domingo, 9 de setembro de 2018

Isabel Furini (A Festa)


Olhou ao redor. Sua visão parecia turva. Ouvia as vozes dos convidados em matizes cinzentos.  As vozes cada vez mais e mais longínquas. A orquestra tocava música de Ray Conniff.  A mulher loira de cabelos encaracolados que caíam sobre os ombros e ressaltavam sobre o vestido preto, longo, com um laço bordado na cintura, olhava para ela. Essa é a filha do dono, murmurou João. A mulher aproximou-se deles, mas virou a cabeça e só cumprimentou com elegância o casal de velhos que estava do lado direito, com os olhos fixos no quadro de Portinari.

-  Como Portinari soube exprimir a subjetividade do homem!- exclamou o velho.

-  Meu avô foi amigo de Portinari... declarou  a mulher loira que era a rainha da festa. Um homem elegante, de cabelos grisalhos, aproximou-se, segurando um copo de uísque.

- Querida, a esposa do doutor  Sargado perguntou por você.

-  Com licença - falaram os dois em coro.

A orquestra iniciava um blue. Ela viu a filha do dono aproximar-se de uma mulher com vestido de renda verde escuro e uma jóia enorme pendurada do pescoço. Deve valer uma fortuna, pensou.

E ela ficou ali, sem ar, perto da porta, os olhos turvos e uma vontade de chorar. Havia percorrido todos os brechós da cidade - compre um vestido mais ousado, você parece uma velha, havia falado sua filha Carolina. E ela, para sentir-se jovem, havia escolhido um vestido de uma cor muito chamativa, entre o rosa choque e o roxo, ombros descobertos e brincos enormes - a vendedora disse que estavam na moda.

Mas ao entrar no amplo salão do clube viu que só imperavam cores escuras. As jóias brilhavam entre vestidos pretos, verde-escuros, cinza e prata. A anfitriã vestia uma saia preta, longa, de tafetá e uma blusa bordada.

João, murmurou - eu sou a única com um vestido rosa choque, comprado em um brechó!

- Nem se preocupe, você está bem...

Ela teve vontade de chorar. Olhou em silêncio para seu marido, o paletó marrom escuro, barato, não se parecia em nada com os que ostentavam os outros convidados. Fitou novamente seu marido. Parecia tão mal vestido ao lado desses esnobes elegantes. E ela com uma cor berrante. Somos dois palhaços, pensou.

De repente, a música parou. Alguém importante da firma subiu ao palco e começou um discurso. Ao terminar o discurso, vamos embora, murmurou ela, bem perto do ouvido de João.

Olharam-se e,  em cumplicidade, caminharam a passinhos leves para a porta de entrada que estava aberta.

O orador terminou o discurso e a sala vibrou de tantos aplausos.

Mais um discurso.  O casal entreolhou-se. Ambos sorriram e continuaram a mexer-se devagar e silentes como assassinos em filmes de mistério, até chegar à porta. Só ao sair ela respirou fundo.  Caminharam abraçados entre o jardim e os carros. Passaram pelo portão e avançaram pela rua bem iluminada.  Fazia tanto tempo que não se abraçavam. Caminharam unidos por ruas desertas.

- Vamos pegar um táxi? -  perguntou ele.

- Se você quer...

- A próxima quadra é uma avenida, deve ter um...

- E vamos chegar a tempo para assistir a um filme.

- Você pode fazer pipocas no microondas. Assistir a um filme comendo pipocas é o melhor da vida, não é?

- É sim, é - disse ela com voz entrecortada, passando a língua pelos lábios para enxugar uma lágrima.

Fonte:

2 comentários:

Isabel Furini disse...

Muito obrigada pela publicação do conto "A Festa", de minha autoria.

Unknown disse...

Belo conto!😘😘