quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

O nosso português de cada dia (Erros de português que você não pode mais cometer) = 4

por Universidade Veiga de Almeida (RJ)


39. Descrição / Discrição

Mais um caso de grafia e pronúncia semelhantes e significados distintos. 

"Descrição" está relacionada ao ato de detalhar algo, reunir características. Entre seus sinônimos, dependendo do contexto, estão palavras como "exposição" e "apresentação". 

Já "discrição" é a qualidade de alguém ou algo discreto, que não chama muita atenção.

40. Sessão / Seção

A forma com S, "sessão", é o intervalo de tempo em que alguma coisa acontece, por isso sessão de cinema, sessão fotográfica, sessão da tarde... 

"Seção" é como divisão, uma parte de um todo, daí seção eleitoral, seção feminina e seção do jornal, por exemplo.

41. Admitem-se vendedores (certo) / Admite-se vendedores (errado)

No exemplo, o verbo "admitir" é transitivo direto. Como tal, não exige preposição entre ele e o objeto da frase e concorda em número com o sujeito. Portanto, o correto é dizer "admitem-se vendedores".

42. Precisa-se de vendedores (certo) / Precisam-se de vendedores (errado)

Nesse exemplo, a maneira correta é "precisa-se de vendedores". Quem precisa, precisa "de" algo, daí a necessidade da preposição. Como verbo transitivo indireto, portanto, "precisar" permanece no singular.

43. Supor / Transpor

Os verbos derivados do verbo "pôr" serão conjugados como o verbo primitivo.

Errado : Se você supor que o seu plano dará certo, nós poderemos executá-lo.

Certo : Se você supuser que o seu plano dará certo, nós poderemos executá-lo.

44. Manter / Conter

Os verbos derivados do verbo "ter" serão conjugados como o verbo primitivo.

Errado: Se você manter a rotina de treinos, alcançará excelentes resultados.

Certo : Se você mantiver a rotina de treinos, alcançará excelentes resultados.

45. Tinha chego / Tinha chegado

Existem alguns verbos, chamados de abundantes, que admitem duas formas de particípio passado, entre eles "aceitar" (aceitado e aceito), "imprimir" (imprimido e impresso) e "eleger" (elegido e eleito). 

"Por analogia, obtêm-se formas como 'chego', ainda não acolhidas pela norma culta", explica o professor Eduardo Calbucci. Ou seja, vá de "tinha chegado".

46. Na minha opinião (certo) / Na minha opinião pessoal (errado)

"Na minha opinião pessoal" é um pleonasmo, ou seja, a repetição desnecessária de uma informação, uma redundância: sua opinião já é pessoal. Por isso, diz-se apenas "na minha opinião".

47. Anos atrás (certo) / Há anos atrás (errado)

"Há anos atrás" também é um pleonasmo, pois o verbo "há", nesse sentido, já indica passagem do tempo. Diga apenas "há anos" ou "anos atrás".

48. De encontro a / Ao encontro de

Aqui temos praticamente opostos em termos de sentido. 

"De encontro a" expressa conflito, como em "sua opinião foi de encontro ao que ele acreditava". 

"Ao encontro de" expressa satisfação, "estar de acordo com", ir "em direção a": "Uma lei que vem ao encontro dos menos favorecidos".

49. Por hora / Por ora

As duas expressões existem, mas dependem do contexto. 

"Por hora" está relacionada a um intervalo de 60 minutos: "Pedala 20 km por hora". 

"Por ora" significa, simplesmente, "por enquanto".

50. Ratificar / Retificar

Verbos com sentidos bem diferentes: "ratificar" é confirmar; "retificar" é corrigir.

Fonte: Universidade Veiga de Almeida, 03  dezembro 2019  in O Globo. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 22

 



Mensagem na Garrafa = 93 =

Cassiano Ricardo
(Cassiano Ricardo Leite)
São José dos Campos/SP, 1894 – 1974, Rio de Janeiro/RJ

POEMA IMPLÍCITO

O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.

Não gosto dos explícitos
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.

Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.

(A face perdida, 1950)

Cantiga Infantil de Roda (Cadê?)


Cadê o toucinho que tava aqui? 
O gato comeu.
Cadê o gato? 
Foi pro mato.
Cadê o mato? 
O fogo queimou.
Cadê o fogo? 
A água apagou.
Cadê a água? 
O boi bebeu.
Cadê o boi? 
Tá amassando o trigo.
Cadê o trigo? 
A galinha ciscou.
Cadê a galinha? 
Tá botando o ovo.
Cadê o ovo? 
O padre comeu.
Cadê o padre? 
Tá rezando a missa.
Cadê a missa? 
Tá dentro do livrinho.
Cadê o livrinho? 
Foi pelo rio abaixo.
Vamos procurar o livrinho?

Geraldo Pereira (Tampa-de-Chaleira)

Nos meus inícios na Faculdade de Medicina, na fase em que estudava o esqueleto humano, colega meu dos bancos acadêmicos, visto, distraidamente, de olhos fechados, quase, passando a mão, levemente, numa tíbia, apoiada entre o seu próprio queixo e a mesa de dissecação, não se livrou do cognome para o resto da vida: Chupa Osso. Na realidade, fazia ali, daquela forma e daquele jeito, o necessário exercício no aprendizado dos segredos da Anatomia, percorrendo com o tato as saliências e as reentrâncias ou identificando orifícios por onde emergiram ou imergiram nervos, veias e artérias. Afinal, sabia da importância dessas bases morfológicas para o mister hipocrático e não podia descuidar dos esforços paternos, com os quais se sustentava, oriundo como era dos contrafortes da Borborema.

Muitos anos depois, em congresso importante, outro colega me indaga: “Como é o nome, mesmo, de Chupa-Osso?” Não podia, com certeza, tratar o companheiro daqueles anos pelo apelido, simplesmente, em ambiente assim, de ciência e de pesquisa. E não tratou, porque do prenome, pelo menos, eu sabia.

Os apelidos foram, realmente, a tônica daqueles convívios. Por qualquer motivo, que fosse, surgia um cognome a mais e de pronto a turma toda – 165 alunos, se pouco – adotava essa imposição de um batismo improvisado e até desavisado. Fosse rapaz ou fosse moça, dado a bincadeiras ou sisudo, na forma da lei, cada qual carregava um e ainda hoje, nas reuniões de aniversário dos anos de formado, assina-se uma lista, parecida com a do passado e de quebra se acrescenta o nome dessas eras. Alguns, todavia, são de todo impublicáveis, mas outros, francamente, despregam as bandeiras, socializando o riso. 

Como esquecer do nosso Fofa, do Defunto ou do Gia, do Velho e de Bico de Ouro, conterrâneos, esses dois, amigos até na morte? E a morte levou Cachorrão e carregou, do mesmo jeito, o caríssimo Timbu. A outros levou, também, roubando, de todos nós, a chance desses convívios. Ou ainda, como não lembrar de Todo Feio, virado hoje e muito bem, num poeta de boa rima, prosador dos melhores? Esquecer de Mongrô, é atentar contra a paz, a serenidade e os bons costumes. Pior do velho Barney? E o Pluto, vejam só?

O maior de todos os cognomes dessa turma, na emergência já dos trinta anos de formada, não poderia ser outro, senão o de Tampa-de-Chaleira. Ora que o homem, chovesse ou fizesse sol, estivesse na sala de aula ou nos laboratórios, nas ruas do Recife ou nos anfiteatros de Anatomia, suava feito um desadorado. Molhava a camisa em grandes rodas e chegava, até, a umedecer o pano das calças, dizia!

Certa vez, o velho Tampa, chegando a um representante farmacêutico, acompanhando um périplo de estudantes, numa romaria em busca de amostra grátis, sem saber que remédio pedir, perguntou ao colega mais próximo o nome de um produto qualquer. E o companheiro, irreverente como era, não titubeou, lembrou-se da recepcionista, mulher quarentona e viçosa, de ancas mais do que largas e busto considerável, com prenome diferente e recomendou que pedisse Fulana. O Tampa, na inocência do gesto, ainda insistiu mais, indagando se pedia em comprimidos ou em pó, em xarope ou injetável.

Quase apanha da figura! Queria, de qualquer forma, aquela farmacêutica fórmula e não entendeu a mulher, que raivosa e impiedosa, sustentando-lhe pela breca, perguntava-lhe, em voz alta: “Como se chama a sua mãe?”

Guardei o necessário sigilo das relações biunívocas, sempre, entre o apelido e o nome. Não vou, agora, apontar colegas que na prática do dia-a-dia são expoentes da ciência, pelo cognome, então. E tampouco dizer o meu próprio, escrito aí por cima. Guardei também para mim, apenas, os demais apelidos, aqueles atribuídos às moças, por hesitação da consciência. Mas desses, pode crer o leitor, há alguns que são deliciosos, simplesmente. E por aí vai.

Fonte> Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Epigramas


Na Grécia, a epigrama era uma curta inscrição destinada a fixar a lembrança de um grande homem ou de um fato memorável sobre um monumento público ou privado, mas, em seguida, passou a recobrir também a elegia, a sátira, o cinismo e outras tantas formas de expressão do sentimento humano. (Carlos Alberto Zeron, Jornal da USP, 31/08/2018)


ALBERTO RAMOS
Pelotas/RS, 1871 – 1941, Rio de Janeiro/RJ

De tônico e tintura este vate usa e abusa.
Não há filtro capaz de redourar-lhe a musa.
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Os velhacos e os maus, juiz inclemente
zurzes com a pena rábica e ferina...
Só não falas de ti – pois francamente
perdes o tema de melhor verrina!
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ANÔNIMO

Com certa mulher travessa
O demo, um dia, brigou.
São Pedro, que os separou,
Cortou aos dois a cabeça.

Diz-lhe Deus: - Exageraste...
Trata já de colocar,
de novo, no seu lugar,
as cabeças que cortaste.

São Pedro – e com esta acabo –
Tal fez. Mas pôs, sem querer,
Ao diabo, a da mulher
E à mulher, a do diabo!”
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“Quando existiam bárbaras nações,
nas cruzes penduravam-se os ladrões.
Agora, neste século das luzes,
ao peito de ladrões penduram cruzes!”
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“Um professor conhecido,
Com ênfase, a um escolar:
- Diga lá. Que tempo é amar?
- Amar... é tempo perdido!”
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ANTONIO DINIS DA CRUZ E SILVA
Lisboa/Portugal, 1731 – 1799

Quando, Laurindo, sais tão penteado,
Tão nédio, tão gentil e tão rosado,
Da matreira raposa num momento
Logo me vem o dito ao pensamento:
Oh que bela cabeça por Apolo!
Mas que prol*! Se não tem dentro miolo.

(evocando a fábula da raposa e da máscara)
* prol = vantagem
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ANTÔNIO SALES
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

– A fealdade é um direito;
Por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito…
Perdão: a senhora abusa!

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses… mulher de Adão.
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BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal/Portugal, 1765 – 1805, Lisboa

Não veio a morte buscar-te
Com o seu chamante robusto,
Porque receia ao encarar-te
Morrer a Morte de susto.

(A uma velha muito feia)
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CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio Comprido/RJ, 1901 – 1964, Rio de Janeiro/RJ

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinastes aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
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CLÓVIS AMORIM
(Clovis Gonçalves Amorim)
Amélia Rodrigues/BA, 1912 – 1970, Salvador/BA

Veio ao mundo esse Raimundo 
Devido a um erro, talvez, 
E só Deus que fez o mundo 
Sabe ao certo quem o fez.
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DIONÍSIO CATÃO
(Século III, poeta latino)

Se me lembro, Élia, tiveste
De belos dentes a posse:
Numa tosse dois te foram,
Foram-te dois noutra tosse.

Segura, noites e dias,
Podes tossir a fartar;
Podes, que tosse terceira
Já não tem que te levar.
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JOÃO AMADO PINHEIRO VIEGAS
Salvador/BA, 1865 – 1937

Entre as folhas amarelas,
A melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas, 
Só pode ser parcial.

(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
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JOÃO SALOMÉ QUEIROGA
Serro/MG, 1810 – 1878

Oh, deste patrono a musa,
Diz o povo, não se entende,
Pois quando defende, acusa,
E quando acusa, defende…

(a um advogado no júri)
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LAFAYETE SPÍNOLA CASTRO
Sebastião Laranjeiras/BA, 1930 – 2009, Guanambi/BA

É um caso de embasbacar,
mas, que faz a gente rir:
O De Nancy – a velar…
E seu talento – a dormir!

(Sobre o literato baiano De Nancy Avelar)
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Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
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LOPE DE VEGA
(Félix Lope de Vega y Carpio)
Madri/Espanha, 1562 – 1635

“Quis perguntar certo amante,
a um sábio extraordinário,
que seria necessário
para a Mulher ser constante.

Diz-lhe este, sem vacilar:
- Cá no meu fraco entender,
não ter olhos para ver
nem ouvidos para escutar.”
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MILLOR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro, 1923- 2012

Aqui jaz minha mulher
que partiu para o Além.
Agora descansa em paz
e eu também.
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PADRE CELSO DE CARVALHO
Curvelo/MG, 1913 – 2000, Diamantina/MG

Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!
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ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1937

Carroceiro, desalmado,
– diz o burro – vê que tu és
meu irmão! mas, aleijado,
que nasceste com dois pés!
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De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – cheguei”,
Retruca a Morte: – “chegamos”.
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No Brasil, é pragmática,
Das discussões na fervura,
Entrar – no meio – a gramática,
No fim a descompostura.
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VICTOR CARUSO
Campinas/SP, 1888 – 1967 

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que to diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...

(A um matemático)

Fonte> R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

O nosso português de cada dia (Erros de português que você não pode mais cometer) = 3

por Universidade Veiga de Almeida (RJ)
26. Afim / A fim de

"Afim" pode ser adjetivo ou substantivo e, nos dois casos, é associado a "parecido", "similar" e "semelhante". 

"A fim de" é locução prepositiva e está ligada à ideia de intenção ou finalidade, como em "aceitei ir à festa a fim de conhecê-lo melhor".

27. Obrigado / Obrigada

Essa regra é muito simples. Homens dizem "obrigado". Mulheres dizem "obrigada". Pronto!

28. Bem-vindo (certo) / Benvindo (errado)

O Novo Acordo Ortográfico não alterou a escrita da palavra "bem-vindo". Apesar de novas regras gramaticais em relação ao uso do hífen, ela continua como antes.

29. Beneficente (certo) / Beneficiente (errado)

A forma correta é "beneficente". 

"Beneficiente" não existe na Língua Portuguesa.

30. Menos (certo) / Menas (errado)

Apesar de memes como "miga, seja menas", a palavra "menas" não existe na nossa gramática. Escolha sempre "menos" em suas redações e e-mails formais.

31. Deixa eu escrever / Deixa-me escrever

Quando os verbos "deixar", "fazer", "ver" e "mandar" vêm seguidos de infinitivo, usam-se os pronomes oblíquos no padrão culto da língua: "Deixa-me escrever". 

Aqui, porém, um adendo. "Esse tipo de construção com pronomes retos ('deixa eu estudar', 'deixa ele estudar') está se tornando cada vez mais comum, fundamentalmente na linguagem oral", destaca o professor Eduardo Calbucci, em uma ressalva de que o certo e o errado podem não ser absolutos se levarmos em consideração a evolução da língua.

32. Seguem anexos os documentos (certo) / Seguem os documentos em anexo (errado)

Expressões bem comuns em e-mails. Se funciona como adjetivo, indicando que algo está ligado, a palavra "anexo" não exige o uso de "em" e deve concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere - no caso, "documentos". 

De outra forma, se o interlocutor quer dizer o modo pelo qual algo está sendo enviado, é preferível dizer "no anexo" em vez de "em anexo".

33. Proibida a entrada (certo) / Proibido a entrada (errada)

O sujeito da oração é "a entrada", feminino e acompanhado de artigo, por isso "proibido" concorda com "entrada": "Proibida a entrada".

34. Vamos nos ver amanhã? (certo) / Vamos se ver amanhã? (errado)

O sujeito do verbo "vamos" é de primeira pessoa do plural (nós), por isso a forma correta é "vamos nos ver".

35. Senão / Se não

A escolha depende bastante do que você quer expressar. 

"Senão" é "caso contrário" ou "a não ser". 

"Se não" mostra uma condição, como em "se não sabe como fazer, não faça".

36. Dia a dia / Frente a frente / Cara a cara

Nenhuma das expressões tem acento no "a". O acento grave não deve ser utilizado em termos com palavras repetidas.

37. Meio-dia e meia (certo) / Meio-dia e meio (errado)

Quando a palavra "hora", aqui implícita, é fracionada, sempre utiliza-se "meia" - portanto, "meio-dia e meia". 

"Meia" é numeral fracionário e deve concordar em gênero com a unidade fracionada.  Outra coisa: "meio-dia" permanece com hífen, mesmo após o Novo Acordo Ortográfico.

38. Eminente / Iminente

Formas parecidíssimas, significados diferentes e grande chance de confusão. Para memorizar: 

"eminente" está relacionado a qualidade, excelência, como em "é um profissional eminente"; 

"iminente" indica que "vai acontecer em breve".

Fonte: Universidade Veiga de Almeida, 03  dezembro 2019  in O Globo. 

Hinos de Cidades Brasileiras (Niterói/RJ)


Letra: Nilo Neves; Melodia: Almanir Grego

Vila Real da Praia Grande,
Sempre altaneira, operosa.
Vila Real da Praia Grande,
Terra feliz, dadivosa.
"Cidade Sorriso, encantada",
"Niterói, Niterói, como és formosa"

Por amor ao Brasil, unido, imenso,
Aprendeste a lição do "índio herói",
Começando a escrever, em São Lourenço,
Tua história, querida Niterói...

Evocando, orgulhosos, teu passado
De bravura, de trabalho e de nobreza,
Nós louvamos que Deus nos tenha dado
A paisagem de luz da natureza...

Aparecido Raimundo de Souza (Viúva inconsolável)

O RATO CHEGOU todo cheio de si, cutucou o gato e disse impostando uma voz grossa e firme:
— Meu chapa, é o seguinte. Hoje eu vim aqui com uma única finalidade. Acabar com a sua raça.

Antes de responder, o doméstico caseiro com cara de Fígaro (aquele famoso gato do mestre carpinteiro Gepeto) se empertigou todo e sorriu com desdém:
— Estou pagando pra ver, seu insignificante espécime comum. Eu é que pretendo pôr um fim definitivo em você e a essa sua irritante empáfia. Darei início ao que acabo de dizer, assim que terminar a minha saborosa refeição. Saiba que partirei pra cima de seus costados como um rolo compressor. Fique preparado e esperto, que daqui a alguns minutos você virará picadinho. Será a minha sobremesa, após todas essas guloseimas que estou mandando pro bucho.

Foi a vez do pequeno roedor cair em gostosa gargalhada: 
— Você vai fazer picadinho de mim? Kikikikikikikikikiki... saiba que sou eu quem está pagando pra ver...

O felídeo virou o derradeiro gole do suco que bebia e observou:
— Você é tão imprestável e sem importância, que nem me darei ao trabalho de interromper a minha prazerosa e nutritiva refeição. Isso equivale dizer que você será a sobremesa. Faz tempo que não mando pra barriga um bom pedaço de carne de rato. Olhando pra suas orelhas, me vem à lembrança a figura do Chumbinho (referência ao desenho animado Chumbinho, rato e Bacamarte, gato). 
— Kikikikikikikikikiki...
— Ria mesmo, meu chapa. Divirta-se até não poder mais. Seus minutos estão contados.
— Seu frajola bobalhão. Vá ver se eu estou ali na esquina.
— Me traz um pedaço de queijo, que aproveito e ponho na sua boca, para que engula como a gororoba terminal.
— Seu tolo. Sem noção. Lembra que ontem eu coloquei esse chocalho que agora balança no seu pescoço? Ou será que esqueceu? Que mico você deve estar pagando! 

De fato, a essa lembrança, o Bacamarte ficou louco da vida. Essa proeza mexeu com seus brios. Realmente acordara com um guizo pendurado. A princípio pensara que fora seu velho dono, todavia, logo depois, chegou à conclusão que estava completamente errado. O velho senhorio, seu amo, havia viajado e ainda não voltara. Fuzilou o indefeso rato de laboratório, alguns passos a sua frente. O primeiro ímpeto que lhe veio à cabeça foi saltar sobre o desamparado. Acabar de vez com a sua fanfarronice. Contudo, confiante na sua superioridade, refreou os impulsos e manteve a calma. Aquele imbecil não perderia nada por esperar. Sua hora, a passos largos, chegava. Seria divertido e engraçado tripudiar um pouco mais sobre o pobrezinho, antes de torná-lo a sua sobremesa preferida pós-jantar de fim de tarde. Manteve a conversa.
— Não foi você...
— Claro que fui eu.
— Não foi. Deixa de ser mentiroso...
— Quer saber? Você estava dormindo igual um bêbado sem dono no tapete do quarto de seu patrão. A mim me pareceu que você havia bebido todas.
— Não sou dado a bebidas, seu mongoloide. Sou um gato, não um pinguço.
— Quase me esquecia do ronco. Barbaridade! Parecia uma dessas britadeiras que quebram os asfaltos de rua.
O gato, meio que impaciente, resolveu provocar o insolente opositor. Atazanou desafiando:
— Prove que foi você quem me colocou o guizo em meu pescoço.
— Tem minha palavra.
— Sua palavra de rato e uma bicicleta sem rodas não me valem de nada. Você não passa de um camundongo de esgoto. 
— Já imaginou se seus amigos aqui das redondezas ficarem sabendo dessa minha proeza? 
— Confesso que seria vexatório. Todavia, meu amado, eles não saberão. Dessa noite, você não passará.
— Queria ver a cara da sua namoradinha, a linda e esfuziante gatinha Lilica. Com certeza seu renome e a mentirosa medalha de bichano machão explodiriam no espaço. De roldão, a sua majestade “gatal” cairia por terra.
— Que interessante! Pena que Lilica jamais saberá. Ao contrário, chegará aos ouvidos da bela donzela, outra noticia. A da sua partida para os cafundós dos quintos do bueiro logo aqui em frente à mansão do meu senhorio.
— Ok! Antes que eu acabe com a sua graça, com seu ar de superioridade... e uma vez que não acredita em mim, nem aceita a minha palavra de rato, gostaria de provar à você, aqui e agora, que realmente fui eu quem colocou esse guizo no seu lindo corpinho.
— E como pretende demostrar tal proeza? Vindo até mim e retirando o guizo e depois o colocando de volta?
— Tecnologia, meu caro. Tecnologia...
— Não estou entendendo...
— Num piscar de olhos entenderá tudo...

A um gesto seu, um segundo ratinho (lembrava Fievel) entrou em cena trazendo, nas mãos um aparelho celular:
— Gostaria que desse uma olhada no que fiz gravar com muito cuidado.
O Hamster largou o celular perto do gato e tratou de cair fora o mais rápido que pode:
—Vamos sabichão. Assista ao vídeo. 

O gato se abaixou e pegou o celular. Abriu e...
Sua indignação aumentou. Criou forma e vida. Foi mais longe. Triplicou de tamanho a sua ira dentro da sua vontade de destruir e matar. Agora, mais que nunca, precisava acabar com aquele infeliz. Seu ódio chegou ao limite e não demoraria muito, explodiria como uma bomba.
— Acredita, agora?
— Você deu sorte. Eu estava cansado. Apesar disso, meu amado, não terá muito tempo de vida para comemorar. Seu fim acaba de ser adiado...
— Já que serei sua vítima, como pretende acabar comigo?
— Astúcia meu camarada. Astucia. Já ouviu, alguma vez, essa palavrinha mágica? De mais a mais, seu idiota de uma figa, desde quando um traste de um rato da sua laia tem audácia para nocautear um bicho da minha estirpe e tamanho? Repare na minha carcaça... 
— Quer apostar?
— Não! Porque vou ganhar e você não terá como saudar a dívida. Lembra, inseto de rodapé, sou um gato safo, ladino, experiente, ágil, esperto, senhor do meu nariz...  
— Se você soubesse quem realmente eu sou, começaria a se preocupar...

O Gato não aguentou e caiu de novo em estrondosa gargalhada. Chegou a chorar de tanto que riu.
— Quem é você? Não me faça ficar mais enfezado do que estou. Rir, em certas horas, é bom, faz bem, porém, provoca dores de barriga. Você é um rato, e como tal, o pior ser existente na face da terra. Um verme de esgoto, eu diria, sem medo de errar. Até onde sei, serve unicamente para transmitir doenças.
— Qual o quê! Os gatos também transmitem.
— Que conversa fora de esquadro, malandro. Qual é a sua?
— Vou enumerar algumas enfermidades oriundas da sua linhagem.
— Faça isso. Sou todo ouvido. Comece. 
— Você transmite a toxoplasmose.
— Fala difícil o sacana! Que é isso?
— É aquela doença que os humanos pegam em contato com as suas fezes. Darei um exemplo simples. Se uma mulher estiver grávida, em contato com os excrementos que você deixa pela casa, pelos jardins, corredores e quartos, poderá prejudicar o futuro bebê e ele nascer com problemas de malformação.
— Interessante... continue...
— Alergia respiratória. Vocês, ao contrario de nós, camundongos, produzem uma proteína que a medicina dá o nome de glicoproteína.
— Glicoproteína?
— Sim senhor. Ela desencadeia um leque de sintomas inoportunos, como espirros, inchaços das pálpebras dos olhos, não mencionando a asma e etc...
— Para um rato você é um sujeito sabido.
— Você ainda não viu nada. Temos também a Micose de Pele. Capitaneada, claro, pelo contato de sua epiderme com o couro de seu dono. Isso acaba sempre em vermelhidão o que redunda numa coceira desgraçada. Só de falar meu corpo começa a dar sinais de comichão. Ai, ui, ui, ai... 
— Vá em frente. Estou gostando do seu blá-blá-blá. Fale mais, antes que eu me compraze com seu mísero esqueleto, cujo tamanho não satisfará meu aguçado apetite.
— Seu rato, digo, seu gato malvado. Você é o causador da Esporotricose. 
— O que é isso? Acaso se come?  
— Calma, gato burro. Vou explicar, Mané. Esporotricose se pega quando você, numa brincadeira inofensiva e sem maiores contemplações, morde ou arranha alguém. Um simples triscar de suas afiadas unhas bastará para deixar suas vítimas em maus lençóis, ou seja, com feridas e lesões incicatrizáveis.  
— Ok. Cansei. Abarrotei, entulhei o saco. Estou por aqui. Posso me preparar para liquidar com a sua carreira de mouse?
— Ainda não... tem mais. 
— Uauuu...! Mais?  
— Com certeza. Você, gato mal-acabado, criatura feia, nojenta, repugnante, é igualmente responsável pela Síndrome da Larva Migrans Visceral.
— Como é que é?
— Eu explico. Quando as pessoas, por qualquer motivo, entram em contato com seu nojento excremento, que está cheia de ovos da tal verminose. É através dela, que os incautos contaminam o intestino, o fígado, o coração e os pulmões. Sem falar em dificuldades e embaraços os mais intrincados.
— Entendo! Bem, vamos ao que interessa. Como pode perceber, pela minha tez de gato com “G” maiúsculo, toda essa lengalenga fora de esquadro só contribuiu para aumentar assustadoramente o meu desejo veemente em relação à sobremesa “pós-barriga cheia.” Em razão disso...
— Relaxa. Não acabei ainda. Descrevi apenas algumas enfermidades. Tem mais... a lista...
— Meu enfadonho Stuart Little, nada mais me interessa. Se prepare. Sabe rezar? Comece agora.  Lembrando que será a derradeira coisa que fará antes de lhe... acomodar confortavelmente em minha barriguinha.

Sem que o gato perceba, o hamster que minutos atrás trouxera o celular reaparece em cena. Traz, consigo uma espécie de controle remoto. No que o gato pula, o pequeno animalzinho aciona um botão vermelho. O gato saltador cai aos trambolhões, batendo aqui e ali, como se atingido por uma enorme carga de corrente elétrica. Estrebucha seu horror perto da porta de entrada da cozinha todo desmilinguido e acabado. Sem forças, para se levantar. Sabe, por algum motivo, que chegou seu fim. Olha para o inimigo e tenta falar alguma coisa. Não consegue. 

O rato, sorridente e feliz, se aproxima: 
— Não te falei, bonitão? Agora você não passa de um “miauzinho” acabado, vencido e sem forças. Dentro de alguns minutos, estará completamente deletado, apagado. Eu venci. EU VENCIIIIII... 
—O que... vo... você... seu mal... dito ra... to... fez co... co... migo?
— Tecnologia, meu caro. Os tempos mudaram. Pra seu governo, irei agora mesmo atrás de sua linda namoradinha. E... quando topar com ela...
O pobre rato não teve tempo de terminar a frase. Lilica, a companheira do pobre agonizante, saltou sobre ele, de cima de um armário (onde estivera escondida desde o início da conversa) num excitamento de perseguição sem precedentes. Voou furiosa e aflita. Atacada por uma inclemência implacável, a bela o estraçalhou de uma só abocanhada. 

Fonte> Texto enviado pelo autor 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Versejando 131

 

Mensagem na Garrafa = 92 =


 Cláudio de Cápua
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

MOMENTOS

O passado não existe porque é feito de momentos que se foram e não voltam.

O futuro não existe. Porque podemos morrer neste momento.

O que existe então?

O presente pode ser o momento que vivemos.

Na memória mora o nosso passado, é só lá que ele existe.

O presente, bem aproveitado, projeta outros momentos que serão automaticamente bons momentos que humanamente classificamos de futuro.

Quando uma pessoa está feliz, diz: – Gostaria que esse momento fosse para sempre.

Será que essa pessoa não percebe que a única realidade é aquele momento presente que ela está vivendo e ela é feliz.

A soma dos momentos vividos nos levam a uma realidade, a morte física. Mas para quem acredita, como eu, a vida continua em outro estágio ou em outra dimensão.

Nesta questão, matéria e espírito, como não sou dono da verdade, não sei neste momento se estou certo ou errado. 

O leitor decide no próximo momento.

 (Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020. Enviado pelo escritor)

Cantigas Infantis de Roda (Rock do Ratinho)


(Cyro de Souza)

Era uma vez um ratinho pequenino
que namorava uma ratinha pequenina
e os dois se encontravam todo dia
num buraquinho na esquina

rock rock rock rock rock
é o rato e a ratinha namorando
rock rock rock rock rock
é o rato e a ratinha se beijando

o ratinho lhe trazia todo dia
um pedaço de toucinho fumeiro
um tiquinho de manteiga, um queijinho
e um pouquinho de manteiga no focinho

rock rock rock rock rock
é o sino da igreja badalando
rock rock rock rock rock
é o ratinho e a ratinha se casando…

Humberto de Campos (A Baronesa)

Um médico ilustre, de incontestável influência no seio da família carioca, está utilizando, ultimamente, o seu prestígio pessoal para que as senhoras eliminem, de uma vez, o hábito de pintar os cabelos. Acha ele que uma cabeça alva, ou, pelo menos. polvilhada de prata, é um sinal de insubstituível respeitabilidade, que se não pode, de modo nenhum, esconder ou disfarçar. E tamanho tem sido o resultado dessa campanha metódica, persistente, silenciosa, contra a vaidade feminina, que sobem a dezenas, já, as senhoras que se reconciliaram com o destino, conformando-se com as consequências inevitáveis da idade.

Esse costume de mudar a cor dos cabelos não é, entretanto, um vício dos nossos tempos. As atenienses conheceram-no, conheceram-no as mulheres de Veneza, criadoras do "louro veneziano", e não houve corte europeia posterior à Renascença em que não se procurasse um processo de ocultar à curiosidade do mundo, sempre impiedoso, a neve que nos avisa, alvejando-nos a cabeça, que é chegado, enfim, o triste inverno da vida... Há trinta anos, ainda, era isso em voga no Rio de janeiro. E era sobre isso mesmo que eu meditava, uma destas tardes, ao despedir-me da minha veneranda amiga a Sra. Baronesa de Caçapava, cujos oitenta e seis anos constituem, em nossos dias, uma das relíquias mais preciosas da mais alta sociedade do Império.

Estendida na sua "chaise-longue" (cadeira longa para esticar as pernas), com os pés, pequeninos e engelhados como duas flores murchas, abrigados sob uma delicada toalha de seda, a boníssima titular sorria, carinhosa, com a sua boca muito pequena, escondida em um dos vales do rosto recortado de rugas, quando eu lhe falei nos inícios do nosso conhecimento.

- O senhor andava pelos trinta anos; não era, conselheiro?

Eu fiz as contas, mentalmente, embaraçando-me nos algarismos.

- Não estou certo, Sra. Baronesa; não estou certo - respondi. - Recordo-me, porém, que, certa vez, ao vê-la, fiquei impressionadíssimo com a sua figura. A Sra. Baronesa, nesse tempo, lembro-me bem, tinha o rosto ainda moço, mas apresentava na cabeça, já acentuando a sua beleza, numerosos fios de prata.

- Foi em 1871, - confirmou a velha fidalga, sorrindo benevolamente com a sua boquinha de criança, encolhida e funda, privada de todos os dentes. - Foi em 1871; eu tinha, então, trinta e sete anos.

- De outra vez que a vi, - tornei, - o que mais me impressionou foi, ainda, a beleza do seu cabelo. A sua cabeleira, sempre farta, abundante, maravilhosa, era, ainda, inteiramente negra.

A Baronesa olhou-me novamente, com um sorriso de saudade, que era um doce perdão para nós ambos, e acentuou, bondosa:

- Foi em 1880; eu tinha quarenta e seis...

E, olhando-me significativamente, pediu-me, com a vergonha brilhando, como uma brasa, na cinza fria dos olhos:

- Cubra-me os pés, conselheiro; sim?

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.