quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Lima Barreto (Bailes e divertimentos suburbanos)


Há dias, na minha vizinhança, quase em frente à minha casa, houve um baile. Como tinha passado um mês enfurnado na minha modesta residência, que para enfezar Copacabana denominei "Vila Quilombo", pude perceber todos os preparativos da festa doméstica: a matança de leitões, as entradas das caixas de doces, a ida dos assados para a padaria, etc.

Na noite do baile, fui deitar-me cedo, como sempre faço quando me resolvo a descansar a sério. Às 9 horas, por aí assim, estava dormindo a sono solto. O baile já havia começado e ainda com algumas polcas repinicadas ao piano. Às 2 e meia, interrompi o sono e estive acordado até às 4 da madrugada, quando acabou o sarau. A não ser umas barcarolas cantadas em italiano, não ouvi outra espécie de música, a não ser polcas adoidadas e violentamente sincopadas, durante todo esse tempo.

O dia veio se fazer inteiramente. Levantei-me da cama e, dentro em breve, tomava o café matinal em companhia de meus irmãos. Perguntei a minha irmã, provocado pela monótona musicaria do baile da vizinhança, se nos dias presentes não se dançavam mais valsas, mazurcas, quadrilhas ou quadras, etc. Justifiquei-lhe o motivo da pergunta.

- Qual! - disse-me ela. - Não se gosta mais disso... O que apreciam os dançarmos de hoje, são músicas apolcadas, tocadas "a la diable", que servem para dançar o tango, fox-trot, rang-time, e...

- "Cake-walk"? - perguntei.

- Ainda não se dança, ou já se dançou; mas agora, está aparecendo um tal de "shimmy".

Nunca vi dançar tal coisa, nem me tenta vê-lo; mas a informação me fez lembrar do que era um baile familiar há vinte anos passados. O baile, não sei se é, era ou foi, uma instituição nacional, mas tenho certeza de que era profundamente carioca, especialmente suburbano.

Na escolha da casa, presidia sempre a capacidade da sala de visitas para a comemoração coreográfica das datas festivas da família. Os construtores das casas já sabiam disso e sacrificavam o resto da habitação à sala nobre. Houve quem dissesse que nós fazíamos casa, ou as tínhamos para os outros, porque a melhor peça dela era destinada a estranhos. Hoje, porém, as casas minguam em geral, e especialmente, na capacidade dos seus aposentos e cômodos. Nas salas de visitas das atuais mal cabem o piano e uma meia mobília, adquirida a prestações. Meia dúzia de pessoas, numa delas, estão ameaçadas de morrer asfixiadas com as janelas abertas. Como é que elas podem comportar um baile à moda antiga, em que dançavam dúzias de pares? Evidentemente, não. Isto acontece com as famílias remediadas; com as verdadeiramente pobres, a coisa piora. Ou moram em cômodos ou em casitas de avenidas, que são um pouco mais amplas do que a gaiola dos passarinhos.

Por isso entre a gente média os bailes estão quase desaparecendo dos seus hábitos; e, na gente pobre, eles ficaram reduzidos ao mínimo de um concerto de violão ou a um recibo de sócio de um clube dançante na vizinhança, onde as moças vigiadas pelas mães possam pirutear em salão vasto.

O meu amigo Sussekind de Mendonça, no seu interessante livro - O Esporte está deseducando a mocidade brasileira - refere-se à licenciosidade das danças modernas. Hei de falar mais detidamente sobre esse vigoroso livro: agora, porém, cabe só uma observação. Mendonça alude ao que se passa no "set" carioca; mas pelo que me informam, o subúrbio não lhe fica atrás. Nos tempos idos, essa gente verde das nossas elegâncias - verde é sempre uma espécie de argot - sempre mutável e variável de ano para ano, - desdenhava o subúrbio e acusava-o falsamente de dançar maxixe; hoje, não há diferença: todo o Rio de Janeiro, de alto a baixo, incluídos os Democráticos e o Music-Club das Laranjeiras, o dança.

Há uma coisa a notar: é que esse maxixe familiar não foi dos "Escorregas" de Cascadura para o Acchilleon do Flamengo; ao contrário, veio deste para aquela. O meu estimado Mendonça atribui o "andaço" dessas danças desavergonhadas ao futebol. O Sr. Antônio Leão Veloso achou isso exagerado. Pode haver exagero - não ponho em dúvida tal coisa - mas o tal de futebol pos tanta grosseria no ambiente, tanto desdém pelas coisas de gosto, e reveladoras de cultura, tanta brutalidade de maneiras, de frases e de gestos, que é bem possível não ser ele isento de culpa no recrudescimento geral, no Rio de Janeiro, dessas danças luxuriosas que os estadunidenses foram buscar entre os negros e os apaches. Convém notar que semelhantes danças não têm a significação luxuriosa e lasciva que se julga. Fazem parte dos rituais dos seus Deuses, e com elas invocam a sua proteção nas vésperas de guerras e em outras ocasiões solenes.

Passando para os pés dos ditos civilizados, elas são deturpadas, acentuadas na direção de um apelo claro à atividade sexual, perdem o que significavam primitivamente e se tornam intencionalmente lascivas, provocantes e imorais. Isto, porém, não nos interessa, porque não interessa tanto ao subúrbio como ao "set" carioca, que dançam "one-step" e o tango argentino, e nessas bárbaras danças se nivelam. O subúrbio civiliza-se, diria o saudoso Figueiredo Pimentel, que era também suburbano; mas de que forma, santo Deus?

Quando fui morar naquelas paragens não havia noite em que voltando tarde para casa, não topasse no caminho com um baile, com um choro, como se dizia na gíria do tempo. Havia famílias que davam um por mês, fora os extraordinários, e havia também cavalheiros e damas que não faltavam a eles, além de irem a outros de famílias diferentes. Eram célebres nos subúrbios, certos rapazes e moças, como tipos de dançarinos domésticos. Conheci alguns, e ouvi muitos falar neles. Lembro-me bem, dentre eles, de uma moça que, às vezes, atualmente ainda encontro, gordinha, com dois ou três filhos que lhe dão um imenso trabalho para acomodar nos bondes. Chamavam-na Santinha, e tinha uma notoriedade digna de um poeta de "Amor" ou de um gatimanhas de cinematógrafo. Não era bonita na rua, longe disso. A sua aparência era de uma moça como muitas outras, de feições miúdas, sem grande relevo, cabelos abundantes e sedosos. Tinha, porém, um traço próprio, pouco vulgar nas moças. A sua testa era alta e reta, testa de deusa a pedir um diadema. Era estimada como discípula de Terpsícore burguesa. A sua especialidade estava na valsa americana que dançava como ninguém. Não desdenhava as outras contradanças, mas a valsa era a sua especialidade. Dos trezentos e sessenta e cinco dias do ano, só nos dias de luto da semana santa e no de finados, não dançava. Em todos os mais, Santinha valsava até de madrugada. Dizia a todos que, por tanto dançar não tinha tempo de namorar. De fato, sempre requestada para esta e aquela contradança, via tantos e tantos cavalheiros, que acabava não vendo nenhum ou não firmando a fisionomia de nenhum.

Se não era bela na rua, em atitude comum de passeio, valsando ficava outra, tomava um ar de sílfide, de divindade aérea, vaporosa e adquiria um ar esvoaçante de visão extra-real. Fugia ao solo e como que pairava no espaço...

Os que a viram dançar e me falam dela, até hoje não escondem a profunda impressão que a moça, ao valsar, lhes causou; e quando hoje, por acaso, a encontro atrapalhada com os filhos, penso de mim para mim: para que essa moça se cansou tanto? Chegou afinal ao ponto em que tantas outras chegam com muito menos esforço...

O "pendant" masculino de Santinha era o seu Gastão. Baile em que não aparecia seu Gastão, não merecia consideração. Só dançava de "smoking", e o resto do vestuário de acordo. Era um rapaz de boa altura, simpático, grandes e bastos bigodes, de uma delicadeza exagerada; A sua especialidade não era a valsa; era o "pas-de-quatre", que dançava com ademanes de dança antiga, de minueto ou de coisa parecida. Fazia cumprimentos hieráticos e dava os passos com a dignidade e convicção artística de um Vestris. Seu Gastão ainda existe, e prosperou na vida. Quando rei suburbano do "pas-de-quatre" era empregado de um banco ou de um grande escritório comercial. Hoje é diretor-gerente de uma casa bancária, está casado, tem filhos, mora em Conde de Bonfim, numa vasta casa, mas raramente dá bailes. Dançou para a vida inteira e também pelos filhos e filhas.

Nesses bailes suburbanos, o mártir era o dono da casa: Seu Nepomuceno começava por não conhecer mais da metade da gente que, transitoriamente, abrigava, porque Cacilda trazia Nenê e esta o irmão que era namorado daquela - a única cuja família tinha relações com a do Seu Nepomuceno; e, assim, a casa se enchia de desconhecidos. Além destes subconvidados, ainda existiam os penetras. Chamava-se assim certos rapazes que, sem nenhuma espécie de convite, usavam deste ou daquele truque, para entrar nos bailes – penetrar.

Em geral, apesar da multidão dos convidados, essas festas domésticas tinham um grande cunho de honestidade e respeito. Eram raros os excessos e as danças, com o intervalo de um hora, para uma ceia modesta, se prolongavam até o clarear do dia sem que o mais arguto do sereno pudesse notar uma discrepância nas atitudes dos pares, dançando ou não.

Sereno, era chamado o agrupamento de curiosos que ficavam na rua a espiar o baile. Quase sempre era formado de pessoas das vizinhanças e outras que não haviam sido convidadas e lá se postavam para ter assunto em que baseassem a sua despeitada crítica. Esses bailes burgueses não eram condenados pela religião. Se algumas nada diziam, calavam-se. Outras até elogiavam. O puritanismo era francamente favorável a eles. Afirmava ele, pela boca de adeptos autorizados, que essas reuniões facilitavam a aproximação dos moços de dois sexos, cuja vida particular a cada um deles se fazia isoladamente, sem terem ocasião de trocar impressões, sem comunicarem mutuamente quais os seus anelos, quais os seus desgostos, favorecendo tudo isso os saraus familiares.

Estou certo de que os positivistas, hoje, julgariam que os atuais bailes aproximam por demais os sexos, e... "anathema sit". O pequeno povo porém ainda não sabe o "fox-trot", nem o "shimmy". Nos seus clubes, ao som do piano ou de estridulantes charangas, dança ainda à antiga; e, no recesso do lar com um terno de flauta, um cavaquinho e violão ou sob o compasso de um prestativo gramofone, ainda volteia a sua valsa ou requebra uma polca, extraordinariamente honesta em comparação com os tais "steps" da moda.

Sem receio de errar, entretanto, pode-se dizer que o baile familiar e burguês, democrático e efusivo, está fora da moda, nos subúrbios. A carestia da vida, a exiguidade das casas atuais e a imitação da alta burguesia desfiguraram-no muito e tendem a extingui-lo. O violão e a modinha que Catulo, com sua tenacidade, com o seu talento e a sua obediência cega a um grande ideal, dignificou e tornou capaz da atenção dos intelectuais, vão sendo mais prezados e já se fazem encantos dos saraus burgueses em que, pelas causas apontadas, as danças mínguam. É pena que para um Catulo, artista honesto, sob todos os pontos de vista, haja uma dezena de Casanovas disponíveis, que, maus de natureza e sem talento algum, se servem da arte reabilitada pelo autor de Sertanejo, a fim de, por intermédio de horríveis cantarolas, levarem a desgraça a lares pobres e perder moças ingênuas e inexperientes. Há por lá monstros desses que contam tais proezas às dezenas. É o caso de imitar o outro e escrever: O Código Penal e a inutilidade das leis.

Uma outra diversão que, antigamente, os suburbanos apreciavam muito e hoje está quase morta, era a do teatrinho de amadores. Quase todas as estações tinham mantido um Clube. O do Riachuelo, teve a sua meia hora de celebridade; possuía um edifício de razoáveis proporções; mas desapareceu, e, atualmente, foi transformado em escola municipal. O que havia de característico na vida suburbana, em matéria de diversão, pouco ou quase nada existe mais. O cinema absorveu todas elas e, pondo de parte o Mafuá semi-eclesiástico, é o maior divertimento popular da gente suburbana.

Até o pianista, o célebre pianista de bailes, ele arrebatou e monopolizou. Nada tem, porém, de próprio ao lugar, é tal e qual outro e qualquer cinema do centro ou qualquer parte da cidade em que haja pessoas cujo gosto de se divertir no escuro arrasta a ver-lhes as fitas durante hora e tanto.

O futebol flagela também aquelas paragens como faz ao Rio de Janeiro inteiro. Os clubes pululam e os há em cada terreno baldio de certa extensão. Nunca lhes vi uma partida, mas sei que as suas regras de bom-tom em nada ficam a dever às dos congêneres dos bairros elegantes. A única novidade que notei, e essa mesma não me parece ser grave, foi a de festejarem a vitória sobre um rival, cantando os vencedores pelas ruas, com gambitos nus, a sua proeza homérica com letra e música da escola dos cordões carnavalescos. Vi isto só uma  vez e não garanto que essa hibridação do samba, mais ou menos africano com o futebol anglo-saxônio, se haja hoje generalizado nos subúrbios. Pode ser, mas não tenho documentos para tanto afiançar.

Resta-nos o Carnaval; é ele, porém, tão igual por toda a parte, que foi impossível, segundo tudo faz crer, ao subúrbio dar-lhe alguma coisa de original. Lá, como na Avenida, como em Niterói, como em Maxambomba, como em todo este Brasil inteiro, são os mesmos cordões, blocos, grupos, os mesmos versos indignos de manicômio, as mesmas músicas indigestas e, enfim, o Carnaval em que como lá diz Gamaliel de Mendonça, no seu último livro - Revelação: - Os homens são jograis; as mulheres, bacantes. – O subúrbio não se diverte mais. A vida é cara e as apreensões muitas, não permitindo prazeres simples e suaves, doces diversões familiares, equilibradas e plácidas. Precisa-se de ruído, de zabumba, de cansaço, para esquecer, para espantar as trevas que em torno da nossa vida, mais densas se fazem, dia para dia, acompanhando "pari-passu" as suntuosidades republicanas.

Ele não mais se diverte inocentemente; o subúrbio se atordoa e se embriaga não só com o álcool, com a lascívia das danças novas que o esnobismo foi buscar no arsenal da hipocrisia norte-americana. Para as dificuldades materiais de sua precária existência, criou esse seu paraíso artificial, em cujas delícias transitórias mergulha, inebria-se minutos, para esperar, durante horas, dias e meses, um aumentozinho de vencimentos...

Fonte:
Lima Barreto. Marginália. Publicado na Gazeta de Notícias, 7-2-1922. Disponível no Portal de Domínio Público.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Varal de Trovas n. 576


Leandro Bertoldo Silva (Quem são os seus heróis?)


Ponte entre tempos...
Mundos que se completam...
Quem sou eu agora?


É comum termos personagens que marcam ou marcaram nossas vidas. Quem nunca se imaginou sobrevoar os arranha-céus das cidades como o Super-Homem, ou subir pelas paredes como o Homem-Aranha e até combater o crime ao usar um laço mágico como a Mulher-Maravilha? Eu também tenho os meus personagens, mas nenhum, por mais poderes existentes, me falou tão profundamente quanto um específico, e olha só: nem poder ele possui, a não ser sua inteligência… Engana-se quem pensou em Batman! O meu herói, sim, pois acabou por se transformar em um herói para mim, não era bravo, valente, nunca salvou ninguém de perigos, a não ser a mim, salvo do não saber das coisas, do não gostar de ler, de não conhecer histórias e mitologias, filosofias e inventores. O meu personagem é, e sempre foi um sábio sabugo de milho feito pelas mãos talentosas e generosas de Tia Nastácia, colhido em um milharal no Sítio do Picapau Amarelo: Visconde de Sabugosa.

Desde criança, Visconde povoa meu coração de sonhos e viagens inesquecíveis. Quantas vezes fui à lua em um foguete, ajudei Teseu a vencer o Minotauro e quase morri de susto ao ficar a poucos centímetros da boca do Boitatá! Sim, vivia as aventuras do Sítio como se fossem minhas e, embora admirado com a coragem de Pedrinho e sua música que me fazia chorar, como faz até hoje — ela, inclusive, foi o toque do meu celular por muito tempo —, diferente da maioria dos meninos da minha idade, era o Visconde que eu queria ser. Na minha imaginação, passava horas na biblioteca e os meus poucos livros reais se transformavam nas enciclopédias e compêndios lidos e estudados pelo sábio sabugo. Os pregadores de roupa da minha mãe se transformavam em máquinas e equipamentos moderníssimos capazes de nos transportar pelo tempo. Tampinhas de garrafa, alfinetes, papéis laminados de bombom, potes de vidro, tudo eu levava para o meu quarto, ou melhor, para o meu laboratório, e ficava lá inventando coisas. Afinal, eu era o Visconde!

Esse personagem vai além de um gosto de criança, de uma simpatia infantil que depois que a gente cresce desaparece. Visconde permanece em mim como uma entidade real, lúcida. Em todos os momentos da minha vida ele esteve presente, e sempre da melhor forma, silencioso, introspectivo, cúmplice… Poucas pessoas sabem disso (até agora). Até na minha história do pé de ameixa contada aos quatro cantos, Visconde estava lá. Era nele que eu me transformava ao subir na árvore e fazer de seus galhos as estantes dos meus livros. Hoje tenho uma filha já moça, e é uma das poucas a saber da minha “identidade secreta”… Ela faz os meus sonhos permanecerem acordados. Sou muito grato, pois, apesar dos tempos modernos, ela permitiu que eu a apresentasse ao meu mundo, às minhas aventuras e, além de conhecê-las, entrou nelas, compactuou com meus personagens, estendeu-lhes a mão e acolheu-os em seu coração. Não tenho dúvidas! Yasmin é uma daquelas princesas contadas pela Dona Benta e fazia com que eu, Visconde, pesquisasse a respeito nos livros de história. Mas me faltava uma coisa: faltava, além de ser o Visconde por dentro, ser também o Visconde por fora, deixá-lo se mostrar em mim assim como eu sempre me mostrei nele. E mais uma vez, foi ela, minha filha, a responsável por isso. Em seu aniversário de 11 anos onde todos podiam se fantasiar de alguma coisa, resolvi fazer o contrário; quando todos colocaram suas máscaras, resolvi tirar a minha…

O difícil foi, depois da festa, voltar à fantasia da vida. Mas qualquer dia eu volto à realidade. Obrigado, Visconde, por termos sido um só. Vamos às nossas aventuras. Elas ainda não acabaram.

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor, disponível em http://arvoredasletras.com.br 

Mara Garin (A figueira do Pomar)


Dia destes, num mormacento fim de tarde, postei nas redes sociais, fotos da figueira do meu pomar, um amigo viu e me indagou, porque eu deixava os figos amadurecerem na figueira, porque não fazia doces, geleias, figadas ou chimias...?

Respondi:

– Mas eu fiz!

Fiz o suficiente para os filhos e os netos, fiz o quanto seria necessário para que todos provassem,  e ficasse a deliciosa vontade de comer mais, na próxima estação dos figos.

Agora eles amadurecem, eu como me delicio com um ou outro ali no pomar, enquanto estendo roupas para secar ao sol, mas o que mais me encanta são os pássaros, eles chegam aos bandos, vem de todos os lugares, todas as cores e todos os tamanhos, fazem uma maravilhosa sinfonia de cantos e revoadas, comem e brincam na figueira, me presenteiam com sua beleza. Se eu tivesse enchido vidros e mais vidros com doces, hoje eu estaria com a dispensa cheia de doces, mas meu coração estaria vazio desta alegria.... Prefiro assim, a Deusa da Natureza abençoa quem cuida dos seus.

E o amigo está convidado a vir comer um figo junto de meus passarinhos livres e felizes.

Fonte:
Texto enviado por Jaqueline Machado.

Casimiro de Abreu (Poemas Avulsos) 1


CENA ÍNTIMA


Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
Só p'ra mim!
- Ora diz-me: esses queixumes,
Esses injustos ciúmes
Não têm fim?

Que pequei eu bem conheço,
Mas castigo não mereço
Por pecar;
Pois tu queres chamar crime
Render-me à chama sublime
Dum olhar!

Por ventura te esqueceste
Quando de amor me perdeste
Num sorrir?
Agora em cólera imensa
Já queres dar a sentença
Sem me ouvir!

E depois, se eu te repito
Que nesse instante maldito
- Sem querer -
Arrastado por magia
Mil torrentes de poesia
Fui beber!

Eram uns olhos escuros
Muito belos, muito puros,
Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos
Mostrando gozos infindos,
Só dos céus!

Quando os vi fulgindo tanto
Senti no peito um encanto
Que não sei!
Juro falar-te a verdade...
Foi decerto - sem vontade -
Que eu pequei!

Mas hoje, minha querida,
Eu dera até esta vida
P'ra poupar
Essas lágrimas queixosas,
Que as tuas faces mimosas
Vêm molhar!

Sabe ainda ser clemente,
Perdoa um erro inocente
Minha flor!
Seja grande embora o crime
O perdão sempre é sublime
Meu amor!

Mas se queres com maldade
Castigar quem - sem vontade -
Só pecou;
Olha, linda, eu não me queixo,
A teus pés cair me deixo...
Aqui estou!

Mas se me deste, formosa,
De amor na taça mimosa
Doce mel;
Ai! deixa que peça agora
Esses extremos d'outrora
O infiel:

Prende-me... nesses teus braços
Em doces, longos abraços
Com paixão;
Ordena com gesto altivo...
Que te beije este cativo
Essa mão!

Mata-me sim... de ventura,
Com mil beijos de ternura
Sem ter dó,
Que eu prometo, anjo querido,
Não desprender um gemido,
Nem um só!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

ILUSÃO

Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;

Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta da pátria afastado;

Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa grave harmonia;

Quando a terra, da vida cansada,
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;

Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmuram as ondas co'a brisa.

É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.

Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado
Entre prantos p'ra mim se sorrindo!

Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!

Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...

E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!

E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus se fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!
........................

Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma gloria passada,
É carpindo uns amores que eu tive!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

JURAMENTO

Tu dizes oh Mariquinhas
Que não crês nas juras minhas,
Que nunca cumpridas são!
Mas se eu não te jurei nada,
Como hás de tu, estouvada,
Saber se eu as cumpro ou não?!

Tu dizes que eu sempre minto,
Que protesto o que não sinto,
Que todo o poeta é vário,
Que é borboleta inconstante;
Mas agora, neste instante,
Eu vou provar-te o contrário.

Vem cá, sentada a meu lado
Com esse rosto adorado
Brilhante de sentimento,
Ao colo o braço cingido,
Olhar no meu embebido,
Escuta o meu juramento.

Espera: - inclina essa fronte...
Assim!... - Pareces no monte
Alvo lírio debruçado!
- Agora, se em mim te fias,
Fica séria, não te rias,
O juramento é sagrado.

"- Eu juro sobre estas tranças,
"E pelas chamas que lanças
"Desses teus olhos divinos;
"Eu juro, minha inocente,
"Embalar-te docemente
"Ao som dos mais ternos hinos!

"Pelas ondas, pelas flores,
"Que se estremecem de amores
"Da brisa ao sopro lascivo;
"Eu juro, por minha vida,
"Deitar-me a teus pés, querida,
"Humilde como um cativo!

"Pelos lírios, pelas rosas,
"Pelas estrelas formosas,
"Pelo sol que brilha agora,
"- Eu juro dar-te, Maria,
"Quarenta beijos por dia
"E dez abraços por hora!"

O juramento está feito,
Foi dito co'a mão no peito
Apontando ao coração;
E agora - por vida minha,
Tu verás oh! moreninha,
Tu verás se o cumpro ou não!…

Fonte:
Poemas obtidos no Portal Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/)

Lima Barreto (O anel dos musicistas)


As meninas do Instituto de Música escreveram aos jornais, lembrando a criação de um anel que as marcasse ao fim do curso ou dos cursos daquela casa sonora. A exemplo dos médicos, dos advogados, dos engenheiros, dos dentistas, dos bacharéis do Pedro II, dos cônegos, das raparigas da Escola Normal, elas querem também um distintivo que as extreme do vulgo. É muito justo, pois se o destino da mulher é o casamento, tudo o que possa concorrer para que elas o cumpram, deve merecer o nosso apoio entusiástico. Quando uma moça, doutora do Instituto, for de anel no dedo pelos bondes a fora, ao fim da viagem não esperará muito que um namoro se transforme em noivado... Ela garantirá a "zona" e o marido futuro ficará sossegado quanto às despesas da casa. O anel à mostra, isto é, o que ele rende, ficará sendo assim, às claras, uma espécie de dote, porque de todas as profissões femininas, a que tem maiores possibilidades entre nós é a de professora de música, quando garantidas pelo Instituto do largo da Lapa. Os motivos disto estão entrando nos olhos de todos os que residem no Rio de Janeiro e vivem sitiados por pianos ou violinos, na frente, nos fundos, nos lados, seja a casa em bairro rico ou pobre.

De tal modo é rendoso o ofício de professora de música e de seus instrumentos, no Rio, que as brigas vergonhosas que há de vez em quando no Conservatório, só podem ser atribuídas à ganância dos professores e acólitos na caça e disputa de discípulos. Cherchez l'argent (procure o dinheiro).

A música, entre nós, é a única arte em que raramente aparece uma tentativa de criação. Entregue, como está, a moças, melhor, a mulheres, que em geral nunca em arte foram criadoras - estudam unicamente para o professorado - a arte musical, na nossa cidade, não dá nenhuma demonstração superior da nossa emoção, dos anseios e sonhos peculiares a nós. Limita-se a repetir, trilhando os caminhos batidos. Não há invento nem novidade. As suas sacerdotisas agora querem um anel, talqualmente as senhorinhas da Escola Normal, quando acabam o seu curso secundário.

Se a medida não trouxer progressos à arte de Euterpe*, entra, entretanto, na lógica da nossa sociedade. Não é possível que num pais democrático, uma moça que andou aos cuidados do Sr. Richard, do Sr. Arnaud Gouveia, do Sr. Alberto Nepomuceno, que escreve óperas para exportação, possa ser confundida com qualquer rapariga aí.

Para todos os que têm um curso qualquer, não há distintivo? Como não cabe o mesmo direito às talentosas executoras do Instituto de Música?

Certamente, que elas tem toda a razão, e, se dependesse do meu voto, desde já estariam usando o berloque simbólico. Seria mais um.

As pedras, querem elas que sejam de safira, porque - justificam - a música tem muita coisa com a matemática; e a safira é a pedra dos anéis de engenheiros. A moça que projetou o anel tem certamente um namorado aos cuidados dos Srs. Ortiz ou Villiot, na Escola Politécnica, imagino eu. Contudo, animo-me a lembrar a ambos, que tanto a engenharia dele como a música da sua deidade, no fim quando ambos forem se servir de uma coisa e da outra, a matemática que entrar nelas pouco além irá daquela que se aprende nas escolas primárias.

Seria melhor que a menina que ideou o anel, desde já estudasse as divisões da nossa moeda, a conta de juros da Caixa Econômica, para bem poupar e fazer render o que ganhar nas suas lições. E, para isto, basta o Viana, Aritmética; e pode deixar de lado o nome pomposo da matemática. Quanto ao seu futuro marido, se algum dia passar além do trânsito ou do nível, tem os "handbooks" que lhe suprirão as falhas na sabedoria.

A matemática, minha senhora, para a maioria dos engenheiros, é assim como o latim para um grande número de padres: eles sabem só pronunciá-lo. Não amesquinho seu noivo ou namorado, pois nunca foi do meu temperamento amesquinhar um doutor ou futuro doutor. Faço uma observação, unicamente. De passagem seja-me permitido lembrar à futurosa Cellini** acadêmica, que a safira, na escala da dureza, ocupa um dos primeiros lugares; e uma pedra tão dura não fica bem para emblema de uma arte tão doce e tão pouco rígida. Pense em outras, minha senhora.

Se o fito é distinguir-se, extremar-se do vulgo feminino, há um processo seguro: É a tatuagem, que os doutores também poderiam usar, e, em certas partes dos corpos femininos, no colo, por exemplo, iria magnificamente. Além de tudo, é indelével. Ficaria a senhora Dra. em música, até que, como nós todos, fosse a gentil senhorinha formada, muito comumente, "moisir parmi les ossementes, sous l'herbe et les fioraisons grassées"***, como diz Baudelaire  (Procure isso na Une Charogne).

(Publicado em A Lanterna, 25-1-1918)
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* Euterpe = Entre as nove musas, filhas de Zeus e Mnemósina, Euterpe era conhecida como a Aprazível, que espalha alegria, e tinha como principal atributo iconográfico o aulo, um instrumento de sopro. Na Antiguidade tardia, ela foi apontada como a Musa ora da música, ora da poesia lírica.
** Cellini = (1500-1571) foi um ourives e escultor italiano. Entrou para a história como o maior ourives do Renascimento.
*** moisir parmi les ossementes, sous l'herbe et les fioraisons grassées = para moldar entre os ossos, sob a grama e os floreios oleosos.


Fonte:
Lima Barreto. Marginália. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Disponível no Portal de Domínio Público.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 10

 

Contos e Lendas do Paraná - 15 (Cerro Azul – Ivaté – São José dos Pinhais)


Município de Cerro Azul
Manoel Trindade

Era uma pessoa simples, trabalhava como diarista em serviços da lavoura. Morava na Raia. Depois, mudou-se para o Quarteirão dos Órfãos, sempre cultivando a terra no plantio de cereais. Nas horas de folga dedicava-se ao estudo das ciências do ocultismo. Tinha relações com a gente de São Paulo, de onde recebia os livros. Através desses estudos aprendeu a ser “curador”.

Manoel Trindade fazia muitos benefícios: curava as pessoas através da força mental, aconselhava-as em todas as situações problemáticas da vida, tais como brigas de família e brigas com vizinhos, sempre mostrando o melhor caminho. Fazia também simpatias para mordedura de cobra. Salvou muitas pessoas desenganadas de médicos.

Inúmeras pessoas que receberam seus benefícios ainda vivem hoje. O senhor Artur Bichels é um deles. Conta ele que estava muito bem disposto, andando lá pelos lados da Capelinha do Ninico. Para fugir de uma forte chuva que se iniciava pulou de um barranco alto; porém, ao invés de a queda ser amortecida pelo joelho, caiu seco e este se deslocou por dentro. Sentiu uma “ruindade”, segundo conta, e foi lavar o rosto à beira do rio. Mas aí escureceu o mundo de vez: teve que ser carregado para dentro de casa e ficou três meses de cama.

A dona Tuca Von Der Osten lembrou-se do Manoel Trindade e foi até a sua casa contar o caso e pedir um remédio. Ele preparou a “água benzida” para Artur Bichels e recomendou que banhasse com ela a coroa da cabeça e o peito. Conta o senhor Artur que levantava uma fumaça como se jogasse água na chapa fervendo. E quase que o pobre foi-se mesmo. Mas o Manoel Trindade havia dito que se até meia-noite a morte não se decidisse a usar a foice, ele estaria salvo. Felizmente, bem antes, o doente como que despertou e disse:

– Por que você me acordou? Justo agora que eu consegui um sono tão bom.

Manoel Trindade tinha também o poder de prever fatos. Conta-se que um homem foi pedir-lhe um remédio para sua mulher que estava acamada. Após fazer o remédio e entregar-lhe, comentou, à parte, com pessoas presentes:

– Que pena! Ela vai sarar, mas ele vai morrer.

De fato, logo que a mulher melhorou, o homem morreu inexplicavelmente.
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Município de Ivaté
A bola de fogo

Acontecia na estrada indo para Ivaí, contada por muitos moradores. Dizem que uma bola de fogo, ou de luz, não se sabe o que é, acompanha as pessoas a pé, de carro ou carroça. Quando se passa próximo à mata esta bola os acompanha. E é tão forte que as pessoas perdem até a direção do carro, se estiverem dirigindo.

Isto acontece, sempre, de meia-noite às três horas da madrugada. Algumas vezes, ao invés de acompanhar as pessoas ela fica em cima de uma árvore parada. Mais interessante ainda é que ela é veloz e chega à velocidade de um carro. Outro fator importante é que ela só aparece próxima a esta mata; só acompanha as pessoas nesta travessia, depois desaparece.

Conta-se que a luz aparece porque há algum tempo atrás um policial foi assassinado no fundo da mata. Outra versão é que a bola seja a “mãe do ouro”, ou seja, antigamente as pessoas tinham o hábito de enterrar ouro e as almas daquelas que morreram sem contar a ninguém ficaram penando pelo mundo.
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Município de São José dos Pinhais
O velório da virgem noiva

São José dos Pinhais, aí pelos anos de 1928, tinha ainda poucas casas, sem luz e sem água, nem esgoto, e havia muito mato e árvores com troncos enormes. Nessa época, não havia capela para velar os mortos e as pessoas velavam seus entes queridos em suas próprias casas. Havia dois compadres muito engraçados, que compareciam em todos os velórios para distrair do sono, os parentes e amigos do finado. Sabemos, quanto é difícil noites de inverno ter que passar em claro.

Certo dia, faleceu uma moça já de idade, mas muito séria e moralista. Vestiram-na toda de branco. Véu, grinalda, uma noiva completa. Estavam todos reunidos, velando a moça. Quando aí chegaram os compadres, por volta das 21 horas, pararam na porta um tanto assustados, olhando um para outro, disseram:

– Santo Deus do céu, será que era virgem mesmo? Cochichando nos ouvidos com olhar de malícia.

Lá pela meia-noite, deu uma dor de barriga em um dos compadres, ele foi até um bosque próximo do velório, fez suas necessidades; quando voltava, no pátio da casa, em noite de luar, viu a noiva que vinha toda de branco, passo a passo, pé por pé, aproximando-se cada vez mais. Chegando bem perto, ela disse:

– Ainda duvida de mim?

O compadre deu um salto para dentro da casa do velório, todo assustado, branco como a neve e disse ao seu companheiro:

– Não devemos brincar com quem já morreu.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná.
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Thalma Tavares (Poemas Avulsos) 5


A BOLHA

Rumando para o ocaso, onde a tarde se esfuma,
cai no horizonte o sol sobre a minha jornada;
tão vadia e fugaz como as bolhas de espuma
que têm certa a partida e não certa a chegada.

Quando um dia eu vivi essa bolha encantada
entreguei-me à ilusão e, sem prudência alguma,
não me fiz detentor de riqueza nenhuma,
mas cobri de lirismo a senda desolada.

E por isso eis-me aqui sob as vaias de Midas,
que jamais aprovou minhas taças erguidas;
efêmeros lauréis a enflorar-me a cerviz.

E o fulgor dos metais de que nunca fiz caso,
barganhei pelo verso e agora, em meu ocaso,
descubro que sou rei na paz que sempre quis.
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HOMO NON SAPIENS

Vive em cavernas, bronco e deletério
e tem por arma a pedra contundente.
Ele, que já foi larva e foi minério,
milhões de anos depois torna-se gente.

Contempla-se mais tarde interiormente
e erguendo o véu da sombra e do mistério
descobre-se animal inteligente
a impor sobre os demais o seu império.

Domina a terra, o ar, o céu, as águas,
mas guarda ainda frustrações e mágoas
apesar das batalhas que venceu.

Sempre a oscilar entre a ciência e o mito,
vive a buscar respostas no Infinito
para a eterna pergunta: - quem sou eu?
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NUNCA É TARDE

Como é difícil caminhar sofrendo!..
As pernas fracas, suplicando amparo,
vendo outras pernas, céleres, correndo,
criando em mim um sentimento amaro.

Parece que eu não tive um bom preparo
para aceitar a vida envelhecendo.
Mas lembro que em algum momento raro,
vencendo a idade eu me senti vivendo.

Assim é a vida!... E eu reconheço agora
que já não tenho esse vigor de outrora...
Mas mesmo assim prossigo e, sem tropeço,

sem cogitar de trilhos enfadonhos,
sigo a jornada resgatando sonhos,
colhendo as alegrias que mereço.
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PECADOS

Eu tenho pecados, e muitos, não nego.
Só Deus é quem sabe das culpas que expio,
dos erros, das faltas que eu triste carrego,
que o sono me roubam, por noites a fio.

Porque aos teus braços me atiro, me entrego,
minha alma anda triste qual planta no estio.
Mas Deus é culpado, se não me fez cego
à rara beleza do teu corpo esguio.

Não sei de pecados, mais doces, mais quentes
que a luz de teus olhos, teus lábios ardentes,
que enchem minha alma de sol e calor.

Mas tenho certeza que os nossos pecados,
por muitos que sejam, já estão perdoados,
pois não é pecado pecar por amor.
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SALMODIANDO

Eu trago em mim um cântico proscrito,
diverso dos que o público aplaudia.
E, como o querem cântico maldito,
novo verso lhe empresto a cada dia.

E, enquanto eu canto, noto o olhar aflito
dos que me aplaudem por hipocrisia.
Mas quando elevo a voz ao infinito,
minha lira não plange, salmodia.

E o meu canto se faz mas eloquente
clamando para que todo vivente
tenha pão, tenha vida em abundância.

Espero então, meu Deus, que o mundo entenda
este meu canto de amor e tire a venda
dos olhos desumanos da ganância.
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ZELOS

Eu tenho ciúmes desse ar que respiras,
dos olhos que são minha luz, meu alento,
que mudam-se às vezes em sóis de tormento
brilhando em teu rosto qual duas safiras.

Se ao fim não me contas por quem tu suspiras,
que finjas ao menos algum sentimento,
que apago os receios em meu pensamento
e aceito feliz umas doces mentiras...

Se já não me abraças com a mesma constância,
se eu sinto em teus beijos sabor de distância,
o amor entre nós mais encantos não tem...

E a causa maior de meu triste queixume,
está na razão deste ingente ciúme
que não te imagina querendo outro alguém.

Fonte:
Facebook do poeta

Figueiredo Pimentel (As três princesas encantadas)


Bermudes era um bom pai de família, mas não sabia dar educação conveniente a seus filhos. Um pouco fraco, deixava que eles fizessem tudo quanto desejassem, e o resultado foi que, dos três únicos filhos que tinha – João, Manuel e José – os dois primeiros eram malcriados, insolentes, e o terceiro de gênio um pouco vivo demais.

Um dia o pai repreendeu-os, e João e Manuel zangaram-se e fugiram de casa, sem dizer para onde. Bermudes ficou muito aflito, e mandou que José, o caçula, fosse procurá-los.

O rapaz saiu de casa para cumprir a ordem paterna, e começou a viajar. Ao cabo de três dias de fatigante jornada, em meio de campos, vales, montes e florestas, foi ter à choupana de um velhinha, chamada Miriam. Era uma velha amável, bondosa e caridosa, que o hospedou com todo o carinho, dividindo com ele a sua ceia.

Acabando a ceia, puseram-se a conversar:

– Que vieste fazer por estes lugares, meu netinho? disse Miriam, que era a Virgem Maria disfarçada em velha.

– Minha avozinha, respondeu ele, ando à procura de meus dois irmãos mais velhos, que fugiram da companhia de meu pai, e ele quer que eu os leve para casa.

– Pois dorme, meu filho, que eu te ensinarei onde estão eles.
***

No outro dia a velhinha, depois de lhe dar um bom almoço, disse-lhe que fosse ao Reino das Três Pombas, onde encontraria os dois irmãos, porque havia ali uma grande festa na qual tomariam parte todos os jovens do país, devendo casar-se com a filha do rei, o que melhor se sobressaísse.

– Leva, disse Nossa Senhora, esta vara e esta esponja, mas toma cuidado que ninguém as veja, porque teus irmãos hão de te caluniar, dizendo ao rei que te gabas de ser capaz de ir ao fundo do mar quebrar a pedra que lá existe e desencantar as três princesas, filhas do rei, que uma fada perversa encarcerara. O rei há de mandar chamar-te, e tu deves sustentar que sim. Vai, então, à beira do mar, e joga a esponja, que boiará. Deverás acompanhá-la por onde ela seguir. Mas não percas a varinha, e com ela bate na pedra que se partirá ao meio. Não te assustes com a serpente que te aparecer: toca com a varinha nela, que adormecerá no mesmo instante. Entra na pedra, e tira de dentro uma caixa; dá-lhe uma pancada, que se abrirá imediatamente. Dentro dela está um ovo, que tem três gemas; parte esse ovo, e dá a clara para a serpente beber. Verás o resto.

José agradeceu muito a Miriam o benefício que lhe fazia, e seguiu viagem para o reino onde estavam os seus dois irmãos.

Ali chegando, viu a grande festa que se estava celebrando. Achando-o mal vestido, os irmãos, fingiram que não o conheciam, e trataram de intrigá-lo, dizendo ao rei que ele se gabava de ser capaz de desencantar as princesas.

O rei mandou chamá-lo, e perguntou se era verdade o que diziam dele.

– Saberá Vossa Majestade que não disse tal coisa. Mas se o rei meu senhor ordenar, estou pronto para cumprir as suas ordens.

Todos ficaram admirados, e duvidaram do que dizia o mocinho. No outro dia apresentou-se ele no palácio para seguir para a expedição, e o rei mandou pôr cem navios à sua disposição, dizendo que, se trouxesse as princesas, casaria com a que escolhesse, ou com a mais moça, à única que existia, por não ser nascida, quando a fada má enfeitiçou as três mais velhas; e se voltasse só, seria enforcado no mesmo dia.

José dispensou os navios, preferindo ir a nado, com a certeza de que voltaria com as jovens.

Toda a gente julgou impossível ir um homem nadando até a pedra, que sabiam ficar no meio do oceano, e, em vista disso, mais duvidaram do bom resultado da empresa. No entanto José foi: e assim que chegou à praia, atirou ao mar a esponja, e acompanhou-a até a pedra. Bateu com a varinha, e ela se abriu por encanto. Entrou, e viu a serpente, em quem deu também uma pancada, adormecendo-a imediatamente.

No interior da pedra encontrou a caixa, em que também deu, abrindo-se ela no mesmo instante. Tirou de dentro o ovo, partiu a casca, deu a clara à serpente, saindo então as três princesas, que estavam no ventre do monstro.

Chegando José ao palácio do rei, justamente com as três donzelas, todo o mundo admirou sua coragem.

João e Manuel, seus irmãos, invejosos por vê-lo tão felicitado, não ficaram satisfeitos, e foram dizer ao rei que ele dissera ser capaz de trazer a serpente viva, do fundo do mar. O rei, que não estava disposto a casar a filha com José, ordenou-lhe que fosse buscar o bicho, sob pena de morte.

José procedeu como da primeira vez, e trouxe a serpente.

Então, para caçoar com as pessoas que duvidavam dele, tocou com a varinha em todos, a começar pelo rei, e os fez adormecer. Mandou, depois, agarrar seus dois irmãos e levá-los a seu pai.

O rei, quando acordou, consentiu que se casasse com a mais bonita das princesas, e ele sabendo disso, tocou com a vara novamente em todas as pessoas presentes, que dormiram outra vez até que chegassem seu pai e irmãos, para assistirem ao casamento.

José viveu feliz e benquisto até o fim de seus dias; e, como não era mau, quando subiu ao trono por morte do rei seu sogro, casou Manuel e João com duas de suas cunhadas. Os rapazes mudaram de gênio, corrigiram-se, tornaram-se bons, e foram sempre considerados.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível
em Domínio Público

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa, final) Bairro de São Vicente


O santo padroeiro de Lisboa dá o nome à freguesia e à igreja onde, segundo a história, os seus restos mortais foram depositados por um casal de corvos que, graças a São Vicente, nunca foram olhados como aves de mau agouro.

O bairro de São Vicente está intimamente ligado ao nome do mártir padroeiro de Lisboa. A Igreja de São Vicente de Fora, cuja obra foi mandada erguer por D. Afonso Henriques em consagração ao santo de quem era devoto, é dos templos mais representativos desta cidade. O monumento foi reedificado em 1629. Junto à igreja encontra-se a Capela de Santo António, construída no mesmo local onde foram encontrados os ossos da mão de São Vicente.

Atualmente realiza-se junto à Igreja de São Vicente de Fora, a popular Feira da Ladra. Nesta feira, tipicamente alfacinha e quase tão velha quanto Lisboa, encontra-se de tudo um pouco: antigos gramofones e discos usados, roupa dos anos 60 e material militar, livros e ferramentas. Mas só às terças-feiras e sábados.

Está o imponente Panteão de Santa Engrácia. Um monumento nacional que demorou tantos anos a ser construído que até entrou no anedotário lisboeta com a expressão popular “Obras de Santa Engrácia”. O Jardim de Santa Clara e o Palácio do Tribunal Militar; o Edifício do Mercado e o Hospital da Marinha, são outros dos pontos de interesse da freguesia. O resto fica ao cuidado dos visitantes, que tanto podem perambular por travessas esconsas como encontrar becos inesperados.

A Academia Leais Amigos, fundada em 27 de Abril de 1915, desenvolveu atividades na área de cultura e desporto, com prática do futebol e do tênis de mesa. A coletividade organiza, todos os anos, a festa no Largo da Igreja de São Vicente de Fora, com espetáculos de variedades durante as Festas Populares. E, para manter a tradição criada em 1934, vai mais uma vez desfilar em festa pela Avenida da Liberdade.
 
MARCHA DE SÃO VICENTE
(Por culpa do Manjerico)

Letra de António José
Música de João César


À minha porta ouvi
Que alguém batia
Fui abrir e pra meu espanto
Vi que não estava ninguém
Mas logo descobri
No chão havia
Arrumadinho num canto
Um manjerico também ...

Trazia um verso assim:
Meu céu aberto
És tu e mais ninguém, repara e lê
O teu amor está tão perto
Só um cego é que não vê.

Quem é, quem o diz por favor
Quem é, quem é o meu amor
Ai manjerico vê lá bem o que fizeste!...
Já perguntei aqui... ali
O bairro inteiro já corri
Tudo por culpa
Desta quadra que me deste

Quem é diz onde está
Quem é, quem é mas quem será
Hei de encontrar, ainda não perdi a fé
Eu sei que mora em São Vicente
Já perguntei a toda a gente
agora falta, somente é saber quem é !

Não sei o que dizer
a tudo isto
Porque alguém deve ter visto
Quem foi que o deixou ali...
Já andam pelo ar
Mas na boca dos vizinhos
A verdade não ouvi ...

Será que eu pensei
É quase certo
Mas se és, porque não diz!
Não sei porquê !
O teu amor está tão perto
Só um cego não vê.

Que é, quem é diz por favor
Quem é o meu amor
Ai manjerico vê lá bem o que fizeste!...
Já perguntei aqui... ali
O bairro inteiro já corri
Tudo por culpa
Desta quadra que me deste

Quem é, quem é diz onde está
Quem é, quem é mas quem será
Hei de encontrar, ainda não perdi a fé
Eu sei que mora em São Vicente
Já perguntei a toda a gente
Agora falta, somente é saber quem é!

 
Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

domingo, 22 de janeiro de 2023

Política de Conteúdo do Blog

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GP Feldman - editor

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 19

 

George Abrão (Almas gêmeas)


Mulheres e homens não foram criados para viver sós, pois Deus, quando os fez, determinou que um completasse o outro se tornando um só ser, e que se amariam e se amparariam por toda a vida. Só que, infelizmente, muitas vezes essa união não os completa, sempre faltando um algo mais, falta um elo na corrente que os une. E tornam-se infelizes, amargos e a cada vez mais sentem a necessidade de algo mais, de um amor verdadeiro. E então se separam e ficam sós, numa eterna busca de um amor que os complete, da sua alma gêmea.

Reza a lenda que as almas gêmeas se originaram de seres criados por Vênus e Eros, deuses da mitologia grega, e que esses seres tinham quatro braços, quatro pernas, duas cabeças, dois troncos distintos, um masculino e um feminino e uma só alma, convivendo em perfeita harmonia.

Diz ainda que essa perfeição provocou a fúria dos outros deuses que convenceram Zeus a enviar uma tempestade muito forte, com muitos trovões e raios sobre aquela civilização. Cada raio que caía atingia um dos seres, dividindo-os ao meio e separando a metade feminina da metade masculina. E muitos que ficaram sozinhos conseguiram sobreviver sem viver, sem ter paz, incompletos, pois já não conheciam a harmonia, a perfeição e o equilíbrio de antes.

E eis que um dia, de uma maneira muitas vezes inusitada e onde menos esperam, encontram a outra metade de suas almas, se completam, e sabem que esse amor durará até a eternidade.

Fonte:
Texto enviado pelo escritor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

Arthur de Azevedo (Pequetita)


Como o Bandeira é positivista e não admite a vacina, o Coriolano, que é sobrinho do Bandeira e dirigido por ele, não quis que a Pequetita se vacinasse. Quando D. Isaura, sua esposa, lhe falou nisso, foi como se lhe propusesse uma vergonha.

- Pois tu conheces as minhas ideias e me propões semelhante coisa? Vacinar a Pequetita? Que diria o tio Bandeira?

D. Isaura, que tinha muito bom senso, não costumava contrariar a vontade do marido: submetia-se resignadamente a quanto ele dizia. Por seu gosto a Pequetita se vacinaria; mas como o Coriolano era de opinião contrária, a Pequetita não seria vacinada. Ora aí está.

Mas veio a varíola, e o bairro em que morava o Coriolano foi o mais contagiado pela epidemia. O pobre-diabo via, aterrorizado, passarem todos os dias enterros de crianças da vizinhança, e tremia pela sorte da Pequetita.

Um dia em que o tio Bandeira lhe apareceu em casa, o Coriolano deu-lhe uma pequena investida em favor da vacinação, mas o positivista foi inflexível: lançou-lhe um olhar severo, pegou no chapéu e na bengala e disse:

- Se você me torna a falar em vacina, saio por aquela porta e nem o Teixeira Mendes será capaz de fazer com que eu aqui ponha mais os pés!...

- Bom, não se zangue, meu tio: já cá não está quem falou...

Entretanto, a epidemia aumentava cada vez mais, e o Coriolano, que andava inquieto e sobressaltado, um dia apanhou D. Isaura a jeito e fez-lhe ver os seus receios.

- Se não fosse o tio Bandeira.

- Mandarias vacinar a Pequetita?

- É exato.

- Entretanto, não te aconselho a que o faças sem lhe dizer francamente que tomaste essa resolução... Se lhe mentisses, ele não te perdoaria!

- O diabo! Se a Pequetita... Oh! Nem disso me quero lembrar! Eu teria remorso toda a vida!.

- Pois vai à casa do tio Bandeira, e diz-lhe com toda a hombridade que vais mandar vacinar a menina! Não és nenhuma criança, nem nenhum idiota que se deixe governar pelos outros!

- Tens razão.

O Coriolano foi à casa do tio Bandeira, e voltou amargurado, com lágrimas nos olhos e na voz.

- Então?... falaste-lhe?... - perguntou D. Isaura.

- Não.

- Por quê?

- Encontrei-o morto!

- Morto?!

- De varíola hemorrágica! Foi atacado anteontem e hoje ao meio-dia era cadáver! E eu sem saber de nada! Pobre do Bandeira!...

E o Coriolano desatou em pranto.

Quando serenou, disse a D. Isaura:

- Amanhã, pela manhã... hoje mesmo, ser for possível, vacina-se a Pequetita.

- Não é preciso.

- Por quê?

- Porque a Pequetita há dois meses que está vacinada.

- Há dois meses?!

- Sim! Desde que começou a epidemia!

- E nada me disseste!

- Para quê? Para te zangares? Se fiz mal, Deus me perdoará porque fui levada pelo meu instinto de mãe.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos. Domínio Público. Disponível na Biblioteca Virtual de Literatura.

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) X

Obs do blog: O primeiro verso e título de cada poema é do poeta colocado abaixo do título, com a página e livro onde se encontra.

Enerva-me esta chuva impertinente


(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 127)

Enerva-me esta chuva impertinente
Que tomba lá dos céus feitos de breu
E as gotas são o pranto que nasceu
De nuvens que tivessem dor de gente.

O vento ainda faz mais repelente
Cada pingo que o meu rosto ofendeu
Lágrima que do ar se desprendeu
Como um cristal da mágoa que alguém sente.

A chuva tudo alaga, tudo invade
Deixando o fino véu dessa umidade
Caído pelo chão, pênsil dos ramos.

E sobe uma revolta ao meu olhar;
Por que há de a Natureza assim chorar
Do modo como nós também choramos?
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Não darei um só passo onde me prenda

(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 101)

Não darei um só passo onde me prenda
O espectro de um amor que já passou
E o resto de um sorriso que raiou
Que fazem com que agora eu me arrependa.

Mas este coração não tem emenda
E sonha com o que ainda não achou
E de todos os gostos que provou
Elege o teu beijar de que faz lenda.

Procuro outros caminhos onde passe
Sem ver em cada rosto a tua face
Trazendo o que a teu lado eu já vivi.

É falsa a tentativa dos meus passos
Que lembrando o calor dos teus abraços
Simplesmente me levam para ti.
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Olha Daisy: quando eu morrer tu hás-de...

(Fernando Pessoa/Alvaro de Campos "Cem Sonetos Portugueses", p. 82)

Olha, Daisy: quando eu morrer tu pensas
Que fui ali, à esquina, ver tabaco
Que me escapei do lar, sem dar cavaco
Mas que voltarei já, sem mais detenças.

Vendo bem, não são muitas as diferenças
Entre a morte e uma queda num buraco
Da rua em que rasgamos o casaco
E o corpo sofre mais outras ofensas.

Insulta-me: "És canalha e mentiroso!!!
Seu traidor!!! És um traste e cão raivoso!!!
Até que enfim, me vi livre de ti!"

E não indo a saudade à tua porta
Quando a minha lembrança for já morta
Não vale a pena, então, ver que eu morri...
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O livro onde sepulte o meu sofrer

(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos" p. 93)

O livro onde sepulte a minha dor
Não o lavro com lágrimas de tinta
Pois com medo que invente ou que eu lhe minta
Não achará jamais qualquer leitor.

Seria, com certeza, um fraco autor
E a minha mão de inspiração faminta
Daria, em pouco tempo, por extinta
Essa obra sem ter um editor.

Guardo em pasta de capa dura e preta
Essas folhas que fecho na gaveta
Como os mais crus e tristes documentos.

Um dia, quando o livro estiver feito
Com a pena que usei rasgo o meu peito
E essas páginas rudes solto aos ventos.
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Vejo-te sempre em horas de saudade

(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 145)

Vejo-te sempre em horas de saudade
Quando em meu peito dói a tua ausência
Presente como eterna penitência
Que eu pague por te amar sem castidade.

Envolto sempre em rara claridade
Segreda o teu olhar a confidência
Em que naufraga, nua, esta inocência
No abraço que me traz à realidade.

Talhada em minha mente sempre vens
Livre e solta no tempo e te deténs
Trazendo à minha vida a doce paz.

Com enlevos eu te amo e te venero
E em meus dias o que eu anseio e quero
Sempre és tu quem o diz e quem o faz.

Fonte:
Sonetos enviados pelo poeta.
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.

O. Henry (Sacrifício de amor)


"Quando uma pessoa ama a Arte que pratica, sacrifício algum lhe parece exagerado".


É esta a nossa premissa. A presente história alcançará uma conclusão dela, demonstrando simultaneamente a falsidade da citada premissa. Constituirá uma nova experiência em lógica e na ciência da narrativa; algo um pouco mais antigo que a Muralha da China.

Joe Larrabee surgiu das pradarias do Middle West com uma pulsação de gênio da pintura. Aos seis anos, desenhou a bomba extintora de incêndios da povoação, juntamente com uma individualidade proeminente que a manejava com presteza. O seu "esforço" foi emoldurado e exibido na casa da botica local, ao lado de uma espiga invulgarmente desenvolvida. Aos vinte anos, partiu para Nova Iorque, com uma gravata em forma de laço flutuante e um capital limitado.

Délia Carruthers executava, na sua aldeia do Sul rodeada de pinheiros, coisas tão fantásticas com as oitavas, que a família decidiu reunir o dinheiro necessário para que a moça se deslocasse ao Norte, a fim de completar o curso. Não o conseguiu e... mas isto faz parte da nossa história.

Joe e Délia conheceram-se num estúdio onde costumavam juntar-se estudantes de música e arte, para trocar impressões sobre o claro-escuro, Wagner, composições famosas, obras de Rembrandt, quadros célebres, Waldteufel, Chopin e Oolong.

Joe e Délia apaixonaram-se um pelo outro - ou um e o outro, consoante as preferências do leitor - imediatamente e não tardaram em contrair matrimônio, porque (leia-se acima) "quando uma pessoa ama a Arte que pratica, sacrifício algum lhe parece exagerado".

O Senhor e Senhora Larrabee instalaram o seu lar num apartamento solitário, tão solitário na verdade como a extremidade no setor esquerdo de um teclado. Não obstante, eram felizes, porque tinham a sua Arte e um ao outro. (Aproveito a oportunidade para dar um conselho aos rapazes endinheirados: vendam o que possuem e deem aos pobres o que recolheram. Busquem o privilégio de viver num apartamento com a vossa Arte e a vossa Délia).

Todos os que morarem num apartamento concordarão comigo em que são particularmente ditosos. Se existe a felicidade num lar, este nunca parece demasiado pequeno. Não importa que os móveis deixem transparecer avançado estado de decomposição ou que exista acumulação de funções em determinadas dependências. O essencial é que, de entre o caos, se ergam as duas únicas figuras que interessam: ele e ela.

Joe pintava às ordens do poderoso Magister, cuja fama se torna desnecessário frisar. Cobrava tarifas elevadas por cada aula, que evidenciava a circunstância de ser extremamente breve, pormenor que contribuiu decisivamente para o celebrizar. Délia estudava com Rosenstock, possuidor de boa reputação como renovador da classe dos pianistas que assolava o país de leste a oeste.

Foram imensamente felizes, enquanto o dinheiro durou. Mas... não pretendo de modo algum ser cínico. Ambos tinham perfeitamente definida a sua ambição. Em pouco tempo, Joe produziria quadros tão admiráveis que os anciãos de bolsas nutridas formariam uma fila interminável à porta do seu estúdio para conseguir a ventura de os adquirir. Délia, por seu turno, achar-se-ia tão familiarizada com a música, que até se poderia sentir superior a ponto de, num futuro próximo, se não fossem vendidas todas as entradas para um seu recital, negar-se a atuar alegando laringite súbita e aguda e permanecendo numa sala de jantar privada, entregue aos prazeres de uma excelente lagosta preparada por um chefe expressamente chamado da França.

O melhor de tudo consistia, sem dúvida, na vida familiar no pequeno apartamento: as prolongadas e calorosas conversas após o trabalho cotidiano; as refeições íntimas, o café da manhã frugal e vaporoso; o intercâmbio de ambições - entrelaçando sempre as de um com as do outro, por resultar inadmissível outra coisa - a ajuda e inspiração mútuas e, perdoe-me o pormenor, as azeitonas recheadas e sanduíches de queijo, às onze da noite.

E, apesar disso, a Arte terminou por fraquejar o que se verifica com frequência, conquanto ninguém se possa considerar responsável do fato, sobretudo quando o termo "saída" se emprega com larga vantagem sobre "entrada" no movimento de fundos domésticos. O dinheiro extinguiu-se totalmente por fim, tornando-se impossível satisfazer os honorários do senhor Magister e de Herr Rosenstock. Mas evidentemente que "quando uma pessoa ama a Arte, sacrifício algum lhe parece exagerado". Por conseguinte, para que o essencial não faltasse, Délia resolveu dar lições de música.

Durante dois ou três dias não fez outra coisa senão procurar alunos. Certa noite, regressou a casa animadíssima.

- Consegui uma aluna, querido Joe! - exclamou alegremente. - Pertence a uma família estupenda. O general... digo, é filha do general A. B. Pinckney, que mora na Rua Setenta e um, numa casa positivamente maravilhosa. Só queria que visse a entrada suntuosa, em estilo bizantino, se não me engano. A pequena chama-se Clementina, e confesso que já lhe criei afeto. Veste sempre de branco e parece muito simples. Tem apenas 18 anos. Vou dar-lhe três aulas por semana e... prepara-te para o melhor... pagam-me à razão de cinco dólares! Não me importo de o fazer porque, assim que arranjar mais um ou dois alunos, poderei estudar de novo com Rosenstock. E agora, deixa de franzir o sobrolho e saboreemos um jantar agradável.

- Tudo isso está muito bem para ti, Délia - replicou Joe, atacando uma lata de conservas com uma faca velha e um martelo. - Mas, e eu? Pensas que permitirei que trabalhes e ganhes dinheiro, enquanto vegeto nas regiões da Arte? Pelas ossadas de Benvenutto Cellini! Garanto-te que não concordo. Resta-me sempre ir vender jornais ou trabalhar como pedreiro para ganhar uns cobres.

A moça aproximou-se dele e abraçou-o, murmurando:

- És um pateta. Na realidade, não abandonei a minha carreira para me dedicar a outra ocupação. Continuarei ligada a ela, porque ensinando também aprendo. E, com quinze dólares semanais, viveremos como milionários sem que tenhas de abandonar as aulas do senhor Magister.

- Está bem - transigiu Joe, enquanto ia buscar a travessa azul para a salada. - Em todo o caso, quero lavrar o meu protesto por te moveres por aí a dares aulas. Isso não é Arte. No entanto... considero-te maravilhosa e adoro-te pelo que acabas de fazer.

- Quando uma pessoa ama a Arte que pratica, sacrifício algum lhe parece exagerado - frisou ela.

- Magister enalteceu o realismo das cores que empreguei naquele quadro que representa o parque - volveu Joe - e Tinkle autorizou-me a expor duas telas na sua vitrine. Agora, só é preciso que um milionário excêntrico repare nelas.

- Tenho a certeza absoluta de que as venderás. E agora, agradeçamos à Providência o fato de ainda existirem pessoas como o general Pinckney... e esta vitela assada.

Durante a semana imediata, os Larrabee tomaram o café da manhã muito cedo. Joe parecia entusiasmado com o esboço de "efeitos matinais" em que trabalhava no Parque Central. Délia animava-o, beijava-o e despedia-se dele às sete, porque a Arte é uma amante exigente. Muitas vezes, ele só regressava às sete da tarde. No final da semana, Délia, docemente orgulhosa, conquanto fatigada, depositou sobre a mesa, com um gesto triunfante, três notas de cinco dólares.

- Há ocasiões em que Clementina chega a impacientar-me - confessou de modo algo precipitado. - Desconfio que estuda pouco, e vejo-me obrigada a repetir-lhe as mesmas coisas com insistência. Além disso, como veste sempre de branco, o cenário resulta deveras monótono. O general Pinckney é, pelo contrário, um ancião encantador. Gostava que o conhecesses, Joe.

Por vezes, quando Clementina e eu estamos sentadas ao piano, entra e permanece de pé junto de nós, acariciando as barbas brancas. "Como vão essas semicolcheias e semifusas?", costuma perguntar. A propósito: cheguei a dizer-te que é viúvo? Tenho pena que não possas admirar os belos objetos existentes no salão. E os cortinados? Simplesmente deslumbrantes. Mas, voltando à Clementina, acho-a curiosamente pálida e a sua tosse não me agrada. Oxalá a saúde não seja tão débil como parece. Creio que começo a estimá-la demasiado. Mostra-se tão amável e distinta! Sabias que o irmão do general foi embaixador na Bolívia?

Nesse momento, e com ares de um novo Conde Monte Cristo, Joe extraiu várias notas de banco do bolso, de dez, cinco, dois e um dólar, e colocou-as ao lado dos proventos de Délia.

- Vendi a aquarela do obelisco a um tipo de Peoria. - anunciou com ares importantes.

- Não me digas! E nada menos que de Peoria.

- Exatamente. É um fulano rechonchudo, que usa cachecol de lã e tem um palito entre os dentes permanentemente. Viu o quadro na vitrina de Tinkle, e a princípio pensou que se tratava de um moinho de vento, mas disfarçou bem quando o elucidei. Acabou por adquiri-lo e encomendou-me outro. - Joe fez uma pausa. - Lições de música! Enfim, espero que não se possam considerar totalmente divorciadas da Arte.

- Não imaginas como me alegro, querido! - bradou ela, com genuína satisfação. - Tenho a certeza absoluta de que triunfarás. Trinta e três dólares!... Nunca dispusemos de tanto dinheiro para gastar. Esta noite, haverá ostras para o jantar.

- E filet mignon com champignons - acrescentou Joe. - Onde esta a lata das azeitonas recheadas?

Na noite de sábado seguinte, ele chegou a casa antes de Délia. Colocou em cima da mesa dezoito dólares e foi lavar as mãos, que tinha cobertas de uma substância escura semelhante a pintura. Meia hora mais tarde, ela entrou com a mão direita envolta em ataduras.

- Que aconteceu? - quis saber Joe, após as manifestações extremosas de praxe.

Délia pôs-se a rir, porém a hilaridade soava falso.

- Clementina insistiu em que comesse um sanduíche de queijo quente, depois da lição. Imagina: sanduíches de queijo quente às cinco da tarde! Se alguma vez se viu... O general também estava presente. Gostava que o observasses preparando o fogão elétrico, como se não houvesse um regimento de criados em casa. Agora, já não duvido da saúde frágil da moça. Mostra-se sempre nervosa e a tosse não a larga. Quando servia os sanduíches, deixou cair um pouco de queijo derretido na minha mão. Senti uma dor agudíssima e fiquei queimada. O general achava-se positivamente alarmado. Pôs-se fora de si, correu pela escada abaixo e mandou alguém à farmácia para comprar pomada para as queimaduras e um rolo de ataduras. Agora já não dói tanto.

- E isso o que é? - quis saber ele com ternura. Pegando na mão dela e indicando uma compressa branca que emergia da atadura.

- Um pedaço de algodão embebido em óleo próprio para as queimaduras. - Délia desviou os olhos para a mesa. - Vendeste outro quadro?

- Ao mesmo tipo de Peoria. E parece decidido a adquirir aquele que tenho quase concluído. Que horas eram quando te queimaste?

- Por volta das cinco. O ferro... digo, o queijo saia do fogo precisamente nesse momento e eu... Cada vez que me lembro da contrariedade do coronel...

- Senta-te, querida. - Joe arrastou-a para o sofá, instalou-se a seu lado e perguntou, abraçando-a: - Que fizeste na realidade durante as duas últimas semanas?

Ela sustentou o olhar do marido por uns segundos, murmurou umas frases vagas relativas ao general Pinckney e acabou por inclinar a cabeça e soluçar, enquanto confessava a verdade.

- Não encontrava alunos e não podia suportar a ideia de que abandonasses as aulas. Coloquei-me como engomadeira de camisas naquela importante lavanderia da Rua Vinte e Quatro. No entanto, deves reconhecer que a invenção do general Pinckney e Clementina foi genial. Esta tarde, quando uma companheira de trabalho deixou cair o ferro quente em cima da minha mão, tive de desenvolver esforços enormes para arquitetar o episódio do sanduíche de queijo. Fui alinhavando os pormenores a caminho de casa. Ficaste zangado comigo, Joe? Se não me empregasse, não vendias os quadros ao homem de Peoria.

- Na verdade, não é de Peoria - declarou ele, pausadamente.

- Que importa isso? O essencial é que possuis talento, querido. Beija-me e explica-me como suspeitaste de que não dava lições de piano?

- Só desconfiei quando há pouco te vi entrar. E não adivinharia a verdade... se não fosse eu mesmo que embebi essa compressa em óleo, na sala das máquinas, perto das caldeiras, e a enviei ao andar de cima para uma empregada que acabava de queimar a mão com um ferro de engomar. Devo confessar que sou, há duas semanas, o responsável pelo funcionamento das caldeiras da tua lavanderia.

- Nesse caso, não?...

- O cliente de Peoria e o general Pinckney são produtos da mesma arte -afirmou Joe. - Uma arte que não engloba positivamente a pintura nem a música.

Após uma pausa, puseram-se a rir, divertidos.

- Quando uma pessoa ama a Arte que pratica, sacrifício algum... - começou ele.

Todavia, Délia interrompeu-o, cobrindo-lhe os lábios com a mão.

- Nada disso. Diz apenas: quando se ama...

Fonte:
O. Henry. Publicado originalmente no livro “The Four Million”, em 1906. Disponível no Projeto Gutenberg https://www.gutenberg.org/ebooks/author/634