domingo, 14 de janeiro de 2024

Caldeirão Poético LXXVI


Cid Silveira 
São Vicente/SP, 1910 – ????

CAIS

Na faina do porto gemia o guindaste,
jogando no pátio de pedras, de chofre,
a mercadoria pendendo-lhe da haste,
dezenas de sacos de pedra de enxofre.

Os trabalhadores das docas, externos,
não usam camisa, mas faixa na ilharga.
Trabalham nas furnas do pior dos infernos,
porões tenebrosos dos buques de carga.

O ar a empestado, sufoca; dá nojo
o pó amarelo, pesado, que dança
por cima dos homens que arrancam do bojo
do barco esse enxofre que ao porto se lança.

E o porto, ressoante de silvos, é teatro
de cenas medonhas, protestos, clamores!
Mas como o cargueiro sairá logo às quatro,
prossegue o trabalho dos estivadores.

Gaivotas inquietas esvoaçam à tona
das águas oleosas do estuário parado.
E finda o serviço só quando, com a lona,
se cobre o profundo porão esvaziado.

Mas logo no dia seguinte, de novo
começa o trabalho, com pragas e cantos.
É heroica a existência dos homens do povo,
dos trabalhadores das docas de Santos.
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Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

POETA

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
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Francisco José Pessoa 
(Francisco José Pessoa de Andrade Reis)
Fortaleza/CE, 1949 – 2020

EXCESSO DE BAGAGEM

Se promessas são dívidas ou não
Eis-me aqui, são e salvo neste frio,
Vindo do norte de um calor bravio
Para provar a minha gratidão.
Pus poesia no meu matulão*
Mandei o Haroldo* reservar passagem
Viemos juntos para esta viagem
Trazendo tanto, tanto, tanto amor
Que no check-in, acredite o senhor,
Foi registrado EXCESSO DE BAGAGEM.

Mas eu paguei feliz o tal imposto
E pagaria tudo uma outra vez
Só pelo fato de estar com vocês
E poder abraçá-los rosto a rosto.
Falar ao vivo tem um outro gosto 
Participar dessa camaradagem
Amizade fiel, sem maquiagem,
E de tanta afeição, tenho certeza
No check-in ao voltar pra Fortaleza,
Vou pagar outro EXCESSO DE BAGAGEM!
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* Matulão: Saco onde os retirantes nordestinos carregavam seus pertences.
** Haroldo a que o poeta se refere, é outro poeta, Haroldo Lyra.
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Lucas Munhoz
Indaiatuba/SP

O ESPELHO DO MAR

Olha-me, pelo espelho... Os meus poderes!
Lembro-me, se cessar os teus fulgores;
Lembro-me, ao meu olhar dos ditadores
Ao luar poderoso, sem tolheres!...

 D´água que chora o Deus, pelos colheres!
 A lua primorosa, e os teus rigores
 Dos ares perfumosos, pelas flores
 Tens os entes perfeitos dos cozeres.

 Quanto a ti, pelos sonhos desejáveis!
 Lua, e os meus corações que me conheces
 São os deuses amáveis e adoráveis.

 Ao mar dos corações, pelo carinho!
 Amo-te, agora foste o mar que teces...
 Olho-te, pelo véu limpo, sozinho.
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Vicente de Carvalho 
(Vicente Augusto de Carvalho)
Santos/SP, 1866 – 1924

SONETO DA DEFENSIVA

Enganei-me supondo que, de altiva,
Desdenhosa, tu vias sem receio
Desabrochar de um simples galanteio
A agreste flor desta paixão tão viva.

Era segredo teu? Adivinhei-o;
Hoje sei tudo: alerta, em defensiva,
O coração que eu tento e se me esquiva
Treme, treme de susto no teu seio.

Errou quem disse que as paixões são cegas;
Veem... Deixam-se ver... Debalde insistes;
Que mais defendes, se tu'alma entregas?

Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes)
Que tu, negando o amor que em vão me negas,
Mais a ti mesma do que a mim resistes.

Contos das Mil e Uma Noites (Abdala Terra e Abdala Mar)

Conta-se - mas Alá é mais bem-informado - que havia certa vez um pescador chamado Abdala, que tinha uma mulher e nove filhos a sustentar e era muito pobre. Sua rede constituía seu único sustento, sua loja, sua profissão e a porta de segurança de sua casa. Lançava-a ao mar todos os dias, vendia o que apanhava e gastava o que recebia, dizendo: “O pão de amanhã virá amanhã.” 

Chegou um dia em que a mulher deu à luz um décimo menino (pois seus outros nove filhos eram também varões pela graça de Alá!), e não havia em casa sequer um pedaço de pão para comer. Abdala saiu, dizendo que iria lançar a rede em nome do recém-nascido. Pediu as bênçãos de Alá e lançou a rede. Quando a retirou, estava cheia de estrume, areia, cascalhos e algas marinhas, sem uma sombra de peixe.

Entristecido e surpreso, o pescador gritou: “Terá Alá criado essa criança sem prover-lhe o sustento? Não pode ser. Ele tomou a si satisfazer as necessidades de todas as suas criaturas, o Generoso, o Sábio. Glorificado seja seu nome.” 

Andou na praia e lançou a rede noutro lugar. Quando quis retirá-la, estava muito pesada. Nela encontrou um burro morto e fedendo. O pescador revoltou-se e pensou:

“Este azar vem de minha mulher. Quantas vezes disse-lhe que o mar nada mais tinha para nós e que deveríamos mudar de profissão. Mas ela fica repetindo: “Alá karim! Alá karim! Sua generosidade não tem limites. Não desesperes, ó pai de meus filhos! Onde está a generosidade de Alá? Simbolizará este asno morto o destino de meu último filho?” 

Por um tempo, Abdala ficou paralisado pela decepção, mas acabou reagindo, pediu perdão a Alá por suas dúvidas, e jogou mais uma vez a rede ao mar. Sentiu-a mais pesada ainda do que da segunda vez.

Depois de traze-la para a costa com muitos esforços, teve a estupefação de encontrar nela um ser humano um filho de Adão que tinha cabeça, faces, barba, corpo e braços como os outros homens, mas acabava em rabo de peixe. 

Abdala não teve dúvida de que estava na presença de um Afrit, um daqueles que se tinham rebelado contra nosso mestre Soleiman Ibn Daud e tinham sido encarcerados em barris de cobre e jogados no mar. Com o tempo, pensou o pescador, o metal apodreceu; o Afrit escapou e segurou-se na minha rede para vir à terra. E pôs-se a correr na praia, aterrorizado e gritando: “Tem pena de mim, tem pena de mim, ó Afrit de Soleiman!” 

Mas o homem da rede chamou-o: “Vem para perto de mim, ó pescador, e não tenhas medo. Eu não sou nem Afrit nem Marid nem Ghul. Sou um homem como tu. Se me ajudares a sair desta rede, cumular-te-ei com riquezas.” 

O pescador se acalmou e aproximou-se com prudência da estranha criatura. E esta repetiu: “Não sou nem Afrit nem Marid nem Ghul. Sou um homem que crê em Alá e em Maomé, seu profeta. 

- E quem te jogou no mar? 

- Ninguém me jogou no mar. Eu nasci lá. Sou um dos filhos do mar, um povo numeroso que vive nas profundezas marítimas. Vivemos no mar como vós viveis na terra e como os pássaros vivem no ar. Somos muçulmanos e seguimos os preceitos do Livro. Tua rede me captou pelo decreto do destino. Mas agora quero ser-te útil. Aceitas entrar num pacto comigo pelo qual cada um jura ser amigo do outro, dar e receber presentes? Por exemplo, tu virias aqui todos os dias trazendo-me as frutas da terra: uva, figos, melancia, melão, pêssegos, ameixas, romãs, bananas, tâmaras. E eu te traria os frutos do mar: coral, pérolas, crisólitos, águas-marinhas, esmeraldas, safiras, rubis. Encheria a própria cesta na qual tu me trarias frutas. Aceitas? 

- Quem não aceitaria? respondeu o pescador com alegria. Mas, primeiro, vamos selar nosso pacto com a autoridade da Fatiha. 

O homem do mar concordou, e os dois recitaram a primeira sura do Alcorão em alta voz. Então, Abdala libertou seu cativo. 

- Qual é teu nome? Perguntou-lhe 

- Abdala, respondeu o homem do mar. Se, por acaso, não me encontrares aqui quando vieres pela manhã, chama-me por este nome e logo sairei das águas e virei a teu encontro. E qual é o teu nome, meu irmão? 

– Chamo-me também Abdala. 

- Que auspiciosa coincidência, gritou o outro. Tu és Abdala Terra e eu sou Abdala Mar. Espera que te traga já um primeiro presente.

E o homem mergulhou no mar. Quando saiu após um momento, suas duas mãos estavam carregadas de pérolas, corais, esmeraldas, jacintos, rubis e outras pedras preciosas, que ofereceu ao pescador, dizendo: “Lamento que seja tão pouco hoje porque não disponho de cestas. Mas quando me trouxeres uma cesta, enchê-la-ei até a beirada. E não esqueças nosso pacto. Volta para cá a cada levantar do sol.”

Depois, despediu-se do pescador e desapareceu no mar. Abdala estava maravilhado. Voltou para a cidade, bêbado de alegria. Parou à porta do benevolente padeiro que tinha sido bom para com ele nos dias sombrios.

“Irmão,” disse-lhe, “a fortuna começa a andar no meu caminho. Tu sempre me disseste: “Se tens pouco dinheiro, paga o que podes. Se nada tens, leva todo o pão de que precisas para tua família e paga-me quando a prosperidade descobrir o caminho de tua casa.” Meu bom amigo, a prosperidade já é meu conviva. Contudo, o que te ofereço hoje é pouco em vista de tua cordialidade quando a necessidade me esmagava. Aceita este presente agora. Muito mais virá.” 

Falando assim, o pescador ofereceu ao padeiro mais da metade das joias que Abdala Mar lhe trouxera. Pediu-lhe algum dinheiro, e foi ao mercado comprar carne, vegetais, frutas e doces. Abdala contou à mulher tudo que lhe acontecera e, cedo no dia seguinte, voltou à praia carregando um cesto cheio de todas as frutas. Não vendo Abdala Mar, bateu as mãos e chamou: “Onde estás, Abdala Mar?”

Imediatamente, uma voz respondeu-lhe de baixo das ondas: “Aqui estou.” E logo o outro apareceu e recebeu com agradecimentos o cesto de frutas. Mergulhou e voltou com o cesto sobrecarregado de esmeraldas, águas-marinhas, topázios, diamantes e os demais frutos esplêndidos do oceano. Na volta, Abdala Terra deu a metade do cesto ao padeiro. Depois, escolheu as amostras mais finas de cada espécie e cor e levou-as aos joalheiros do mercado. 

O síndico dos joalheiros perguntou-lhe: “Tens mais dessas?” Respondeu Abdala: “Tenho um cesto cheio.” 

- Prendei este homem, gritou o síndico. É o ladrão que roubou as joias da rainha.

Juntaram-se todos os joalheiros, e cada um atribuiu ao pescador algum roubo de joias cujo autor não fora identificado. Abdala guardou silêncio, nem confirmando, nem negando as acusações. Deixou-se levar ao sultão pelo síndico e os joalheiros, que esperavam vê-lo confessar seus crimes e ser enforcado na hora. Disse o sultão a seu eunuco-chefe: “Leva estas joias a tua ama, rogando lhe dizer se são as joias que perdeu.” 

Ao ver as joias, a rainha ficou maravilhada e respondeu: “Não são minhas. Eu encontrei meu colar. Estas são bem mais belas que as minhas e não têm iguais no mundo. Corre, ó eunuco, e pede ao rei para comprar um colar destes para nossa filha Ikbal.” 

Quando o rei ouviu a resposta da rainha, censurou duramente o síndico e os joalheiros por haverem prendido e maltratado um homem inocente. 

- Ó rei do tempo, defendeu-se o síndico, nós sabíamos que este homem era um pobre pescador; assim, quando vimos essas joias entre suas mãos e soubemos que possuía ainda um cesto cheiro delas, concluímos que essa riqueza era grande demais para ser adquirida honestamente.

Essa resposta enfureceu o rei ainda mais. Gritou: “Ó mentes vulgares, ó heréticos, ó almas presas à terra! Não sabeis que qualquer fortuna, não importa quão maravilhosa e repentina, é possibilidade no destino de todo verdadeiro crente? Desgraçados, tivestes a impudência de condenar este homem sem interrogá-lo e sem nada verificar sob o texto absurdo de que tal riqueza era grande demais para ele. Vós o tratastes de ladrão e o desonrastes. Não pensastes um minuto em Alá que distribui seus favores sem a mesquinhez comum aos joalheiros? Sumi da minha frente e possa Alá recusar-vos suas dádivas.” 

Após consolar Abdala, perguntou-lhe o rei como havia obtido esses tesouros. Abdala contou-lhe toda a sua aventura com o homem do mar e o pacto que fizeram. O rei maravilhou-se com a generosidade de Alá para com seus fiéis, e disse ao pescador: “Esta fortuna estava escrita no teu destino. Devo apenas avisar-te que as riquezas precisam de proteção e que um homem rico deve ocupar uma alta posição. Querendo defender-te contra as incertezas do futuro, casar-te-ei com minha filha única Ikbal, que já está na idade certa, e nomear-te-ei meu vizir, ligando-te assim ao trono antes de minha morte.” 

E assim foi feito. Abdala, que fora um pescador e era agora vizir do rei, desempenhou-se de suas novas funções a contento de todos e nunca esqueceu de carregar as frutas de cada estação a seu amigo Abdala Mar em troca de pedras e metais preciosos. Assim, cada manhã suas riquezas aumentavam de um cesto cheio de joias. 

Um dia, os dois Abdalas se detiveram a conversar na praia, e Abdala Terra perguntou a Abdala Mar: “Nunca me falaste de teu país. Ele é belo?” Respondeu Abdala Mar: “É muito belo. Se quiseres, posso levar-te comigo às profundezas do mar e mostrar-te as suas inúmeras maravilhas. Visitarás minha casa e serás meu hóspede.” 

- Mas como poderei sobreviver no mar? A água penetraria meu corpo e me afogaria. Eu nasci para viver na terra. 

- Não te preocupes com isso, retrucou Abdala Mar. Dar-te-ei um unguento que, passado no teu corpo, permitir-te-á permanecer comigo no mar tanto tempo quanto desejares sem te prejudicar de maneira alguma.

Abdala Terra concordou, e seu companheiro mergulhou e voltou logo com o unguento. E os dois amigos entraram juntos no mar. Quando atingiram as profundezas, Abdala Terra abriu os olhos e viu campinas marinhas que nenhum olho terrestre havia visto desde a aurora dos tempos. Viu florestas de coral vermelho, de coral branco, de coral cor-de-rosa. Viu cavernas de diamantes sustentadas por pilares de rubi, crisólitos, berilo, topázio, ouro. Viu peixes como flores, peixes como frutas, peixes como pássaros, peixes como búfalos, vacas, cachorros e alguns até como homens. Andou entre montes de pérolas, esmeraldas, ouro, diamantes. Deslumbrado, Abdala Terra perguntou a Abdala Mar: “Será que existem cidades no teu país, similares às cidades da terra?” “Se há cidades em meu país? repetiu Abdala Mar. Pela vida do Profeta, se passasses mil anos conosco, mostrar-te-ia uma nova cidade por dia e em cada cidade mil maravilhas - e não terias visto dez por cento das cidades de meu país... Como nosso tempo é limitado, quero que visites agora minha cidade e conheças minha família.” 

E Abdala Mar levou seu companheiro através dos espaços marítimos até que chegaram a sua cidade. Parou diante de uma casa e disse-lhe: “Entra, irmão. Este é meu lar.” E chamou a filha. Logo apareceu uma linda adolescente cujo longo cabelo flutuava na água. Tinha busto, ventre, grandes olhos verdes com sobrancelhas pretas e um corpo delgado, mas não tinha nem pernas, pois o corpo terminava com uma cauda. Após considerar com curiosidade o homem da terra, a moça desatou a rir. 

“Pai, quem é esse sem cauda?” “Este é o meu amigo Abdala Terra que me tem trazido aquelas frutas de que tanto gostas,” respondeu o pai. “Vem cumprimentá-lo.” 

Antes que pudessem terminar a conversação, apareceu na soleira da porta a mulher de Abdala Mar, carregando duas crianças nos braços. Assim que viu o filho de Adão, colocou as crianças no chão e riu gostosamente. “Por Alá, como pode alguém viver sem cauda?” Mãe e filha repetiram juntas: “um sem-cauda.” E dançaram e riram. 

Abdala Terra ofendeu-se e disse ao amigo: “Será que me trouxeste aqui para fazer de mim um objeto de zombaria para tua mulher e filha?” Respondeu Abdala Mar: “Não lhes dês atenção. Como as mulheres da terra nossas mulheres têm pouco juízo.” 

Enquanto falavam, entraram dez altos e vigorosos homens-mar e disseram ao dono da casa: “Nosso rei ouviu falar no teu convidado sem-cauda e deseja conhecê-lo e ver como é feito. Pois ouviu dizer que tem alguma coisa extraordinária atrás e outra coisa ainda mais extraordinária na frente.” 

Os dois Abdala foram logo ao palácio real. Ao ver o homem da terra, o rei sorriu e exclamou: “Como acontece de não teres cauda, ó visitante de outro mundo?” 

– Não sei, Majestade. Todos os homens da terra são como eu. 

- E como chamas essa coisa que tens no lugar da cauda atrás? 

- Alguns chamam-na traseiro; outros a chamam nádegas; outros a chamam bumbum. 

- E para que serve? 

- Para sentar-se nela quando se está cansado. Nas mulheres é um ornamento muito apreciado, especialmente quando visivelmente saliente. 

O rei e a sua corte riram mais do que nunca a essas respostas. E Abdala Terra levantou os braços ao céu, dizendo: “Glorificado Alá que criou o traseiro para ser uma glória num mundo e um motivo de escárnio num outro.” 

Finalmente, disse o rei: “Ó sem-cauda, teu traseiro me agrada tanto que podes pedir o que quiseres.” – “Só tenho dois pedidos, Majestade;” respondeu o visitante: “ser devolvido à terra, e levar comigo muitas das joias do mar.”

O rei disse-lhe: “Podes levar tudo que conseguires carregar.” 

Abdala voltou à terra sob o peso das mil joias que conseguiu carregar, visitou seu rei, contou-lhe a história de sua visita marinha e ofereceu-lhe muitas das joias trazidas. O rei ficou encantado, mas disse a Abdala: “Não gostaria de ver-te visitar aquela gente indelicada outra vez. 

O provérbio diz: “Copo que cai, nem sempre permanece inteiro.” Abdala concordou. E todos viveram em paz e felizes até que foram visitados pelo demônio da morte, demolidor das alegrias e separador dos amigos.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.

Hinos de Cidades Brasileiras (Recife/PE)


Letra: Manoel Aarão e Música: Nelson Ferreira

Mauricéia, um clarão de vitória,
A visão de tua alma produz.
Toda vez que do cimo da história, 
Se desenha o teu nome de luz

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

Mauricéia, um fulgor vive agora,
Que da Pátria foi belo fanal.
Dezessete! Que data e que aurora,
Coroando a cidade imortal.

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

E depois, com suprema ousadia,
Uma voz se exaltou senhoril,
Vinte e quatro! É daqui que irradia,
Nova luz para o céu do Brasil

Tecida de claridade
Recife sonha ao luar
Lendária e heroica cidade,
Plantada à beira-mar
(2x)

O nosso português de cada dia – 04 –

 

Aparecido Raimundo de Souza (Cacos)

“Ok, você pediu
você plantou 
você se abriu
você sonhou
e acordou
entre suspiros
a olhar para a distância
uma vida a esperar...” 
(“Cacos”, de Vander Lee)

Há exatamente dois anos, uma menina espevitada e cheia de sonhos que encontrei num parque dessa cidade, resolveu fazer parte da minha vida. Começava, ali, nosso caminho em direção ao futuro. Uma senda incerta, logicamente, cheia de precipícios e buracos negros, onde a qualquer momento poderíamos, num pequeno descuido, cair de cabeça num abismo sem volta. Como um relógio que regula o tempo, medido por estalidos produzidos por pequenas engrenagens, de repente ela se transformou nos meus ponteiros norteando os horizontes e também marcando as horas e os minutos da minha existência. 

Passei, assim, no meu desvairamento, a fazer parte desse mecanismo, iludido do seu amor e do seu processo galante de cativar o mais íntimo existente dentro de meu “eu” interior. Como um ignóbil e sem razão, levado pela magia da sua pele aveludada, me entreguei à gula da sua luxuria envolvente. Foi meu mal. Ao fim de certo período, ela parou de marcar as minhas horas e, igualmente, o meu tempo. O tempo justo, o que considerava o meu maior aliado, me traiu com uma facada certeira na alma desguarnecida. Ao invés de fustigar meus ímpetos a continuarem vivendo, ou, por outra, a guiar meu ser combalido por trilhas ainda não caminhadas, essa quadra se vestiu de amarguras. Enlutado por esse derrame irreparável, morreu o que em mim havia de melhor. E eu fui de roldão. 

Desde então, como um louco suicida, passei a correr atabalhoadamente ao encontro de um amanhã incerto. Esse momento babélico, a mim me parece, até agora, não ter retorno. Nesses bons anos de convivência, eu e a menina espevitada dividimos realidades. Construímos promessas e escrevemos esperanças nos regozijos de sermos um só pulsar na mesma emoção de edificarmos uma vida à dois, que parecia sem limites para nunca deixarmos de acreditar em enfados e amarumes (amargores). Por longos janeiros, nossas camisas e vestidos, sapatos e sandálias, cuecas e calcinhas, se entrelaçaram em igual espaço no mesmo guarda-roupas, bem como, na cozinha os pratos e os talheres, as xícaras e os copos se embaralharam convivendo pacificamente como bons vizinhos. 

As noites que sucederam as nossas vidas no “mesmo comum,” se tornaram simples como a de outros casais, além do que  tinham um toque sutil e mavioso que acima de tudo faziam resplandecer um rosário infindável de originalidades à toda prova. Na recolha do quarto, nos enroscávamos. Nos fundíamos, abraços e apertos, pernas e chamegos espocando carinhos. A volúpia da carne...  nessa loucura plena, nesse abrasamento que incendiava, viajávamos acasalados ao sabor da posse, como quimeras de imensidão transcendendo o sobrenatural. Tomados pelo desejo irrefreável, manchávamos os lençóis branquinhos onde queimávamos os corpos descontrolados em desejos, os mais pecaminosos como dois tresloucados no mormaço que explodia de nossas vicissitudes nascidas do mais profundo da alma. 

De repente tudo acabou.  Emparelhou ao nosso lado, a desolação insegura com a sua cara fechada, os olhos negros ofuscados de destruição. A desgraça também se fez presente. Desceu o véu do desconforto e nos envolveu num agastamento sem volta. Por conta, cada um seguiu, para um lado. Foi um final sem a proteção da felicidade, sem a magia da esperança. Enfim, sem meios para se voltar a pensar em qualquer tipo de reconstrução. Hoje, passados tantos anos, ainda sinto escorrer por sobre a minha pele, o suor do fogo abrasador que nos envolvia. Ouço sons obsequiosos, os gritos dela se condensando ao meu prazer, deblaterando sem freios levando os nossos desejos a bel prazer quase às raias da neurastenia. 

Ora, pois! A indagação que ficou entalada me questiona: se era bonito e eterno, por qual motivo acabou? O que interferiu no nosso conto de fadas, a ponto de deixar em cacos o melhor e o mais sublime do que conhecíamos como celestial encantamento? Custou-me um bocado a atinar com a resposta. Com o “xis da questão.” Por fim, descobri a chaga que matou o que parecia impossível chegar à óbito. Uma senhorita, uma moça sem importância. Isso mesmo! Uma ragazza que veio me prestar um favor. Pena que a minha cara metade tenha entendido de maneira errada esse gesto banal. Levada, pois, pelo clamor da leviandade o meu bem deduziu que nos entalhamentos daquele obséquio, se escondiam suspiros mais profundos. 

Esses agrados se enveredaram em sua mente imaginosa pelas raias de uma suposta traição. Por consequência, a minha princesa passou as mãos em suas coisas. Transformou tudo em malas e embrulhos e ganhou a rua deserta que se abria obscura e incerta, a partir do portal da nossa intimidade. Inconformado, ainda hoje me questiono: cadê o amor? Onde ficaram as promessas, as juras, os devaneios, os momentos bonitos que vivemos? Se faz penoso e difícil para eu acreditar nesses dias todos que se esvaíram. Me é afadigado engolir   a convicção de que ela tenha jogado tudo para o alto. O carinho, a amizade, o companheirismo... onde se quedou, em que lugar do nosso trajeto tudo aquilo que construímos e passamos juntos ficou no guardado do esquecido? 

Por quem você mal viu
e até chorou quando partiu
que procurou
mas estava a mil
agora esquece 
essa intenção
que vida acende
o candelabro da razão” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Na verdade, eu só queria falar que hoje, por acaso, ao ligar a minha rádio na FM favorita, ouvi a nossa música.  A canção do Vander Lee que num repente me fez voltar ao passado. E eu fui para ele como o pássaro que se sente atraído pelos olhos de uma serpente. Regressei ao “nosso ontem” situado num “espaço-tempo,” no qual ainda não sei quantos anos me restam para viver. Se ela pudesse me ouvir, ah, se ela pudesse me ouvir, diria sem mais delongas dos meus sentimentos mais puros. Falaria das minhas fraquezas, exporia meus medos, revelaria meus segredos e inseguranças. Berraria um “EU TE AMO” à voz solta. 

Gritaria todo o meu rosário de pedidos explicitando à minha maneira de demonstrar o imorredouro amor e o meu gostar. Procuraria deixar claro a ela, que o amor, o verdadeiro, é algo mais profundo, tipo um arrimado que não se mede nem se explica. O que mantém pulsante a chama do amor sem limites é a intensidade com que os sentimentos fluem de dentro da alma. Explicaria também a ela, que apesar da idade, eu tenho uma criança em meu interior. Um ser que não cresceu, nem atingiu a maturidade. Ela é carente, baldada de deficiências, apesar dos anos vividos. Se faz frívola e ineficaz de carinho, de mãos amigas, de palavras de conforto e calor humano. 

Está desejosa, na verdade, de tudo. Ela é uma beldade incompleta. Se tornou rebelde, e não só isso, se fez inconclusa, porque nunca encontrou o verdadeiro lugar, ou seja, o seu cantinho nesse mundo de loucos e débeis aloprados. Por derradeiro, observaria ao meu amor, que a sua presença em mim, é uma necessidade premente e muito importante. A falta dessa aventura se escafedeu. Virou doença desconhecida e, portanto, incurável. Em paralelo, se frutificou numa raridade psicótica em estado analto (incurável) e eu me prendi como náufrago em mar proceloso agarrado a uma tosca e grosseira tábua da salvação.     

“Juntando outros lados
da mesma questão
as cartas na mesa
e as cinzas no chão
dispenso as certezas
mas presto atenção
recolho meus cacos
e deixo nos braços
da canção...” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Estou me sentindo, nesse momento, como um filho ao relento, ao acaso das intempéries. Um ser atribulado que ficou órfão de pai e mãe. Me flagro enfraquecido, me vejo desprotegido. Sem abrigo. Vazio, oco. Sem rumo, às garras do Deus-dará. Na verdade, eu só queria, no final de tudo... no fundo, no âmago do que aconteceu, eu só precisaria dizer que se ela voltasse e me desse colo para dormir no aconchego do seu calor, eu seria... eu seria o homem mais feliz na face da Terra. Contudo, reconheço, não existe a possibilidade de uma restituição, ou de uma readmissão. Preciso ser forte, sobretudo me tornar indestrutível. Darei a volta. Farei isso passando por cima... e sacudindo a poeira...  

“Eu vou dar a volta
olho a minha volta 
nada tem volta
volta...” 
(“Cacos”, Vander Lee)

Fonte: Texto enviado pelo autor 

sábado, 13 de janeiro de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 28




 




Mensagem na Garrafa – 79 -

Cláudio de Cápua
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

A ARTE E A CRIATURA

Tudo o que a retina humana fotografa é registrado com mais ou menos força no cérebro. A contemplação de uma paisagem, por uma pessoa de sensibilidade, pode criar sensações, inexplicáveis, em sua alma, e essa mesma paisagem, vista por outra criatura menos sensível, pode passar completamente despercebida.

A Arte é magia que penetra na alma e povoa a mente das criaturas.

É o despertar das ideias mais elevadas do ser humano.

E claro que, dependendo da categoria a que pertença esta criatura, as visões de um tema, ao invés de propiciar pensamentos sublimes, pode também contribuir para estimular pensamentos ruins.

Diante de tal questão, é desejável que a Arte caminhe sempre de mãos dadas com a moral, dentro de objetivos que, através da sensibilidade, consiga entusiasmar a criatura, atingindo subjetivamente sua inteligência. 

Segundo a filosofia, o homem, antes de pensar, sente.

O pensamento nasce como fatal consequência do sentimento e desvela pensamentos, que fazem nascer diferentes estados da alma.

Quando se sente oprimida, a criatura humana, por ideias ácidas e tormentosas refia-se na literatura, na poesia, na música ou na contemplação de uma obra de Arte.

Diante da influência benéfica da Arte, o espírito ferido encontra o bálsamo milagroso.

Se a Arte em geral desperta sentimentos bons, estimulando novas ideias, fortalecendo a inteligência, não resta dúvidas de que é saudável estabelecer ligações permanentes com as variadas formas de beleza encarnadas pela Arte.

(In Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020. Enviado pelo autor)

Arthur Thomaz (O enigmático sorriso de Mona Lisa)


Por volta dos anos 70, em uma visita ao Museu do Louvre, um casal de jovens hippies, conversava e trocava carícias em frente ao quadro de Mona Lisa. Eram brasileiros e comentavam as maravilhas da praia de Arembepe, na Bahia, onde o amor era livre e não havia a imposição de roupas.

Ao ouvir isso, Gioconda, que há algum tempo vinha pensando em tentar algo diferente desse isolamento total a que era submetida, não podendo ser tocada, receber um abraço ou um beijo, aguardou a chegada da noite e esgueirou-se vagarosamente para fora da tela.

Fotografou-se em tamanho natural com sua Rolleiflex, colou a imagem em seu lugar, dentro da moldura, driblou a segurança e partiu em busca de seus seculares sonhos reprimidos.

Ao chegar, deparou-se com um homem moreno, com olhos cor do mar e um sorriso alvo como as areias da praia, que ofereceu-lhe uma geladíssima água de coco e um lugar em sua rede.

À noite, levou-a até seu bangalô e mostrou-lhe a arte do amor, nela represada há centenas de anos. Todas as madrugadas, antes de partir em sua jangada, ele a acordava, e fazendo amor, sempre lhe dizia brincando que era melhor agora, pois nunca se sabe o que pode vir a ocorrer depois.

Em pouco tempo, ficou conhecida como Gioconda das Flores, pelas margaridas que usava nos cabelos. Viviam da venda do pescado e dos artesanatos que ela aprendera a fazer com as outras mulheres da aldeia.

Ele chegava sempre com sabor de maresia nos lábios, que ela sorvia com sofreguidão em longos beijos. Um dia, a jangada não voltou. Derrubada por uma grande, tempestuosa e intempestiva onda. 

Consultado a respeito do acontecido, Netuno limitou-se a enviar uma protocolar carta, em que afirmava não ter conotação de inveja do amor dos dois mortais e que não passara de um fortuito fenômeno marítimo.

Atarantada, reuniu seus pertences, deu um último olhar para a felicidade que estava sendo obrigada a deixar no bangalô e dirigiu-se até a cidade para vender o restante dos artesanatos e voltar ao passado.

Após a feira, no caminho para a rodoviária, foi abordada por dois rapazes em um carro, que perguntaram se ela tinha alguém e quanto custaria para sair com eles.

Ela respondeu que era de Leonardo da Vinci, e eles, zombando, disseram que dariam 30 reais. Nesse momento, chegou um casal de policiais em ronda, que afugentou os mal-intencionados.

Levaram-na até a delegacia para colher informações e orientá-la. Foi aí que instalou-se a confusão, porque ela, sem documentos oficiais, afirmou morar anteriormente em Paris e citou como referência o nome de Leonardo da Vinci, um italiano.

Com essas declarações, trajando roupas típicas dos hippies, afirmando que residira em Arembepe, causou estranheza nos agentes, eles acionaram os cônsules dos dois países.

Obviamente, os dois chegaram visivelmente mal-humorados ao serem acordados no meio da madrugada. Ligaram para o Louvre, que respondeu nada haver de anormal no quadro da Mona Lisa. O cônsul italiano alegou não saber o paradeiro do tal Leonardo e consultou a Interpol a respeito.

Gioconda disse que precisava conversar com o curador do museu e pediu que chamassem um especialista em pinturas renascentistas para avaliar pormenorizadamente o quadro em questão.

Caos internacional, com a imprensa noticiando o roubo de um dos quadros mais valiosos do mundo, substituído por uma fotografia. Cerca de 50 agentes do serviço secreto foram mobilizados para reconduzi-la ao país de origem. 

Trocaram suas roupas, cabeleireiros famosos refizeram seu penteado original e maquiaram-na para esconder o bronzeado que ela adquirira nas praias. Enfim, envidaram todos os esforços possíveis para torná-la o mais parecido com a imagem anterior.

Só não conseguiram esconder o enigmático sorriso de felicidade que ela adquirira com o intenso amor vivido naquela aventura em Arembepe.
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Arthur Thomaz da Silva Neto é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) LXIII


A infância, é uma doce brisa;
passa logo, e de repente...
Vem o outono e se eterniza
no chão da vida da gente!
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Ante um conselho que é justo
eu me curvo e me ajoelho
e pago por qualquer custo
o custo de um bom conselho!
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Aos corpos que, entre os farrapos
dormem sujos pelo chão...
Restam-lhes pois entre os trapos,
velhos trapos de ilusão!!!
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Ao vencer tempo e distância,
a velhice, abraço e aceito;
mas os bons tempos da infância
são crianças no meu peito!
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Deus pôs no amor tanta essência,
que, o seu grande Benfeitor,
não permite que a ciência
ponha limites no amor!
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Há uma paz no olhar da mata
quando a brisa em leve açoite,
soprando a velha cascata
embala o pranto da noite!
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Levi, ao ver que me olhava,
confesso aqui, entre nós,
que era o neto que faltava
na vida de seus avós!
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Lembrando os tempos antigos,
mesmo apesar da distância...
Escuto os passos amigos
dos meus amigos de infância!
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Mãe, é poema de amor
que, a qualquer filho se apega;
alívio que afasta a dor
da cruz que o filho carrega!
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Mãe - nessas tuas letrinhas
ouço os mais lindos fonemas
que formam todas as linhas
dos versos dos meus poemas!
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Nos momentos mais grotescos,
quando chove no sertão...
A chuva pinta arabescos
de esperanças pelo chão!
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Nossos sonhos sintetizam
a paz de todos os temas
que, docemente, deslizam
nos versos dos meus poemas!
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Nos teus bilhetes queimando
vi com certo desconforto...
Frases de amor me acenando
das cinzas de um sonho morto!
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O entardecer se assemelha
a um fogaréu tão bonito,
que a tinta de cor vermelha
se espalha em todo o infinito!
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Os teus cansaços não vão
impedir que o teu suor,
seja o fermento do pão
que te alimenta melhor!
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Por esse amor que carrego,
não vejo maldade alguma;
sou tão cego, quanto um cego
que não vê coisa nenhuma!
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Prefiro os caminhos tortos
aos enlevos mais risonhos,
a ver os meus sonhos mortos
entre as cinzas de outros sonhos!
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Qual velho papel carbono,
quase sem tinta e sem cor...
Vai-se o meu sonho sem dono
buscando sonhos de amor!
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Quando escuto a tua voz,
há um silêncio que me acalma!...
E, é nesse instante, entre nós,
que escuto a voz de minha alma!
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Sei que a saudade não mata,
mas provoca pranto e dor;
qualquer saudade resgata
saudosos sonhos de amor!
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Sinto na mãe que se enlaça
nos braços de uma criança...
Que um sonho de amor se abraça
aos bracinhos da esperança!
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Soprei cinzas!... E, ao soprá-las,
entre as cinzas da lembrança...
Escutei todas as falas
do meu tempo de criança!
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Sou como as folhas sem dono
que se arrastam pelo chão,
nas tardes tristes de outono
depois que os ventos se vão!
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Tua carta de alforria
eu queimei sem embaraços,
porque quero todo dia
ser escravo de teus braços!
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Vivo cercado de afetos!
Na paz do mesmo endereço...
Vejo em meus filhos e netos
a vida em seu recomeço!
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Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo trovador.

Estante de Livros (“Além da Magia”, de Tahereh Mafi)

Uma aventura cativante e cheia de cores, um conto de fadas moderno escrito pela autora do best-seller da série Estilhaça-me. Inspirada por seu amor a livros como O jardim secreto e As crônicas de Nárnia, Tahereh Mafi cria um mundo novo e fascinante no qual a aventura é inevitável e a amizade pode ser encontrada nos lugares mais improváveis. 

Resenha por Tânia Bueno

Há apenas três coisas importantes para Alice Alexis Queensmeadow, de 12 anos: sua mãe, que não sentiria sua falta; magia e cor, os quais parem escapar dela; e seu pai, que sempre a amou. No dia em que seu pai desapareceu de Ferenwood, ele levava consigo apenas uma régua. Já se passaram quase três anos e Alice está determinada a encontrá-lo. Ela o ama tanto quanto ama aventura, e está prestes a embarcar em um para encontrar o outro.

No entanto, trazer seu pai para casa não será tão fácil. Alice precisa viajar através da mística e perigosa Terra de Furthermore; onde para baixo pode ser para cima, papel está vivo e esquerda pode ser direita. Sua única companhia é um garoto chamado Oliver, cuja habilidade mágica é mentir e enganar – e com um mentiroso em uma terra onde nada é o que parece ser, requisitará de Alice toda sua concentração para encontrar seu pai e conseguir voltar para casa sã e salva. Em sua jornada, Alice precisa se encontrar - e se agarrar à magia do amor diante da perda.

O que dizer de um livro que abraça o leitor e o faz desejar que magicamente a leitura aconteça num piscar de olhos para saber tudo o que acontece de uma vez? Ah! Mas que graça teria ler num piscar de olhos? 

Alice mora em um país magico, que faz grande festividade todos os anos para o evento que se intitula A ENTREGA, é neste dia que os jovens de 12 anos precisam entregar seus talentos, que é mostrar os seus talentos à sociedade e então recebem um desafio que consiste  em ajudar alguém enfrentando alguma dificuldade, necessitando de algo em algum lugar e a conclusão do desafio cresce. Alice almeja por esse momento embora não acredite que tenha um dom/talento mágico, ela tem uma autoestima um tanto baixa, se acha feia e como ela mesma fala: somente Pai a acha bonita. Por não ter cores como as demais pessoas ela se sente diferente e infeliz.

A história começa três anos antes, quando do nada, seu Pai desaparece e ninguém sabe para onde ele foi, ela sofre com a ausência do Pai e acha que a mãe não a ama tanto quanto o Pai amava, mas entenderemos toda esta situação no final da trama. Alice se apresenta na Entrega e o que apresenta não impressiona os jurados e ela recebe um envelope preto que prefere não abrir por ter sido reprovada e não ter mais chance alguma, mas parece que na vida é assim, às vezes imaginamos algo e não queremos confirmar o que achamos que sabemos e muitas vezes sofremos desnecessariamente, pois antes do outro nos dar outra chance, nós precisamos nos dar a primeira chance. Bom, mas isso também você saberá durante a leitura desse mágico livro que impressiona do início ao fim.

Agora, que não tem seu desafio, Alice pode investir em encontrar o Pai ainda que para isso tenha que se aliar a Oliver, um garoto que é mentiroso (razões a serem entendidas durante a leitura). Oliver nunca deu nenhum motivo para Alice confiar nele, mas diz que é a única pessoa que poderá encontrar o Pai, claro, se ela o seguir em uma aventura sem precedentes, até porque Oliver tem um tempo para cumprir o seu desafio que é encontrar o Pai, que é uma das pessoas mais respeitadas na terra de Ferenwood, a terra mágica e que respeita todos os seres vivos, e não pense que é uma terra com magia feitas com varinhas e poções, nada disso. Trata-se de uma “terra simples e rica em recursos naturais e os recursos naturais mais importantes era cor e magia. Um lugar onde se colhe as cores e a magia do ar e da terra.” 

Nesta aventura muitas coisas serão postas à prova como a coragem, inteligência, o perigo como viver uma linha tênue entre a vida e a morte, isso porque Alice e Oliver terão que ir à terra de Furthermore, onde muitas coisas que parecem ser, não é. Onde o visitante tem que ficar alerta o tempo inteiro, dormir e sonhar pode significar morte, não comer pode significar garantia de vida e segurança, pois em algumas situações estar leve é absolutamente imprescindível. Tudo parece não fazer sentido agora, mas leia o livro e você compreenderá.

Farenwood, um lugar onde ocasionalmente chovia e as cores eram mais fortes do que o normal e a magia era tão comum quanto o franzir de testa de um pai ou de uma mãe. E sua peculiaridade ficava evidente nas coisas mais simples que ela fazia... Alice parava muitas vezes desviando do caminho, respirando fundo e segurando a respiração, egoísta demais para libertar o ar de seus pulmões. Girava e rodopiava as saias com um sorriso tão enorme que chegava a pensar que seu rosto explodiria para desabrochar. Saltitava na pontinha do pé só quando não aguentava mais exalava o que não era seu.” (pag. 13)

E assim nossa heroína teimosa inicia sua jornada em busca do Pai, passa pela Vila de Sonolência, mas não pode dormir, embora seja o desejo. Na Vila de Quietude todo cuidado é pouco, pois qualquer barulho pode despertar feras interiores e horrores e é lá que terão que encontrar o Tempo. Descrença é uma Vila horrorosa, então não ouse proferir a palavra descrença em hipótese alguma, aliás, cuidado com tudo que fala, não tenha cabeça pequena e lembre-se que você está sendo observado o tempo inteiro, é como se fosse um grande jogo. Ah! Tem tempo para permanecer e se roubar tempo será perseguido e preso. 

Alice e Oliver seguem a aventura e chegam a lugares surpreendentes, desconfiados e prudentes muitas vezes se colocam em riscos ou por não conhecer o lugar ou por não pensar fora da casinha e ficarão em situações que terão que pensar rápido e embora estejam caindo para a vida, a sensação é de morte imediata. Mas eles são inteligentes e captam mensagens que salvarão suas vidas e os colocarão de volta no objetivo, cujo fim é encontrar o Pai.

A menina Alice vai se descobrindo e aprendendo a se valorizar reconhecendo qualidades até então menosprezadas, entra em contato com sentimentos novos que a faz se sentir amada e querida, neste caminhar aventureiro ela descobrirá que ser diferente não impedirá para nada. Descobrirá que o seu talento é importantíssimo para o mundo, afinal este talento dá vida e alegria ao local e às coisas, mas ela não usa seu talento para se vangloriar por acreditar que se não aplica-lo a si mesma que valor tem?

A narração é feita pela autora que está dentro da trama e nos conta alguns segredinhos da terra Farenwood, de Alice e Oliver isso tudo para nos situar no mundo de Além da Magia, ela conversa em vários momentos com o leitor e faz sentir próximo.

CONSTATAÇÕES:

- quanto mais as pessoas pensam, mais facilmente se livram da persuasão de outras pessoas.

- estudos já provaram que reflexão e questionamento levam a um processo de tomada de decisão consciente. (Pag 172)

- Sabe qual é um dos maiores truques da vida? “O riso era um bálsamo que tornava mais leves até os momentos mais difíceis.” (pag. 263) Amo rir de tudo, inclusive de mim mesma. Rir sozinha quando lembro-me de algo engraçado, rir de situações que presencio e por aí vai.

Um alerta importantíssimo de mãe para a criança Alice: “Mãe sempre dizia, especialmente, em relação a homens estranhos, Sentir medo significa que não tem problema nenhum em deixar as boas maneiras de lado. Se sentir medo, não precisa ser gentil.” (pág. 15)

De Pai para Alice: “Por que você precisa se parecer com o restante de nós? Por que tem de mudar? Nós que mudemos o nosso jeito de ver. Não mude o seu jeito de ser. Você é uma artista – Ele sorriu. – Pode pintar o mundo com as cores que tem dentro de você.” (pag. 234)

Cuidado com a zona de conforto – constatação de Pai : “Conforme fiquei mais velho, acabei me acomodando. Era mais difícil pensar de formas diferentes e passei a precisar de mais tempo para entender as coisas. O medo me atrapalhou. Fiquei tenso demais, cauteloso demais. E foi então que comecei a cometer muitos erros.” (pag. 355)

Sobre ser diferente: “Alice sabia que ser diferente sempre seria difícil; sabia que não existia magia capaz de abrir a mente fechada das pessoas ou acabar com as injustiças da vida. Mas também começava a entender que a vida nunca era vivida em termos absolutos. As pessoas a amariam e a desprezariam; elas mostrariam tanto gentileza quanto preconceito. A verdade era que Alice sempre seria diferente – mas ser diferente era ser extraordinário, e ser extraordinário era uma grandíssima de uma aventura. Como o mundo a via, isso não tinha importância. O que importava era como Alice se via.” (pag. 356)

E viva o diferente! Seja a diferença e viva extraordinariamente sempre.

Fontes:
Resenha: Tãnia Bueno in Faces da Leitura . 23 de setembro de 2019. 

Hinos de Cidades Brasileiras (Campinas/SP)


por Carlos Gomes

Progresso! Progresso!
Seja a nossa divisa.
Progresso! Progresso!
Seja a nossa divisa.

Porvir!
Das Indústrias no enorme Congresso.
Precisamos galhardos agir.
Precisamos galhardos agir.

Honra ao povo que sabe,
Os louros da glória colher.
E co a alma de luzes
Sedenta, sedenta a luz

Do trabalho vai colher!
Honra ao povo que sabe,
Os louros da glória, da glória colher.
Honra ao povo que sabe,

Os louros da glória colher
Ao povo... ao povo que sabe
Da glória os louros colher.
Progresso! Progresso!

Seja a nossa conquista: Porvir!
Progresso!

O nosso português de cada dia – 03 –