quinta-feira, 19 de maio de 2022

Nilto Maciel (Reportagem)

Há três dias na cidade, quase nada fizera, a não ser alugar a casa, conversar com o fotógrafo e andar pelas ruas. Puxava conversa com um ou outro, à cata de informações. Todos lhe fugiam. Os que não podiam fugir alegavam muitos quefazeres. Procurasse pessoas menos ocupadas.

Acordou, abriu os olhos. O sol já devia clarear tudo. Pôs-se a relembrar um sonho. Levantava-se, dirigia-se ao quintal. Onde andavam o galo e as galinhas? Lavava o rosto numa pia.

Lembrou-se do fotógrafo. A cama vazia. À noite passada dissera-se cansado de tanta monotonia. Iria bebericar por aí, procurar mulheres. Onde andaria? Talvez ainda dormisse no quarto de alguma rameira.

Silêncio assustador. Nenhum galo cantava. As galinhas não cocoricavam. E os vizinhos, os transeuntes, os cachorros, os burros por que não davam sinal de vida? Melhor deixar o sonho para trás e cuidar das obrigações. Talvez outra criança tivesse desaparecido. Ou mais uma jovem tivesse sido raptada.

Espreguiçou-se e caminhou para o quintal. Sim, o sol já clareava tudo. E os galos e as galinhas dos vizinhos por que não cantavam e cocoricavam? Lavou o rosto na pia. Pensou num café. Comprara bolachas e biscoitos. Todo o dia pela frente. Mais conversas, tentativas de conversas.

E o sonho? Preparava um café, abria um pacote de biscoitos. Não, o sonho não tinha a menor importância. Não adiantava relembrá-lo. Afinal, quem não sonha? Melhor sair à rua. Talvez outro homem tivesse ido embora da cidade. E mais uma vez ninguém saberia explicar o motivo dessa fuga misteriosa. A mulher apavorada, triste, revoltada. Os filhos chorosos. Os vizinhos cheios de maledicências. “Fugiu para juntar-se à amante. Um sem-vergonha.”

Procurou a cafeteira. Pareceu-lhe ouvir um canto de galo. Imobilizou-se, agarrado à vasilha. Nada, nem o mais ameno cocorico. Voltou ao quintal. O vento balançava os galhos do limoeiro. O galo seria do vizinho da direita ou da esquerda? E se olhasse por cima do muro? Preferiu ir à porta da rua. Olhou para os dois lados, para as casas em frente. Todas as portas fechadas. Ninguém na rua. Talvez fosse cedo demais. Não, o sol já ia bem alto. Hora de estarem todos bem acordados. As mulheres varrendo calçadas, os meninos brincando. E os jumentos? Pelo menos o do leiteiro. E os cachorros? Pelo menos um deles revirando latas de lixo. E os gatos? Talvez catassem borboletas nos quintais.

Voltou-lhe à mente o sonho. Ouvia um canto de galo. Seria o galo do quintal da esquerda ou da direita? Melhor deixar o sonho para depois. Precisava averiguar aqueles estranhos acontecimentos. Por que tantas crianças e moças desaparecidas? Existiriam mesmo gangues de raptores na cidade? Segundo a polícia e a imprensa, as crianças eram vendidas no exterior. E as moças? Quem as raptava? E os homens, seriam também raptados ou abandonavam suas famílias?

Teve vontade de cantar para acordar os vizinhos. Talvez não soubessem ser dia já. E se todos estivessem nas igrejas? Aquele povo vivia rezando, aos pés dos padres, cheio de pavores. Olhou na direção da igreja matriz. Viu apenas as torres e o relógio. Os ponteiros nas mesmas posições dos ponteiros do seu relógio.

Retomou o sonho. Chegava ao quintal. Nada de cantos e cocoricos. Apenas os galhos do limoeiro balançando-se.

Tolice aquele sonho. Na realidade as coisas eram muito mais buliçosas. Turbulentas até. Não tanto depois de sua chegada à cidade. Os raptos, as fugas não mais haviam ocorrido após sua chegada. E o fotógrafo onde andava? Teria voltado à capital? E se estivesse morto, assassinado num salão de cabaré? Deveria procurá-lo. Não, melhor ir até a igreja. O povo da cidade rezava por sossego. Fechou a porta e saiu. Todas as portas e janelas fechadas. Apressou o passo. Precisava chegar logo à matriz. Nas ruas nenhum sinal de vida. E se assobiasse uma canção? Aproximou-se do templo. As grandes portas fechadas. O povo todo estaria dentro? O padre poderia ter falado de abrigo divino.

Encostou o ouvido a uma das portas. Silêncio absoluto. Onde estaria o povo? Voltou-se para a cidade. Passarinhos e pombos voavam e pousavam nos fios da rede elétrica, nas árvores, nos telhados. Olhou para o céu. Sentiu-se tonto. Pensou em sentar-se no chão. Melhor buscar uma sombra. Um banco de praça. Sentiu sono. Não, não deveria dormir na rua. Voltaria para casa. Talvez o fotógrafo já tivesse retornado. Pôs-se a caminhar. Não queria mais ver as pessoas. Parecia voar. Como se o vento o conduzisse, o arrastasse. Quando cuidou, abria a porta da casa. Cambaleava. Iria morrer? Sentou-se à beira da cama. Onde andava o fotógrafo? Deitou-se. Retomou o sonho. Chegava à porta da rua. Todas as portas e janelas fechadas. Vontade de cantar, acordar os vizinhos. E se todos estivessem na igreja? Fechava a porta e saía. Ninguém na rua. Punha-se a assobiar uma canção. As grandes portas do templo fechadas. Pombos e passarinhos voavam. Sentia-se tonto. Olhava para o céu. Melhor regressar à casa. Voava. Num átimo chegava ao ponto de partida. Abria a porta e corria ao quarto. Sentava-se à beira da cama. Onde andava o fotógrafo? Deitava-se. Logo se punha a sonhar. Acordava, abria os olhos e dirigia-se ao quintal.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo author.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 4

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 53

Ouvidor-mor? Não. Sou o mor ouvidor. E que delícia, e que ouvidos, e que ouvinte eu sou destes faladores, destes falares, das vozes da experiência, do conhecimento, da sabedoria.

Aquela saída para uma volta na quadra enseja momentos sempre desejados. Um amigo que há dias não se vê, uma criança querendo um livro, um passante que entabula conversa.

A audição fica mais aguçada quando se ouve os diaristas da arte de caminhar. Enquanto andam, desfiam bom papo, humorados, histórias e estórias que o tempo não paga.

Momentos fugazes, eternizados, de alguém livre do jugo do relógio, palavras ao vento, semeando conhecimentos de vida.

Bem-fazeres, aulas que não se tem em faculdades, professores da escola da vida borrifando as ideias de quem ouve, jorrando lições simples de bem viver, mostrando que a vida sempre foi feita de bebericos do saber que é oferecido.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Sammis Reachers (O sítio (mal-assombrado) de Seu Pedro)

Alguns dos melhores dias da infância aqui no Jardim Nazareth foram passados no Sítio do seu Pedro. O sítio era na verdade de um japonês misterioso – do qual seu Pedro era o caseiro. Ou semidono, pois o tal japonês quase nunca aparecia.

No grande sítio, tomei o primeiro contato – não numa gôndola de supermercado, não numa sacola de compras de meu pai, mas pegando nas mãos, no próprio pé – com diversas frutas como jambo, carambola, jabuticaba. Até um pé de caqui havia, e curiosidades como uma árvore de cortiça. Mas a principal “lavoura” ali eram as mangas: Dezenas de pés, um carnaval, um tsunami, um apocalipseragnarok-mahapralaya de tanta manga.

O sítio também possuía um equipamento esportivo misterioso para todos nós àquela época: Uma quadra de tênis, em saibro, e isso mais de década antes de Gustavo Kuerten popularizar nos meios de informação o que era o tênis, e, claro, o que era uma quadra de saibro.

Seu Pedro e sua família eram em geral simpáticos e tolerantes – deixavam, a quem pedia com educação, entrar no sítio. Havia regras básicas: Não podia quebrar galhos das árvores, e nem arrancar frutas e deixar no chão (pois limpar aquela imensidão era uma tortura, e desperdiçar comida, como hoje, já era duro pecado naquela época). O acesso livre dependia também da época do ano e de que temporada/ano era aquele. Tinha momentos em que não havia ainda mangas maduras, ou sequer manga alguma, nos pés. Mas, nos melhores anos e na alta temporada, já vi aquele velho senhor negro e franzino, de fala mansa e pausada, abrir covas profundas de uns quase dois metros de profundidade por dois de largura e bem uns quatro de extensão – ou seja, suficiente para sepultar quase um elefante! – apenas para jogar mangas podres (uma tonelada? Duas? Três!?), pois não havia o que fazer com tanta manga. Nem a população do bairro dava conta.

Bem, independentemente de haver mangas e outras frutas ali ou não, a molecada amava entrar no sítio e tentar peneirar alguma coisa. Por vezes a solicitação de entrada era negada, e então os mais afoitos não se faziam de rogados, adentrando no sítio por um dos muitos pontos de acesso “encobertos”.

Foi numa dessas abordagens ou penetrações não autorizadas que me vi, em companhia de Renato e mais uns quase quinze garotos, dentro do sítio, onde entramos lá pela extremidade oposta à daquela em que ficava a casa de seu Pedro.

Seu Pedro também tinha sua espingarda de sal, e miseravelmente um cachorro que, de manso virava perdigueiro quando atiçado por seu dono. Sinistro e opressor padrão!!! Assim, era preciso entrar no sítio bem “na encolha”, e estar atento.

Ali estávamos todos embaixo de um pé de manga espada que, temporão, tinha já suas frutas. A árvore ficava em linha direta com a parte mais sinistra do sítio – Um pequeno casebre abandonado, construído ao lado da tal quadra de tênis. A casa era habitável, e não entendíamos por que ficava vazia, até que um dia um dos moleques ali daquela área – sim, a cada rua, poucos metros de distância, havia uma “galera” mais ou menos independente e, quando queria, hostil – nos informou que aquela casinha era mal assombrada. Para uma criança, aquela informação de mau agouro caía nas costas como uma jaca de inquestionável certeza e medo...

A hora era quase a do almoço, por volta das 11 da manhã, com o sol a pino. Foi quando o sexto sentido de Renato se manifestou, com garbo e brilhantismo. Me cutucando e a alguns outros moleques, ele apontava para um enorme pé de tamarindo, que fazia sombra sobre parte da quadra de saibro. É ridículo relatar isso e, acredite, foi ridículo naquele próprio momento: O que vimos foi uma sombra – sim, um ente perfeitamente translúcido – segurando uma vara de bambu e cutucando a árvore, como quem tranquilamente arrancasse tamarindos para chupar.

Não é piada, nem invenção. Eu VI – foi a única vez em minha vida que vi alguma manifestação do sobrenatural – e olha que hoje e há muito tempo sou um crente pentecostal, e alguns de nós veem com certa rotina coisas do arco da velha... Mas não eu.

Aquela visão inacreditável, surpreendente, inoportuna, cozida e fervida em nonsense foi apontada a um por um dos moleques ali presentes. Todos viram. A sombra, impassível, continuava a lentamente mover aquele bambu.

Após uns breves segundos de incredulidade, de tentar divisar se aquilo era aquilo mesmo, a ficha caiu. O que se seguiu foi a mais espetaculosa corrida com obstáculos que o bairro Palha Seca já viu – e ele viu muitas!

Todos voamos na direção contrária da sombra, de encontro à cerca de arame que nos daria acesso à salvação que era a rua. A cerca, banguela, tinha um espaçamento entre os fios de arame que permitia a uma criança ou jovem não muito alto passar agachando-se – devagar, de um a um, claro. Mas naquele momento, moleques jogavam-se pela abertura como se fossem mísseis ou torpedos, pouco se importando com os resultados. No empurra-empurra desesperado – alguns, mais sensíveis, gritavam de terror – muitos tentavam passar ao mesmo tempo, embolando-se e lanhando-se nos arames da cerca. Na minha vez, a pressa e um baita empurrão que levei fizeram minha camiseta ganhar um belo rombo naqueles arames...

Como disse, foi a única vez em minha vida que vi um fantasma, ou demônio, ou um alienígena que seja, pois como entender um diabo que, dentre o universo de coisas passíveis de entreter um espírito, se preste a arrancar tamarindos? Doravante e até a adolescência, jamais entrei novamente naquele sítio sozinho. E, mesmo acompanhado, evitava aquela casa mal-assombrada e aquele pé de tamarindo como o cramunhão (diabo) evita a cruz!

Anos depois, infelizmente o sítio foi vendido. O comprador foi um jogador de futebol do Flamengo, o Luiz Alberto, que murou o sítio e o transformou num tipo de complexo esportivo, alugando quadras para peladeiros de fim de semana e fazendo festas para seus amigos.

Seu Pedro não ficou desamparado: Sua casinha e parte do terreno lhe foram concedidas, justificadamente pelos serviços prestados. E, neste momento em que escrevo, o espaço foi novamente vendido, e agora um enorme condomínio de apartamentos populares se ergue naquele lugar, já prontos para a habitação. Os novos moradores provavelmente jamais saberão de tudo o que já aconteceu naquele terreno em que habitam...
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Um parágrafo para acrescentar um causo sobre aquele lugar. A fama de mal-assombrado do tal sítio era de conhecimento corrente de boa parte da população do local. Durante a noite, a maior parte da rua que fazia frente ao sítio mergulhava na escuridão, pois a iluminação pública não chegava até ali. Em frente a este sítio, cabe dizer, havia outro sítio menor, o Cariri, este murado. Ou seja: Por um bom trajeto, aquele que ali passasse de noite teria de um lado as muitas e sombrias árvores do sítio do seu Pedro, e do outro, um inoportunamente longo e frio muro. Nenhuma casa alcançável, nenhuma vida, nenhum refúgio ou lâmpada de 60 watts. Era apavorante!

Certa noite, aproveitando-se da fama do lugar, numa época em que não havia muita coisa pra se fazer, um indivíduo – que hoje é um seríssimo pastor evangélico, o Gilson – subiu numa das mangueiras do sítio que margeavam a rua e, lá de cima, na mais profunda escuridão, balançava os galhos e emitia sinistros gritos, a cada alma desafortunada que por ali passasse.

Muita coragem embolada com muita safadeza do então jovem Gilson! Já na rua, era tanta correria que aquele chão ficou compactado, de tanta patada de medroso em fuga!

Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Manuel du Bocage (Sonetos) VIII

Que ideia horrenda te possui, Elmano ?
Que ardente frenesi teu peito inflama ?
A razão te alumie, apaga a chama,
Reprime a raiva do ciúme insano:

Esperanças consome, ou vive ufano,
Ah! Foge , ou cinge da vitória a rama:
Ama-te a bela Armia, ou te não ama?
Seus ais são da ternura, ou são do engano?

Se te ama, não consternem teus queixumes
Os olhos de que estás enfeitiçado,
Do puro céu de Amor benignos lumes:

Se outro n'alma de Armia anda gravado,
Que fruto hás de colher dos vãos ciúmes?
Ser odioso, além de desgraçado.
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Às águas e às areias deste rio
Às flores, e aos Favórios deste prado,
Meus danos conto, minhas mágoas fio,
Dou queixas contra Ismene, Amor e o Fado:

A paz do coração posta em desvio,
O gosto em desenganos sufocado,
Lágrimas com lembranças desafio,
E pela tarda morte às vezes brado;

Tão maviosos sãos meus ais mesquinhos,
Tanto pode a paixão que em mim suspira,
Que se esquecem das mães os cordeirinhos:

O vento não se mexe, nem respira;
Deixam de namorar-se os passarinhos,
Para me ouvir chorar ao som da lira.
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O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite feia;
Mugindo sobre as rochas, que salteia,
O mar, em crespos montes levantado:

Desfeito em furacões o vento irado,
Pelos ares zunindo a solta areia,
O pássaro noturno, que vozeia
No agoureiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme, e saudade, a que ando, afeito:

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
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Nos torpes laços de beleza impura
Jazem meu coração, meu pensamento;
Esforçada ao servil abatimento
Contra os sentidos a razão murmura:

Eu, que outrora incensava a formosura,
Das que enfeita o pudor gentil, e isento,
A já corrupta ideia hoje apascento
Nos falsos mimos de venal ternura:

Se a vejo repartir prazer, e agrado
Àquele, a este, co’a fatal certeza
Fermenta o vil desejo envenenado;

Céus! Quem me reduziu a tal baixeza?
Quem tão cego me pôs? ...Ah! Foi meu fado,
Que tanto não podia a Natureza.
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Perdi tudo (ai de mim!) perdi Marfida,
Marfida, a glória minha, a minha amada;
Tenra flor, a esperança malograda
Do mimoso matiz caiu despida:

Pede meu coração mortal ferida,
Só aos ditosos a existência agrada;
Vida entre angústias equivale ao nada,
No risonho prazer consiste a vida.

Eia, amante infeliz, teu fim procura!
Fantástico terror não te reporte,
Nos túmulos não reina a formosura.

Diga triste letreiro a minha sorte;
Dai-me piedosa sombra à sepultura
Teixas, ciprestes, árvores da morte.

Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

terça-feira, 17 de maio de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 19

 

Jaqueline Machado (A angústia de não ter com quem falar)

Na Bíblia, que é o livro mais vendido do mundo, diz Tiago no importante versículo: 1: 19 – 20: Meus amados irmãos, tenham isto em mente: Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se, pois a ira do homem não produz a justiça de Deus.

A palavra é um importante dom pertencente ao verbo. Sendo ela também, sem sombra de dúvida, a mais eficaz vacina na prevenção das doenças que afligem a humanidade. Com as bênçãos da palavra bendita, vidas ressuscitam. E através da palavra desabafada, sentimentos destroçados são capazes de se regenerar.

No entanto, poucos possuem tempo para curar as feridas de alguém através de sábios argumentos. Raríssimos são aqueles que, de bom grado, emprestam seus ouvidos para ouvir os desabafos das pessoas que sofrem.

No conto do escritor russo, Anton Tchekhov, o protagonista Iona Potapov, um cocheiro solitário que acabara de perder o filho, tentava desabafar a sua profunda angústia com seus passageiros. Eles, no entanto, confinados em seus próprios interesses, não permitiam que o pobre Iona esboçasse muito além dessas palavras: “MEU FILHO MORREU”. Os passageiros ouviam, sucintamente respondiam ao seu lamento e logo trocavam de assunto ou se calavam.  

Certo dia, sentindo–se cansado, o cocheiro vai para casa antes do entardecer. Fazia muito frio. Acendeu a lenha no fogão, vestiu-se e voltou para a cocheira, onde estava o seu cavalo. Iona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo… Estando só, não pode pensar no filho… Não pode falar sobre ele com ninguém, e pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dava–lhe um medo quase insuportável… O seu pesar era imenso e dava-lhe a impressão de que, se o seu peito estourasse e fluísse para fora aquela angústia, seria inteiramente inundado com sua tristeza.

Está mastigando? – pergunta Iona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes.– Ora, mastiga, mastiga… Se não ganhamos para a aveia, vamos comer feno… Sim… Já estou velho para trabalhar de cocheiro… O filho é que devia trabalhar, não eu… Era um cocheiro de verdade… Só faltou viver mais… Iona permanece algum tempo em silêncio e prossegue: – Assim é, irmã, minha eguinha… Não existe mais Kuzmá Iônitch… Foi-se para o outro mundo… Morreu assim, por nada…

Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é seu filho. E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo… Dá pena, não é verdade? O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo… Iona anima-se e já que apenas o animal tinha ouvidos para lhe ouvir, conta-lhe tudo…

Caros irmãos, vejam só que triste realidade.

E como irmãos que somos, por que não nos escutamos afim de obtermos uma irmandade mais solidária e feliz?... Chega de darmos ênfase ao egoísmo. É chegada a hora de despertarmos em nós, o dom da empatia.

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXX

Amar sempre e sem medida,
não tem contraindicação,
traz bom resultado à vida;
para a mente e o coração.
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A mentira e a falsidade
são filhas do mesmo clã,
gêmeas da infidelidade
sentadas num só divã.
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A terra clama socorro,
hoje, tão depauperada,
o perigo está no morro,
que desliza na enxurrada.
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A vida anda tão depressa,
lentamente a morte vem,
se a vida da terra cessa
acaba a do homem também.
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Como pode alguém dizer,
ter visto um fogo apagado?
O que viu, sim, pode ser
cinzas como resultado...
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Disse a rosa, com ciúme,
ao jasmim, seu concorrente,
muito admiro o teu perfume
mas minha cor é envolvente.
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Jamais, fira a natureza,
com gestos de atrocidade,
nem subtraia o pão da mesa
na faminta humanidade.
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Nada que o tudo não possa
na luta, mais luz prover,
reverter a minha em nossa,
a esperança de vencer.
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Não denigres teu porvir
com as manchas do passado,
se optares por denegrir,
teu ser acaba manchado.
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Não meça a fertilidade
do solo, pela aparência,
porque a produtividade
se oculta na sua essência.
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Não sou rei, mas um guerreiro,
e à paz eu tenho lutado.
Quero, além de brasileiro,
ser gaúcho respeitado.
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Não tem presente maior
que um projeto alentador,
nem na vida algo melhor
que um futuro promissor.
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Navegador não se abata
se a rota apresentar curvas,
bem melhor, lenta e pacata,
que afundar em águas turvas.
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Ninguém se abala à destreza
com que a morte se avizinha,
mesmo assim, diz com clareza:
antes do outro do que a minha!
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No silêncio dos fonemas
subtraídos do alfabeto,
construímos os poemas
com carinho e muito afeto.
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No universo da família,
cada estrela tem seu brilho
e aquela que menos brilha
é a que sempre mais partilha.
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Nunca afirmes: amo alguém,
se nem amas a quem vês...
Como ousas amar a quem,
que jamais viste uma vez?
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Nunca enterres teu talento
com medo de ser roubado,
na clausura, muito lento,
acaba sendo enterrado.
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O tempo promove a cura,
da ferida e nos questiona;
se é remédio ou sepultura,
que à busca nos impulsiona.
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Pra que serve o elevador
se trancado permanece?
Tal um túmulo em terror,
não sobe, tampouco desce…
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Quem navega apenas no ouro,
pode submergir nas mágoas,
tão longe do ancoradouro
aonde serenam as águas.
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Sempre que testemunhares
segue à luz da temperança,
para alguém não condenares
com as armas da vingança.
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Se os espinhos, nas estradas,
falando fossem sinceros,
deixavam mentes frustradas
por serem demais austeros.
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Temos tudo e nada somos,
porque viver, mal sabemos.
Nem lembramos o que fomos!
Sonhamos, mas não vivemos.
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Tens mil razões para optares
e obteres tudo o que queres,
mas se não perseverares,
cai por terra o que fizeres!
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Viva a vida com decência,
afinco, esmero e denodo;
sem virtudes, a existência
mergulha num mar de lodo.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Aparecido Raimundo de Souza (O Pentelho)

O SUJEITO PEGA O TELEFONE E ENQUANTO LIGA PARA O AMIGO vai se desfazendo dos sapatos e das meias pelo meio do corredor a caminho da cozinha. Fala: “Alô? Luiz, seu bobalhão, sou eu, o Carlos.Acabei de chegar em casa, vindo do prédio onde funciona seu escritório. Toquei a campainha uma porrada de vezes e ninguém atendeu. Sua secretária não veio trabalhar, ou não quis abrir, sei lá. A garota da sala ao lado, de nome Bethânia, chegou às oito horas e dez minutos e, me vendo impaciente, andando para lá e para cá, e àquela hora da manhã, ofereceu água gelada e um cafezinho que fez na hora e, depois, caneta e papel para que eu pudesse, antes de virar as costas, lhe escrever um bilhete e enfiar por baixo da porta. O negócio é o seguinte: procurei feito um imbecil o nome que você me passou, ontem, por telefone. Fui em todas as livrarias da cidade (são quase vinte) e não encontrei nenhum livro de Julia Petit”.

“Aliás, Luiz, ninguém conhece Julia Petit por aqui. E ela nunca esteve na lista dos mais vendidos. Liguei para sua casa e consegui falar com a sua filha. Ela confirmou o nome da criatura: realmente Julia Petit, com o t mudo no final. Argumentei que na pressa, talvez você tivesse me passado o nome errado. Quem sabe, não fosse Julia, mas Rulia, Nulia, Sulia, Vulia, ou qualquer coisa parecida. Sua filha garantiu que era Julia, até soletrou, jota de jaca, u, de uva, ele, de laranja, i de indelicadeza e a dea mendoim. Parti, então, para o Petit. Não seria, Petite, com e, ou Petitte, com dois tes? Consegui tirar a sua simpática mocinha do sério. Nas ligações seguintes, a jovem só não me chamou de santo, mas percebi, pela alteração da voz, que meu papo se tornara chato e incômodo. Insisti em continuar a conversa, mas ela, com a grosseria e o atropelo que rondam a cabeça da juventude, acabou me mandando tomar naquele lugar. Não contente, meu amigo, pá, desligou na minha cara. Fiquei como um abestalhado, a boca aberta, as palavras entrecortadas na garganta, o telefone no ouvido e o troço: tu, tu, tu, tu, tu, tu...”.

“Você sabe muito bem, amigo Luiz, que odeio quando alguém interrompe a ligação, sem mais nem menos, e eu fico boquiaberto, feito um panaca, sem saber o que fazer com o auscultador na mão. Pior é o tu, tu, tu, tu, tu, tu...”.

“Só por vingança disquei de novo. Decidi soltar meia dúzia de cobras e lagartos no escutador de novelas daquela patricinha de Beverly Hills. Perdão, meu amigo, não por raiva, só para que ela aprendesse a respeitar os mais velhos. Contudo, na primeira tentativa, a porcaria deu ocupado e o “tu, tu, tu, tu, tu, tu” se fez ouvir, logo que terminei de riscar o quarto número. Insisti por mais umas quinze vezes. Todas infrutíferas. Resolvi dar um espaço. Cinco minutos. Findo esse tempo, voltei à carga. Nada! De novo, uma, duas, dez, vinte vezes, Luiz, acredite, vinte vezes e a porcaria, insistente: tu, tu, tu, tu, tu, tu...”.

“Com certeza, sua filha está de marcação cerrada. Não é possível ficasse pendurada por tanto tempo, sem dar folga. Bem, pode ser, também, que tenha deixado o fone fora do gancho, por descuido. Para matar as horas, Luiz, optei por um novo rolê. Tomei um café, comi um pão com manteiga e, após isso, voltei à peleja. Gastei, meu amigo, duas horas e meia refazendo as livrarias. Uma por uma. As respostas das atendentes eram sempre as mesmas. Teve uma que resolveu me alugar pra valer. Chato quando alguém lhe torra as medidas, não é verdade? Tentarei reproduzir o diálogo que tivemos”:

- Senhor, não temos nenhum livro de Julia Petit, nem de Julia Petite ou similar. Por acaso o senhor saberia dizer qual o nome da obra que ela escreveu? É romance? Livro de autoajuda? Esotérico? Já procurou em casas que vendem produtos espíritas? O senhor não levaria, em substituição, o último de Paulo Coelho, ou o mais recente de Lya Luft?

- Obrigado.

- Não gosta de Zíbia Gasparetto? Ah! Temos também “Por Que os Homens Fazem Sexo e as Mulheres Fazem Amor”.

- E por quê?

- Desculpe, ainda não li o livro, mas dizem que é bom. Minha supervisora devorou de cabo a rabo e achou massa.

- Massa?

- É. Legal!...

- Minha filha, você já leu Kafka?

- Não, senhor.

- E Roberto Shinyashiki?

- Nunca ouvi falar.

- Nem eu. Prefiro Fernando Sabino.

“Esse foi, Luiz, na íntegra, o bate-papo que trocamos, eu e a vendedora, em uma das livrarias. Para você ver que não estou mentindo, trouxe o nome dela, o número do CPF, identidade, carteira de trabalho e o telefone, caso o amigo queira ligar e confirmar realmente minha presença lá. Mudando de pau para cavaco, uma gracinha, a guria. Roldana, o nome da teteia. Lembra a Margarete. Já sei, você vai me questionar: quem é Margarete? Deixa refrescar sua memória. Margarete, aquela do cabelo vermelho, bem curtinho, que você se engraçou, na lanchonete e, depois – me escangalho de rir quando penso nisso – eu flagrei vocês dois, mais tarde, lá na quitinete, na hora exata do “bembom”.

“Para terminar, deixei um lembrete debaixo da porta do seu escritório com os dizeres: “Ligue-me, ligue-me, ligue-me, pelo amor de Deus, ou vou acabar louco. Assinado, seu amigo Carlos”. Em tempo: peça desculpas a Senhorita Bethânia. Na pressa, na correria, acabei trazendo a caneta dela.”
***

Quando Luiz chega em casa, a secretária eletrônica sinaliza que há ligações não atendidas. Aperta o play. Quarenta. Todas, sem exceção, do Carlos. Retorna:

“Carlos, sou eu, Luiz, atenda essa droga de telefone. Caramba! Eu sei que está aí. Recebi seus recados. “Trocentos”, ao todo. Não precisava ligar tantas vezes, mané. Achei seu bilhete, pi, pi, pi, pi, pi, pi (nessa hora, a secretária eletrônica de Carlos começa a apresentar problemas. Luiz encontra dificuldade para gravar a resposta aos insistentes apelos do amigo)... Julia Petit, pi, pi, pi, pi, pi, pi é Ju... Pi, pi, pi, pi, pi, pi... Julia. Escreve-se, J, u, l, i, a , pi, pi, pi, pi, pi, pi, - e Petit se soletra pi, pi, pi, pi, pi, pi... P, E, T, I, T. O t é mudo, o t é mudo, no final, pi, pi, pi, pi, pi, pi... Julia, pi, pi, pi, pi, pi, pi, Petit... Seu babaca, pi, pi, pi, pi, pi, pi, é pro... Pi, du, pi, pi, to, pi, pi, pi, ra, pi, pi, pi, pi... Mu, pi, pi, pi, pi, pi, si,cal, pi, pi, pi, pi, pi, pi ... Não,pi, pi, pi, pi, pi, pi, é, pi, pi, pi, pi, pi, pi, es, pi, pi, pi, pi, pi, pi, cri, pi, pi, pi, pi, pi, pi, to, pi, pi, pi, pi, pi, pi, ra. Ela... Pi, pi, pi, pi, pi, pi, está, pi, pi, pi, pi, pi, pi, na lis, pi, pi, pi, pi, pi, pi, ta, pi, pi, pi, pi, pi, pi, dos, pi, pi, pi, pi, pi, pi, mais, pi, pi, pi, pi, pi, pi, bem pi, pi, pi, pi, pi, pi, vesti, pi, pi, pi, pi, pi, pi, dos, pi, pi, pi... Não, pi, dos pi, mais, pi, bem, pi, vendi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, dos... Pi, pi, pi, pi, pi. Eu disse... Pi, pi, pi, pi, pi, pi... Vesti, pi, pi, pi, pi, pi, pi, dos pi, pi, pi, pi, pi, pi, Não, pi, pi, pi, pi, pi, pi, vendidos. E, por fa, pi, pi, pi, pi, pi, pi, vor, pi, pi, pi, pi, pi, pi, não, pi, pi, pi, pi, pi, pi, me, pi, pi, pi, pi, pi, pi, tor, pi, pi, pi, pi, pi, pi, re, pi, pi, pi, pi, pi, pi, tan, pi, pi, pi, pi, pi, pi, to, pi, pi, pi, pi, pi, pi, o pi, pi, pi, pi, pi, pi, sa, pi, pi, pi, pi, pi, pi, co. Pi, pi, pi, pi, pi, pi. , pi, pi, pi, pi, pi, pi, para, a, pi, pi, pi, pi, pi, pi, o, pi, pi, pi, pi, pi, pi, in, pi, pi, pi, pi, pi, pi, fer... no... Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!...”.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. A outra perna do saci. São Paulo: Sucesso, 2009.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 5

Montagem com imagens obtidas no facebook da trovadora
 

Rubem Braga (O homem rouco)

Deus sabe o que andei falando por aí. Coisa boa não há de ter sido, pois Ele me tirou a voz.

Ela sempre foi embrulhada e confusa; a mim próprio muitas vezes parecia monótona e enjoada, que dirá aos outros. Mas era, afinal de contas, a voz de uma pessoa, e bem ou mal eu podia dizer ao mendigo “não tenho trocado”, ao homem parado na esquina, “o senhor pode ter a gentileza de me dar fogo”, e ao garçom, “por favor, mais um pedaço de gelo”. Dizia certamente outras coisas e numa delas me perdi. Fiquei vários dias afônico e, hoje, me comunico e lamento com uma voz de túnel, roufenha, intermitente e infame.

Ora, naturalmente que me trato. Deram-me várias pastilhas horríveis e um especialista me receitou uma injeção e uma inalação que cheguei a fazer uma vez e me aborreceu pelo seu desagradável jeito de vício secreto ou de rito religioso oriental. Uma leitora me receitou pelo telefone chá de pitangueira, laranja da terra e eucalipto, tudo isso agravado por um dente de alho bem moído.

Não farei essas coisas. Vejo-me à noite, no recolhimento do lar, tomando esse chá dos tempos coloniais e me sinto velho e triste de cortar o coração.

Alguém me disse que se trata de rouquidão nervosa, o que me deixa desconfiado de mim mesmo. Terei muitos complexos? Precisamente quantos? Feios, graves? Por que me atacaram a garganta e não, por exemplo, o joelho? Ou quem sabe que havia alguma coisa que eu queria dizer e não podia, não devia, não ousava, estrangulado de timidez, e então engoli a voz?

Quando era criança, agora me lembro, passei um ano gago porque fui com outros moleques gritar “Capitão Banana” diante da tenda de um velho que vendia frutas, e ele estava escondido no escuro e me varejou um balde d’água em cima. Naturalmente devo contar essa história a um psicanalista. Mas então ele começará a me escarafunchar a pobre alma e isso não vale a pena. Respeitemos a morna paz desse brejo noturno onde fermentam coisas estranhas e se movem monstros informes e insensatos.

Afinal posso aguentar isso, sou um rapaz direito, bem comportado, talvez até bom partido para uma senhorita da classe média que não faça questão da beleza física, mas sim da moral, modéstia à parte.

O remédio é falar menos e escrever mais, antes que os complexos me paralisem os dedos, pobres dedos, triste mão que... Mas, francamente, página de jornal não é lugar para a gente falar essas coisas.

Eu vos direi, senhora, apenas, que a voz é feia e roufenha, mas o sentimento é límpido, é cristalino, puro – e vosso.

Fonte:
Rubem Braga. O homem rouco. 1949.

Solange Colombara (Poemetos)

Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
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Sou uma leve brisa,
o beijo do dia.
Uma lágrima na noite
fria, solidão sombria.
Sou doce perfume,
suave sangria.
Gargalhada aprisionada
ou veneno, sua alforria.
Sou a rosa do tango,
drama na alegria.
Rodopiando na valsa
sorrio, faço poesia.
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Nas folhas do tempo
ouço o som do vento.
Às vezes lamento,
outras, só fragmento.
As folhas farfalham,
no vento gargalham.
Pedaços se espalham
no tempo, embaralham.
As folhas se agitam
no tempo, levitam
os restos, hesitam.
Os ventos, excitam.
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Um olhar pode eternizar um momento
mas uma noite não dura para sempre.
Um sorriso às vezes é aconchego, ou
pode ser um retrospecto, um lamento.
Mas na noite... O sonho torna-se cura.
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As folhagens agitadas
sentem o frescor
do crepúsculo
que vai de encontro
ao horizonte, enquanto
gaivotas repousam
no pôr do sol.
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A madrugada jaz fria
no concreto da cidade
e teu corpo incendiado
aquece os lençóis vazios.
A flor grita, em euforia
nos canteiros agitados;
muda, sente calafrios,
chamas da maturidade.
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Ouvia-se os respingos
caindo inertes, sem emoção.
Não era chuva, orvalho,
tampouco pranto.
Somente borrifadas...
Talvez poesia,
talvez um nada no chão.
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Expresso com poesia
as emoções ilusórias
alvoroçadas no vento,
acolhidas no baú do tempo.
Em meus versos sou rimas,
a brisa girando o catavento.
Demonstro na poesia, a flor
do beija-flor em sutil alento.

Fonte:
Solange Colombara. Caramanchão de Palavras. SP: Ed. do Autor, 2021.

João do Rio (Bom humor)

Sempre que conversamos, ouço-a dizer:

— Mas que bom humor o seu!

Parece que definitivamente o meu bom humor a espanta. Numa terra do spleen solar, da neurastenia generalizada e daquela fúria estática fixada na tela do Latour com nome de inveja, será o bom humor espantoso?

Devo dizer-lhe que o bom humor é uma atitude defensiva muito agradável. Se considerarmos a sério a vida, veremos que ela é uma continua série de amargores, desilusões, contrariedades. Os Goncourt uma vez tomaram o tipo do homem feliz: com renda para não ter preocupações de dinheiro; com um anonimato capaz de lhe dar a ausência de ataques; com o suficiente egoísmo para não amar. E depois disso, mostram como cada hora dessa vida feliz era uma hora cheia de pequenos aborrecimentos e de contrariedades atrozes na sua insignificância: — uma dor no pé, o botão do colarinho que rebenta quando se tem pressa, o chá que está frio quando o queremos quente.

Por essa felicidade medíocre podemos pensar no tormento da vida das pessoas grandemente felizes! O próprio Goncourt que sobreviveu ao irmão, rico com coleções maravilhosas de arte, a glória universal, vivia na saudade do irmão, com uma grave moléstia, e até dias antes de morrer, dois dias antes, recebia cartas anônimas insultando-o! Quem o conta é outro grande infeliz notável, Alphonse Daudet nas Notes sur la vie.

Eu nunca pude pensar numa figura de destaque sem um profundo sentimento de piedade. Dá-me vontade de abraçá-la chorando. E por isso rio e faço frases de bom humor.

Se a mulher é linda e tem recursos, diz-se dela o que não se diz nem de um literato em evidência no Brasil. Ela sofre pela calúnia, pela inveja, pelo que os seus sentimentos possam ter de incompreendidos, pelo receio da beleza das outras. Se a mulher é inteligente, haverá tormento maior?

Com os homens é a mesma coisa. Mais. Há todas as pequenas contrariedades, o amargor de se ver incompreendido, a calúnia, o insulto, o ódio gratuito, e mesmo com muito dinheiro ou muita glória — a imaginação. Pensou algum dia no que seja a imaginação? Adão sabia tanto quanto Deus e os anjos discutiam a sua personalidade com manifesta má vontade. Ele era feliz. E a imaginação fê-lo tocar na árvore proibida. Perdeu-se. Todos nós somos perdidos pela imaginação, isto é, temos a sensação do inatingido, de que falhamos ao nosso ideal, àquilo de que nos julgávamos capazes. Quanto mais inteligente mais sofredor. E nada mais lancinante do que um artista cheio de glória e dinheiro, cumprimentado por uma obra e tendo a certeza que poderia fazê-la muito melhor.

Daí o bom humor como derivativo. Os apólogos e os paradoxos de Oscar Wilde não foram senão uma atitude. As pilhérias elegantes de Eça de Queirós, nunca tiveram outra causa, causa que se pode resumir do seguinte modo: compreensão do próprio sofrimento com pena do gênero humano.

Estou certo de que Rabelais, quando escreveu: le rire est propre de l'homme antecipava apenas o Figaro de Beaumarchais...

Mas decididamente a melancolia é um ar dos livros. Fechemos os livros, para conservar a grande defesa do bom humor que é a aparência da saúde da alma — que ninguém pode ter. Minha cara amiga, riamos. Pelo menos o bom humor permite fazer justiça...

Fonte:
Revista da Semana. Ano XVII. N. 31. RJ: 9 setembro 1916.

Estante de Livros (Os Trabalhos de Persiles e Sigismunda, de Miguel de Cervantes)


 Os trabalhos de Persiles e Sigismunda é a última obra de Miguel de Cervantes, famoso autor de Dom Quixote. Publicada em 1617, um ano após a morte do autor, pertence ao subgênero do romance bizantino. Foi para Cervantes sua melhor obra, apesar de a crítica aceitar unicamente o Dom Quixote como sua obra magna.

Nela escreveu sua dedicatória ao Conde de Lemos em 19 de abril de 1616, quatro dias antes de falecer, onde se despede da vida citando esses versos: Puesto ya el pie en el estribo con ansias de la muerte, gran señor, esta te escribo.

Antecendentes

Cervantes pretendeu com este relato construir uma obra narrativa cujo gênero estivesse resguardado pela prática da literatura clássica, diferente de Dom Quixote, que era apenas uma paródia de um gênero medieval. Deste modo, partia de um modelo narrativo a que recorriam as preceptivas literárias neoaristotélicas renascentistas.

Queria com ele criar para a narrativa espanhola um modelo do romance grego de aventuras adaptado a um visão do mundo católica, que seguisse o exemplo da História de Leucipe e Crilofonte, de Aquiles Tácio ou Teágenes e Caricleia, de Heliodoro. Essa última se havia descoberto no Renascimento, publicado em 1534 e traduzido em seguida às línguas mais importantes da época (para o espanhol em 1554), constituindo-se imediatamente em um referente clássico do romance a ser imitado.

Sinopse

Narra-se um conjunto heterogêneo de peripécias que, como era habitual no chamado "romance bizantino" ou "helenístico", inclui aventuras e uma separação de jovens que se enamoram e acabam se encontrando numa anagnórise* ao final da obra. Nele, Periandro e Auristela (que só após o desenlace em matrimônio cristão do romance adotarão os nomes de Persiles e Sigismunda), dois príncipes nórdicos enamorados que se fazem passar por irmãos. Cruzando mares povoados de ilhas, do Norte da Europa até Lisboa, aventuram-se em peregrinação a Roma, seguindo por terra os caminhos do Sul. Dos trabalhos passados dão conta as muitas personagens principais e secundárias que os acompanham na sorte adversa e na fortuna.

A obra Filosofia antiga poética, tratado de preceitos literários de Alonso López (Madrid, 1596) que provavelmente influenciou a teoria cervantina do romance, considerou As Etiópicas (outro nome com que foi conhecida a história de Teágenes e Caricleia) como uma obra pertencente à épica antiga, que podia ser assimilada a outros autores de narrativas heroicas, como Homero e Virgílio, com a diferença de sua escritura em prosa. É a esse tipo de gênero literário que Cervantes empreendeu em Persiles como culminação à sua obra narrativa, pois se ajustava aos modelos teóricos de prestígio. Em teoria, o Quixote pertencia ao gênero baixo da literatura por seu caráter cômico, risível e paródico; o Persiles se ajustaria ao registro sublime dos preceitos neoaristotélicos, mas com um adendo, a respeito da literatura gentil ou pagã, sua assunção a uma espiritualidade cristã. Se o Quixote se concebe como um exemplo ex contrariis, o Persiles constituiria o exemplo a seguir, tentando superar os outro romances bizantinos espanhóis como o Clareo e Florisea (1552) de Alonso Núñez de Reinoso ou O peregrino em sua pátria (1604) de Lope de Vega. Cervantes, em prólogo a suas Novelas exemplares, já havia apontado que estava escrevendo o Persiles, livro que "se atreve a competir com Heliodoro". A última narração de Cervantes pretendia ser "a grande epopeia cristã em prosa, propósito que tem desorientado muitos leitores e provocada não menos desacertos críticos".

Edward C. Riley (1990) explica que as ideias sobre o livro de cavalarias ideal que o cônego de Toledo expõe no capítulo XLVII da primeira parte do Quixote podem cabalmente definir o caráter do Persiles. Cervantes estava persuadido de que sua última obra reabilitaria seu prestígio como narrador, perdido entre certos setores da crítica literária pelas insuficiências que mostrava o Quixote do ponto de vista da perspectiva erudita.
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*A anagnórise é um recurso narrativo que consiste no descobrimento por parte de uma personagem de dados essenciais de sua identidade, de entes queridos ou do entorno, ocultos para ele até então. A revelação altera a conduta da personagem e obriga-a a formar uma ideia mais exata de si mesma e do que a rodeia.
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Cervantes
O mais célebre dos escritores espanhóis, autor do imortal D. Quixote de la Mancha, Miguel de Cervantes nasceu em Alcalá de Henares (perto de Madrid) no dia 29 de setembro de 1547 e foi soldado antes de se tornar escritor. Tendo tomado parte na batalha de Lepanto (1571), onde perdeu o uso da mão esquerda, caiu, quando regressava à Espanha, em poder de piratas, que o retiveram por cinco anos. Alguns anos após ter retornado ao seu país, Cervantes passou a dedicar-se exclusivamente à literatura. Em 1584, escreveu a pastoral em verso Galatéia. Depois, conseguiu manter em cena cerca de vinte peças teatrais, entre elas A vida em Argel e Numancia. Em 1605, publicou a primeira parte de D. Quixote, do qual em pouco tempo foram vendidos trinta mil exemplares. Contudo, o autor só viria a concluir esta obra dez anos mais tarde. Cervantes deixou ainda, entre outros trabalhos, as Novelas exemplares (1612), uma coleção de contos que por si só já lhe daria direito a ocupar lugar de destaque nas letras; Viagem ao Parnaso (1614), revista dos poetas do tempo; Persiles e Sigismunda (1617), romance cheio de excentricidades, e diversas comédias, entre as quais se destacam O labirinto de amor, O valente espanhol e O juiz dos divórcios.

domingo, 15 de maio de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 08: A dor do poeta

 

Benedita Azevedo (A terra continua a girar...)

 A vida continua, ainda que tenhamos sofrido grandes perdas materiais ou até um ente querido. Independente de qualquer situação tem-se de continuar vivendo e dando exemplos de superação. Precisamos pensar positivamente e aceitar as leis da natureza, pois, todos os seres vivos nascem, crescem se reproduzem ou não e morrem.

A vida nos é ofertada a partir do relacionamento de duas pessoas que se amam e resolvem formar sua família, baseadas no modelo social que conhecem e herdaram de seus pais. Cada casal cria suas próprias regras, mas, é preciso cuidado para não se isolarem e se afastarem do que é normal e aceitável para seu grupo social e familiar.

Além disso, é importante manter o apoio da família, independente da situação financeira que por ventura tenham alcançado após o casamento. Há momentos na vida, dependendo da gravidade do que nos tenha atingido, que, de bom grado reformularíamos grande parte do que fizemos e vivemos, só para termos de volta uma situação de liberdade, paz ou a família completa à nossa volta.

Embora saibamos que são premissas da natureza os ciclos da vida, nem sempre entendemos quando há inversão do que consideramos natural. Por exemplo, a partida precoce de tantas crianças e jovens. Doenças incuráveis, acidentes, violências de todas as ordens, tudo foge ao nosso controle e ficamos atordoados quando o fato acontece conosco. Aí nos indagamos, por que comigo? Onde deixei escapar o fio da meada e não percebi o que estava acontecendo com minha filha, meu filho, meu neto, meu pai, minha mãe? É doloroso e só quem passou por um problema igual será capaz de avaliar tal situação.

Entretanto, a misericórdia de Deus, a força de renovação da natureza e a nossa fé nos mostram que tudo na vida é transitório e que nós, seres humanos, acompanhamos o mesmo ritual de qualquer ser vivo. O homem, animal racional, socialmente condicionado às leis civis e religiosas, baseadas em sentimentos variados de crenças, rituais e dogmas cria para si uma proteção que às vezes o deixa inseguro e vulnerável.

Mesmo assim, a vida continua, precisamos manter o equilíbrio, o pensamento de que não poderemos parar no tempo, seja lá o que nos tenha atingido, a terra continua a girar, o sol continuará a surgir e desaparecer todos os dias, as nuvens carregadas desabarão em forma de chuva, nós teremos sono, fome, sede e demais necessidades fisiológicas e um dia também partiremos. Vamos, pois, superar momentos difíceis com o discernimento de que certas coisas não podem ser mudadas.

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) - 22

LIBERDADE


A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência [Mahatma Gandhi).

Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós... Que coisa linda! Este é o refrão do Hino da Proclamação da República, que deu nome ao samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, campeã do carnaval carioca em 1989, sendo considerado um dos melhores sambas do gênero até hoje compostos. De fato, não é demais pedir que a liberdade abra as asas sobre nós. Estamos urgentemente precisando de liberdade. E somos nós que temos que fazer com que isso aconteça. A começar pela liberdade interior,

Fundamentada promessa
de dignidade e decência,
a liberdade começa
no fundo da consciência!
Divenei Boseli
São Paulo/SP

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A liberdade que emana
do fundo da consciência,
jamais a maldade humana
turvará a sua essência.
Gonzaga da Silva
Natal/RN

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Liberdade - sentinela
da Paz, em qualquer lugar!
E quem não lutar por ela...
não tem mais por que lutar!
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012

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Liberdade sem fronteiras
é um sonho grande, infinito,
e o mundo, então, sem barreiras,
ficará bem mais bonito!
Gislaine Canales
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

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Bem maior da humanidade,
que o tempo só consolida,
o direito à liberdade
é o direito à própria vida!
Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte/MG

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Contra tantas violências,
destruindo a humanidade,
há milhões de consciências
clamando por liberdade!
Noel Bergamini
Rio de Janeiro/RJ, ???? – 1992

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Em liberdade supero
o que já me enche de enlevo:
- Não é fazer o que quero,
mas, sim, fazer o que devo!
Emília Peñalba de Almeida Esteves
Porto/Portugal

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A liberdade de consciência já constitui um grande avanço, mas é possível mesmo a liberdade de fato?

Nas asas da liberdade
Tentei fazer um passeio,
barreiras e tanta grade
impediram o meu anseio.
Beatriz Cartaxo
Belo Horizonte/MG

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Se subsiste a liberdade
nos ideais da criatura,
por que há desigualdade
a ponto de escravatura?
Amasilde Rehwagen
Divinópolis/MG

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PRECONCEITO

O preconceito é um dos maiores inimigos da cidadania. A nossa cultura é pródiga em preconceitos. Estamos envolvidos numa imensa rede de ideias preconceituosas. O nosso pensamento reducionista, funcionando segundo a lógica da exclusão, afasta automaticamente o outro. Este outro nos causa medo, ele surge para nos tirar do nosso comodismo. Assim, as ideias novas, os diferentes, são automaticamente rechaçados, excluídos do nosso convívio intelectual ou social. Não importa quão tola seja essa atitude.

Qualquer preconceito é tolo
na conquista de ideais;
de barro, faz-se o tijolo,
do tijolo as catedrais!
Newton Meyer Azevedo
Pouso Alegre/MG , 1936 – 2006

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Cidadania é respeito
à fraternal igualdade;
é vencer o preconceito
que nos tolhe a liberdade!
Ieda Marini de Souza Oliveira
Belo Horizonte/MG

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Sonho um mundo diferente
que as cores todas resuma,
e a cor da pele da gente
não tenha importância alguma!
Otávio Venturelli
Nova Friburgo/RJ

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Se buscas o que revele
caráter ou formação?
não vises a cor da pele,
mas os bens do coração!
Maria Carriço
Natal/RN

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Pretos, brancos, amarelos...
Que importa a raça ou a cor
se as mãos dadas fazem elos
de uma cadeia de amor?
Carlos Guimarães
Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 1997

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Branco, preto ou amarelo...
Seja a cor que a pele ostente
todo ser humano é belo
nas virtudes que apresente.
Gonzaga da Silva
Natal/RN

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Brancos, negros e amarelos,
se a causa é justa e loquaz,
juntam braços, que são elos
forjando as cores da Paz!
Flávio Riberto Stefani
Porto Alegre/RS

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Rogo em gritos reprimidos,
o resgate do direito:
libertai os excluídos
dos grilhões do preconceito!
José Valdez de Castro Moura
Pindamonhangaba/SP

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Que, no Brasil, a justiça
resgate o nosso Direito:
sepulte a moral postiça
e dê fim ao preconceito!
José Valdez de Castro Moura
Pindamonhangaba/SP

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Luz do sol, graça celeste,
sem preconceito a ninguém,
ilumina o mato agreste
e o prado verde também!
Ana Cristina de Souza
Teresópolis/RJ,  ????  – 2020, São Paulo/SP

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Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
Jerson Lima de Brito
Porto Velho/RO

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Na opinião divergente,
respeito é considerar
que quem pensa diferente
também merece pensar!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

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Desde a infância o preconceito
terá que ser trabalhado.
O cidadão com respeito...
será sempre respeitado.
Dalva Maria de Araújo Salles
Santos/SP


Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.
Livro enviado pelo autor.

Lima Barreto (A Lógica do Maluco)

Estes malucos têm cada ideia, santo Deus! Num dia destes, no Hospital Nacional de Alienados, aconteceu uma que é mesmo de se tirar o chapéu. Contou-me o caso o meu amigo doutor Gotuzzo, que me consentiu em trazê-lo a público, sem o nome do doente – o que farei sem nenhuma discrepância.

Havia na seção que esse ilustre médico dirige um doente que não era comum. Não o era, não pela estranheza de sua moléstia, uma simples mania, sem aspectos notáveis; mas pela sua educação e relativa instrução. Com bons princípios, era um rapaz lido e assaz culto. Fazia parte até da Academia de Letras de Vitória, estado do Espírito Santo, onde residia – como membro extraordinário, em vista ou à vista de vaga, isto é, membro externo, ou de fora, que espera a primeira vaga para entrar. É uma espécie de acadêmico muito original que aquela academia criou e que, embora se preste à troça, lembre coisas de bebês, de cueiros, do Manequinho da Avenida, e outras muito pouco elegantes, oferece, entretanto, efeitos práticos notáveis. Atenua a cabala nas eleições e evita as sem-vergonhices e baixezas de certos candidatos. Lá, ao menos, quando há vaga, já se sabe quem vai preenchê-la. Não é preciso mandar organizar um livro, às pressas...

A denominação, na verdade, não é lá muito parlamentar; a academia capixaba, porém, a perfilhou, depois de proposta pela boca de um dos mais insignes beletristas goianos que nela têm assento.

O doente do doutor Gotuzzo, como já disse, era membro de fora da academia capixaba; mas, subitamente, com a leitura dos Comentários à Constituição, do doutor Carlos Maximiliano, enlouqueceu e foi para o hospital da Praia das Saudades.

Entregue aos cuidados do doutor Gotuzzo, melhorou um pouco; mas tiveram a imprudência de lhe dar, de novo, os tais Comentários e a mania voltou-lhe. Como ele gostasse do assunto, o doutor Gotuzzo mandou retirar do poder dele a profunda obra do doutor Maximiliano e deu-lhe a do senhor João Barbalho. Melhorou a olhos vistos. Há dias, porém, teve um pequeno acesso; mas brando e passageiro. Tinha pedido ser levado à presença do alienista, pois queria falar-lhe certa coisa particular. O chefe da enfermaria permitiu e ele lá foi ter, na hora própria.

O doutor Gotuzzo acolheu-o com toda a gentileza e bondade, como lhe é trivial:

– Então, o que há, doutor?

O doente era como todo o brasileiro, bacharel em direito ou em ciências veterinárias; mas pouca importância dava à carta. Gostava de ser tratado de capitão – coisa que não era nem da defunta Guarda Nacional, sepultada, como tantas outras coisas, apesar da Constituição. Apareceu calmo e sentou-se ao lado do alienista, a um aceno deste. Interrogado, respondeu:

– Preciso que o doutor consinta que eu vá falar ao diretor.

– Para quê? Para que você quer falar ao doutor Juliano?

– É muito simples: quero arranjar um emprego. Dou-me muito com o doutor Marcílio de Lacerda, senador, que foi até quem me fez membro de fora da Academia da Vitória; e ele, naturalmente, há de se interessar por mim.

– Escreva ao doutor Marcílio que ele virá até aqui.

– Não me serve. Quero ir até lá; é muito melhor. Para isso, preciso licença do doutor Juliano.

– Mas, meu caro, não adianta nada o passo que você vai dar.

– Como?

– Você é doente, sua família já obteve a interdição de você – como é que você pode exercer um cargo público?

– Posso, pois não. Está na Constituição: “os cargos públicos civis, ou militares, são acessíveis a todos os brasileiros”. Eu não sou brasileiro? Logo...

– Mas você...

– Eu sei; mas as mulheres não estão sendo nomeadas? Olhe, doutor: mulher, menor, louco ou interdito, em direito têm grandes semelhanças.

Tanto insistiu que obteve o consentimento para ir falar ao eminente psiquiatra. O doutor Juliano Moreira recebeu-o com a sua inesgotável bondade, que, mais do que o seu real talento, é a dominante na sua individualidade. Ouviu o doente com calma, interrogou-o com doçura e respondeu ao pedido dele:

– Por ora, não consinto, porquanto devo antes pedir, a esse respeito, as luzes de um qualquer notável consultor jurídico. 
 
Fonte:
Lima Barreto. Coisas do reino do Jambon. SP: Brasiliense, 1956.

sábado, 14 de maio de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 4

 

Rachel de Queiroz (Pici)

Foi em 1927. Eu estava naquela faixa de entreaberto botão entrefechada rosa, louca por desabrochar e ver o mundo. No sertão o vento nordeste já soprava violento, a folha do marmeleiro enrolava e caía, e o mormaço do verão, entre as duas e as três da tarde, era de crestar a pele do rosto e as flores no meu pequeno jardim.

E então nós iniciamos a campanha pelo sítio de veraneio; e meu pai acabou comprando o sonhado sítio: por nome Pici, com açude, pomar, baixio de cana, num vale fresco e ventilado para os lados da lagoa da Parangaba. Só que nesse tempo se dizia Porangaba.

E começou nessa época um período muito feliz. Nós éramos seis filhos — dois rapazes, dois meninos e a caçula que começava a engatinhar. O transporte era o trem suburbano que parava defronte ao Asilo e nos levava para a cidade. Meu pai começou logo a plantar o baixio, a fazer planos para o engenho. Trouxe da fazenda as melhores vacas para a vacaria. Eu me iniciava timidamente, frequentando a roda dos literatos na cidade, roda liderada pelo nosso amado guru, Antônio Sales. Júlio Ibiapina me deixava escrever as primeiras croniquinhas no jornal O Ceará. Foi quando conheci Demócrito Rocha, que me dava muita confiança literária; Djacir Meneses, amigo fraterno até hoje. Jáder de Carvalho, meu primo, já amizade velha. O ruidoso e fulgurante Antônio Furtado. Ah, tantos que ainda hoje são amigos, essa graça Deus me deu de conservar os amigos, só a Inominável os carrega.

Mas isso não são recordações literárias, quero falar no sítio Pici.

O casarão era talvez mais do que centenário, feio e mal-amanhado, o chão interno em diversos planos, cheio de camarinhas e cafuas. Assim mesmo ainda hoje me dá remorso quando recordo que promovi os planos para o reformar — e no que se iam derrubando paredes, abrindo portas, a velha estrutura ia desmoronando toda, e por fim o jeito era arrasar tudo e fazer casa nova. Mereço desculpa, tinha só dezesseis anos, não dava valor a essas obras antigas. Meu pai, sei que lhe doeu a demolição; mas afinal a casa desabou mesmo e não tinha sido erguida nem morada por gente dele, argumento forte. Pertencera à família do Padre Rodolfo Ferreira da Cunha e fora vendida depois a um industrial, José Guedes, de quem a compramos.

A casa nova fizemos imensa, um vaticano, salas largas, rodeada de alpendres como nós gostávamos. Ali escrevi meus primeiros livros; O Quinze, muito perseguida, minha mãe me obrigava a dormir cedo — essa menina acaba tísica! — e assim, quando todos se recolhiam, eu me deitava de bruços no assoalho da sala, junto ao farol de querosene que dormia aceso (ainda não chegara a eletricidade lá) e em cadernos de colegial. a lápis, escrevi o livrinho todo. Nas grandes mangueiras do pomar eu armava a minha rede e passava as tardes lendo. De noite, nós formávamos uma pequena orquestra com nosso professor de violão, Litrê, puxando no banjo; e a filha dele, Altair, muito bonitinha e afinada, e tinha um menino, Perose. Nas noites de lua vinham uns moços de Porangaba e nos faziam serenata, cantando Mi noche triste. Porque nesse tempo o chique era tango.

Mas depois fomos dispersando. Os rapazes se formavam, morreu um aos dezoito anos, e desceu uma sombra escura sobre o Pici. Veio a guerra, já então eu andava por longe, os americanos estabeleceram uma base lá perto e os blimps, os pequenos dirigíveis prateados, pousavam quase acima da nossa casa. Enquanto isso a cidade crescia, ia cercando o sítio com seus exércitos de casinholas populares. Dava ladrão na fruta, na cana, até nas galinhas e patos. Meu pai morreu. Morreu o outro rapaz. Minha mãe ainda tentou valentemente ficar — mas o cerco urbano se apertava. Vendeu-se o sítio.

Hoje, me contam que por lá mal há vestígios do que foi; aterraram o açude, onde era o engenho é agora uma igreja, abriram ruas no pomar derrubando as grandes mangueiras. Leio nos jornais a respeito do campus universitário do Pici — será na base dos americanos? Diz que o casarão é hoje uma velha casa de quintal pequeno, habitada por sucessivas famílias de estranhos.

Nunca mais fui lá. Dói demais, vai doer demais, imagino. Eu ainda escuto no coração as passadas de meu pai no ladrilho do alpendre, o sorriso de minha mãe abrindo a janela do meu quarto, manhã cedo: “Acorda, literata! Olha que sol lindo!” E as mangas, bola de ouro, que eram os cuidados dela — terão derrubado a mangueira bola de ouro?

Não, nunca mais quero ir lá. Ninguém desenterra um defunto amado para ver como é que estão os ossos.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia) XL

E TODA A NOITE A CHUVA VEIO

 
E toda a noite a chuva veio
E toda a noite não parou,
E toda a noite o meu anseio
No som da chuva triste e cheio
Sem repousar se demorou.

E toda a noite ouvi o vento
Por sobre a chuva irreal soprar
E toda a noite o pensamento
Não me deixou um só momento
Como uma maldição do ar.

E toda a noite não dormida
Ouvi bater meu coração
Na garganta da minha vida.
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EU
 
Sou louco e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.

Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.

Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre

Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.
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EU AMO TUDO O QUE FOI
 
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
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É UMA BRISA LEVE
 
É uma brisa leve
Que o ar um momento teve
E que passa sem ter
Quase por tudo ser.
Quem amo não existe.
Vivo indeciso e triste.
Quem quis ser já me esquece
Quem sou não me conhece.

E em meio disto o aroma
Que a brisa traz me assoma
Um momento à consciência
Como uma confidência.
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É UM CAMPO VERDE E VASTO
 
É um campo verde e vasto,
        Sozinho sem saber,
De vagos gados pasto,
         Sem águas a correr.

Só campo, só sossego,
        Só solidão calada.
Olho-o, e nada nego
        E não afirmo nada.

Aqui em mim me exalço
        No meu fiel torpor.
O bem é pouco e falso,
        O mal é erro e dor.

Agir é não ter casa,
        Pensar é nada Ter.
Aqui nem luzes ou asa
         Nem razão para a haver.

E um vago sono desce
        Só por não ter razão,
E o mundo alheio esquece
         À vista e ao coração.

Torpor que alastra e excede
        O campo e o gado e os ver.
A alma nada pede
         E o corpo nada quer.

Feliz sabor de nada,
         Inconsciência do mundo,
Aqui sem porto ou estrada,
         Nem horizonte no fundo.
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EU ME RESIGNO
 
Eu me resigno. Há no alto da montanha
Um penhasco saído,
Que, visto de onde toda coisa é estranha,
Deste vale escondido,
Parece posto ali para o não termos,
Para que,  vendo-o ali,
Nos contentemos só com o aí vermos
No nosso eterno aqui...

Eu me resigno. Esse penhasco agudo
Talvez alcançarão
Os que na força de irem põe m tudo.
De teu próprio silêncio nulo e mudo,
Não vás, meu coração.
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EU TENHO IDEIAS E RAZÕES
 
Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
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EXÍGUA LÂMPADA TRANQUILA
 
Exígua lâmpada tranquila,
Quem te alumia e me dá luz,
Entre quem és e eu sou oscila.
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FALHEI. OS ASTROS SEGUEM SEU CAMINHO
 
Falhei. Os astros seguem seu caminho.
Minha alma, outrora um universo meu,
É hoje, sei, um lúgubre escaninho
De consciência sob a morte e o céu.
Falhei. Quem sou vivi só de supô-lo.
O que tive por meu ou por haver
Fica sempre entre um polo e o outro polo
Do que nunca há de pertencer.

Falhei. Enfim! Consegui ser quem sou,
O que é já nada, com a lenha velha
Onde, pois valho só quando me dou,
Pegarei facilmente uma centelha.
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FLOR QUE NÃO DURA
 
Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Adega de Versos 80: Dorothy Jansson Moretti

 

Irmãos Grimm (Como se repartem alegrias e sofrimentos)


Houve, uma vez, um alfaiate insuportável, que vivia a brigar com a mulher. Esta era uma criatura boa, piedosa e muito trabalhadeira, mas, por mais que fizesse, nunca conseguia satisfazê-lo; com tudo ele mostrava-se descontente, e não parava de resmungar, de gritar, de fazer escândalos, espancando, com motivo ou sem ele a pobre mulher.

Um belo dia, as coisas chegaram aos ouvidos do Juiz e o alfaiate foi intimado a depor. Depois, trancaram-no na prisão a fim de que se corrigisse.

O homenzinho ficou preso bastante tempo, a pão e água por castigo, até que foi posto novamente em liberdade; mas antes, fizeram-no jurar que nunca mais bateria na mulher nem a maltrataria, comprometendo-se a viver em harmonia com ela, pois todos os casais, para viverem bem, têm que repartir entre si alegrias e sofrimentos.

Durante algum tempo, tudo correu bem mas, em seguida, ele voltou ao seu antigo sistema de resmungar e brigar por coisas de nada. Como não podia espancá-la, em virtude do compromisso prestado perante a Justiça, tentou puxar-lhe os cabelos. A mulher, porém, logrou escapar-lhe das mãos e correu para o quintal. Com o metro de pau e a tesoura, o alfaiate saiu correndo atrás dela e foi-lhe atirando tudo quanto lhe caía nas mãos.

Sempre que conseguia atingi-la com qualquer coisa, punha-se a rir satisfeito mas, quando falhava os golpes, ficava ainda mais furioso e punha-se a insultá-la cheio de raiva.

Vendo que as coisas se prolongavam, os vizinhos correram em socorro da pobre mulher. Então o alfaiate foi, novamente, intimado a comparecer perante a Justiça, onde lhe recordaram o juramento prestado.

- Prezados senhores, - afirmou ele, - tudo o que jurei, mantive-o; não a espanquei, apenas reparti com ela minhas alegrias e meus sofrimentos.

- Como é possível, - disse o Juiz, - se ela tanto se queixa de ti?

- Não a espanquei, não; quis apenas pentear-lhe os cabelos com a mão, porque ela estava com uma cara grotesca, ela porém fugiu-me e largou-me como um dois de paus. Então corri atrás dela e, para chamá-la à ordem, atirei-lhe tudo o que me vinha às mãos. Fiz isso apenas para adverti-la. E reparti com ela as alegrias e os sofrimentos, como me mandastes, pois todas as vezes que lhe acertava alguma coisa, era motivo de alegria para mim e de sofrimento para ela e, vice-versa, quando falhavam os golpes, era motivo de alegria para ela e de sofrimento para mim.

O Juiz, porém, não acatou essa resposta e, com toda justiça, deu-lhe merecido castigo.