sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

António Botto (A Nuvem)

Certa noite, muitas nuvens pequeninas, dispersas no espaço, juntaram-se e formaram uma grande nuvem. Na manhã seguinte, os campónios exclamara, contentes:

- Até que enfim, vamos ter chuva!

Passaram dois dias; outros dois dias passaram, e a nuvem, agora maior, nem uma gota deitava.

- Que nuvem será esta?, diziam eles, que parece prometernos a bênção da chuva e não nos dá essa alegria? O dever de uma nuvem é desfazer-se em água, diziam os mais impacientes, a caminho da casa de um sábio.

Chegaram, bateram à porta e o sábio veio atendê-los.

- Tu que sabes tanto e que lês tantos livros, diz-nos o que devemos fazer para que o céu nos dê água.

- Não posso atendê-los, respondeu o sábio. Estou a ver se encontro a dedução de um alto pensamento e não posso, por agora, distrair-me com insignificâncias...

Fechou a porta, pôs os óculos e voltou a debruçar-se sobre os velhos alfarrábios.

Os campónios, desiludidos, diziam uns para os outros:

- Este sábio é como a nuvem; é como a nuvem, o maroto! Porque ter muito é o mesmo que não ter nada, se esse muito não servir para alguma coisa na vida.

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.

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