segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Christopher Taylor, PhD (Como Escrever uma História Comovente) – 2

Escrevendo a sua história

1. Sinta-se confortável para escrever.

Muitas vezes você não sabe como ficar confortável para escrever até se sentar e começar, de fato, a escrever. Pode ser que uma caneta e um papel funcionem  melhor para você, ou digitar em um computador seja mais a sua praia.

Você também pode acabar descobrindo que um quarto particular na sua casa, sentar-se na varanda ou trabalhar em um café pode ser melhor para a sua criatividade. Algumas pesquisas indicam que nossa escrita melhora quando feita à mão, pois, por essa ser mais devagar, temos mais tempo para pensar à medida que escrevemos.

2. Não dê muita atenção aos detalhes.

Resista à tentação de nomear personagens, lugares e até mesmo o título da história, pelo menos no início. Às vezes, ao escrever, as pessoas gastam tempo demais decidindo nomes, em vez de dar mais atenção à caracterização das personagens, aos detalhes da trama e a outros elementos vitais.

Você pode (e deve) revisar a sua história depois e nomear as personagens. Embora você já conheça bem as suas personagens a essa altura – depois de tê-las imaginado, escrito observações sobre elas e mapeado suas posições na história - não se preocupe em detalhes como nomes por agora. Nessa etapa, o mais importante é a essência da trama, ou seja, garantir que você esteja se concentrando em escrever uma história envolvente e comovente, e não uma trama clichê e sem sal.

3. Crie conexões emocionais.

O que torna as histórias comoventes poderosas é o fato do leitor poder se conectar e se identificar emocionalmente com o enredo, com as personagens, com o contexto e as nuances. Essa conexão emocional é normalmente baseada em algo bastante simples, como compaixão ou amor, então lembre-se de não exagerar na complicação e no sentimentalismo da sua história.

Por exemplo, a maioria dos leitores não vai se conectar emocionalmente com uma protagonista que tenha experiências incomuns (como ser forçada a guiar um trem carregado de dinamite enquanto tenta salvar a pessoa amada).

Esqueça os excessos, deixe as personagens e o andamento da narrativa brilharem por conta própria.

4. Evite ser excessivamente sentimental.

É possível escrever uma história profundamente comovente que cative os seus leitores sem ser excessivamente sentimental. De fato, você deve evitar sentimentalismo, reconhecendo, em vez disso, que pode transmitir pensamentos, emoções, dificuldades e experiências sem ser exacerbadamente emotivo. Não é preciso evitar as emoções na sua história, basta evitar excessos.

Você pode contar ao seu leitor de forma bastante direta o que uma personagem está sentindo: basta escrevê-lo. 

Por exemplo, “Pedro sentia-se ansioso parado no jardim em frente à casa, encarando a porta que ele não via há 27 anos.”

Ou você pode dizer isso de forma mais indireta, ao usar um adjetivo para descrever uma pessoa ou um objeto (um substantivo), que diz ao leitor os sentimentos da personagem em relação ao objeto, expondo em um lampejo indireto como ela se sente. 

Por exemplo, “Cláudia abriu caminho na rua lotada, na esperança de conseguir encontrar Samanta antes que a sua horrível chefe a fizesse voltar ao trabalho.”

5. Não seja melodramático.

Lembre-se: você quer que os seus leitores se identifiquem, se conectem e se envolvam emocionalmente com a sua história, então conduza bem e dê sentido ao seu enredo, às ações e às personagens, para que você não acabe escrevendo uma história melodramática ou sensacionalista.

Em uma história comovente, menos é mais. Soe verossímil e realista e será mais fácil de se identificar com a trama.

Uma personagem pode ter um pai doente e não ter condições financeiras de tomar conta dele, o que é uma situação verossímil e algumas pessoas podem se identificar com a circunstância.

Mas seria melodramático dizer que a personagem também tem um filho doente, um cachorro perdido e foi demitida.

Com qual aspecto comovente da sua história você acha que os leitores podem se conectar?

6. Lembre-se das técnicas para escrever uma história comovente.

Você vai usar estilo, tons e vocabulário para manipular a sua escrita, de forma que a sua história soe tocante, autêntica e verossímil. Leve em consideração também se a sua audiência ou o meio de publicação da sua história vai afetar as suas técnicas de escrita. Seu tom, estilo e até mesmo as suas escolhas de palavras serão diferentes dependendo de quem será o seu público-alvo.

Suas escolhas de palavras vão impactar o ânimo, o tom e as ações da sua história e determinar como o leitor vai reagir à sua trama.

Se quer adotar um tom mais positivo, por exemplo, você pode descrever a personagem protagonista como modesta, grata, alegre ou benevolente.

Por outro lado, é possível descrever os sentimentos frenéticos, de terror e desespero da sua protagonista enquanto ela procura por seu velho cão labrador na floresta.

7. Crie personagens simpáticas.

Leitores se conectam emocionalmente com personagens simpáticas, o que torna fácil gostar delas e se identificar com as mesmas, ambos efeitos essenciais para uma história comovente. 

Assim como antes, lembre-se que, aqui, menos é mais. Não sobrecarregue o leitor com traços excessivos da personalidade das personagens; em vez disso, seja criterioso ao descrevê-las, dando mais significado àquilo que mais importa.

Normalmente, uma personagem simpática vai enfrentar um obstáculo, ou perseguir uma causa nobre, uma paixão ou um amor. Esses aspectos humanizam as suas personagens e dão ao leitor um motivo para torcer por elas.

8. Tenha consciência do envolvimento emocional.

Você quer que o leitor sinta o que está acontecendo em sua obra, e você atingirá isso se der vida às suas personagens e contar uma história verossímil. 

Outro truque é tornar a sua história emocionalmente envolvente, o que ajuda seus leitores a sentir o que sentem as personagens. Em vez de contar ao leitor como se sente a sua personagem, relate ocasionalmente como a personagem reage a uma situação. Que coisas ela faz devido ao que ela está sentindo?

Por exemplo, em vez de dizer, “José ficou devastado quando soube que Ana havia se casado com Saulo na sua ausência,” relate ao leitor o que José fez. “José afundou sua cara no travesseiro e gritou depois que soube que Ana havia se casado com Saulo enquanto ele estava fora da cidade. Ele chorou e gritou no travesseiro até exaurir suas forças, finalmente caindo num sono perturbado e inquieto.”

9. Escreva agora e deixe para editar depois.

Escreva uma primeira versão ciente de que ainda precisará trabalhar muito no texto depois. Consulte o mapa da sua história frequentemente à medida que escreve, mas ainda não se preocupe com a edição. Dedique o seu tempo e a sua energia criando esse primeiro rascunho da sua trama, concentrando-se em desenvolver o enredo e as personagens. A edição é outra etapa no processo de escrita.

10. Lembre-se das histórias de fundo.

Histórias de fundo nunca são demais, mesmo aquelas sobre as personagens menos importantes. Autores como Shakespeare, Charles Dickens, Tolkien e J.K. Rowling sempre prestaram atenção às histórias secundárias e à caracterização, até mesmo dos coadjuvantes.

Lembre-se, porém, de não sobrecarregar o leitor com histórias de fundo demais de uma vez só. Pode ser necessário espalhar por vários capítulos as partes das histórias secundárias para que essas não afetem a fluidez do enredo.

Caso esteja escrevendo uma história mais curta, pode ser que você não tenha espaço suficiente para relatar histórias de fundo. Nesse caso, escolha os detalhes mais importantes que vão ajudar o leitor a se envolver emocionalmente com as personagens e a trama.
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Continua… Revisando e publicando a sua história
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 22

 

Aparecido Raimundo de Souza (Nossa Intimidade)

QUANDO VENHO de fora e me deito com você em nossa cama, sinto que algo de bom dentro de mim parece renascer com mais vigor e esperança, robustez e dinamismo. Seu abraço me sufoca, me asfixia, e, no calor ardoroso e intenso de seu corpo, me transporto para um sonho que muitos anos me custou realizar. Da mesma forma, quando lhe procuro para matar o meu desejo de homem, você se entrega impetuosa e inflamada, exaltada e impulsiva, como uma deusa prometida. Na verdade, seu “eu” se abre por inteiro num ímpeto angelical e puro, tipo um arroubo que na verdade, não teria palavras nem capacidade para sequer tentar descrevê-lo.

Mesmo que nessa hora pudesse buscar a luz incandescente das estrelas, o perfume hipnótico e inebriante da noite ou o silêncio misterioso e resguardado das horas, ainda assim, não conseguiria transpor para o papel a sutileza, a galanteria, a finura, ou a rima poética e candente do seu amor e o que ele, como um todo representa dentro do amor do amor da minha vida. Com você, me satisfaço interiormente, me encho, me transbordo, me realizo, me alinho, me regozijo, me concretizo e me abandono. Enfim, me basto. Depois da posse, cansada, fatigada, esbaforida e ofegante, seu calor em pingos, seu suor, seu esforço, seu estertor e efervescência, vêm se deitar em meus braços, e, como um ser divinizado, imergida em mansa quietude, ficamos a ouvir o bater de nossos corações.

Horas depois, o sono se aproxima de mansinho e nos vence. Nos flagra desprevenidos, imprevidentes, desajuizados, despidos... e como num passe de mágica adormecemos embalados pelo acalanto calmo da noite amena e sorrateira. Bem cedo, ainda não manhã, envergonhada, você se levanta e procura ocultar os seus pudores do meu olhar malicioso. A passos não ensaiados, você foge ligeira se metendo, meio sem jeito, numa camisola transparente jogada ao lado da cama. Nela você se sente dona da situação, protegida, escondida, recatada, tímida, como se na realidade, aquele fino pano de nylon representasse, para mim, ou para minhas mãos, algo intransponível e invencível...

Talvez, para você (às vezes penso com meus porquês) eu não tenha sido aquele homem que na adolescência povoou seus caminhos de menina moça, ou que lhe encheu os olhos de promessas e o porvir de um amor que parecia impossível, invencível, longe de acontecer. Fico imaginando, lado idêntico, que roubei de você o instante mágico, ou talvez, o mais sublime de sua existência, qual seja, o de vê-la, ou de fazê-la feliz, ao lado de alguém mais abastado, que pudesse lhe dar melhores dias e proporcionar ao seu futuro uma realidade que realmente tivesse tudo aquilo que, de fato, eu não lhe pude dar. Contudo, apesar de carregar essa mágoa dentro de mim, me resta uma última e derradeira esperança. 

E creia, minha princesa, é nessa esperança que me agarro de unhas e dentes (como um náufrago à tábua de salvação) para tentar fazer de você a mulher mais feliz na face da terra. Quero ver seus olhos banhados sempre pelo sorriso da felicidade e o seu sorriso alegre ao se encontrar com a minha solidão. Em você, no seu mais íntimo, na sua vida, no seu hoje-agora, me perco, me esqueço, me confundo como menino sem mãe, abandonado pela vida ao sofrimento das calçadas descalças de aconchegos e carinhos. Em você... e somente no agasalho do seu refúgio, consigo encontrar guarida, asilo, amparo, proteção para me esconder do mundo mau que parece querer me sufocar um grito lancinante dentro da garganta. 

Com você, minha querida, com você eu perco a noção do tempo. Esqueço as coisas do mundo, me desligo das pessoas, me desamarro de mim mesmo... ao seu lado, pareço estar numa concepção de existência divina, onde a vida só consegue descortinar diante de meus olhos o seu lado bom, a sua banda humana e o flanco real. Ao seu lado, o sofrimento e a dor não existem. Simplesmente deixam de ser fatos baldios e precisados de maiores cuidados. Como diria o poeta: — "Nosso futuro começou ontem... nosso amor se fez nas asas de um pássaro ligeiro. Voou para um agora insuperável que não vai terminar jamais". E eu creio, não vai.

NÃO VAI TERMINAR JAMAIS...

NÃO VAI TERMINAR...

NÃO VAI...

NÃO...

J... A... M... A... I... S!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 11 -

AFETOS DE MENINO

Em todas vezes que eu vivi... eu fui criança...
sobrevivi... e sobrevivo... até então,
do mesmo amor que reconstrói meu coração,
quando ele teima em se perder da esperança.

Lembranças boas são saudades... a constância
que me desvia da aspereza desse mundo
o faz com que eu voe na ternura de um segundo
para bem longe da mentira e da arrogância.

Ingenuidade, inocência, sonhos, risos
afetuosos para quem sequer merece
são minhas marcas indeléveis... pueris...

... e embora diante dos que não mostrem seus guizos...
sempre propenso a crer no amor que me apetece,
construo afetos... de menino... e sou feliz.
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CARICATURARTE

Perdoa, amigo, mas... enquanto eu me voltava
para os encantos que movem a poesia,
não reparei o teu olhar que captava
alguns detalhes da minha fisionomia:

Nariz adunco, riso sério... um violão,
olhos puxados, uma boina italiana,
camisa simples, velha barba... um bigodão...
Como Camões, fui muito além da Taprobana.

Fiquei, confesso, tão feliz, pus na moldura
A tua arte espontânea, amiga e pura,
Para que todos possam ver que a amizade

Pode mostrar, numa bela caricatura,
O quanto a vida que às vezes é tão dura,
Faz da ternura, a luz da fraternidade
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DOCE FANTASIA

Quando toco tuas mãos... que não mais vejo
... e as beijo com meu pranto mais sentido,
Meu olhar... que sempre foi tão colorido,
Redescobre o quanto é vão o meu desejo.

Entretanto, cada lágrima vertida
Dá mais vida ao meu jardim de abstrações
E, assim, cultivo flores e emoções,
Celebrando a minha dor mais... colorida.

Não te foste e nem te vais... eu te eternizo...
Sem aviso tu retornas quando queres
E eu apenas te recebo no impreciso,

Tomo um drinque... um brinde à tua companhia!
... volta sempre, meu amor, quando puderes
Despertar minha mais doce fantasia.
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EU TE DIRIA TANTO...

São tantas as palavras que eu diria...
poesia não se faz sem que ela diga
o que o encantamento fantasia,
e eu te diria tanto... minha amiga.

O amor nasce da dor... que ironia...
mas ele tem o dom da eternidade,
amar é celebrar a alegria...
... lembrar com alegria é ter saudade.

Não posso te abraçar fisicamente...
abraço a solidão e não reclamo,
porque, quando a saudade está presente

até a minha dor torna-se escassa
e então volto a sonhar e, enfim, te amo
e a dor brinca de amar... mas logo passa.
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GRÃOS

A palavra tem o poder da semente,
Que às vezes não tem outra alternativa
A não ser tornar-se forte e resistente,
Para que seu conteúdo sobreviva.

Vejo plantas, que já foram frágeis grãos,
Germinarem, comprovando as escrituras,
Procurando esgueirar-se pelos vãos
Do concreto, sem nem ter semeadura...

Solos férteis são corações preparados
Para o fado de abrigar tantas sementes...
Quando os caules já não são fragilizados,

Às raízes se espalham pelo chão...
É assim com as palavras envolventes
Que alicerçam-se, criando novos grãos.

Fonte:
Luiz Poeta. Nuvens de versos. Campo Mourão/PR: Ed. J. Feldman, 2020.

Jaqueline Machado (Tapete de rosas)

ALGUÉM DISSE-ME: - Moça, o teu tapete de rosas está pronto. Pode caminhar... 

Achei isso tão bonito, olhei para o infinito e agradeci. Sorri a sonhar... 

Finalmente, pensei. A espera foi longa. Durou o tempo de uma eternidade. Chega de saudade do que ainda nem pude tocar... 

Consegui me erguer. Agora vou florescer, e sobre a maciez desse tapete, elegantemente desfilar. Poetizar. 

O tapete é de pétalas vermelhas. Da cor da paixão que sinto em acordar, respirar, existir... Pois o meu jeito de amar é assim, intenso. Imenso feito o mar que em mim habita. 

Apesar da intensidade que resume todo o meu inquietante ser, meus pés tocarão as pétalas com cuidado... Quase sem querer... 

Não quero ressecá-las. Nem delas roubar o perfume. Vermelho é ciúme, mas eu sou o amor ao luar... 

Achei minha passarela. E a quem busco, vai assistir o meu desfilar e vir até mim, sem que eu precise chamar. 

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Christopher Taylor (Como Escrever uma História Comovente) – 1

Histórias comoventes são bastante populares pois permitem ao leitor experimentar sentimentos e situações que este normalmente não viveria em seu cotidiano. O leitor se identifica com o relato mesmo que jamais tenha vivido as circunstâncias descritas. Há alguns elementos-chave necessários para tornar uma história bem escrita e verdadeiramente comovente, sem que essa soe excessivamente melodramática. Embora possa parecer difícil escrever uma história comovente no início, quanto mais você pratica, mais você desenvolve o seu repertório e mais fácil fica escrevê-las.

Planejando a sua história

1. Tente se lembrar de histórias que você já leu.

Ao planejar a sua própria narrativa, pode ser de grande ajuda pensar em outras histórias lidas, lembrando do que você gostou e do que você não gostou nelas, e o que você teria escrito de forma diferente. 

Sem copiar outros autores, você pode escolher elementos específicos de várias histórias diferentes para ajudar a criar o seu próprio relato.

Talvez você goste de histórias que tenham muitos diálogos e gostaria de incorporar essa característica à sua obra. Ou, talvez, você não goste muito de longas descrições e prefira escrever descrições mais curtas.

Pode ser que você realmente goste de ler histórias comoventes nas quais o amor prevalece. Essa é uma maravilhosa reflexão, já que dá a você uma possível ideia inicial para escrever a sua própria história comovente.

2. Escreva uma história com que os leitores possam se identificar.

Uma característica envolvente de uma boa história é que leitores podem sentir e imaginar o que se passa pela cabeça das personagens; você deve, então, pensar em situações com as quais muitas pessoas possam se identificar.

Isso ajuda a garantir que o máximo número de leitores vá imergir, de fato, na sua comovente narrativa. 

Seja criativo e não escreva histórias muito comuns, já que ninguém aguenta ficar lendo variações de uma história muito parecida com outras já lidas. Alguns exemplos incluem:

– O falecimento de alguém amado ou de um animal de estimação;
– Situações relacionadas a casamento;
– Uma grande mudança; 
– Encontrando o amor;
– Perdão;
– Indo para a universidade;
– Começando um novo emprego;
– Iniciando uma jornada de autoconhecimento;
– Um gesto bonito respondido com outra gentileza.

3. Desenvolva as personagens.

As personagens mais importantes são a protagonista (“herói”) e a antagonista (“vilão”). No entanto, é bom adicionar alguns coadjuvantes à trama, do contrário sua história não será tão interessante.

Quando estiver criando as personagens, escreva pelo menos uma história de fundo para cada uma delas. Mesmo que você não as insira na sua obra, é bom tê-las em mente para que as suas personagens sempre ajam de acordo com as suas histórias pessoais e personalidades.

Descubra qual papel cada personagem tem na sua trama.

Ter um caderno exclusivo para o desenvolvimento das personagens, no qual você faz anotações sobre elas e dedica uma página para cada uma delas pode ser uma boa opção. Você não precisa usar todas as notas e observações sobre as personagens na sua história. É sempre melhor sobrar detalhes do que faltar, já que você pode sempre revisar e cortar partes do
texto depois.

É a partir daqui que você começa a dar vida às suas personagens.

Imagine a protagonista da sua história. Ela vem de uma cidade pequena? Como ela foi parar em uma cidade grande? Onde ela conheceu o amor da sua vida, com quem ela se conectará mais à frente na história? Qual é a banda favorita dela? Sua comida preferida, seu autor favorito?

4. Mapeie a sua história comovente.

Muitos autores iniciantes querem pular de cabeça e começar a escrever; no entanto, é melhor planejar um pouco antes de começar. Criar um esboço das personagens, histórias de fundo, conflitos e cenários ajuda a garantir que a história seja consistente e que o enredo faça sentido. Isso também permite que você preencha as falhas ou lacunas na sua história e faça mudanças quando necessário.

Talvez o exemplo mais famoso de planejamento de uma história seja a tabela criada por J.K. Rowling para a série de livros de Harry Potter. Observe como ela presta atenção nos detalhes, planejando as ações para cada mês da história, assim como os enredos e subenredos. Tudo é pensado e planejado por ela em sua folha escrita à mão.

Você deve consultar as páginas sobre a sua personagem enquanto escreve o enredo para manter a consistência.

5. Desenvolva o contexto da sua história.

O contexto de uma história essencial, é comovente funcionando como mais do que um mero pano de fundo. Em boas histórias, as personagens interagem com o cenário, e o contexto pode, às vezes, oferecer um tipo de movimento que faz a sua história fluir melhor. Os contextos podem ser uma maneira de fazer o leitor se identificar com a história, tornando-a ainda mais robusta.

Pense no lugar em que a história se desenrolará. Imagine a casa, a loja, a escola, a cidade, o estado, o país, e escreva os detalhes sobre esses lugares no seu caderno. Pense também na época em que a história se desenrolará. Determine em que parte do ano sua história vai acontecer. Por acaso ela vai se passar durante um feriado?

Você imagina a trama se desenrolando em apenas um lugar, como num cais, com as pessoas acenando adeus às outras nas embarcações? Ou você vê a sua história englobando tanto o nascer do sol quanto o pôr do sol, tanto no cais quanto numa partida de futebol do colegial?

6. Escolha o seu ponto de vista.

O ponto de vista também é importante para uma história comovente, já que você quer que os leitores simpatizem com as personagens. Você deseja contar a sua trama do ponto de vista de uma personagem em especial para que os leitores se foquem principalmente nela, ou prefere narrar em terceira pessoa para que o leitor preste atenção igualmente em todas as suas personagens?

A primeira pessoa é útil quando você quer dar aos seus leitores acesso aos pensamentos íntimos, sentimentos, reações e histórias da personagem, à medida que ela vai vivenciando o enredo. Essa perspectiva interior é útil porque os leitores se engajam mais com a personagem central.

Por outro lado, se você usa um narrador na terceira pessoa -– mais distante e que relata a história aos leitores -- é possível descrever mais personagens, porém com menos profundidade emocional. Você também pode usar o discurso indireto livre, que permite aos leitores um acesso parcial aos pensamentos de uma personagem mesmo mantendo um narrador na terceira pessoa.
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Continua… Escrevendo a sua história
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Vanda Fagundes Queiroz (Trovando) “01”

 

Irmãos Grimm (O ouriço do mar)


Era uma vez uma princesa que tinha, no último andar do seu palácio, um salão com doze janelas que davam para todos os pontos do horizonte e de onde podia enxergar todo o seu reino. Da primeira janela via tudo melhor que qualquer outra pessoa; da segunda, com mais nitidez ainda e, assim por diante, em crescente perfeição, até à duodécima, de onde não lhe escapava nada de quanto havia em seus domínios, na superfície ou embaixo da terra. 

Como fosse muito orgulhosa e não quisesse submeter-se a ninguém, desejava conservar para si todo o poder. Mandou apregoar que só casaria com o homem capaz de ocultar-se de tal maneira que ela não o pudesse descobrir. Aquele, porém, que se arriscasse à prova e perdesse, seria decapitado e sua cabeça cravada num poste. O resultado disso é que à frente do palácio já havia noventa e sete postes com outras tantas cabeças neles espetadas. 

Passou-se, então, muito tempo, sem que aparecessem mais pretendentes. A princesa sentia-se satisfeita e pensava: " Agora estarei livre toda a minha vida."

Acontece, no entanto, que surgiram três irmãos dispostos a fazer a experiência. O mais velho acreditava estar seguro metendo-se num poço de cal, mas a princesa o descobriu, já da primeira janela, e ordenou que o tirassem do esconderijo e o degolassem. O segundo escondeu-se no porão do palácio, mas também foi descoberto através da mesma janela e sua cabeça foi parar no poste número noventa e nove. Apresentou-se, então, o mais moço ante a princesa e pediu que lhe concedesse um dia para pensar e mais a graça de repetir a prova por três vezes. Caso fracassasse na terceira, renunciaria à vida. Como era um jovem muito bonito e soube pedir de modo amável, disse-lhe a princesa:

- Bem! Concedo o que me pedes, mas previno-te de que não terás sorte.

No dia seguinte o rapaz pôs-se a pensar num lugar onde esconder-se, mas foi inútil. Sem chegar a uma conclusão, apanhou a espingarda e saiu à caça. Ao ver um corvo, apontou-lhe a arma. No momento, porém, em que ia atirar, a ave gritou:

- Não atires! Eu saberei recompensar-te.

O jovem baixou a espingarda e continuou a andar. Chegou à margem de um lago, onde surpreendeu um peixe grande que subira do fundo à superfície da água. Apontava-lhe a arma quando o peixe exclamou:

- Não dispares! Eu saberei recompensar-te.

O rapaz permitiu que o peixe mergulhasse de novo e continuou seu caminho até que encontrou uma raposa , a qual caminhava rengueando. Disparou a  arma contra ela, mas errou o tiro. O animal, então, lhe disse:

- É melhor que tires o espinho que tenho no pé.

O rapaz atendeu-a, mas depois quis matá-la para tirar-lhe a pele. A raposinha, porém, implorou:

- Solta-me e eu te recompensarei!

Compadecido, o jovem devolveu-lhe a liberdade , como já anoitecia, regressou à sua casa.

No dia seguinte deveria esconder-se, mas por muito que se esforçasse para descobrir um bom lugar, nada encontrou. Foi, então, ao bosque à procura do corvo e lhe disse:

-  Poupei-te a vida; dize-me, agora, onde devo esconder-me para a princesa não me descubra.

O corvo baixou a cabeça e ficou pensativo, por algum tempo. Depois grasnou:

- Já sei!

Trouxe um ovo do seu ninho, partiu-o em duas metades e meteu o rapaz dentro. Em seguida voltou a unir as partes e sentou-se em cima.

Quando a princesa chegou à primeira janela, não pode descobri-lo, e tampouco nas seguintes. Já estava começando a preocupar-se quando, afinal, o avistou da undécima janela. Mandou matar o corvo com um tiro, trazer o ovo e quebrá-lo. O rapaz teve, então, de sair do seu esconderijo.

- Desta vez perdoo-o, mas se amanhã não fizeres melhor, estarás perdido.

No dia seguinte o jovem foi até a margem do lago chamando o peixe, lhe disse:

- Poupei a tua vida; agora, dizer-me onde devo me ocultar para que a princesa não me descubra.

O peixe pensou um pouco e falou:
    
- Já sei!

Disto isto, engoliu o jovem e depois baixou ao fundo do lago.

A princesa olhou pelas janelas sem poder descobri-lo e, mesmo na undécima não o avistou. Já estava desanimada quando, ao olhar pela última janela, conseguiu localizá-lo. Mandou pegar o peixe e matá-lo. Quando o abriram, o jovem saiu de seu ventre. Não é difícil imaginar como ele se sentiu naquele momento. Disse-lhe a princesa:

- Pela segunda vez te pouparei a vida, mas não resta dúvida que a tua cabeça irá parar no poste número cem.

No último dia o rapaz saiu para o campo, com o coração cheio de tristeza e ali encontrou a raposa.

- Tu que conheces todos os esconderijos, - disse-lhe ele, - indica-me, já que te poupei a vida, onde devo ocultar-me para  que a princesa não me encontre.

- É difícil, - respondeu a raposa com ar pensativo. Depois exclamou:

- Já sei!

Foi com ele a uma fonte, onde ela se banhou e, quando saiu das águas, tinha a figura de um mercador. Depois o rapaz teve de banhar-se, também e reapareceu transformado em ouriço do mar. 

O comerciante foi à cidade onde exibiu o gracioso animalzinho e muita gente reuniu-se para vê-lo. Até a princesa apareceu e, encantada com ele, comprou-o do comerciante por bom dinheiro. Antes de entregá-lo, o homem disse ao ouriço:

- Quando a princesa for à janela, esconde-te embaixo de suas tranças.

Ao chegar a hora de procurá-lo, a jovem foi a todas as janelas, uma após outra, sem poder descobri-lo e, desta vez, nem na duodécima conseguiu avistá-lo. Ficou, então, amedrontada e furiosa ao mesmo tempo. Bateu de tal forma com a janela que os vidros de todas elas se partiram em mil pedaços. Em seguida saiu da sala e, notando de repente a presença do ouriço do mar embaixo de suas tranças, arremessou-o ao chão, gritando:

- Sai das minhas vistas!

O animalzinho saiu correndo a procurar o mercador e, juntos , voltaram à fonte. Banharam-se de novo nas águas e recuperaram sua antiga aparência. O jovem agradeceu à raposa, dizendo:

- O corvo e o peixe, coitados, foram uns bobos comparados contigo. Não resta dúvida que és a mais esperta.

O jovem, então, apresentou-se no palácio, onde a princesa o aguardava, já resignada com a sua sorte. Celebrou-se o casamento e ele passou a ser o rei e senhor de todo o reino. Nunca, porém, revelou à esposa onde se havia escondido na terceira vez, nem quem o ajudara. E assim ela viveu sempre na crença de que tudo fora resultado da inteligência do marido. Isso contribuiu para que lhe tivesse muito respeito e pensasse: " De fato, ele é mais esperto do que eu.”

Fonte:
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. 
Conto em Domínio Público.

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 8

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.



A pitanga é fruta doce,
mais doce é jaboticaba;
quem toma amores contigo,
começa, mas não acaba.
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As ondas brincam de amores,
correm à terra beijar...
Sê tu a terra, querida,
e deixa qu'eu seja o mar.
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Chuva que tem de chover,
porque é que está peneirando?
Amor que tem de ser meu,
porque está negaciando?
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Coração vai visitar
o mimo da formosura,
pergunta, quero saber,
se nosso amor ainda dura.
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Dizes que bem me queres,
que meu é teu coração;
Malmequeres que desfolho
dizem-me todos que nâo…
= = = = = = = = = 

Duvidar de quem se adora,
não é decerto viver,
vida assim tão desgraçada
é pior do que morrer.
= = = = = = = = = 

Estrela do céu brilhante,
raio de sol encarnado,
se tens amores com outro,
não me tragas enganado.
= = = = = = = = = 

Eu sofri e fiz sofrer,
amei e me fiz amar,
Se a partida fosse errada,
que gosto principiar!
= = = = = = = = = 

Eu sofri por ter de amar,
e sofri por ser amado,
mas tudo quanto sofri,
eu dou por bem empregado.
= = = = = = = = = 

Fui à fonte ver Maria,
encontrei com Isabel.
Isto mesmo é qu'eu queria,
caiu-me a sopa no mel.
= = = = = = = = = 

Fui fraca, facilitei,
cuidei que amor n'era nada.
Amor é mal sem remédio,
hoje estou desenganada!
= = = = = = = = = 

Lá dentro desse teu peito
eu desejava morar,
não estorvando a quem mora,
dizei-me se tem lugar.
= = = = = = = = = 

Manjericão rajadinho,
rajadinho pelo pé,
o meu coração é teu,
o teu não sei de quem é.
= = = = = = = = = 

Marília, se não me amas,
não me digas a verdade,
finge amor, tem compaixão,
mente, ingrata, por piedade.
= = = = = = = = = 

Na galera dos amores,
todos se embarcam cantando,
porém no fim da viagem,
todos se apartam chorando.
= = = = = = = = = 

Não tenho onde me esconder
Do meu amor inimigo:
Perto, estou fora de mim,
longe, está dentro comigo!
= = = = = = = = = 

Oh bela, porque me matas,
mas a vida me estás dando?
Se tens de ser meu amor,
não andes vira-virando.
= = = = = = = = = 

0 marmelo é boa fruta,
enquanto não apodrece;
assim são amores novos
enquanto não se aborrece.
= = = = = = = = = 

0 meu amor mais o teu
pesei na mesma balança,
o meu pesou direitinho,
só no teu achei mudança.
= = = = = = = = = 

0 vento que veio hoje
levou palha e deixou trigo,
eu quero te perguntar
se essa carranca é comigo.
= = = = = = = = = 

Papagaio come milho,
periquito leva a fama...
Vai fazer teu fingimento
com aquele que te ama.
= = = = = = = = = 

Se eu soubesse com certeza
que tu me querias bem,
eu te faria um carinho
que nunca te fez ninguém.
= = = = = = = = = 

Se queres de mim que te ame,
como sempre já te amei,
bota fora do sentido
certa gentinha que eu sei…
= = = = = = = = = 

Você diz que me quer bem,
eu também quero a você,
onde há fogo há fumaça,
quem quer bem logo se vê.
= = = = = = = = = 

Você diz que me quer bem,
que me traz dentro do peito,
isso não, não acredito,
quem quer bem tem outro jeito.

Fonte:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. 
Disponível no Portal de Domínio Público

Sammis Reachers (Situando os quiprocós)

Toponímia é aquela área de estudo que se ocupa dos nomes próprios de lugares. Iniciemos este relato esclarecendo alguns embaraços toponímicos, sem os quais o leitor talvez não consiga se situar no teatro dos eventos.

A região aqui em geral referida pertence “legalmente” ao bairro de Tribobó; sim, o bairro com um dos nomes mais divertidos – ou ridículos – do Brasil. Situado no município fluminense de São Gonçalo, o extenso Tribobó é composto pelo que se chama de sub-bairros, que, oficiais ou não, são pequenas repartições ou regionalizações adotadas principalmente pelos moradores desses lugares.

Ao trecho de Tribobó em que fui criado chamamos de Jardim Nazaré, também grafado Jardim Nazareth, ou o termo que hoje o faz, não com justiça, conhecido alhures: Palha Seca. Evito em geral o termo Palha Seca pois ele hoje refere uma ampla área, que, tendo visto nascer nos últimos trinta anos algumas favelas em seu corpo, agora recebe até a designação de complexo, o “Complexo do Palha Seca”.

Assim, com Jardim Nazaré busco definir uma área delimitada dentro disso que se chama Palha Seca; sim, um pequeno trecho composto por três ruas principais e mais umas quatro paralelas. 

Levantado nosso cercadinho, vamos fundamentar os relatos.

Boa parte de minha infância e primeira adolescência foi passada na favelinha Beira do Rio ou Beira Rio, pequeno bocado de chão do já pequeno Jardim Nazaré. Ela recebe esse nome, você já pode imaginar, por margear trecho de um rio – neste caso, o Rio Alcântara, que nasce no município niteroiense de Pendotiba, alguns quilômetros acima de nosso ponto, e percorre quase meia São Gonçalo (mudando de quando em quando ou de trecho em trecho de nome, como um fugitivo) em sua peregrinação soturna em busca da Baía de Guanabara.

Morando numa rua de acesso à movimentada Beira Rio, sua influência, como um ímã, não poderia me deixar escapar, estando eu a tão poucos metros de sua fervura. Muitas aventuras foram vividas ali – ou não exatamente nela, mas em andanças a partir dela – andanças em que eu e os companheiros de ocasião percorríamos quilômetros que, hoje, me defenestrariam as pernas, caso eu tentasse encará-los.

Um desses companheiros de ocasião era na verdade um companheiro de muitas ocasiões, um amigo, na medida em que este termo se aplicava às relações sempre algo hostis que eram mantidas naqueles tempos, naquele lugar. Seu nome era Renato. Renato Batista dos Santos. Irmão de quatro irmãos, paupérrimos – moravam todos quase amontoados num barraco de um único cômodo.

Minha situação era bem mais favorável, embora eu fosse, claro, perfeitamente pobre. Devo a Renato muito de minhas iniciações no mundo real, iniciações que, a duras penas, conseguiram romper o perfeito inapto ou inocente que eu era. As lições de “malandragem” eram aplicadas
diariamente, sem muita cerimônia. 

Uma de nossas maiores ocupações era, quase que todos os dias, catar ferro-velho – reciclagem, cobre, alumínio, garrafas e até ferro, ferro depois abandonado pois o lucro não compensava o sacrifício de, franzinos moleques que éramos, carregar todo aquele peso. Ocupados em nosso ofício – cujo objetivo era conseguir dinheiro para comprar picolés e sorvetes da Kibon, pão com mortadela, refrigerantes, doces, jogar fliperamas e, ao menos no meu caso, comprar figurinhas variadas – como dito, andavamos quilômetros, a cada dia traçando uma rota.

Na época não havia coleta de lixo na região, lixo que era então despejado em “pequenos” lixões (terrenos baldios) que abundavam em cada bairro e sub-bairro. Renato me ensinava nessas andanças a primeira lição da vida ou daquela vida – cada um por si, nada de catar em conjunto. E ele, claro, sempre conseguia mais materiais de valor que eu. O bicho enxergava como uma águia! Com o tempo, fui melhorando.

Outra lição – essa vergonhosa e perfeitamente dispensável – que Renato me ensinou foi a roubar. Mas calma lá, leitor, que não lhe quero escandalizar logo neste início de livrete: Não eram furtos dignos do risco ou talvez da fama, eram apenas surrupios de pequenos pedaços de cobre, que jaziam amarrando canos e cercas; garrafas de cerveja e garrafões de vinho largados em algum depósito de fundo de quintal; panelas velhas que eram utilizadas como vasos de planta – ah, quantas plantas eu deitei fora, eu que depois aprendi a amá-las! Quando podia, removia cautelosamente a planta e sua touceira de terra da panela, depositando a touceira gentilmente a um canto. Quem sabe a madame não conseguisse um outro vaso para reacondicioná-la?

Esses pequenos furtos também foram uma severa escola – em geral, nos quintais mais “arriscados”, eu, mais lerdo e ainda por cima mais “visível” pela minha pele amarelona, ficava de vigia, enquanto Renato lá ia tentar aliviar... LIXO, mas era roubo pois o “lixo” tinha dono, e trazia na corcunda seu risco.

Há quem diga que éramos pueris ecovisionários promovendo ou ao menos “adiantando” a reciclagem de materiais que, largados como estavam na “natureza”, levariam séculos e oh!, quiçá milênios para se decomporem, comprometendo ecossistemas locais e globais. Para esses, fomos paladinos da sustentabilidade, arautos de um futuro eco-responsável (particularmente, gosto bastante desta versão).

A mesma tática utilizávamos para afanar frutas, ciência esta universal, e atividade que exercíamos com alguma perícia e grande prazer. Embora antes pedíssemos ao dono, humildemente, para nos deixar arrancar algumas frutas – mangas, goiabas e quetais. Em caso de negativa, bem...

Fonte:
Enviado pelo autor. 
In Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.

Estante de Livros (“Tartufo”, de Molière)


Tartufo (em francês Le Tartuffe) é uma comédia de Molière, e uma das mais famosas da língua francesa em todos os tempos. Sua primeira encenação data de 1664 e foi quase que imediatamente censurada pelos devotos religiosos que, no texto, foram retratados na personagem-título como hipócritas e dissimulados.

Por meio de um diálogo de enorme sutileza e força cômica, o autor apresenta a figura de um homem sensual e lascivo que, sob a aparência de asceta virtuoso, consegue aproveitar-se da confiança de seu protetor, inclusive voltá-lo contra a família, e só é desmascarado quando tenta seduzir a dona-de-casa.

O livro todo se apresenta com uma homogeneidade perfeita de Alexandrinos de rimas ricas, conservando de Molière a graça e seus métodos de criação e as suas virtudes de autor.

ENREDO:

Orgon, pessoa muito importante da sociedade parisiense, havia caído sob a influência de Tartufo, um religioso bastante hipócrita, além de ser extremamente inescrupuloso. Na verdade, os únicos que não se dão conta do verdadeiro caráter do espertalhão são Orgon e sua mãe, madame Pernelle.

Tartufo exagera em sua devoção religiosa, chegando mesmo a ser o diretor espiritual de Orgon. Desde que o vilão passara a residir em sua casa que Orgon segue-lhe todos os conselhos, chegando ao ponto de prometer-lhe a filha em casamento, apesar de a mesma estar noiva de Valério. A jovem Mariana fica bastante infeliz com a decisão paterna, e sua madrasta Elmira tenta desencorajar o embusteiro de suas pretensões matrimoniais. Durante este diálogo, Tartufo tenta seduzir a jovem esposa do velho Orgon, cena esta testemunhada por Damis, filho de Orgon.

Damis relata ao pai o que vira, mas este, longe de acreditar, deserda Damis e decide passar a própria casa para o nome do caloteiro – uma forma de assim forçar o casamento contra o qual todos pareciam tramar. Aumenta a tristeza de Mariana, e Elmira adia a sua assinatura do contrato feito pelo marido. Ela então propõe ao marido que, escondendo-se sob uma mesa, seja ele próprio testemunha do verdadeiro caráter de Tartufo.

Orgon concorda com o estratagema, e ante as palavras de Tartufo para sua mulher, descobre finalmente qual o verdadeiro caráter daquele hipócrita a que tanto confiara, e que sua família sempre tivera razão. Colocando Tartufo para fora da casa, este porém impõe-se como seu novo proprietário. E Orgon dá-se conta de que depositara com o falso devoto documentos de um amigo, cuja fuga ocultara, comprometendo-o.

A mãe de Orgon vem lhe visitar. Pernelle tem ainda grande admiração por Tartufo, e não se deixa convencer sobre o real caráter dele. Surge então o Sr. Loyal, policial enviado por Tartufo, a fim de avisar que a família tem até o dia seguinte para desocupar o imóvel. Só depois disso, Pernelle reconhece que ele é mesmo um caloteiro.

Enquanto a família reunida discute como safar-se daquela situação vexatória, chega Valério, informando que Tartufo entregara ao Rei os documentos que incriminavam Orgon, e este deveria ser preso. Planejam rapidamente uma fuga, mas Tartufo reaparece, desta feita acompanhado por um policial.

Autoritário, o falso amigo expede a ordem para que Orgon seja preso. Mas este, para surpresa de todos, prende o próprio Tartufo: ele era um caloteiro conhecido, tendo já aplicado outros golpes. A doação feita é anulada, e finalmente Orgon permite o casamento de Valério e Mariana.

REAÇÕES À OBRA:

A obra foi apresentada perante o Rei em maio de 1664, antes de sua estreia e numa versão inacabada, com apenas três atos. Apesar disto, conseguiu indignar os devotos, por seu conteúdo. A Companhia do Santo Sacramento utilizou de sua influência para conseguir que a obra fosse proibida: viam nela um ataque frontal à religião e aos valores que ela propunha. O certo é que, por trás das críticas à hipocrisia, que é o tema principal da obra, se vê um ataque ao papel demasiado influente que tinham alguns devotos que se passavam por guias espirituais, quando na verdade eram saqueadores de heranças.

Após algumas apresentações particulares, Molière tratou de representar sua obra com o título de "Panulfo, ou o Impostor", em agosto de 1667. Mas depois da primeira apresentação, o responsável pela polícia proibiu novamente a obra, com o argumento de que "não é o teatro o local para se pregar o Evangelho". O Arcebispo de Paris, Hardouin de Péréfixe, chega a ameaçar com a excomunhão todo aquele que represente ou assista tal obra, que acusa ser um violento ataque à religião.

Foi mister esperar até fevereiro de 1669 para que Louis XIV autorize a Molière a representar sua peça, que além disso recupera o título original de Tartufo.

INTENÇÕES DE MOLIÈRE:

Ao escrever sua obra, o autor ataca um grupo muito influente: os devotos. Entre estes se contavam homens cuja religiosidade era sincera, mas a maioria era de manipuladores conscientes do poder que poderiam obter com a falsa devoção. Foi a este segundo tipo que Molière atacou.

Mas também descreve uma rica família da alta burguesia. Orgon, uma vez tendo consolidado sua posição financeira, busca uma espécie de legitimidade religiosa. Como todos os altos burgueses descritos por Molière, mostra uma certa ingenuidade. Exerce um tipo de ditadura sobre seus filhos. O tema do matrimônio de conveniência, algo que Molière não aceitava, também se acha nesta obra.

A peça se insere na realidade histórica com alusão à revolta da Fronda que se deslanchara em França, quinze anos antes. O Rei aparece como símbolo do bom senso.

Em torno de Orgon e Tartufo (que somente surge quando a peça está bastante avançada) aparecem outros personagens frequentes em Molière: os jovens ingênuos e impetuosos (Damis, Mariana e Valerio), os sábios e razoáveis (Elmira e Cleanto), a serviçal com senso vulgar e linguagem curta e direta (Dorina), a velha fora do tempo e da razão (Mme. Pernelle).

CURIOSIDADE:

Na língua portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a acepção de pessoa hipócrita ou falso religioso, originando ainda uma série de derivados como tartufice, tartúfico ou ainda o verbo tartuficar - significando enganar, ludibriar com atos de tartufice.

Fonte: