domingo, 17 de setembro de 2023

Isabel Furini (Poema 49): Rosas

Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.


Humberto de Campos (O perfume)

(Sobre uma frase de Alexandre Dumas Filho)


Saída do colégio em dezembro último, Angelita recebeu da sua mamãe a promessa de um vestido de passeio, um verdadeiro vestido de moça, escolhido por ela mesma, assim que regressassem da fazenda, em Barra Mansa, depois do Carnaval. Inocente ainda, foi batendo os dois lírios das mãos que a menina ouviu a noticia. E foi, para ela, para os seus dezesseis anos incompletos, um momento de alegria irreprimível, aquele em que, sentado na sua cama alva, pura como um berço, escolheu, manuseando uma dúzia de revistas de modas, o figurino que mais lhe encantava os olhos.

Feita a encomenda a uma das modistas do bairro, foi esta, dias depois, levar o vestido à última prova. Contente, feliz, pulando pela casa, era com uma jovialidade descomedida que Angelita recebia a costureira. E não foi sem um certo calor na face, e sem um certo tremor nos dedinhos afilados, que desabotoou a sua blusinha leve, patenteando os encantos do seu colo virgem, do seu corpo desabrochante, aos olhos daquela senhora estranha, habituada a ver, certamente, por aí, por exigência do seu próprio ofício, centenas de corpos pecadores.

- Tire o corpinho também, mademoiselle. - ordenou a modista.

A menina enrubesceu mais:

- O corpinho, também?

Minutos depois, trajando o seu lindo vestido novo, Angelita abria de par em par a porta da sua alcova, onde estivera encerrada, sozinha, com a costureira. Estava deslumbrante. Era um maravilhoso figurino de verão, bordado a seda, com um rosário de pequeninas flores à cintura, que lhe punha em destaque, no colo e nos braços, a imaculada frescura da pele. Curvando-se, risonha, numa grande mesura, foi a mocinha perguntando, logo, à D. Adelaide:

- Então, estou linda?

A ilustre senhora, que a esperava na sala de jantar, junto à mesa, abriu os braços, para receber a filha.

- Que tal? - tornou a moça.

D. Adelaide beijou-a nos cabelos castanhos e, com um sorriso de bondade, em que lhe ia toda a sua alma, externou o seu pensamento:

- Está muito bom, muito lindo, mas falta uma coisa.

A menina arregalou os grandes olhos escuros, imobilizando no rosto um sorriso de espanto.

- É aqui! - explicou a senhora, pondo-lhe a mão aberta sobre o colo de neve.

E abraçando a menina:

- As mulheres, minha filha, são uma essência delicada, de que o vestido é um vidro desarrolhado, por onde se evola, insensivelmente, o pudor da mulher...

E lançou, maternalmente, sobre o colo da filha, a macia misericórdia do seu claro lenço de seda.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Disponível em Domínio Público.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LX – De Assis até Assis


    GRAÇA DA VIDA!

 
MOTE:
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
 A. A. de Assis
(Maringá/PR)

GLOSA:

TEM MUITO MAIS GRAÇA A VIDA
se um amor nos acompanha,
quando a estrada é bem comprida
e a solidão é tamanha!
 
A felicidade cresce
QUANDO A GENTE TEM COM QUEM
saborear cada benesse
sempre junto do seu bem!
 
Toda a alegria sentida
nós devemos dividir:
REPARTIR BEM REPARTIDA
para não vê-la fugir!
 
E a riqueza deste  mundo,
não vale nem um vintém
se não nos mostrar, no fundo,
A GRAÇA QUE A VIDA TEM!
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   NO MEU OLHAR...
 
MOTE:
No meu olhar já cansado
guardo estrelas, guardo luas,
as mensagens de um passado,
feito de noites só tuas.

Carolina Ramos
(Santos/SP)


GLOSA:
NO MEU OLHAR JÁ CANSADO
resta ainda uma esperança
ao recordar, excitado,
aquela doce lembrança!
 
No meu olhar tão ardente,
GUARDO ESTRELAS, GUARDO LUAS,
guardo os amores da gente,
de mãos dadas pelas ruas...
 
No meu olhar encantado,
leio ao longo do caminho,
AS MENSAGENS DE UM PASSADO,
feito de amor e carinho!
 
No meu olhar delirante,
brilham as imagens nuas,
de um amor embriagante
FEITO DE NOITES SÓ TUAS.
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   MINHA MADRUGADA
 
MOTE:
A madrugada é só minha,
na brisa que ela produz,
e me acalma e me acarinha,
e eu fico cheio de luz.
Flávio Roberto Stefani
(Porto Alegre/RS)

GLOSA:

A MADRUGADA É SÓ MINHA,
dela me sinto, senhor,
pois nela, os sonhos que eu tinha
realizo com amor!
 
Sinto aumentar a emoção
NA BRISA QUE ELA PRODUZ,
e feliz meu coração
esquece o peso da cruz!
 
A madrugada é a linha
que me leva ao infinito,
E ME ACALMA E ME ACARINHA,
com esse amor tão bonito!
 
A esse mundo de alegria
docemente me conduz,
me inundo, então, de poesia...
E EU FICO CHEIO DE LUZ.
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    MAIS INFELIZ...
 
MOTE:
Por uma luta perdida,
desesperar-se? Por que?
Há sempre alguém nesta vida
mais infeliz que você!
Jessé Nascimento
(Angra dos Reis/RJ)

GLOSA:
POR UMA LUTA PERDIDA,

não vale a pena chorar...
Esqueça a sua ferida,
e tente é recomeçar!
 
Por que ser assim, tão triste?
DESESPERAR-SE? POR QUE?
Algo de bom sempre existe
no coração que inda crê!
 
Quando a esperança é perdida,
procurá-la, nós devemos.
HÁ SEMPRE ALGUÉM NESTA VIDA
que sofre mais... e não vemos!
 
Você verá no seu dia,
num olhar que tudo vê,
sempre alguém, sem alegria,
MAIS INFELIZ QUE VOCÊ!
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   NUNCA...
 
MOTE:
 Ao nosso espírito ardente,
na avidez do bem sonhado,
nunca o futuro é presente.
Nunca o presente é passado.
Machado de Assis
(Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908)

GLOSA:
AO NOSSO ESPÍRITO  ARDENTE,

tudo é uma indagação...
O que será realmente
a causa de uma emoção?
 
Muitas vezes, nos perdemos
NA AVIDEZ DO BEM SONHADO,
sem limites, sem extremos,
num amor apaixonado!
 
E nesse sonho envolvente,
encantador e bonito,
NUNCA O FUTURO É PRESENTE,
o futuro é o infinito...
 
A vida é eterna utopia
para quem sonha acordado,
cada dia é um novo dia,
NUNCA O PRESENTE É PASSADO!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Setembro de 2003.

Regina Melillo de Souza (O assalto)

A manhã era linda, enfeitada de sol, e um doce prenúncio de primavera pairava no ar, despertando em Ana Maria recordações que ela desejava esquecer...

Fora num dia assim, de límpido céu azul que, em um dos seus habituais passeios, ela se detivera, surpresa e encantada, diante de uma velha mansão do Morumbi, cujos muros exibiam flores de rara beleza.

Amando as plantas e as flores, Ana Maria possuía em sua casa, valiosa coleção de samambaias do Amazonas, vasos enormes de rendilhadas avencas e inúmeras plantas ornamentais.

Nos canteiros bem tratados dos jardins, floresciam tulipas e gerânios, rosas e goivos, lírios e gladíolos de todas as cores... Uma lindeza i

No entanto, com tantas maravilhas em sua casa, Ana Maria não esquecia as flores daquela mansão.

Procurou-as, por muitos lugares: nas floriculturas, em exposições... até que um dia o marido aconselhou:

- Desista desse capricho, querida! Há tanta flor enfeitando o nosso jardim...

Ela concordara. Chegou quase a esquece-las, mas a cada primavera sempre arranjava um jeitinho de passar em frente da mansão... Lá estavam elas, magníficas, a enlaçar o velho muro de pedras, cada vez mais vistosas, cada vez mais belas!

Foi quando uma ideia assaltou seu coração; por que não pediria à alguém da casa, uma mudazinha qualquer? Era só estacionar o carro ali mesmo e quem sabe o problema estaria resolvido...

Ela desceu do carro sentindo-se feliz. Pelo menos, tentaria mais uma vez!...

As janelas da mansão estavam todas fechadas; os pesados portões aferrolhados. Mesmo assim, ela tomou coragem e apertou a campainha. Durante longos minutos esperou, para ouvir, de repente, pelo interfone uma interpelação:

- Quem é?

- Desejaria falar com uma pessoa da casa. Seria possível?

A voz se tornou rude, quase severa...

- Há um carro defronte do portão. É seu?

- É, sim.

- Faça o favor de esperar. Atenderei em breve.

O interfone foi interrompido bruscamente e após alguns instantes, a portinhola do visor se abriu e alguém apareceu, perguntando:

- O que deseja, senhora?

- Eu poderia falar com a dona da casa, por favor?

- Não há ninguém em casa. A família está viajando... O seu nome?...

Meio encabulada, Ana Maria respondeu:

- Bem, na verdade não conheço os moradores daqui... Vim apenas para pedir um gentileza... um favor...

E ela falou bem depressa:

- Seria possível, eu obter uma mudazinha dessas lindas flores que tanto enfeitam os muros de pedra?!...

A resposta foi maravilhosa:

- Com todo prazer, senhora! Faça o favor de entrar.

Radiante, Ana Maria agradeceu e só então encarou o desconhecido.

Era um homem magro, de aparência humilde que disse:

- Vou logo atender o seu pedido, senhora... Não deseja que eu ponha seu carro na garagem? O lugar aqui é perigoso! Tem tido muitos assaltos... Dê-me as chaves, que eu faço o serviço...

Ela agradeceu encantada com a cortesia e ficou admirando o jardim.

Era belíssimo.

Quando o serviçal voltou, Ana Maria falou das flores que a haviam enfeitiçado há tanto tempo; mas ele não pareceu muito interessado nisso...

- Siga-me! disse, com firmeza. Vamos entrar na mansão.

- Eu não quero aborrecer ninguém. Posso esperar aqui fora...

Nesse instante arregalou uns olhos assustados. O homem estava com um revólver nas mãos!

- Não tente gritar!… avisou apontando a arma. A coisa é mais séria do que pensai E passe-me a bolsa, as joias e esse cordão de ouro!…

Aterrorizada, ela entregou tudo, até a aliança de brilhantes e a pulseira relógio que pertencera à  sua bisavó!...

Trêmula, subiu a escada de mármore que a levava ao hall da mansão ouvindo o aviso que o brutamontes vociferou:

- ...E não fale uma palavra com ninguém, nem comente o que se passou aqui.

Empurrada para dentro de uma sala, Ana Maria encontrou duas senhoras guardadas por um homem mascarado. Uma delas, aflita perguntou patética:

- A senhora... também pertence ao bando?!... Será que irão nos matar?

Estremeci diante da afronta, mas não pude responder. Como explicar minha presença naquela casa e dizer que ali viera pedir uma simples muda de planta?

Fiquei paralisada, sem dizer uma única palavra... O pesadelo continuava...

Dois outros homens entraram na sala, vasculhando móveis... revistando gavetas, amontoando aparelhos eletrônicos...

Fomos levadas então para um quarto pequeno, com a recomendação que muito nos assustou:

- Se desejam viver, não chamem a polícia, nem gritem por socorro!... Não brincamos em serviço!

Enquanto as duas senhoras, abraçadas, resmungavam baixinho e me olhavam com evidente desconfiança, eu lastimava comigo mesmo, a pouca sorte que tivera... Chegar justamente na hora de um assalto, àquela mansão do Morumbi, perdendo minhas joias, levando um susto terrível e ficando sem carro!!!

Fonte: Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.

Marcelo Spalding (Dicas de Redação)

Algumas dicas práticas


A obra "Manual de Redação" da Folha de São Paulo, um dos jornais mais tradicionais do país, teve diversas edições publicadas. O manual é uma ferramenta valiosa para quem escreve e deseja aprimorar suas habilidades. Com ele, é possível tirar dúvidas de forma rápida e eficiente. Destacamos abaixo alguns itens do Manual de Redação da Folha de S. Paulo que podem ser úteis para quem quer padronizar sua escrita de não-ficção ou mesmo de ficção, segundo Marcelo Spalding.

Estrangeirismo

- A palavra estrangeira, na sua forma original, só deverá ser usada quando for absolutamente indispensável. O excesso de termos de outra língua torna o texto pretensioso e pedante. E não se esqueça de explicar sempre, entre parênteses, o significado dos estrangeirismos menos conhecidos.

- Se a palavra ou expressão não tiver correspondente em português, porém, ou se este for pouco usado, recorra então ao termo estrangeiro, que vai no mesmo corpo do texto e não em destaque: stand by, hardware, entourage, apartheid, smoking, zoom, slide, holding, shopping center, marketing, joint venture, outdoor, funk.

- Não empregue no idioma original palavra que já esteja aportuguesada. Assim, uísque e não whisky; conhaque e não cognac; recorde e não record; chique (ou elegante) e não chic; caratê e não karatê; cachê e não cachet; tarô e não tarot; videopôquer e não videopoker, etc.

- Sempre que houver equivalente em português, prefira-o ao estrangeirismo: cardápio e não menu; pré-estréia e não avant-première; adeus e não ciao; escanteio e não corner; cavalheiro e não gentleman; frequentador e não habitué; senhora e não lady ou madame; encontro e não meeting; senhor e não mister; impedimento e não off-side; primeiro-ministro e não premier; assalto e não round; padrão e não standard; fim de semana e não week-end; desempenho e não performance.

- Mesmo que você as julgue muito conhecidas, traduza sempre as citações em língua estrangeira: "Après moi le déluge." ("Depois de mim, o dilúvio.") "Alea jacta est." ("A sorte está lançada.") "To be or not to be: that is the question." ("Ser ou não ser: eis a questão.") Neste caso, use aspas.

- A não ser em textos especiais, e mesmo assim com parcimônia, evite ao máximo o uso de expressões estrangeiras (a exemplo das palavras de outras línguas), limitando-se apenas aos casos mais comuns: in memoriam, sine die, sine qua non, causa mortis, grand monde, tour de force, sui generis, honoris causa. Pense, no entanto, que nem todos os leitores saberão o significado de locuções como: à clef, à outrance, ad hoc, nec plus ultra, urbi et orbi, struggle for life, in partibus, et pour cause, rempli de soi-même, off the records, honni soit qui mal y pense.   (...)


Números

- De um a dez, escreva os números por extenso; a partir de 11, inclusive, em algarismos: dois amigos, seis operadores, 11 jogadores, 18 pessoas. Exceção: cem e mil.

- Proceda da mesma forma com os ordinais: primeira hora, terceiro aniversário, 15.ª vez, 23.º ano consecutivo.

- Não inicie orações com algarismos, mas escreva o número por extenso: Dezoito pessoas feriram-se no acidente. Sempre que possível, porém, mude a redação para não ter de escrever o número por extenso. Exceção: títulos, que podem começar com algarismos.

- Escreva os algarismos, de 1.000 em diante, com ponto: 1.237, 14.562, 124.985, 1.507.432, 12.345.678.543, etc. Exceção. Na indicação de anos não há ponto: 1957,1996, ano 2000.


Título

- Procure sempre usar verbo nos títulos: eles ganham em impacto e expressividade.

- Para dar maior força ao título, recorra normalmente ao presente do indicativo, e não ao pretérito: Israelenses e palestinos assinam (e não assinaram) acordo de paz / Reitor chama (e não chamou) polícia para poder trabalhar.

- O Estado não usa títulos com ponto. Assim, estão vetados exemplos como estes: O Metrô reconhece que errou. E pune seus funcionários / O Brasil joga. Para buscar a classificação .

- Nos textos noticiosos, o título deverá obrigatoriamente ser extraído do lead; se isso não for possível, refaça o lead, porque ele não estará incluindo as informações mais importantes da matéria.

- Use inicial maiúscula apenas na primeira palavra do título e nos nomes próprios: Ministro pode ser indiciado / Pacifistas fazem protesto diante da Casa Branca.

- Não use ponto de interrogação nos títulos. O leitor tem direito a respostas.

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sábado, 16 de setembro de 2023

Tertúlia da Saudade 11: Carlos Guimarães

 

José Feldman (O amanhã nunca morre)

Baitazar Danado Tribofe de Souza estava decidido. Diante do que vinha ocorrendo ultimamente, esta seria a única saída.

Baitazar beirava os 70 anos de idade, era jornalista e escritor, mas ultimamente nada ia bem. Muitas cobranças no jornal, gente com o nariz virado, outros com inveja, vinha provocando atritos por ninharias. Como escritor, parecia que a inspiração fugira dele como o diabo foge da cruz, e a musa... ah! A tal da musa, escafedeu-se nas brumas, e não foi de Avalon, não. Foi lá pros lados de Tocantins mesmo. A família abandonara-o, as filhas nem queriam papo com ele. Quando estava por cima, elas ficavam paparicando-o como abelha em volta do mel, agora que esta má fase vinha-o assolando, olhavam-no como se estivesse com uma moléstia contagiosa, e fugiam espavoridas. "Vade retro, Satanás".

Baitazar dizia que era só uma má fase, um azar momentâneo, mas parecia que era mesmo um baita azar danado. A vida perdera o sentido, seus olhos se perdiam nos milhares de livros que atolavam as estantes de sua casa, sem vontade alguma de ler algum. Oh, desânimo! 

Decidira, após muita reflexão, que o melhor para si e para todos é que tirasse a própria vida.

Fim da tarde, encaminhou-se para a ponte mais próxima, resoluto. Subiu na murada da ponte, e olhou para o horizonte... somente via o vazio, o vazio de sua existência. Seria apenas mais um número na estatística de suicídios no país. 

Alguns transeuntes estacaram ao ver a cena, e ficaram indecisos sobre qual atitude tomar. Até parentes e amigos (?) estavam próximos.

-"Não faz isso, meu chapa. A vida é tão boa. Deus fecha uma porta, mas abre uma janela. Sai daí!"

- "Pula mesmo, seu desgraçado. Nem a pensão você me paga mais. Vá lá, o Capiroto já tá te esperando."

- "Não, meu amigo. Fica firme. Não dê ouvidos a esta mulher desmiolada. Volte aqui para conversarmos". E o sujeito pensando com seus botões: "Volta mesmo, vou te encher de tanta bolacha, que nem com foto vão conseguir te reconstituir". E continuava cinicamente animando-o: - "A vida é bela. Vamos tomar uma loirinha estupidamente gelada".

Baitazar ficou no pula, não pula, uns o xingavam, outros o incentivavam a pular, e outros o animavam para continuar a vida adiante. Num canto, três mulheres discutiam entre si.

- "Tomara que ele pule, assim fico com o carro dele. Ah... a Maserati é minha!!!!

- "Tua uma ova! Eu também sou filha dele. Vamos dividir.

E a outra, mais burra que um jumento: - "Vamos dividir. Pegamos uma serra e vemos quem fica com o motor? Com os bancos? e..."

- "Tu tá chapada? Andou cheirando cola?"

Enquanto elas se estapeavam, uma garota de uns 15 anos, que nem estava aí para o que acontecia, ou nem se tocara, passa segurando uma pizza. 

Ah, aquele cheiro de pizza quentinha saída do forno, o queijo derretendo, e Baitazar sentiu aquilo entrar em suas narinas de sopetão. Convenceu ela a lhe dar um pedaço, seria sua última refeição antes de dar término à sua vida.   

- "Qual é, cara? Vai pular ou não? Pô. A novela começa daqui a pouco, e não posso perder o último capítulo." - uma mulher gritava, desesperada.

- "Pula! Pula!"

E enchia de gente, veio a polícia, os bombeiros, a televisão, só faltou a guarda nacional. O tumulto estava formado. Muitos achavam que ele estava dando discurso, e o apoiavam sem nem mesmo saber o que acontecia.

- "É isso mesmo! Você tem que protestar mesmo. Esta sem-vergonhice tem que acabar."

Tinha até um sujeito com uma viola que começou a cantar aquelas famosas dores de corno. Um vendedor ambulante vendia elixires milagrosos. 

Enfim… a bagunça estava generalizada. 

Baitazar chamou novamente a garota da pizza.

- "De onde é esta pizza? Menina, que delícia!."

 - "Pula. Pula." "Discurso!!!" "Fica." "Vai." "Já ganhou!" "Engravidou a menina, tem que assumir!"

- "Quer saber? Que pizza! Deu uma fome danada. Eu vou é comer mais. Amanhã eu venho e pulo."

Desceu da amurada da ponte, e foi com a garota para a pizzaria. Deixou meio mundo com cara de tacho... outra vez.

Fonte:
Texto escrito por mim. Agora vou comer aquela pizza, com o Baitazar! Deu uma fome!!!

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 18

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.
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Nas ondas dos teus cabelos
quero aprender a nadar;
Desprezo o risco que corro,
não me importa de afogar.
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Tens os dentes tão miúdos
como pedrinhas do sal,
a fala tão temperada
que me chega a fazer mal...
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Boca de cravo da Índia,
dentes de marfim lavrado,
quando meus olhos te viram
meu corpo fez um pecado.
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Tua voz me põe doente...
Teu sorriso é amarração...
Teu andar machuca a gente…
Pobre do meu coração!
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Morena, beiço de rosa,
claros dentes de marfim,
no meio do teu resono,
dá um suspiro por mim.
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Se alguém nos surpreender
não tenhas nenhum desgosto:
Escondo-me, bem quietinho,
nas covinhas do teu rosto.
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Menina, quando morreres,
tapa esta cara com um véu:
Não quero que a terra coma
esta carinha do céu!
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Venha cá, meu botão de ouro,
minha semente de prata,
esse sorriso me alegra,
esse semblante me mata.
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Não tenho medo das ondas,
das ondas bravas do mar...
As ondas deste teu peito
é que me hão de matar.
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Vou-me embora, tenho pressa,
tenho muito que fazer,
tenho que parar rodeio
no peito do bem-querer.
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Manjericão de Lisboa
tem a folha verde escura,
nos braços de uma morena
tenho a minha sepultura.
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Duas coisas neste mundo
são minha grande paixão:
Perna grossa cabeluda,
Peito em pé no cabeção.
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Não tenho medo de ti,
nem da faca mais pontuda;
Tenho medo, quando vejo
perna grossa cabeluda.
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Muita perna tenho visto,
perna fina, perna grossa...
Mas as pernas mais bonitas
são as das moças da roça.
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Queridinha de minh'alma,
tem pena dos teus pezinhos,
não andes assim descalça,
tem pena dos pobrezinhos!
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Menina dos pés pequenos
deixe-os estar, porque tira?
Quanto mais o pé se esconde,
mais a viola suspira...
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Vi o teu rastro na areia
e me pus a considerar
que teu corpo tem tal mimo,
que teu rastro faz chorar...
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Alecrim da beira d'água
de viçoso está tremendo.
As moças de Porto-Alegre
de faceiras estão morrendo.
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Requebra, meu bem, requebra,
machuca este coração...
Quebra este teu requebrado
mais do que mão de pilão!
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Meu amor é pequenino,
do tamanho de um botão;
Assim mesmo é que eu o quero,
para o trazer no coração.
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Menina do oratório,
quero ser seu sacristão...
Para dar a badalada
à beira do coração.
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Se em troca do teu afeto
exiges o afeto meu,
já não tens razão de queixa;
o meu coração é teu!
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0 inferno não me aterra,
nem a morte me apavora;
meu coração só se rende
aos pés daquela que adora.
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Canta o galo, rompe o dia,
cai o sereno no chão.
Eu também quero cair
dentro do teu coração.
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Meu coração de babosa,
baba aqui, baba acolá.
0 meu coração palpita,
Faz lá dentro tá, tá, tá...

Fonte: Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. Disponível em Domínio Público.

A. A. de Assis (Dançar abraçado)

Se você tem mais de 70 anos, decerto se lembra do tempo em que os casais dançavam abraçados – os mais íntimos com os rostos colados. O baile começava às 10 da noite e ia até por volta das 3 da madrugada. As moças com vestidos rodados, os rapazes de terno e gravata. Valsa, bolero, tango, samba-canção, rumba, swing, blues

De chegada, um cuba-libre ou gim-tônica. Para os que tinham “par constante” não havia problema. Já os avulsos tinham que criar coragem e ir à mesa de uma das meninas a fim de “tirá-la” para dançar. Se ela “dava tábua”, era aquele vexame, e se, de imediato, aceitava dançar com outro, podia dar briga feia.

Lá pelas tantas os casais já estavam bem aquecidos e alguns chegavam a ousar beijos na boca, desafiando as geralmente rígidas normas do clube. Nesse momento entrava em cena o “fiscal de salão”, que se aproximava dos pombinhos e lhes recomendava tomar “bons modos” ou interromper a dança. Em alguns casos os atrevidos eram convidados a se retirar da festa.

Nas duas primeiras décadas de Maringá, os casamentos celebrados na cidade eram, em grande número, resultantes de algum namoro iniciado em um baile ou matinê no Aeroclube, no Grêmio dos Comerciários ou no salão amarelo do Grande Hotel.

A animação ficava por conta de uma de nossas orquestras pioneiras – a do Marchini, a do Penha, a do Britinho. Em ocasiões especiais vinham orquestras de fora, como a do Nélson de Tupã, a do Ruy Rey, a Marajoara de Severino Araújo. 

Havia também alguns “bailes de gala”, que exigiam das mulheres vestidos longos e dos homens terno branco ou azul-marinho com gravata-borboleta – o Baile das Debutantes, o Baile da Primavera, o Baile do Rubi. Em junho o traje mudava para a gaiatice, com as alvoroçadas festanças ditas à moda caipira.

Mas sempre com aquele jeito romântico de dançar – os pares abraçados, rostos colados, confissões de amor cochichadas ao pé do ouvido.

Até se dar que de repente, meados dos anos 1950, houve aquela cambalhota completa nos usos e costumes, com forte repercussão especialmente no processo de ascensão da mulher, a começar pela intensificação da busca de igualização profissional, cultural e política dos gêneros. Dentro desse clima de turbulência geral entrou na moda o “rock and roll”, pilotado pelo fenômeno Elvis Presley.

Mas o que foi que teve a ver uma coisa com outra? Teve que ao rock se credita um dos indicativos mais marcantes da emancipação feminina. No baile antigo o homem enlaçava o corpo da mulher e guiava os movimentos dela. Com o novo ritmo, os casais se desgrudaram: ele e ela passaram a dançar soltos, um diante do outro, ninguém conduzindo ninguém.

De qualquer forma, ficou uma pontinha de saudade do “old time dancing”. Converse com seus pais e avós para saber o que eles pensam disso.

Os mais jovens talvez digam que a tendência hoje é o meio termo: um pouco cada-um-pra-si, um pouco agarradinhos. Aí é legal.
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(Crônica publicada na edição do Jornal do Povo em 29.06.2023)

Fonte: Portal do Rigon. https://angelorigon.com.br/2023/06/29/dancar-abracado/

Eduardo Affonso (Reescrevendo Lobato & cia)

(Publicação de 27 de setembro de 2019)

Tendo caído em domínio público, o livro “As reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, será reeditado.

Sem Pedrinho.

O garoto de estilingue no bolso foi limado com o argumento de que seria um peso morto na trama.

O Sítio do Pica-Pau amarelo, que já era um matriarcado, assumiu-se, nesta reedição do primeiro clássico da nossa literatura infantil, como Clube da Luluzinha.

Ali agora reinam Narizinho, Emília, Dona Benta e Tia Nastácia. O resto é figuração.

Haver um menino e uma menina num livro infantil permite um diálogo entre os universos masculino e feminino. Um contraponto, assim como há entre a despachada (e mandona) Emília e o conservador (e obediente) Visconde de Sabugosa.

Monteiro Lobato era um visionário – mas não completamente livre da mentalidade da sua época. O menino brinca de caçar passarinho e tem um boneco de espiga de milho; a menina vive num mundo de fantasia, e brinca com uma boneca de pano.

No Sítio não há lugar para beijo gay (só pós alucinógenos e casamento entre espécies…), mas vozes femininas são privilegiadas: Narizinho é muito mais criativa que Pedrinho; Emília, mais divertida que o Visconde; Tio Barnabé nunca foi páreo para Tia Nastácia; de Dona Benta, então, nem se fala.

Muitos meninos talvez não se interessem por ler o novo “Narizinho”, o que será uma pena.

Mas há outro argumento de peso para editar o texto de Monteiro Lobato: as expressões racistas.

“Beiço” quer dizer apenas “lábio”, mas tem conotação pejorativa. Talvez Emília faça beicinho ao ser contrariada ou D. Benta lamba os beiços após uma comilança, mas só Tia Nastácia, por ser preta, é referida como beiçuda.

Daí “A boa negra deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira” ter sido reescrito como “Tia Nastácia deu uma risada gostosa.”

O beiço não fez falta.
Antes não incomodava.
Hoje incomoda.

Obras literárias (ainda mais as que caem em domínio público) podem ser livremente adaptadas. Roteiristas e diretores fazem isso o tempo todo ao levá-las para o cinema, o teatro, a televisão.

O texto de hoje (27.09.2019), n’O Globo, é um pequeno delírio sobre que outras mudanças poderiam ser feitas na obra de Monteiro Lobato – e de outros autores de livros infantis.

Um exercício de futurologia, só isso. Lembrando que o futuro não é lá longe: o momento em que você lê este parágrafo já é o futuro de quanto leu o parágrafo que abre o texto.

“A vida vem em ondas, como o mar,”. A onda agora é esta. Qual será a próxima, neste “indo e vindo infinito”?

Fonte: Blog do autor: https://tianeysa.wordpress.com/2019/09/27/reescrevendo-lobato-cia/

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Versejando 122

 

Newton Sampaio (Desvario)

(contos do sertão paranaense)

Na cidadezinha humilde, aquele acontecimento não podia mesmo despertar interesse. Um casamento de pobres, sem convites nem festanças... quem com ele se incomodaria? Os noivos, os padrinhos, as duas famílias... e só. E quando, na tarde esplêndida, o pequeno cortejo atravessou a rua em direção à igreja, notou-se, numa e noutra janela, um arqueamento de bustos. E nas cabeças que apareciam, espiavam olhos de curiosidade. E nos rostos que apontavam, lábios desdenhosos moviam-se, atirando “que parzinho enjoado...”. “Olha o desajeito dele”. “Ché!” Como a esmo exclamações estúpidas: “Esta crise...”

Durvalina Nunes exultava. Sua vida adquiria no momento as mais garridas colorações de felicidade. De família pobre, tendo de trabalhar fora para ajudar os pais há algum tempo vinha já depositando todos os anseios de moça no namoro com o Zeca do Garcia, um rapagão desempenado que dirigia a bodega no fim da rua grande. E, à tarde, de volta do serviço, era sempre um gosto para ela vir pôr ordem na casa, e, em fugidelas medrosas, acolher da janela os olhares desejosos do Zeca. Do namoro ao noivado foi um pulo. E deste ao casamento, nada mais fácil. Naquele dia, portanto, Durvalina, em sua inexperiência, e ingenuidade, e vontade de abandonar a vida de doméstica para cuidar de seu próprio lar, sentiu dentro do peito um estremeção de gozo. E do coração lhe veio uma vontade de ser boa, uma vontade de ser honesta, para consagrar todos os minutos de sua vida à vida dos filhos que viesse a ter...

E, meio zonza, compreendeu à noitinha que se tinha realizado tudo quanto concebera em dias e dias de espera e desejos. E que ela, daquele momento em diante, passava a ser a Durvalina do Zeca, e teria uma casa para cuidar, cheia de venturas incomparáveis.

As semanas, porém, se foram escoando. E as ilusões foram fenecendo. E os primeiros acabrunhamentos vieram galopando na vanguarda de outros acabrunhamentos. Durvalina já desapegara dos lábios aquele sorriso cantante do noivado, e, nos olhos não mais pairava aquela expressão satisfeita. Notou sem dificuldades a progressiva indiferença do Zeca. Para longe tinham ido as promessas de um carinho inextinguível. Para muito longe as esperanças de uma vida conjugal pacífica. Foi então que em seu destino surgiu o consolo da primeira filha. Era linda, de olhos muito verdes. E em sua visão de mãe, Durvalina não podia imaginar criança mais graciosa.

Nela resumiu, portanto, todas as forças de que se julgava capaz para afrontar a vida.

E os dias foram passando... E a vida continuando...

A menina crescia robusta, preludiadas as belezas da moçoila futura pela natureza dadivosa. Mas o Zeca, tornado bêbado incorrigível, envenenava o ambiente do lar com seus maus tratos e boemia interminável, até que, por fim, envolvido numa rixa de canalhas, amanheceu certa vez estendido à porta de uma bodega, com as tripas à mostra. Durvalina aparou o golpe do destino com estoicismo. E chocada pelo imprevisto, pranteou o Zeca, que, afinal de contas, fora sempre seu marido, o eleito de seu coração, e recebera dele, apesar de tudo, requintes de carinhos e amor.

Por esse tempo, Duvalina trazia no ventre sinais de adiantada gestação. E ansiosamente, projetando um mundo de dedicações porvindouras, passou a aguardar o advento da nova criança, que por certo seria linda como a primeira.

No entanto, em meio da floração vigorosa de um setembro invulgar, após aceitar a caridade de espíritos bondosos, por se encontrar sem recursos, teve uma desilusão tremenda. A criança, que ela sempre aguardara linda, lhe saíra disforme, com as duas pernas anquilosas e a metade do rosto hipertrofiada em monstruoso aleijão. Chamou Ayrton ao filho. E procurando, com o infinito amor de mãe, amenizar a criatura teratológica que em suas entranhas concebera, se pôs a procurar colocação. Oferecia-se como doméstica, a profissão de quando mocinha. Mas as portas se fecharam sem piedade. Quem haveria de aceitar em casa uma mulher naquelas condições? Mudou de cidade.

E, em extrema penúria, recorreu ao recurso também extremo. Fez-se mendiga. Suplicou, angustiada, o pão e o agasalho para as duas crianças que agora, mais de que nunca, a prendiam à vida como aflitivo cordão umbilical. E as duas crianças, monopolizando a grandeza de seu amor inteiro, iam padecendo, todavia, na inocência dos destinos que despertam necessidades sem conta.

Os dias se sucediam sobre os dias como as águas do Iguaçu nas sinuosidades do leito. Durvalina esgotara já todas as reservas do organismo. Músculos gastos, era um trambolho que rolava de casa em casa. E ela mais os filhos eram os rebotalhos últimos de uma grande miséria diuturnamente arrastada nas ruas.

Um dia, Durvalina sentiu um estrelejamento no cérebro. Achegou bem ao peito os frutos de seu imenso amor, os quais ela não queria viessem a padecer de futuro os mesmo dissabores. E julgou compreender então porque não encontrava serviço.

Saiu da cidade. Deixou a filha num lado da estrada, recomendando-lhe que a esperasse. A menina estendeu os olhos esplendidamente verdes na terra ressequida que se estirava em frente. E a mãe marchou, apressada, com Ayrton nos braços.

Lá longe espraiavam as ondas azuladas do Iguaçu caudaloso. Durvalina espiou, tendo nos lábios um esgar idiota, o rio misterioso, o rio medonho, cheio de fundões traiçoeiros, o Iguaçu lendário, o Iguaçu profundo, silencioso incompreensível. Uma locomotiva barulhenta, arrastando o cortejo bamboleante dos carros, passou apitando perto de Durvalina. Com o comboio parece que fugiu de seu pensamento a monstruosidade que pudesse haver um crime.

Achegou-se à margem. Lançou em decorrer um olhar temeroso. Num último assomo de consciência beijou freneticamente o filho no aleijão da face. E ali mesmo mergulhou-o na água, cravando-lhe na garganta os dedos trementes. Depois, correu desvairada. Mas estacou logo. Volveu ao rio um olhar congestionado. E percebeu, à flor das águas, a cara hipertrófica do Ayrton, rodando a pouco e pouco, e submergindo lentamente para só deixar lugar aos bracinhos erguidos, que pareciam acenar ainda uma ameaça ou um perdão.

Fonte: Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.  Disponível em Domínio Público

Febo (Caderno de Poemas) – 1

A SONDA


“...and to preserve and cherish the pale blue dot, the only home we've ever know.”*
 (Carl Sagan – astrônomo)


No universo lilás sempiterno e noturno
Trabalhando convicta e científica, a sonda,
Fotografa e registra em maneira hedionda
Os anéis de metais, caracóis de Saturno...

Esticando-se igual ofensiva anaconda,
E negando-se a ponto azulado e sonurno**,
Desenrola Cassini insolente no turno
A bandeira estrelada, a de América em ronda,

Coloniza o planeta, investiga o planeta,
As camadas até que capture-o, que ataque-o
Nas amostras que tira e revela à Gazeta...

De repente, na luz elegante dos astros,
Um nativo arruinando o navio terráqueo,
Dos humanos apaga a qualquer um dos rastros.

[O soneto integra a Antologia Pulpversos - Ficção Científica: 01 (2023)]
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* “...e preservar e valorizar o ponto azul claro, o único lar que conhecemos.”
** Sonurno = que se vê em sonhos.
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INGLÊS XI – “Priscas eras”

Amor, amor nas cortes, vilas, festas
Busquei sensato, insano a todo custo
Qualquer pessoa nestas três florestas
Mostrar de mim o traço mais augusto...

O dom das línguas, ler, saber latim
A fé cristã, bordar, viris valores...
Lutei em grandes guerras; delas vim
Trazendo à pátria glórias, mil louvores   

Rubis e opalas postos neste pote
E antigas armas, meus brasões, emblemas
Doei a quem quisesse como dote
Ninguém comigo quis levar as gemas.
 
Relógio, roda o tempo atrás. Sinceras
Virtudes tenho e são de priscas eras.

[Soneto inglês – Menção Honrosa no 11° Concurso Literário da Academia Madureirense de Letras (2022)]
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ELES!

A fazenda, o café, plantações de um engenho,
Um perfume do mal cintilava em nitrato,
Circular, curvilíneo e global o formato
Das imagens rurais, um estranho desenho...

Alfabeto de longe incompleto, inexato,
Decifrá-lo tentei em sofrível empenho
E da torre enxerguei o tamanho ferrenho,
Colossal dimensão, o mistério no mato...

Anoitece... sutil, a esmeráldica etnia  
Do estrangeiro distante a que cada um dos grifos
Do navio produz em moderna magia.

Temporadas atrás e que tempos aqueles!
Quem teria grafado os pagãos agroglifos*?
A resposta direi, mas assusta-nos: ELES!

[Soneto que integra a II E-Antologia de Poesia Retrô (2022)]
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* Agroglifos = Fenômeno do aparecimento de figuras geométricas ou grandes círculos, sem explicações plausíveis, em plantações de trigo, milho, cevada etc.
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O TROVADOR DAS TREVAS

Precedendo a Quaresma, ao Carnaval,
Bailando a barcarola da Occitânia,
Surgiu em seu delgado e branco corpo,
Ostentando uma taça de altas trevas,
Um cavaleiro a nome trovador,
O mesmo da sextina: Daniel!

Daniel, Daniel, Dan, Daniel!
Chegou cantando o nobre Carnaval,
Pulsando o coração de trovador,
Declamando as sextinas da Occitânia
E no quarto dos hóspedes nas trevas,
Revelou o brocado de seu corpo...

Perdido a tal pecado ao negro corpo,
Tateando o vigor de Daniel,
Eu derramei amor de claras trevas,
Ele falou viril do Carnaval,
Eu conheci o mapa da Occitânia
Ao possuir o escravo trovador!

Eu quem me transformei em trovador
Descrevendo o esmeráldico, alvo corpo
Numa canção sextina da Occitânia...
Daniel, Daniel, Dan, Daniel!
Naquele leito à noite ao Carnaval
Mergulhado em translúcidas mil trevas...

Mas na manhã seguinte em plenas trevas,
Fugiu de meu castelo o trovador
Carregando o brilhante Carnaval
E a cútis asiática do corpo...
Em meus versos trovejo Daniel
Em seu cavalo em Nice, na Occitânia!

Eu mantenho as lembranças d’Occitânia
Nesta minha sextina escrita em trevas,
Daniel, Daniel, Dan, Daniel!
Por que partiu o pobre trovador
Levando o seu divino e rubro corpo,
Quaresmando p’ra sempre o Carnaval?!

CODA
Não volta o Carnaval lá da Occitânia,
Em seu corpo cromático das trevas,
Meu amor trovador dor, Daniel!

[Sextina que integra a III E-Antologia de Poesia Retrô (2023)]

Fonte:
Enviado pelo poeta.

Goulart Gomes (Bilico)

Albérico Cavalcanti Alvarenga Silveira era, sem dúvida alguma, o mais conhecido aluno do colégio interno. Ganhara o apelido – Bilico – da meninada que achou que era muito nome para pouca gente. A princípio ele não gostou muito do apelido, mas como calouro não tem direito a reclamar de nada, ele foi deixando, deixando e acabou se acostumando.

"Bilico", ele pensava, “até que não é tão mal. Podiam ter escolhido um apelido melhor... ou pior. Deixa assim. Fico sendo Bilico, mesmo."

Não demorou muito para ele se tornar conhecido nos outros pavilhões do Colégio. Um corpo alto e magro, quase esquelético, dançando dentro do uniforme folgado, o sapato grande como o nariz e as orelhas e o que era mais marcante e dava o toque final a esta excêntrica figura: os óculos, grandes para o seu estreito rosto, de armação pesada, tipo tartaruga, de lentes grossas, sempre a escorregar-lhe do nariz fino e gorduroso, a calejar-lhe as orelhas.

E justamente aqueles óculos é que era o ponto fraco de Bilico. Que remexessem em suas gavetas, afanassem seu material escolar, riscassem seu uniforme e até comessem a merenda que sua mãe lhe trazia semanalmente, mas que não lhe tirassem os óculos. O "banana" do colégio se transformava numa verdadeira fera, atacava o agressor, tomava-lhe os óculos, ia às vias de fato. Na expressão “calcanhar de Aquiles” ninguém naquele colégio ouvira falar, mas “óculos de Bilico” era de uso corrente.

Todos sabiam quem ele era, todos o consideravam o intelectual, apesar de que ele não era nada de tão extraordinário assim; todos o consideravam um fracote, apesar de nunca terem visto demonstrações suas de covardia; todos o consideravam, feio, sem nunca se deterem para notar a sua beleza interior.

Bilico ajudava os colegas para os exames mensais, “passava colas”, dividia seu material, seu lanche, seu tempo e até seu dinheiro com os colegas. Dividia a atenção e o coleguismo igualmente e, no entanto, não tinha um amigo de verdade, alguém em quem pudesse confiar. Todos queriam explorá-lo, ninguém queria ouvi-lo. Estava sempre à margem de todos os acontecimentos, exceto os da sala de aula. Ele não brincava nem jogava bola; não mexia com as meninas nem atirava pedras nos descuidados passarinhos que tinham a ousadia de por ali passar; não ia aos piqueniques nem às pescarias. Seu mundo resumia-se ao seu armário, onde guardava os livros escolares e de aventuras que os pais lhe traziam. Quando não tinha nada a fazer e já estava cansado de ouvir as piadinhas que os colegas faziam a seu respeito, Bilico deitava-se em sua cama e começava a ler as estórias de Ivanhoé, Robin Hood, Os Três Mosqueteiros e tantas outras, talvez sonhando em um dia ser um deles.

Mas, naquele dia, Bilico não conseguia concentrar-se na leitura. O alvoroço era grande. Haveria um passeio a um rio próximo do Colégio no dia seguinte, com natação, pescarias e tudo mais. Os alunos reuniam-se em pequenos grupos nos corredores, nos quartos, nos jardins, nas salas, em todos os lugares para combinar diversões e jogos que iam fazer.

"Parece que vai ser muito divertido", pensou Bilico, e assumiu imediatamente a ideia que desde logo o assaltou: ir também.
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Os meninos estavam admirados. Enfim o bobão, o cascagrossa do Bilico resolvera entrar para a turma e se divertir um pouco. Bilico sentiu no ar que alguma coisa havia mudado. Ele surpreendera a todos e iria mostrar do que era capaz, de que não entendia só de livros, que era um jovem como outro qualquer, apenas um pouco mais reprimido que o normal.

Ao chegarem, nem tudo saiu como ele esperava. Logo a garotada reenturmou-se e começou a nadar, pular, gritar, se divertir. Bilico foi novamente esquecido a um canto. Subiu a uma imensa rocha e ficou de lá, olhando a garotada se esbaldando. Seu sossego, porém, não durou muito tempo.

Logo alguém lá de baixo o descobriu e gritou:

— Mergulha daí, Bilico!

— Pula, Bilico! - gritou outro.

— Pula, pula, pula! - gritava a meninada em coro.

Bilico, naquele momento, rememorou toda a sua vida escolar, desde quando chegara ao colégio há dois anos, mais bobo ainda, em tudo o que o fizeram passar por sua passividade, suas pequenas alegrias e suas imensas tristezas e concluiu que aquele era o momento de pôr um ponto final em tudo, mostrar que ele era também capaz de fazer tudo que os outros fazem... e pulou.

O corpo de Bilico ainda veio dar à tona uma ou duas vezes, para depois desaparecer definitivamente. Seus óculos foram encontrados algumas horas depois, na margem esquerda do rio.

Fonte:
Goulart Gomes. Todo tipo de gente. Poético Edições, 2011.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 11

 

Coelho Neto (Rosas, corações desfeitos)

Foi com a entrada luminosa de Hermes, ainda cheirando a silvas redolentes, porque subira da terra onde andara a vagar, que se acendeu no coração impetuoso de Zeus o desejo forte do rever a terra em flor, as águas que escorrem nas rochas, os largos praianos dos mares glaucos, os outeiros frondosos dos montes acima dos quais adejam as águias imponentes.

Horas alegres bordavam a tela azul com fios de ouro tirados do novelo do sol; outras, pálidas, de olhos melancólicos, vestidas de negras túnicas funéreas, coroadas de mirto e papoulas, recenavam estrelas para que fulgissem na treva com luz viva e o Olimpo, nessa tarde de maravilhoso encanto, clara e suave como os olhares macios de Afrodite, rejubilava festivamente.

A própria Hera, sempre taciturna no seu ciúme divino, cantava dobrando a lã translúcida das nuvens estivais.

Eis que Zeus, de repente, se levanta, acena à águia cujo olhar fuzila e, assentando-se-lhe no dorso, instiga-a.

Pasmam os deuses; um momento detém-se as horas e o animal soergue-se, arranca, abre as asas largas e arremessa-se nos ares fulgurantes. Desce vertiginosamente como os titãs rebeldes quando rolaram sob as catapultuosas penhas sobrepostas.

Zeus tem ânsia de rever a terra, os homens, os rebanhos; deseja avistar as águas e as verduras, as furnas sombrias e sempre gementes e as clareiras onde o sol retouça. Já os oceanos brilham como sóis e os lagos lampejam como estrelas, cresce o esplendor entre sombras que parecem nuvens e são serras altas e são prados longos e são vales fundos. A terra aparece de uma só cor sombria, alarga-se dilatadamente em alfombra azul, lisa, sã, sem um relevo de colina, mas logo avultam os acidentes redondos, as bolas dos outeiros de fina relva; movem-se lentos rebanhos e homens. Já se acentuam as linhas, rendilham-se as frondes, ondulam os trigais dourados, aves voam cantando, sobe o fresco aroma dos jardins e das searas e o balido dos anões geme. É a terra.

A águia fogo e os olhos claros de Zeus mal distinguem a mansão efêmera dos homens e as suas belezas transitórias que a Morte espreita cobiçosa. Em toda a parte há flores e risos: são danças cíclicas nos prados, partênias (plantas da América do Sul) à volta dos templos, entre cedros; amores à beira d'água. Em tudo a alegria, a alegria, ilusão da tristeza.

Mas longe, à flor dos mares, branca e muda, uma ilha aparece. Toda branca e lisa é como larga lápide nos mares. A águia, guiada pelo deus, paira um momento sobre a desolada paragem de onde não sobem aromas nem rumores. É tudo funéreo: brancas as praias de areal sem dunas, branco o interior apagado da ilha. Nem arvoredo nem ervas, tudo desolação e silêncio e vultos merencórios seguindo as trilhas brancas, como lêmures cimérios, levando de raso, no lento e tristonho andar, as longas túnicas, tão alvas como o areal estéril. Zeus medita um momento e, fazendo baixar a águia sobre um roçado alvadio, salta em terra, desce à planície, torna-se invisível e espreita a gente melancólica que vai e vem, sem falar, sem sorrir, em passos morosos e surdos.

A sua onisciência logo adivinha a causa de tão estranha tristeza e, lesto, retomando a águia, remonta. Entra no olimpo irritado. É a hora quieta em que se recolhem as púrpuras da tarde e se estendem no espaço as alcatifas da noite mosqueadas de estrelas.

Atravessando impetuosamente o vestíbulo fulgurante, Zeus brada o nome de Eros. As brancas pombas de Afrodite, já agasalhadas no columbário, esvoaçam espavoridas ante a cólera estrondosa do acumulador de nuvens; os deuses afastam-se medrosos e, pálida e lânguida, a deusa, filha da espuma egina, temendo pelo filho, precipita-se embrulhando os pequeninos pés na fímbria da túnica diáfana, luminosa e volátil, como feita da bruma e sol, a receber o Pai, já se lhe arrojando ante os joelhos, linda com o pranto, em fios, a descer-lhe dos olhos verdes, cheios de espanto e medo.

Eros, que se adestra asseteando estrelas, ouvindo a voz tonitruante, adianta-se a correr, com a aljava a bater-lhe o dorso, o arco pendente à ilharga e, avistando o Todo Poderoso, retém os ligeiros passos. E Zeus, fitando nele os olhos flamejantes, ergue-o encolerizado sobre a tristeza da ilha que encontrara, branca e muda, dizendo:

— Todos quantos nela vivem são como sombras que penam. As mulheres são lindas, os mancebos são fortes, e cruzam-se indiferentes. Porque os deixaste em tal abandono?

— Senhor, é fácil reparar o crime do esquecimento. Hoje mesmo, com o favor da noite, farei o que devo.

— E antes do raiar do dia quero ter a prova do que fizeste.

— Tereis a prova, Senhor, antes que as estrelas murchem ao sol.

E Eros baixa aladamente do Olimpo.

O galo vigilante de Ares desfere o seu primeiro canto, ainda que sanem horas tenebrosas levando bojudas urnas de orvalho, quando Eros reaparece no Olimpo e, posto que Zeus repouse adormecido, quer dar conta do seu trabalho e, ante o solo divino, fala com palavras aladas.

— Zeus potente, dominador do Éter... – Aclara-se esplendidamente o Olimpo com a refulgência do olhar do esposo de Hera que desperta à voz do infante.

— Que me trazes por prova do que fizeste?

— Nada, Senhor, senão o desejo de que vos certifiqueis, com os vossos olhos, do resultado da
minha empresa. Era a ilha branca e estéril e é hoje verde alfombra, colmada de formosos bosques odoríferos. Era o presídio do silêncio e nela agora o murmúrio das palavras e o sussurro dos beijos são tão perenes como o fragor das águas nas penhas geradoras. Nos seis caminhos balsâmicos não mais se cruzam figuras solitárias, senão pares abraçados e não há moita de onde não saia, por entre o chilreio de aves que se ameigam, palavras trêmulas de bocas de namorados. Das flechas que levei na aljava nem uma só errou o alvo, e de extremo a extremo da ilha, fui acordando para o amor a gente merencória. O sangue gotejava na areia e as flechas por lá ficaram crescendo em floresta acolhedora e de aroma.

Mas Zeus, sempre desconfiado, ordena a Hermes que baixe à ilha, e percorra, trazendo-lhe uma prova do êxito da missão do infante.

E Hermes desce ligeiro sobre a ilha. Tudo vê e, tentando contar os pares que se sucedem nos meandros amáveis do arvoredo, descobre, a tremer na haste, que era uma flecha acúlea, flor purpurina e nova para os seus olhos divinos. Demora-se a vê-la, maravilhado, e como procure lembrar-se da sua origem — ele que conhecia a origem de todas as flores — eis que ouve uma voz, a voz de Herta, a terra maternal:

— Esta flor, cor de púrpura, de pétalas cordeais — é a rosa: nasceu das gotas de sangue que umedeceram as flechas de Eros vitorioso. Conta-lhes as pétalas e terás o numero dos corações feridos que se buscam e não se deixam nesta ilha florida, dantes areal onde nem o cardo vingava.

E Hermes, tomando a flor, regressa ao Olimpo repetindo a Zeus as palavras de Herta e descrevendo-lhe o que vira.

Zeus, então, afagando a imensa e espalhada barba, mais rebrilhante do que a Via Láctea, põe-se a aspirar o aroma da flor, contente por saber que deixara de existir na terra o triste degredo d'almas, onde corações moços se cruzavam com a indiferença com que duas folhas mortas descem na correnteza fria e trêmula de uma ribeira apressada.

Fonte:
Coelho Neto. Fabulário. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Ceio & Irmão, 1924.
Disponível em domínio público.

Jogos Florais de Bragança Paulista (Trovas Premiadas)


ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL
CATEGORIA: VETERANO

Tema: ENLEVO


* * * * * * * * * * * * *
VENCEDORES
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1o. lugar:
No enlevo com que guiavas
meus passos quando eu menino,
sem saber, mãe, tu plantavas
poesia em meu destino!
Gilvan Carneiro da Silva
São Gonçalo - RJ

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2o. lugar:

Deste ao meu peito cansado
tanto alento, tanto enlevo,
que eu tenho nele gravado
teu nome em alto-relevo.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba - PR
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3o. lugar


É o enlevo mais sagrado
dos que a mulher pode ter:
trazer no ventre, abrigado,
o filho que vai nascer!
Paulo Cezar Tórtora
Rio de Janeiro - RJ 
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4o. lugar:

Vi, nos seus olhos, o enlevo
que aos meus o brilho acendeu.
Paixão em alto relevo
que o acaso concedeu.

Carlos Alberto de Assis Cavalcanti
Arcoverde - PE 
 = = = = = = = = =

5o. lugar:


Entre molduras de enlevo,
o meu lar, na tenra idade,
gravou-se em alto-relevo
sobre a tela da saudade…
Antônio Gonçalves Hudson
Santo Antônio do Grama - MG 
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* * * * * * * * * * * * *
MENÇÃO HONROSA
* * * * * * * * * * * * *

Nada desfaz o fulgor,
quando em teus braços me ponho…
Bendito o enlevo do amor
de quem não tinha mais sonho!
Clenir Neves Ribeiro
Nova Friburgo - RJ

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Mesmo com graça infinita
desde o momento em que nasce,
a flor não é mais bonita
que o enlevo da tua face!
Maria Lúcia Spadarotto Neves
Itaperuna - RJ

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Do enlevo desse sorriso,
que me aquece o coração,
vem, no momento preciso,
o despertar da paixão.
Luisa Maria Garbazza Andrade
Bom Despacho - MG

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* * * * * * * * * * * * *
MENÇÃO ESPECIAL
* * * * * * * * * * * * *

O meu enlevo é divino
quando em teu peito me enrolo
e sonho feito um menino
cochilando no teu colo.
Francisco Gabriel
Natal - RN

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Minha esperança se alteia,
se enche de orgulho e se acalma,
quando em êxtase vagueia
o teu enlevo em minha alma!
Professor Garcia
Caicó - RN
 = = = = = = = = =
 
ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL
CATEGORIA: NOVO TROVADOR

Tema: ENLEVO


* * * * * * * * * * * * *
VENCEDORES
* * * * * * * * * * * * *

1o. lugar:
O enlevo da vida some
quando a criança - sem pão -
sacia, na rua, a fome
catando lixo no chão...!
Ramon Barros de Brito
Caicó - RN

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2o. lugar:
Lua que nasce solene,
no enlevo do Sol poente,
torna tudo o que é perene
um êxtase permanente...
Teresinha Aparecida Ponciano.
Porto Alegre - RS.

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3o. lugar:
Dona de mim, eu me atrevo
a sonhar com teu amor...
És sol, poesia e enlevo
deste humilde trovador.
Pedro Oliveira Dutra Neto
São José de Ribamar – MA

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4o. lugar:
Que enlevo! Quanta emoção
em ver esse amanhecer…
A natureza em ação
reflete em todo o meu ser!
Eunice Silva
Cabo Frio - RJ

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5o. lugar:
Enquanto o mar se espreguiça
no enlevo de aves marinhas,
meu olhar longe cobiça
as estrelas mais sozinhas.
Wanda Cristina da Cunha e Silva
São Luís - Maranhão

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MENÇÃO HONROSA
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No instante em que os olhos teus
fecham-se ao beijo que atrevo,
os teus prazeres são meus,
e é teu meu maior enlevo.
Geisa da Silva Moreira Alves
Resende - RJ

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Serás sempre meu amado,
meu enlevo, meu segredo,
nosso amor não é pecado
nem o coração, brinquedo.
Maria Mendes de Oliveira Santos
Itaperuna - RJ

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O enlevo que nos alcança
nos momentos de oração,
com a paz faz aliança,
sublimando o coração.
Rosinéa Siqueira
Campos dos Goytacazes - RJ 
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MENÇÃO ESPECIAL
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Com a trova faço enlevo
que alegra o meu coração
e com grande amor inscrevo
seu nome, minha paixão.
Francisco José Moreira Lopes
Maranguape/CE

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De manhã, no alvorecer,
sob a luz de um novo dia,
é enlevo do Ser, viver,
no enlevo que a vida fia!!!
Hudson de Almeida 
Alfenas - MG
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ÂMBITO ESTADUAL (SÃO PAULO)
CATEGORIA: VETERANO

Tema: RISO

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VENCEDORES
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1o. lugar
O riso de zombaria,
que fazes com tanto gosto,
é uma pobre alma vazia,
que pede ajuda em teu rosto…
Roberto Tchepelentyky
São Paulo/SP

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2o. lugar:
Gosto do teu riso exposto
que é sincero e verdadeiro;
bela alvorada em teu rosto,
é o sol que vejo primeiro.
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo/SP

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3o. lugar:
Não há alegria que aguente
e é preciso pensar bem
sempre que o riso da gente
faz a tristeza de alguém…
Renata Paccola
São Paulo/SP

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4o. lugar:
Na tristeza ou na alegria
exibe no rosto um riso,
alguém que, no dia a dia,
vê que sorrir... é preciso!
Maria Aparecida Ferreira Lima
Campinas/SP

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5o. lugar:
O teu riso encantador
tal qual a noite estrelada,
ameniza a minha dor
iluminando a jornada!..
Regina Rinaldi
Pariquera-Açu/SP

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MENÇÃO HONROSA
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Receita pra vida inteira:
riso fácil, riso farto.
Essa receita caseira
é remédio contra infarto.
Geraldo Trombin
Americana/SP

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“ Sinto-me tão orgulhoso!”
É o que o vovô sempre diz,
ao ver o riso gostoso
do neto, que é tão feliz!!!
Antonio Colavite Filho
Santos/SP

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O riso é igual ao calor
que malogra o algoz insano,
espanta o inverno interior
e aclara o semblante humano.
Elias Pescador
Capão Bonito/SP

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No aconchego deste riso
eu repouso o meu olhar
e quase perco o juízo.
Teu riso me faz sonhar.
Solange Colombara
São Paulo/SP

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MENÇÃO ESPECIAL
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Contra o choro do sofrer
que o remédio seja o riso,
pleno de seu bem-querer
e do amor que for preciso.
Luiz Moraes
São José dos Campos/SP

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ÂMBITO ESTADUAL (SÃO PAULO)
CATEGORIA: NOVO TROVADOR

Tema: RISO

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VENCEDORES

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1o. lugar:
Debaixo de uma pintura,
o palhaço esconde o rosto.
Com seu riso, ele mistura:
felicidade e desgosto!
Moisés Fonseca Simões
Suzano/SP

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2o.lugar:
No picadeiro o palhaço,
solta o riso de tristeza
e mesmo num curto espaço,
faz-se feliz, com certeza!
Maria Teresinha Cirilo dos Santos
Taubaté/SP
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3o. lugar:
O teu semblante e o teu riso
não saem da minha mente;
tinha em mãos o paraíso
e me escapou de repente.
Maria Sueli Fonseca Gonçalves
Itanhaém/SP

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4o. lugar:
Vejo o mundo desabar,
mas a esperança renasce
quando eu posso colocar
um só riso em cada face.
Adelgício Ribeiro de Paula
Franco da Rocha/SP

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5o. lugar:
Se há, para tudo, um remédio,
é preciso destacar:
O riso alivia o tédio…
Ele é capaz de curar!
Mirian Menezes de Oliveira
Taubaté/SP

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Menção Honrosa
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A paz eu sinto chegar,
e um riso eu ponho na face,
pra alegrar e aconchegar
os restos do nosso enlace!
Leonora Brandão
Taubaté/SP

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Brincadeira no quintal,
o riso infantil encanta,
e rejubila o alto astral,
e a esperança se agiganta.
Mércia Gama
Taubaté/SP

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Viver é um grande espetáculo
que de nós extrai o riso.
A mente cria o cenáculo,
deste viver que eu preciso.
Anderson Gregório
Taubaté/SP

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MENÇÃO ESPECIAL
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Riso é manifestação,
induz a comicidade…
Sentimento de expressão
reinando a felicidade…
Maria Helena Braz dos Santos
Santos/SP

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Carnaval, quanta magia…
Foliões pelo salão…
Fantasias…Euforia…
Muito riso… Até paixão…!
Maria Eulália Braz de Oliveira
Santos - SP

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