram lidos, senão com avidez, ao menos com simpatia.

Ele tornara-se conhecido, quase célebre, e não atravessava a Rua do Ouvidor sem ouvir estas e outras frases que o enchiam de orgulho: - Lá vai o Salazar! - Olha o Salazar! - O Salazar é aquele!

Pouco a pouco essas manifestações da admiração indígena o foram empanturrando de desvanecimento e vanglória, e não tardou muito que ele se julgasse, coitado! superior a quantos o cercavam, fazendo sentir a sua superioridade com uma importância ridícula.

O toleirão era casado, e a primeira vítima da transformação do seu caráter foi a própria esposa, excelente rapariga, bem educada, inteligente, muito inteligente, mas tímida, daquela timidez peculiar às moças brasileiras que não perderam noites em festas e bailes.

Estavam casados havia três anos, mas o literato nunca estudara nem compreendera sua mulher. Volvido o período da intitulada lua-de-mel, todo de brutalidade e egoísmo, e começando a aura do publicista, ele afastou-se da esposa tanto quanto uma pessoa pode afastar-se de outra com quem almoça e janta quase todos os dias, e com quem vive debaixo das mesmas telhas.

Não tinham filhos; faltava-lhes esse traço de união, que talvez os tivesse aproximado.

Entretanto, ela não se queixou nunca da indiferença do marido; sendo, aliás, bonita, muito bonita, mostrou uma resignação que ele seria o primeiro a admirar, se todo o tempo não lhe fosse preciso para admirar-se a si próprio.

Aquela frieza, aquela sobranceria, aqueles ares de semideus ainda mais se acentuaram quando o Salazar, um dia, recebeu, pelo correio, longa carta em que uma desconhecida, sob o pseudônimo de Poverina, manifestava pela sua interessante pessoa uma simpatia e uma admiração excepcionais.

O que mais o impressionou nessa missiva anônima foi o primor da forma. A desconhecida revelava cultura intelectual superior à dele, e dizendo-se, aliás, sua discípula, mostrava notáveis qualidades de estilista, que o outro não possuía.

A princípio supôs Salazar que a correspondência fosse de algum marmanjo, desejoso de se divertir à custa dele; mas outras e sucessivas cartas o convenceram do contrário. Quem quer que fosse tinha delicadezas femininas de que nenhum homem seria capaz.

Colocando-se, sempre com encantadora modéstia, num plano subalterno, a escritora aconselhava-o com muita discrição e habilidade, a corrigir-se de uns tantos defeitos; apontava-lhe contradições, incongruências, descuidos gramaticais, ligeiros solecismos indignos da pena de um escritor reputado; mas atribuía tudo à precipitação com que ele escrevia, e nem por sombras aludia à sua ignorância, muitas vezes apanhada em flagrante. Um homem não seria tão generoso.

Demais, essas observações e conselhos eram acompanhados de confissões gravíssimas. Ela declarava que o seu maior prazer seria, se pudesse, estar perto dele no seu gabinete de trabalho, auxiliando-o, passando a limpo os seus escritos, procurando um termo no dicionário, caçando um sinônimo, verificando um trecho em qualquer obra citada, corrigindo aqui um descuido, preenchendo ali um claro, mudando as penas, enchendo o tinteiro, cortando o papel em tiras, etc. "Enfim, dizia ela, quisera ser a tua secretária, uma secretária a quem, terminado o trabalho, remunerasses, não com dinheiro, mas com beijos e carícias.

"Mas para isso, continuava a desconhecida, seria preciso que um e outro fôssemos livres, e somos ambos casados; nem meu marido nem tua mulher merecem que os enganemos.”

O Salazar respondia a todas essas cartas, e, escusado é dizer, empregava súplicas, argumentos, razões, para que a Poverina se desvendasse.

Ela resistia energicamente. "Não procures saber quem sou; nunca o saberás. O encanto das nossas relações é esta abstração, este delicioso platonismo. Imagina que somos Heloísa e Abelardo, e que estamos separados por uma fatalidade psicológica…”
* * *

Durante um ano a correspondência continuou assídua de parte a parte. O Salazar recebia pelo correio as cartas de Poverina, e respondia-as pela posta-restante.

Pediu-lhe um dia que não lhe dissesse o seu nome, mas lhe mandasse ao menos o seu retrato. "Não, respondeu ela; mandar-te o meu retrato seria o mesmo que te dizer quem sou. Não suponhas que deixo de satisfazer o teu pedido pelo receio de me achares velha ou feia. Sou muito mais nova que tu, e de feia nada tenho. Digo-te mais: pelo interesse, pela insistência com que olhaste para mim certa vez em que nos encontramos na rua, creio que me achaste bonita... Não calculas como nessa ocasião tive ímpetos de me atirar nos teus braços, dizendo: - Poverina sou eu..."

O Salazar estava, por fim, radicalmente apaixonado, e, a proporção que esse amor desesperançado e extravagante o ia absorvendo e exacerbando, ele mais indiferente se mostrava para com a infeliz esposa, cada vez mais resignada, mais conformada com a sua triste sorte de mulher posta a um canto.
* * *

Mais seis meses de correspondência, e o caso tomou uma gravidade terrível. O Salazar estava obcecado por aquela mulher, por aquele fantasma, por aquele mistério! Já não produzia nada, limitando-se apenas à sua tarefa epistolar, que lhe monopolizava o espírito, como se fosse uma obra de fôlego, um trabalho de grande transcendência filosófica.

Um dia escreveu a Poverina, dizendo que não lhe era possível continuar a viver naquele desespero. Se ela não lhe proporcionasse ocasião de vê-la, de estar ao seu lado, gozando o benefício divino da sua presença, ele procuraria no cano de um revólver a tranquilidade que lhe fugira.

Depois de três ameaças idênticas, formuladas em termos decisivos, Poverina cedeu, marcando a Salazar uma entrevista a noite, no Largo do Machado, naquele tempo mais sombrio e menos frequentado que hoje.

Calcule-se a impaciência com que o literato contou as horas!
* * *

Cinco minutos antes do momento aprazado, ele entrou no jardim, e viu, de longe, uma mulher de preto, com o rosto coberto por um véu, sentada no banco indicado na carta de Poverina.

O coração do mísero saltava, as suas mãos estavam geladas, todo ele tremia...

Foi nesse estado que o Salazar se aproximou daquele vulto de mulher.

Ela convidou-o com um gesto a sentar-se.

Ele sentou-se.

- Aqui me tem! disse Poverina, erguendo o véu.

O publicista ficou estupefato: era a sua própria esposa!

- Tu?... que é isto... Eu... Tu... Eras tu que...?

- Sim, era eu que...

- Não é possível!

- Tenho em casa todas as minutas das cartas de Poverina. Podes encontrar.
* * *

Dali por diante aquele desalmado, que nem sequer conhecia a letra de sua mulher, foi o modelo dos maridos, e ela o modelo das secretárias.

Diziam até as más línguas que o secretário era ele. Não sei: já morreram ambos e a coisa ficou em família.

(Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1905)

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 5. Conto – Finisterre

FINISTERRE


Cabo Finisterre (Cabo Fisterra na língua galega): Península no oeste da Galícia, Espanha. Cidade distante 80 km de Santiago de Compostela, a noroeste da Península Ibérica, na Espanha.

Ambiente:
Casa do Padrinho, numa ilha em Finisterre, no litoral da Espanha, terra dos antepassados da autora. Os fatos passam-se durante uma visita ao Padrinho já idoso.

Foco narrativo:
Primeira Pessoa.

Personagens:

Padrinho: Padrinho de batismo da autora.
Afilhada: A própria autora, Nélida Piñon.
Maruxa: Parente? Empregada da casa da avó?
Avó
Irmã do Padrinho
Amigos do Padrinho

É um texto emotivo de encontros e despedidas. O padrinho de 70 anos, morador da ilha, que é visitado pela sobrinha. O conto é um passeio pela gastronomia galega.

A protagonista da narrativa cruza o Atlântico para encontrar o padrinho de 60 anos, que vive em uma ilha galega. Tal mudança de espaços transborda significados. Por um lado, a viagem acena para a personagem com gestos confortadores, ao representar uma imersão em um núcleo originário:

“Olhei-o firme, fique tranquilo, padrinho, hei de salvar-me à custa dos próprios escombros. Por isso vim à ilha, recolher força e origem, terei então vida por tempo ilimitado”.

Por outro lado, o deslocamento assusta com ameaças de desintegração:

“Cabia-lhe, pois, cuidar que eu levasse de volta ao Brasil os mesmos olhos com que chegara. Sem perder a nacionalidade, este cravo espetado no coração. Padrinho, sou uma brasileira aflita com as trilhas do mundo. Assim, até um centolho ameaça o meu futuro, força-me à vigília, ensina-me a honra e a incerteza ao mesmo tempo.”

É a novidade da experiência representada pela mudança de espaço que lhe atravessa o corpo como uma adaga, sacudindo-lhe a identidade que, ameaçada, tenta se recompor novamente.

Não há dúvida – a identidade do ser se molda no contato com os espaços que ele habita e percorre. Mas, na escrita pessoal de Nélida Piñon, a conquista discursiva do espaço, além de se integrar na apresentação identitária da protagonista, vai além, assumindo uma simbologia marcante, essencial para a apresentação de si mesma que a escritora constrói, como as análises que se seguem pretendem mostrar.

Ambos são galegos, raça forte e emotiva. O almoço e o passeio são cheios de imagens de carinho e ternura do padrinho. Enfim a narradora se despede como quem nunca mais vai voltar a ver as pessoas queridas que deixa na ilha.

O título do texto Finisterre tem a ver com a lenda local que diz ser ali o lugar onde o "o Homem ia se confrontar com o Fim, com o seu fim, com a Morte”.

O texto coloca como personagem principal o padrinho, um velho que se aproxima da morte. Entre os povos ibéricos é profunda a relação entre padrinho e afilhado,visto que os padrinhos dos filhos são escolhidos cuidadosamente entre os amigos e parentes com os quais se tenham fortes laços afetivos.

Fontes:
– Cecília de Macedo Garcez. Cartografias Identitárias na Escrita Pessoal de Nélida Piñon. Niterói: UFF, 2013. Tese de doutorado.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Varal de Trovas 463

 

Contos e Lendas do Mundo (A Floresta de Lata)


Era uma vez um lugar amplo, varrido pelo vento e quase esquecido, que estava cheio de coisas que ninguém queria.

Mesmo no centro desse lugar, e exposta ao mau tempo, encontrava-se uma pequena casa, de janelas igualmente pequenas, com vista para o lixo que outros haviam feito.

Nessa casa vivia um velho.

Todos os dias, o homem tentava livrar-se do lixo, apartando e escolhendo, queimando e enterrando.

E, todas as noites, o homem sonhava.

Sonhava que vivia numa floresta cheia de animais selvagens, na qual havia aves coloridas, árvores tropicais, flores exóticas, tucanos, rãs-de-árvore e tigres.

Contudo, sempre que acordava, o mundo que via continuava igual.

Certo dia, algo chamou-lhe a atenção e uma ideia ganhou forma na sua cabeça.

Uma ideia que ganhou raízes e germinou.

Que ganhou folhas, alimentando-se do lixo.

Que ganhou ramos cada vez maiores.

Então, uma floresta inteira emergiu das mãos daquele homem.

Uma floresta feita de lixo. Uma floresta feita de lata. Não era a floresta dos seus sonhos, mas era, ainda assim, uma floresta.

Um dia, o vento trouxe consigo um pequeno pássaro para a planície deserta. O homem deitou no chão algumas migalhas que o pássaro logo comeu, empoleirando-se depois no ramo de uma árvore de lata. No dia seguinte, a ave partiu, e o velho ficou sozinho a vaguear pelo silêncio, com o coração a doer de vazio.

Nessa mesma noite, ao luar, o homem formulou um desejo…

No dia seguinte, acordou com o canto de pássaros. O seu visitante tinha voltado e trazia consigo um companheiro. Nos bicos, transportavam sementes, que largaram no solo árido. Em breve, havia rebentos por toda a terra.

O canto dos pássaros misturou-se com o zumbido dos insetos e o sussurrar da folhagem.

O tempo foi passando.

E foram surgindo pequenos animais, a rastejar por entre a floresta de árvores. Apareceram animais selvagens, que deslizavam por entre as sombras verdes.

Era uma vez uma floresta e quase esquecida, que agora estava cheia de coisas que todos queriam.

No meio dela, havia uma pequena casa, de janelas igualmente pequenas. Nessa casa, vivia um velho homem que nunca tinha deixado de sonhar…

Fonte:
Tradução e adaptação de Helen Ward; Wayne Anderson. The Tin Forest
New York, Puffin Books, 2003. Disponível em Contar e Encantar.

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) 5


Ah, pobre palhaço!
O teu sorriso é pintado
E tua alma de criança
Chora soluçando em silêncio.
=================================

Ansiedade.

Às vezes
É preciso acrescentar
A letra C na palavra alma
E calmamente
Deixar os sonhos ronronando feito um gato
Nas tardes envelhecidas.
====================================

Busquei estrelas
Mas as do céu da tua boca
Tinham gosto de inocência
Sabor de quero mais.
===================================

Chovia...
A janela do meu eu lacrimejava
E a solidão,
Essa velha louca
Adormecida no porão da minh'alma,
Amanheceu resmungando
E arrastando os seus chinelos pela casa.
======================================

Ela era dissimulada,
Tipo "olhos de Capitu"
Até que um dia
"Caiu a máscara"
E o beijo deslizou
Pelo corpo nu.
===================================

Gratidão
É uma caixinha de veludo
Onde se guarda o que é eterno.
PS.: Guardei você!
=================================

Na fotografia
A poesia se revela
Cheia de poses
Espelhada
Com muitas caras e bocas
Se veste de fantasias
Tão coloridas
Mas às vezes doída
Se desnuda em pranto
Em preto e branco
Sem início
Sem fim

* Homenagem aos meus amigos fotógrafos
=====================================

No entardecer de mais um ano
As meninas dos meus olhos
Se vestem de esperança.
As roupas usadas, amassadas e manchadas nos 365 dias
Vão ficando esquecidas nos varais.
Ah, meninas teimosas!
Algumas vezes se cansam
Mas não desistem de cada dia se reinventar.
Na dor, brincam de esconde-esconde
Nadam em lágrimas,
Mas não se deixam afogar.
Ah, meninas preciosas!
Na alegria, sorriem sem disfarçar.
Apaixonadas pela vida,
Sonham, sofrem, mas logo trocam de roupas
E voltam brilhantes
Quando surge uma nova chance para amar.
Que no amanhecer do Novo Ano
As meninas dos meus e dos teus olhos
Brinquem felizes
Sem ver a tristeza
Que às vezes morre num olhar.
===================================

Nos olhos do menino
Madrugavam sonhos.
Sem entender direito o que era fé
Esperava pelo sol
Mesmo diante das "chuvas de nãos"
Que tentavam borrar o seu sorriso.
======================================

Que sorte
Quando por ti
Perdi o meu norte
Foi que eu me encontrei.
===================================

Tu dizes
Que em ti
Fiquei plantado
Como uma boa lembrança.
Mas em mim,
Tu ainda floresces
Independentemente da estação.

Fonte:
Academia Facebookiana de Letras e das Artes

Rubem Braga (As Teixeiras e o Futebol)


Com os Andradas tínhamos feito uma espécie de pacto; a gente não jogava bola na rua defronte a casa deles, mas um pouco para cima, onde havia um muro que dava para o quintal da casa; em compensação, eles deixavam a gente pular o muro e apanhar a bola quando caía lá. Mas o muro não era bastante comprido, e assim o nosso campo abrangia, como eu ia dizendo, algumas janelas das Teixeiras. As quais, eu também já disse, não apreciavam o futebol.

Quando a gritaria na rua era maior, uma das Teixeiras costumava nos passar um pito da janela, mandando a gente embora. O jogo parava um instante, ficávamos quietos, de cara no chão – e logo que ele saía da janela a peleja continuava. Às vezes aquela ou outra Teixeira voltava a gritar conosco – começavam por nos chamar de “meninos desobedientes” e acabavam nos chamando de “moleques”, o que nos ofendia muito (“Moleque é a senhora!” – gritou Chico uma vez), mas de modo algum nos impedia de finalizar a pugna.

Uma das Teixeiras era mais cordial, chamava um de nós pelo nome, dizia que éramos meninos inteligentes, filhos de gente boa, portanto poderíamos compreender que a bola poderia quebrar uma vidraça. “Não quebra não senhora! Não quebra não senhora!” – gritávamos com absoluta convicção, e tratávamos de tocar o jogo para frente para não ouvir novas observações.

Um dia ela nos propôs jogar mais para baixo, então o Juquinha foi genial: “Não, senhora, lá não podemos porque tem a Dona Constança doente”, desculpa notável e prova de bom coração do nosso time.

“Então por que vocês não jogam mais para cima? – propôs ela com certa astúcia, e falando um pouco baixo, como se temesse que os vizinhos de cima ouvissem: “Ah, não, lá o campo não presta!”, argumento, aliás sincero, de ordem técnica, e portanto irrespondível.

“Eu vou falar com papai! Quando ele chegar vocês vão ver” – gritou certa vez uma das Teixeiras mais antipáticas. Pois naquele momento o coronel de bigodes brancos ia chegando, o jogo parou, ele perguntou à filha o que era, ela disse “esses meninos fazendo algazarra aí, é um inferno, qualquer hora quebram uma vidraça” – mas o velho ouviu calado e entrou calado, sem sequer nos olhar, nem dar qualquer importância ao fato. Sentimos que o velho, sim, era uma pessoa realmente importante e um homem direito, e superior, e continuamos a nossa partida.

As queixas que algumas Teixeiras faziam em nossa casa eram bem recebidas por mamãe, que lhes dava toda razão – “esses meninos estão mesmo impossíveis” -, e uma ou duas vezes nos transmitiu essas queixas sem convicção. De outra feita, como a conversa lá em casa versasse sobre as Teixeiras, ouvimo-la dizer que fulana ou sicrana (duas das irmãs) eram muito boazinhas, muito simpáticas, mas beltrana, coitada, era tão enjoada, tão antipática, “ainda ontem esteve aqui fazendo queixas de meus filhos”.

Mamãe era a favor de nosso time; mamãe, no fundo, e papai também (hoje, que o time e eles dois morreram, esta súbita certeza, ao meditar no distante passado, tem um poder absurdo, inesperado de me comover, até sentir um ardor de lágrimas nos olhos) – eles sempre foram a favor do nosso time!

E nosso caso com as Teixeiras foi se agravando.

Fonte:
Rubem Braga. 200 crônicas escolhidas.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 4. Conto – O Ilustre Menezes


O ILUSTRE MENEZES


Ambiente:
cidade do Rio de Janeiro nos fins dos anos 1800. Residência da família Menezes.

Foco narrativo:
Primeira Pessoa.

Personagens:
Menezes: Homem de meia idade, "escrivão bem situado" de certas posses que lhe ficaram da primeira esposa, casado pela segunda vez com Conceição.

Conceição: Atual esposa de Menezes.

D. Inácia: Sogra de Menezes.

Amélia: Primeira esposa de Menezes, já falecida.

Pastora: Amante de Menezes.

Nogueira: Jovem primo da primeira esposa de Menezes que veio ao Rio para estudar.

RESUMO:
"Bem sei que já não sou o mesmo. Ainda que eu atrase o relógio, que trago sempre atado à presilha da calça, passa-me o tempo com demasiada pressa. E qual não é o meu espanto ao já não mais ver-me em 1860, mas já a pisar, e sem a firmeza de outrora, o chão de 1862. Eis dois anos decorridos sem a minha cumplicidade, deles sequer dei-me conta."

O narrador, Menezes, é casado com Conceição, uma mulher educada num rigoroso sistema moralista. Proíbe-se ter prazer ou conversar sobre sua intimidade. Menezes conta que tem o hábito de dormir fora de casa nas Quintas-feiras , pois vai ver sua amante Pastora. Apesar da impertinência da sogra, D. Inácia, ele dobra a mulher com as desculpas mais esfarrapadas, como por exemplo ir ao teatro sozinho com medo que a esposa se aborreça com as peças. Ele arruma uma segunda amante, Delfina, que acaba por abandona-lo. No conto, predomina a atmosfera de século XIX, com uma linguagem no estilo Machado de Assis. Aliás, o final da história faz referência ao célebre conto Missa do Galo, do referido autor.

COMENTÁRIO:
Menezes quer que tudo lhe gire em torno, de acordo com suas necessidades ou caprichos. Conceição é obediente e submissa ao extremo, devido à educação e às circunstâncias em que vive. O próprio marido impede-a de manifestar pensamentos ou opiniões e exige dela um comportamento de acordo com os moldes que ele lhe impõe. Mais que submissão ou obediência. O fato de o marido surpreender Conceição chorando demonstra o sofrimento da esposa, tolhida pelo autoritarismo da mãe e sela falta de amor do marido.

Os diálogos entre os dois são tão contidos que um não manifesta seus sentimentos ao outro. Recorrem às evasivas. Menezes sonha e não dá esse direito à esposa. “Os sonhos poderiam fazê-la” querer mudar de vida e ele não quer que a vida mude. £ como será que Conceição encara a vida?

Conceição tenha por ele os mesmos sentimentos que Amélia tinha por ele. Ele queria os bens de Amélia. Conceição quer; agora, os seus bens.

“A ameaça de que estava a ir-me muito breve não comoveu Conceição”.

Apoia-se na certeza de que, à minha morte, hão de restar-lhe alguns bens. Julgamos as pessoas conforme julgamos a nós mesmos. A mudança de comportamento de Nogueira demonstra que as coisas começam a fugir do controle de Menezes, em sua própria casa: "sua presença na casa brevemente seria incômoda. Não quero molestar-me agora com tais problemas.

O final do conto, sem desfecho, dá ideia de que a vida, para aquela família, vai continuando com lentas modificações.

Fontes:
– Manuel Comellas Coimbra. In Algo Sobre, Resumos Literários.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

domingo, 10 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 20 –

 


Amélia Luz (Nem Romeu, Nem Julieta)


Já perdi a conta dos casos que ouvi de namorados românticos. Coisas do passado, é claro. Hoje em dia tudo está muito diferente, as moças não ganham mais as serenatas nas noites de lua cheia, mas elas vão com os seus “ficantes” curtir a balada vazando noites de agito total.

Bom seria mesmo ser a Colombina do Pierrô, ser a Julieta do Romeu, ganhar flores, chocolates, poesias autografadas e, no álbum da vida estar na primeira página ao lado do eterno namorado, aquele do primeiro olhar, do primeiro aperto de mão e do primeiro beijo no portão a despertar a primeira taquicardia.

Receber atenções especiais, corações flechados desenhados nas árvores do jardim com direito a nomes e datas. Ser escravos do Cupido até o fim da vida e contar e recontar todas as viagens, todos os presentes de aniversário, natal, dia das mães e, por que não, dia dos namorados mesmo comemorando as Bodas de Prata ou de Ouro.

Embora tudo isso seja sonho enterrado vivemos o pesadelo da falta de sensibilidade, de virarmos geleiras humanas sem a menor emoção a manifestar. Já não mais existem românticos que mesmo de “jeans e de calça desbotada” mandam “flores para a namorada” como na antiga canção. Que pena!

Com a revolução feminista visando a igualdade de condições, a mulher deixou de ser o sexo frágil que dependia da proteção do homem, preocupado em lhe proporcionar o melhor em muitos casos. Será que a mulher só ganhou ou também perdeu?

Despiu-se de rendas e cetins, vestiu uma bruta calça de brim, tirou o chapéu e a flor dos cabelos e saiu por aí tentando fazer a sua liberdade, ou melhor, a sua igualdade de poderes diante do sexo oposto.

Os homens comodamente se retraíram, guardaram os seus violões e suas poesias com declarações de amor e nem sabem se a lua é cheia ou minguante, porque minguados estão os seus sentimentos neste jogo da vida em que a nudez da mulher, reveladora de todos os seus encantos, agora é exposta, não despertando mais aquela curiosidade que despertavam excitações. Vivemos um tempo de amores passageiros, de divórcios e separações e casamento à moda dos nossos avós e pais é coisa de cafona.

Viajando pelo cinema Hollywoodiano, palco de grandes amores, com músicas e ídolos famosos e beijos inesquecíveis que marcaram um tempo temos as mais preciosas cenas de amor.Como esquecer Scarlett O’hara e o Capitão Rhett Butter no filme E o Vento Levou encantando plateias que se espelhavam nas cenas de amor verdadeiro?

Hoje é a telinha do WhatsApp ou do computador a ditar regras que viciam e castram as emoções de todos criando um outro mundo de gente fria e isolada, inconsciente do que está se passando, na verdade, a seu redor. Escravizados pela máquina segue o homem por esta nova estrada, “deletando” emoções, plugando links, acessando sites no cansaço de se sentir vazio num horizonte onde o arco-íris agora nasce sempre em preto e branco.

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Baú de Trovas XXV


Depois que partiste os elos
de nosso Infeliz amor,
os meus sonhos são mais belos,
e eu te devo esse favor...
ALVES JÚNIOR
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Meu destino não lamento
nesta vida transitória.
— O amor pode ser tormento,
mas amar é minha glória!
ANTÔNIO TORTATO
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As tuas mãos carinhosas,
que eu beijo com tanto ardor,
são dois lírios cor-de-rosas
no jardim do meu amor.
APARÍCIO FERNANDES
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Quem ama sente pudor
de falar em quem quer bem:
quem fala multo de amor
não tem amor a ninguém.
A. S. DE MENDONÇA JÚNIOR
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Mãe! Teu nome pequenino
quanta beleza contém!
Poema de amor divino,
que os anjos cantam no além!…
CELESTE BRAGA
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Quando a mulher é bonita,
tem-se o direito de vê-la,
como se olha uma paisagem
ou se contempla uma estrela.
HORMINO LYRA
--------------
Meu amor não foi desejo,
foi sonho, fatalidade.
Foi a ternura de um beijo
que se perdeu na saudade.
IVONETH PILASTRE DE GOIS
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És rico... mas que tristeza!
Tens vazio o coração...
Não ter amor é pobreza
mais triste que não ter pão.
JESY BARBOSA
--------------
Sendo o amor uma batalha,
sentimos que, em sua trama,
não há vitória que valha
a rendição de quem ama.
JOÃO RANGEL COELHO
--------------
Tudo na vida se alcança,
difícil é começar:
— se dar um beijo é custoso,
depois... custoso é não dar!
JOSÉ FONSECA DUARTE
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Devia ser orgulhosa,
mas anda na rua, aflita,
como se andasse pedindo
perdão de ser tão bonita!
JOSÉ JANNINI
--------------
Sofro e choro resignado,
tu nem ouves minha dor...
Quanto amor desperdiçado
por tanta falta de amor!
JUNQUILHO LOURIVAL
--------------
Envelheci te esperando,
tanto, tanto que nem sei
se a vida é que foi passando
ou se fui eu que passei.. .
KLEBER CRUZ
--------------
O amor, que às vezes nos mata,
outras vezes vivifica.
— É a loucura mais sensata
que o mundo inteiro pratica!
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA
--------------
Crer nas juras lisonjeiras
que dos teus lábios ouvi
foi a maior das asneiras
que na vida cometi.
JAYME PAULO FILGUEIRA
--------------
Maria, leva teu beijo
que em minha boca ficou,
para que tenhas o ensejo
de dá-lo a quem te levou.
LUIZ ANTÔNIO PIMENTEL
--------------
Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem:
— Quando tu vens, ela vai...
quando tu vais, ela vem...
LUIZ OTÁVIO
--------------
Bendigo a minha tristeza
que em poemas se traduz.
Quem transforma a dor em versos
faz suave a sua cruz...
LYAD DE ALMEIDA
--------------
Ah, se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer...
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?
MAGDALENA LÉA
--------------
Cantei do amor a vitória
e nem me lembrei, sequer:
— efêmera é toda a glória
dos sonhos de uma mulher.
MARIA IDALINA JACOBINA
--------------
Na tarde que se ensombrece
de formas tristes, bizarras,
como num coro de prece
choram todas as cigarras!
MARIA SYLVIA DE CERQUEIRA LEITE
-------------–
A morte vem do Infinito
e canta para ninar.
Vai cantando tão bonito
que não se pode acordar.
MERCÊS MARIA MOREIRA LOP
--------------
O sonho que nasce em mim,
se não puder florescer,
terá comigo o seu fim:
— só morre quando eu morrer...
MARIA DALVACI DANTAS
-------------–
Nesta vida tão injusta,
que tanto me faz sofrer,
só eu sei quanto me custa
passar dias sem te ver!
NELLY D. WERNECK
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O coração que é vencido
quase sempre tem razão.
E a razão, que sempre vence,
nunca teve coração...
NEWTON ROSSI

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história e antologia. São Cristovão/RJ: Artenova, 1972.

Gregório Duvivier (Epitáfio para um Bar que Acolhia Equinos Bípedes e Elegia aos seus Garçons)


“No Alcorão não há camelos”, diz o Borges, e isso, pra ele, prova que se trata de um livro árabe. Qualquer estrangeiro teria enchido a história de camelos. “Maomé, como árabe, não tinha por que saber que camelos eram essencialmente árabes. Estava tranquilo. Sabia que podia ser árabe sem camelos.”

O Hipódromo vai fechar. Isso não muda quase nada pra quase ninguém, mas muda quase tudo pra uma dúzia de pós-adolescentes como eu. Aqui na Guanabara não chamamos de hipódromo o lugar onde trabalha o jóquei —lugar este que chamamos de Jockey— mas o bar perto do hipódromo, na praça do Jockey —praça esta jamais frequentada por algum jóquei.

O bar abriu em 1945, dizia o letreiro, e estava tranquilo. “Sabia que podia ser um hipódromo sem cavalos.” Acolhia todos os tipos de equinos bípedes: poetas, jornalistas, comediantes, adolescentes e divorciados em geral, ou seja: todos aqueles que não tinham senso estético nem paladar apurado e que, por não terem encontrado seu lugar no mundo, ali encontravam consolo num chope aguadinho, numa fatia de pizza com ketchup e num garçom que sabia seu nome e o da sua família toda.

Cada garçom tinha sua expertise e seus clientes preferenciais. Sorriso trazia no olhar ao te ver a alegria de uma criança que vê seus pais chegando à creche, enquanto João de Deus, o Boi, trazia na testa o maço de cigarro equilibrado nas sobrancelhas, entre outros truques impagáveis.

Lacerda tinha a memória mais prodigiosa e o humor mais veloz —o melhor garçom do mundo segundo qualquer concurso que preste. Existia ali uma tecnologia do serviço avançadíssima e que mantinha o bar aberto apesar dele mesmo.

A luz fria, o cardápio imutável, o teto de espuma, nas paredes a foto de um pedaço de carne crua no espeto com os dizeres “esta é a churrasqueira do Hipódromo”. Aquilo era pra ser uma publicidade, mas soava como uma denúncia.

Em seu lugar, abrirá uma filial do Brewteco —espécie de importação carioca da ideia que um paulista faz do que é um botequim carioca. Não reclamo: a imitação da imitação supera muitas vezes o original. A comida será melhor, o chope nem se fala. Mas falta alma. Não faltam camelos. O botequim carioca dos paulistas está mais pra Aladim que pra Alcorão.

A prova: demitiram os garçons. Rezo pra que todos apareçam recontratados. O tal do novo normal tem muito a aprender com o velho. Prometo que, se assim for, estarei lá (assim que encontrarem a vacina, que não sou doido de compartilhar perdigoto com desconhecido).

Fonte:
Folha de São Paulo. 21 julho 2020.

I Concurso de Trovas e Poemas Eliane Mariath Dantas (Prazo: 18 de Janeiro)


ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DE PARANAPUÃ -ALAP
Fundada em 21/10/1989
E-mail: alap.paranapua@gmail.com


REGULAMENTO:

No intuito de homenagear a saudosa Presidente Eliane Mariath Dantas, a Academia de Letras e Artes de Paranapuã lança o presente concurso de trovas e poemas, sendo que cada concorrente poderá participar de ambas as modalidades.

Os membros da ALAP participarão na categoria Acadêmicos, ao passo que os concorrentes que não forem membros participarão da categoria Especial.

I - PARA O ENVIO DE TROVAS

01- Tema: LIVRE.

02- Categoria: ESPECIAL e ACADÊMICO

03- Cada candidato poderá concorrer com no máximo 03 (três) trovas.

04- As trovas deverão estar digitadas e serem inéditas (nunca publicadas ou classificadas em concursos).

Observação: 07 (sete) sílabas poéticas em cada verso, com o 1º rimando com o 3º e o 2º com o 4º, em sentido completo.

05- O concorrente deverá enviar a(s) trova(s) com pseudônimo no corpo do e-mail para alap.paranapua@gmail.com. Já a sua identificação deverá vir em anexo (nome completo, categoria em que concorre (acadêmico da ALAP ou especial), pseudônimo, endereço completo com CEP, e-mail, nº do telefone celular).

06- Período de inscrição: de 9 de janeiro a 18 de janeiro, até 23:59 do horário de Brasília.

07- A Comissão Julgadora será composta por membros de renome literário, e sua decisão será soberana e irrevogável.

08- Premiação: Certificado virtual de destaque para os 3 primeiros lugares, Menção Honrosa e Menção Especial.

09- Certificado virtual de participação a todos os participantes.

10- O resultado será publicado no mês de fevereiro no perfil da ALAP - RJ do Facebook.

II - PARA O ENVIO DE POEMAS

01- Tema: LIVRE.

02- Categoria: ESPECIAL e ACADÊMICO

03- Cada candidato poderá concorrer com 01 (uma) poema.

04- Os poemas deverão ser inéditos (nunca publicados ou classificados em concursos), digitados, com o máximo de 35 (trinta e cinco) versos.

05- O concorrente deverá enviar o poema com pseudônimo no corpo do e-mail para alap.paranapua@gmail.com. Já a sua identificação deverá vir em anexo (nome completo, categoria em que concorre (acadêmico da ALAP ou especial), pseudônimo, endereço completo com CEP, e-mail, nº do telefone celular).

06- - Período de inscrição: de 5 de janeiro a 18 de janeiro, até 23:59 do horário de Brasília.

07- A Comissão Julgadora será composta por membros de renome literário, e sua decisão será soberana e irrevogável.

08- Premiação: Certificado virtual de destaque para os 3 primeiros lugares, Menção Honrosa e Menção Especial.

09- Certificado virtual de participação a todos os participantes.

10- O resultado será publicado no mês de fevereiro no perfil da ALAP - RJ do Facebook.

Rio de Janeiro (RJ), 5 de janeiro de 2021.

Fonte:
Email enviado pela ALAP