quarta-feira, 17 de abril de 2024

Nas águas da poesia n. 1


 Corrêa Junior

RECOMPENSA

Tenho no teu afeto a recompensa
dos meus dias de pobre sonhador;
e, artista obscuro, sinto a glória imensa
de ser, entre os cantores, teu cantor.

Assim, no doce enlevo desta crença,
viverei pelo amor e para o amor,
sem que a antiga tristeza hoje me vença,
no meu castelo de ilusões em flor.

Velha raiz, anônima, esquecida,
pelo húmus dos teus beijos renascida,
subo, cresço do solo, enfeito o chão... 

E, árvore nova, ramos no ar dispersos,
espalho, pelas flores dos meus versos,
todo o perfume do meu coração.
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Eugênio de Freitas

VIBRAÇÕES AMOROSAS

Se te revejo, Amada, após algum vazio
estágio de abandono, em que te sinto ausente,
a paz me volta ao peito, iludo-me e sorrio,
de súbito a sonhar, no ardor de antigamente.

O sol da juventude, afugentando o frio
que aos poucos me fustiga o coração e a mente,
compensa, num minuto, as lágrimas a fio,
ocultas, que verti: de novo estás presente.

Remoço no momento em que, feliz, te abraço;
e a festa natural de meus sentidos prova
que, perto de nós dois, extingue-se o cansaço.

Comigo, esta afeição a levarei à cova;
pois vibra, toda vez que por teu vulto passo,
fortíssima atração, que sempre se renova.
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Evandro Moreira

OCASO

Jovem parti, sequioso de aventura,
velas pandas, bandeira em altos mastros;
por instinto, tracei via segura,
conforme o vento e a posição dos astros.

Riquezas encontrei nessa procura.
Mas, cheios os porões com áureos lastros,
o barco da ilusão, em noite escura,
perdeu-se. Pobre e só, voltei de rastros.

Por pecados troquei a juventude,
ouro falaz que tanto nos ilude
e nos leva à velhice, que redime.

Talvez por isso eu sofra tão sereno,
certo de que o castigo é tão pequeno
quão pequeno eu julgava cada crime...
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Filgueiras Lima

É BOM SER BOM

Meu pai e meu amigo! eis-me a teu lado,
a rezar. Mas não ouves o que digo.
Eu tenho o coração despedaçado
de saudades, meu pai e meu amigo!

Fui, desde criança, todo o teu cuidado.
Cresci à sombra desse afeto antigo.
Afinal, era um só nosso passado,
porque, ó pai, envelheci contigo.

Sereno e justo, Deus te fez um forte,
ante as ingratidões de todo grau
que te feriram, sem mudar-te o norte.

Com a tua vida do mais puro tom,
tu me ensinaste quanto é mau ser mau
e me provaste quanto é bom ser bom!
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Inácio Moura

FILOSOFANDO...

Tudo que vinha dos teus lábios era
uma ilusão perfeita, um puro engano,
pois o que dizes numa primavera
não podes repetir depois de um ano.

A vida é assim; o tempo degenera
e mata em pouco o sentimento humano:
se não nos alimenta uma quimera,
também não nos devora um desengano!

Ai de nós todos se, por nossa face,
como se a nossa dor fotografando,
constantemente a lágrima rolasse!

Mas, felizmente, a lágrima não corre,
não desce mais dos nossos olhos, quando
a dor persiste e quando a crença morre.
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Jorge Azevedo

ESSAS COISAS DA VIDA...

Essas coisas da vida a gente nunca esquece. ..
Um longo beijo ao luar... uma mentira linda...
Num suspiro de amor... num sussurro de prece,
guardar de toda boca uma saudade infinda...

E então quando se é moço e o ardor não arrefece,
goza-se a mocidade enquanto ela não finda...
Da vida bem vivida o ocaso recrudesce
a tristeza de não poder mentir ainda...

E a minha mocidade em beijos se avigora,
encontra em toda boca uma esplendente aurora
e em todo amor um sol em que, febril, se aquece...

E na efemeridade em que ela se resume,
o consolo é lembrar... lembrar... pois ao perfume
dessas coisas da vida a gente refloresce.
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Vinicius de Carvalho

DANÇA ÁRABE

Trazes no corpo a graça das palmeiras
e o esplendor do luar de Ramadã.
Vem: minha tenda, a esta hora da manhã,
possui, na sombra, o odor das tamareiras.

Esquece, na maciez do meu divã,
o cansaço das tribos caminheiras.
Não procures miragens traiçoeiras:
— toda procura, neste mundo, é vã!

Não faz mal que, no Livro do Destino,
nosso amor seja um conto pequenino
que a mão do Tempo, trêmula, marcou;

pois a história de amor mais comovida
é a que deita raízes pela vida
quando tudo, afinal, já se acabou.
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Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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