quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Teófilo de Azevedo (Quadras Populares)


Para quem não sabe:
Quadra Popular
A forma lírica mais comum entre o povo; foi também utilizada por poetas de renome.
Composta por 4 versos de sete sílabas (redondilha maior), a rima surge geralmente no 2º verso e 4º versos, sendo os outros dois versos brancos (sem rima).
A quadra popular pode ser composta por uma única estrofe ou por várias.

Mandei buscar na botica
Remédio para uma ausência
Me mandaram uma saudade
Coberta de paciência

Sete e sete são quatorze
Com mais sete vinte e um
Soletra quem sabe ler
A paixão de cada um

Meu benzinho não é este
Nem aquele que lá vem
Meu benzinho está de branco
Não mistura com ninguém

Menina dos olhos pretos
Sobrancelhas de retrós
Dá um pulo na cozinha
Vá coar café prá nós

Quem quiser pegar morena
Arma um laço na parede
Que inda ontem peguei uma
Morena dos olhos verdes

Em cima daquela serra
Tem um ninho de carcará
Quando olho pra tua cara
Dou vontade de lançar

Atirei meu limão verde
Lá atrás da sacristia
Deu no ouro, deu na prata
Deu na moça que eu queria

Limoeiro pequenino
Carregado de limão
Eu também sou pequenino
Carregado de inluzão

Eu plantei e semeei
Carrapicho na “colonha”
A coisa que tenho raiva
É gente branca sem vergonha

A laranja de madura
Caiu nágua foi ao fundo
Os peixinhos estão gritando
Viva dom Pedro Segundo

Esta noite à meia-noite
Me cantava um gavião
Parecia que falava
Maria, meu coração

Cravo branco na janela
É sinal de casamento
Menina tira seu cravo
Inda não chegou seu tempo

Toda vez que considero
Que tenho de te deixar
Me foge o sangue na veia
E o coração do lugar

A garça pôs o pé n’água
Pode estar quarenta dia...
Eu fora do meu bem
Nem uma hora, nem um dia

Menina dos olhos pretos
Sobrancelhas de veludo
Vamos berganhar os olhos
Com sobrancelhas e tudo

Lá do céu caiu um cravo
De tão alto desfolhou
Quem quiser casar comigo
Vai pedir quem me criou

Eu joguei meu limão verde
Numa moça na janela
O limão caiu no chão
E eu caí no colo dela

Limoeiro pequenino
Carregado de “fulô’
Eu também sou pequenino
Carregado de “amô”

A perdiz pia no campo
Comendo seu capinzinho
Quem tem amor anda magro
Quem não tem, anda gordinho

Anum é pássaro preto
Pássaro do bico rombudo
Foi praga que Deus deixou
Pra todo negro beiçudo

Em cima daquela serra
Passa boi, passa boiada
Também passa moreninha
De cabelo cacheada

Batatinha quando nasce
Esparrama pelo chão
Meu benzinho quando dorme
Põe a mão no coração

Cigarrinho de papel
Fumo verde não fumega
Eu vejo moça bonita
Meu coração não sossega

As moças daqui da terra
Passam fome porque quer
Tanto coco macaúba
Tanto buriti no pé

Um coqueiro de tão alto
Que dá coco na raiz
Uma moça bonitinha
Com três palmos de nariz

Meu amor é só meu
Não é de mais ninguém
Quem tiver inveja dele
É fazer assim também

Amanhã eu vou-me embora
Eu não vou-me embora não
Se eu tivesse de ir-me embora
Eu não estava aqui mais não

O anel que tu me deste
Era de vidro e quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e já acabou

Caititu do Mato-Grosso
Corre mais do que cotia
Quando vejo mulher velha
Dou bênção e chamo tia

Se essa rua fosse minha
Eu mandava ladrilhar
Ou de ouro, ou de prata
Para meu bem passear

Alecrim da beira d’água
Não se corta de machado
Corta só de canivete
Cara de sapo rejado

Minha mãe me deu um pente
Todo crivado de ouro
Para fazer uma pastinha
Na janela do namoro

Duas correntes pesadas
Eu arrasto sem poder
Uma é do meu capricho
Outra é do meu dever

Bate bate coração
Arrebenta este peito
Como cabe tanta mágoa
Num espaço tão estreito?

Da Bahia me mandaram
Um presente num canudo
Tinha mais de conto de réis
Fora o dinheiro miúdo

Ninguém viu o que vi hoje
Um macaco fazer renda
E também vi um peru
Caxeirando numa venda

Camisinha de meu bem
Não se lava com sabão
Lava com raminho verde
Água no meu coração

Você disse que vai embora
Eu também já quero ir
Você disse não vai mais
Eu também “arresorvi”

Lá no céu tem três estrelas
Todas três encarrilhadas
Uma é minha, outra é sua
Outra de minha namorada

Mandei fazer um sobrado
De vinte e cinco janelas
Pra prender moça bonita
Morena cor de canela

Em cima daquela serra
Tem um caldeirão de ferro
Quem falar de minha vida
Está na porta do inferno

Calango desceu pra baixo
Foi vender sua farinha
Lagartixa respondeu
Vende a sua e deixa a minha

Lá no céu tem três estrelas
Vestidinhas de nobreza
Quem quiser casar comigo
Não repare minha pobreza

Trepei num morro de fogo
Com “precata” de algodão
Desci numa ponta de nuvem
Com mil coriscos na mão

Eu não dou a mão rapaz
Nem que seja meu parente
Porque rapaz tem o defeito
De apertar a mão da gente

Comprei uma camisinha
Que custou mil e quinhento
Toda vez que visto ela
Acho muito casamento

O anel que tu me deste
Na procissão do Senhor
Era frouxo no meu dedo
Acochado no amor

Da folha da bananeira
Pingou três pingos de prata
Da família de meu bem
É só ele quem me mata

Em cima daquela serra
Corre água sem chover
Os mocinhos da cidade
Me namoram sem me ver

Essas meninas dagora
Só sabem namorar
Botam a panela no fogo
E não sabem temperar

Menina de olhos pretos
Que inda ontem eu reparei
Se há mais tempo eu reparasse
Eu não amava quem amei

Lá vai a garça voando
Com as penas que Deus lhe deu
Contando pena, por pena
Mais pena padeço eu

Eu plantei um pé de rosa
Para te dar um botão
O pé de rosa morreu
Eu te dou meu coração

Baixa baixa serraria
Que eu quero ver a cidade
Meu amor aqui tão perto
E eu morrendo de saudade

Amanhã eu vou-me embora
Pela semana que vem
Quem não me conhece chora
Que fará quem me quer bem

Se eu soubesse quem tu eras
Quem tu havia de ser
Meu coração não te dava
Para agora eu padecer

Você disse que bala mata
Bala não mata ninguém
A bala que mais me mata
São os olhos de meu bem

Menina toma esta uva
Da uva faça seu vinho
Seus braços serão gaiola
Eu serei seu passarinho

A folha da bananeira
De tão verde amarelou
O beijinho de meu bem
De tão doce açucarou

Você disse que sou bonita
Mais bonito é seu cabelo
Cada cacho vale um conto
Cada conto vale um selo

Um coqueiro de tão alto
Pôs a rama na Bahia
Onde tem moço solteiro
Casado não tem valia

Lá no céu tem nuvem
Mas não é para chover
Antes de chegar domingo
Meu benzinho vem cá me ver

Sete cravos sete rosas
Na ponta de um alfinete
Meu benzinho está no meio
Servindo de ramalhete

Toda vez que o galo canta
No retiro onde moro
Me lembro do meu benzinho
Saio do terreiro e choro

Lá no céu está trovejando
Mas não é para chover
Meu benzinho está doente
Mas não é para morrer

Sete e sete são quatorze
Com mais sete vinte e um
Eu tenho sete namorados
Mas eu gosto é só de um

Sexta-feira faz um ano
Que meu coração fechou
Quem morava dentro dele
Tirou a chave e levou

Joguei o branco n’água
O moreno no jardim
Quem quiser o branco eu dou
O moreno é só para mim

Eu tenho um vestidinho
Todo cheio de babado
Toda vez que visto ele
Quarenta e cinco namorado

Em cima daquela serra
Tem um pé de papaconha
Tira a folha e lava a cara
Descarado sem vergonha

Em cima daquela serra
Tem dois pilãozinhos de ferro
Um bate, outro responde
Meu bem está no inferno

Ante-ontem à meia-noite
Saiu faca da bainha
Estão querendo me matar
Sabendo que a roxa é minha

O padre quando namora
Passa a mão pela coroa
Namora, padre, namora
Namorar é coisa boa

Menina não veste curto
Se tens a perna roliça
O padre da freguesia
Tudo que vê cobiça

Não me chame boiadeiro
Não sou boiadeiro não
Sou tocador de boiada
Boiadeiro é meu patrão

Quem tiver o segredo
Não conte à mulher casada
A mulher conta ao marido
O marido à rapaziada

Se eu soubesse da certeza
Que meu bem vinha cá hoje
Eu varria a casa cedo
Semeava pó de arroz

Amanhã eu vou-me embora
É mentira não vou não
Quem vai embora é meu corpo
Mas não vai meu coraçao

Em cima daquela serra
Tem um banco de areia
Onde assenta mulher velha
Pra falar da vida alheia

Esta noite eu tive um sonho
Mas, ó que sonho atrevido
Sonhei que estava abraçado
Com a forma de seu vestido

Esta noite eu tive um sonho
Um sonho todo de louco
Abraçado com uma pedra
Dando bicota num toco

Quem me dera estar agora
Lá no mato, no sertão
Onde está minha saudade
Onde está meu coração

Joguei meu chapéu pra cima
Para ver onde caía
Caiu no colo da velha
Cruz em credo, Ave Maria!

Adeus plantas, adeus rios,
Adeus gente do lugar
Vou partindo, vou chorando
Com vontade de voltar

Quando vim de minha terra
Muita gente lá chorou
Só uma velha muito velha
Muita praga me rogou

Quem inventou a partida
Não entendia de amor
Quem parte, parte chorando
Quem fica, morre de dor

Oh! linda Pirapora
Lugar de ganhar dinheiro
Vou ganhar mil e quinhentos
Na turma dos engenheiros

Marmelo é fruta gostosa
Onde dá na ponta da vara
Mulhe que chora por homem
Não tem vergonha na cara

Mamãe me chamou de feia
Ela só quer ser formosa
Ela vai ser roseira
Eu vou ser botão de rosa

Não tenho medo do homem
Nem do ronco que ele tem
O besouro também ronca
Vai se vê, não é ninguém

Em cima daquela serra
Tem um velho fogueteiro
Quando vê moça bonita
Fica todo regateiro

Você de lá e eu de cá
Ribeirão passa no meio
Você de lá dá um suspiro
Eu de cá, suspiro e meio

Eu pus minha mão na sua
Você a sua na minha
Ficou uma coisa justa
Como faca na bainha

Você ontem me falou
Que não anda nem passeia
Como é que hoje cedinho
Eu vi seu rastro na areia?

Não dês a ponta do dedo
Que logo te levam a mão
Depois da mão, vai o braço
Vai o peito e o coração

Uma velha muito velha
Mais velha que o meu chapéu
Foi pedida em casamento
Levantou as mãos pro céu

Um surdo disse que ouviu
Um pobre mudo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr

Subi na serra do fogo
Com sapato de algodão
O sapato pegou fogo
E eu voltei de pé no chão

Prima pulga está doente
Taturana está parida
Meu compadre percevejo
Está de espinhela caída

Fonte:
Azevedo,Teófilo de. Literatura popular do norte de Minas: a arte de fazer versos.São Paulo, Global Editora, 1978. Cultura Popular, 3.

Cecília Meirelles (Natal na Ilha do Nanja)


Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam “substantivos próprios” e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim. Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade.

Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria. Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: “Boas Festas! Boas Festas!” E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel...

É como se a Ilha toda fosse um presepio. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol! Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

Fonte:
CECÍLIA MEIRELLES. “Quadrante 1”. RJ: Editora do Autor, 1966.

Caravelas da Poesia II


AL BERTO
Acordar tarde

tocas as flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio parou de correr e a noite
foi tão luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e o serviço postal não funcionou
no dia seguinte

procuras ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a língua na cola dos selos lambidos
por assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes ocasionais - nada a fazer

irás sozinho vida dentro
os braços estendidos como se entrasses na água
o corpo num arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me abrigo do mortal brilho do meio-dia

ALEXANDRE O'NEILL
Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

ALMEIDA GARRETT
Anjo és

Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De onde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?

BOCAGE
Apenas vi do dia a luz brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá em Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte doravante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

ANTONIO GEDEÃO
Arma secreta

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dipara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.

AUGUSTO GIL
Balada da neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
- e cai no meu coração.

ANTÓNIO NOBRE
Balada do caixão

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)

Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!

CESÁRIO VERDE
Cinismos

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada.

DAVID MOURÃO-FERREIRA
Crepúsculo

É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
e quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz livida, a palavra
despedida.

ARY DOS SANTOS
Estigma

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.

João do Rio (A Parada da Ilusão)


Como tinha sido aquilo! Diante do espelho, a dar um laço frouxo no lenço de seda, Geraldo sorria o sorriso satisfeito e vagamente mau que têm todos os homens quando recordam uma aventura em que foram os mais espertos. Como tinha sido!... O acaso, apenas o acaso. Pobre, sem pretensões, alugara por uma ninharia aquele casinhoto do morro, bem na rua de Santa Luzia, defronte do mar. O mar é um fornecedor de energia. Contemplar as ondas, aspirar o ar infiltrado de salsugem fazia-lhe bem. Depois, acordava cedo, quase de madrugada, e como a vizinhança era quase toda de pescadores, de banhistas, de jovens dos centros de regatas, ia mesmo de camisa-de-meia, com os pés nus metidos nuns enormes tamancos, ao estabelecimento balneários. Quem o visse grosso, forte, o bigode espesso, a negra cabeleira ondeante, o braço cabeludo, não o diria jamais um estudante de medicina. Havia no seu olhar qualquer coisa dos barqueiros de Nápoles, do langor das serenatas, e na alegria do semblante, na gesticulação, o ar da raça, o ar que não falha. Basta olhar um homem para se sentir de onde ele veio. Geraldo começara humilde, de origem italiana. De trabalho em trabalho fizera-se afinal acadêmico, graças à pertinácia da sua inteligência. Mas, por mais querido que fosse entre os colegas, era uma delícia para sua alma ir arrastar as pernas pela madrugada nos corredores da casa de banhos, quase nu, a conversar em napolitano com os banhistas, os tradicionais banhistas há vinte anos os mesmos.

Era tão bom, tão bizarro! A princípio, postava-se no pátio, junto da barraca do gerente, escura de roupas em trouxas com um quadro das chaves e o bico de gás aceso. Era a chegada dos freqüentadores. Havia mulheres pálidas, mães de família acompanhadas de crianças e de criadas, verdadeiros regimentos de cloróticos; havia sujeitos de passo trôpego, reumáticos, beribéricos, talvez tísicos; havia os habituais, senhores respeitáveis, de ar solene, que tomavam banho de mar desde crianças, aconselhando para todas as moléstias um mergulho no salso elemento; e sujeitos que vinham especialmente para a pândega, as lições de natação, os namoros com apertões debaixo da água, as meninas assanhadas, as cocotes, as cocotes de uma palidez mortal àquela hora... e havia também muita mulher chique, muita mulher de estalo, que os mirones da praia até olhavam de binóculo.

Mas Geraldo não tinha pretensões a conquistas, e aquele espreguiçamento na casa de banhos era apenas uma tonificação para o estudo, que recomeçava horas mais tarde, com o curso dos hospitais, as aulas, os livros. Depois descansar na gerência ia trocar palavras com os banhistas, rindo, brincando. Afinal atirava-se à água, no meio da algazarra dos conquistadores e das pequenas, e sempre tímido, só metido a gente do serviço. Ninguém o tomaria por um estudante e o próprio pessoal da casa tratava-o familiarmente por tu.

Uma vez, estava no corredor estreito e escuro a conversar com Nicolau, quando mesmo ao pé abriu-se a porta a um dos quartinhos e uma linda criatura loira chamou:

- O senhor banhista, venha cá.

Nicolau adiantou-se.

- Não, o outro. Sim, você mesmo.

Geraldo sorriu enleado. Tomavam-no por banhista! Ele, um estudante, um acadêmico! Mas, ao mesmo tempo que o fato o humilhava um pouco, sentia um desejo imprevisto e romântico de se deixar passar por banhista e ter assim a sua primeira façanha de estudante. Os estudantes são todos levados da breca! Apertou o braço de Nicolau, disse-lhe em calão de Nápoles que o deixasse, e aproximou-se. A dama loira estava já vestida para o banho.

- Não quero mais aquele banhista velho. Há cinco dias que tomo banho e logo no primeiro pedi-lhe conservar-se o quarto seco. Não há meio. Veja só. Fica você. Quer?

Geraldo curvava-se, sem uma palavra. A dama loira abriu a bolsa de prata, tirou uma nota.

- Tome. Não quer receber? Ora esta! Receba. Para esquentar. Ande lá.

- Grazzie, signorina...

- Diga: é italiano?

- Io sono venuto da Napoli fa tre anni...

- Ah! bem. E quantos anos tem de idade?

- Vinte e due.

A dama loira olhou-o profundamente, teve um leve suspiro, e ainda indagou:

- Como se chama?

- Túlio.

- Venha dar-me banho.

Infinitamente alegre com a aventura, Geraldo seguiu para o oceano a dar banho na dama loira, e quando voltou estava a arrebentar de riso. Não é que a mulherzinha o tomava mesmo por um banhista? Entretanto, o imprevisto do caso acendia-lhe o desejo de continuar. Sim, continuaria. E falou ao dono da casa de banhos. O homem, um italiano velho, não gostava de patifarias no estabelecimento. Mas, como era ele, Geraldo, consentia. Os outros riam a perder, um pouco envaidecidos porque, afinal, um estudante era tal qual eles. E Geraldo, que não dissera a coisa na escola por um certo pudor, não faltou mais. Logo cedo lá estava no estabelecimento, de pés nus, calção de meia, camisa aberta. A dama loira chegava sempre às seis e meia.

- Então, Túlio, o meu quarto?

- Pronto patroa, prontinho.

No fim do quinto dia ele fazia o papel de banhista de opereta, que ela lhe disse o nome. Era Alda Pereira, brasileira, do sul, tinha vinte e sete anos, e um protetor sério, o senador Eleutério, que a tomara depois da separação do marido. Dizia essas coisas naturalmente, aprendendo a nadar.

- Ai! não me afogues, rapaz. Morrer aos vinte e sete anos...

Ou então:

- Palavra de rio-grandense e de Alda Pereira que aprender a nadar custa!

Ele sorria queria levá-la para longe.

- Não, que o senador Eleutério pode saber; e eu, meu filho, depois que me separei do meu marido, tenho muito medo do ciúme...

Uma suave intimidade brotava aos poucos daquela hora de banho,.

Ele procurava termos vulgares, copiava o rir dos outros, dizia coisas grossas com um ar ingênuo, o seu tom de analfabeto, e ela parecia ter cada dia mais confiança. Já se encostava ao seu ombro, já lhe agarrava o pulso potente de certo modo. Uma vez perguntou-lhe:

- Você, um rapaz inteligente, por que não muda de vida?

- Para que, signorina? Aqui vivo, aqui hei de morrer...

- Criança! E não tens aspirações?

- Não, signorina!

- Aposto que nem sabe ler? Ele parou um instante atônito. Estaria ela a brincar, já sabedora de tudo? Seria o caso de avançar e não gozar mais o prazer de ser conquistado. Mas Alda tinha uma expressão de tão velutínea piedade, que não hesitou na farsa.

- É verdade. Nem sei ler.

- Meu Deus! Um rapaz de vinte e dois anos que não sabe ler!

Os seus olhos nesse dia tornaram-se mais úmidos, e ao rebentar de uma onda na ponte ela se deixou positivamente cair no seu largo peito. Não tinha dúvida! A mulher amava-o como certas damas amam os impetuosos adolescentes das classes baixas; a criatura era uma nevrosada romântica. Decididamente estava de sorte.

No dia seguinte, à saída, Alda Pereira indagou:

- Ó Túlio, quereria você aprender a ler?

- A signorina paga o professor?

- Ensino eu mesma.

- Então quero. Onde?

- Vá à minha casa. Logo, à noite, às sete; é a melhor hora.

Ele arranjara um dólmã de brim, um capote comprido; comprara o lenço de seda e um chapéu desabado para aparecer com a cor local. E fora. A dama loira habitava, numa rua transversal à Lapa, uma casa elegante e discreta, com duas criadas apenas. Fizeram-no entrar para uma saleta de estilo moderno, em que os móveis eram incômodos e as paredes tinham mulheres de túnica soprando trombetas. Alda lá estava.

- Entre, Túlio. Nada de acanhamentos. Francine, deixa a porta aberta... Sabe que já lhe comprei o seu livro? Sente-se, menino, sente-se...

Evidentemente, ela estava comovida, com um riso nervoso, as faces coradas. Ele achava aquilo deliciosamente ridículo. Outro qualquer teria avançado; a sua natural timidez, a pretensão de levar a cabo uma fantasia inibiam-no de um movimento de ataque. E parecia-lhe o cúmulo aprender o alfabeto ensinado por aquela interessante mulher, tal qual nos vaudevilles franceses, numa cena de burla. Sentou-se. Ela mostrou-lhe o livro na mesa, aproximando a cadeira do outro lado. E começou a ensinar, com a voz molhada de mistério.

- Que letra é esta?

Geraldo fazia-se inteiramente bronco, curvava-se muito para sentir os loiros cabelos dela roçando-lhe ao de leve a fronte. Às vezes as mãos se encontravam. As dela estavam geladas. As dele eram de brasa. Ao fim de uma hora, ela disse num suspiro:

- Bom, vai embora.

Ele quase não podia falar. Curvou-se mais, respirando forte, e ia tocá-la, quando ela chamou:

- Francine, acompanha o Túlio até a porta...

Como saiu ele furioso! A sua vontade foi declarar a verdadeira posição, tomar uma atitude. Mas para quê? Não teria realizado nada! Não a gozaria! Era uma aventura falha. Nunca! Tivesse que estudar o alfabeto a vida inteira - aquela, ao menos, não lhe escaparia. E, desde a madrugada, foi esperá-la na casa de banhos, apaixonado. Sim, de fato, apaixonado. Ele não estava senão apaixonado. A paixão é quase sempre o desejo de um triunfo, que se imagina de um certo e determinado modo. Há sempre um vencedor na alma de um amante. Ele queria pregar uma peça. Que peça? Enfim, queria confundir a linda mulher de estranha vontade. E Alda Pereira parecia também amá-lo, porque apareceu de olheiras, com ar fatigado.

- Sabe que estudei? fez ele, olhando-a fixo.

- Palavra?

- Quer tomar a lição hoje?

- Não, amanhã...

Ele se preparou, e foi. Já sabia o alfabeto. Alda Pereira sorria, enlevada.

- Mas como é inteligente! Vamos a soletrar. Olhe que você pode dar orgulho a um professor.

A aula ia continuar. Ela tinha a cabeça curvada, mostrando a nunca nua. Ele estava encostado à mesa, com aquele tom vulgar e potente, que o seu físico ajudava. A luz tênue. Geraldo moveu apenas a cabeça e roçou o bigode no pescoço venusto. Ela estremeceu, estendeu as mãos e suspirou como uma rola.

- Ah! Túlio...

Ele firmou os lábios polpudos e apertou-lhe as mãos. Ela se debateu, voltou a cabeça e a sua boca purpurina, ansiosa e ávida, sugou o lábio de Geraldo. Nem uma palavra. Estavam em outro mundo. Ele caiu de joelhos, ela pendeu, rolaram os dois. Era frenética e deliciosa. Deliciosamente deliciosa. A própria paixão a vibrar. E Geraldo voltou ao casinhoto, outro homem, aturdido, sem compreender o que via, a lembrar-se dos seus abraços e das palavras suas:

- Túlio! Túlio! não digas a ninguém! É a minha vida! Lembra-te do que fiz por ti. Só o amor, muito amor...

A vida de delírio começou então. Ela entregava-se e sentia-o como um imenso acorde do seu próprio ser. Cada beijo era uma revelação, cada abraço a dissolução do mundo. E a necessidade de ocultar de olhares profanos aquele sentimento ainda mais o incendiava. No banho, ela esperava o momento de apertá-lo, de mordê-lo, esperava com a porta do quarto entreaberta para um beijo; em casa, as lições de leitura eram a leitura de Paulo e Francesca, no verso de Dante. Jamais, porém, ela mostrava desconfiar da sua verdadeira situação, e Geraldo, sentindo-se indigno de si mesmo, continuava a ser o banhista Túlio, sem forças para dizer a verdade.

Afinal, o senador Eleutério soubera do caso, e, mais pai do que amante, resolvera mandar Alda à Europa, a ver se o escândalo terminava. Alda chorava, queria viver sem roupas, em Santa Luzia, com o seu Túlio, e fora um verdadeiro trabalho o convencê-la de uma breve separaçào.

- Tu queres, Túlio?

- É para o teu bem.

- Queres mesmo? É o nosso amor que matas...

Eleutério comprara as passagens combinara tudo. Era no dia seguinte que Alda partiria. Geraldo, preparando-se para a última visita, relembrava aqueles dois meses loucos de romantismo. Como aquilo fora! Era lá possível prever? Antes, porém, da partida era preciso dizer-lhe a verdade. Ele ia para o último ato.

Então penteou o cabelo como os banhistas, com muita brilhantina, pôs o chapéu e o capote, consertou ainda uma vez o lenço de seda e partiu. Alda estava na mesma sala da primeira vez, muito abatida. Estendeu-lhe as mãos e a boca.

- Meu amor... A última vez!

E deixou-se cair.

- Alda, que é isso? ânimo...

- Lembras-te? Há dois meses!... Quanto amor! Quando te vi, desde que te vi, meu amor, amei-te. Que me importava que tu fosses banhista? Se era a tua carne, o teu corpo, os teus olhos que eu desejava, meu adivinhado querido... Nunca, nunca mais sentirei o que senti por ti, no mar, quando te tinha ao meu lado, forte, meu fiel... Dize!... Nenhuma outra será como eu. Pois não?

- Mas, Alda...

- Àquela casa vão tantas mulheres! E tu tens que servir a todas, tens que as segurar, tens que as salvar...

Geraldo viu que era o momento.

- Alda, tenho que te dizer...

- Não digas! não digas nada!

- Não, há um engano; um engano que não pode continuar.

- Não há, Túlio, não há!...

- Há.

- Pois deixa-o!

- Não. Tu pensas que eu sou o banhista Túlio, nascido em Nápoles.

- E não és? És sim, és o meu Túlio.

- Criança! Eu sou estudante de medicina, chamo-me Geraldo Pietri.

Mas, como Alda recuava, com a fisionomia transmudada, Geraldo teve um resto de piedade.

- Sim, Geraldo, estudante, que se fez passar por banhista para te amar...

Um silêncio tombou. Alda sentara-se. Depois, como Geraldo se aproximasse, sorriu, afastando-o.

- Não, senta-te. Ou vai-te. É melhor ires. Vai-te.

- Mas a nossa última noite?

- Vai-te.

- Zangaste-te?

- Não, pensei que tinhas mais espírito. Não tens. Eu sabia, ouviste? eu sabia desde o primeiro dia, quem eras tu. Se não soubesse, teria perguntado por ti e dar-me-iam informações. Eu sabia. O meu amor nasceu de uma brincadeira. Tudo na vida é ilusão e só a ilusão é verdadeira. A verdade é a mentira porque é o comum e o vulgar. Amei-te, querendo fazer desse sentimento uma parada de gozo superfino em que ambos nos esforçássemos por dar a cada um a ilusão. Nunca se desengana uma mulher porque não se mata a ilusão. Eu amava um ser idealizado, que seria chocante se fosse verdadeiro, um banhista imprevisto, um selvagem, filho do mar e das canções, em ti que o fingias bem. Tu mataste Túlio. Que me importa a mim o estudante Geraldo? Já nem parto. Não é preciso. Adeus! E nunca, ingênuo rapaz, queiras ser verdadeiro nas coisas do sentimento que ama a ilusão.

Geraldo, nervoso, sem saber o que fazer do seu chapéu calabrês, sentia a lamentável, uma curiosa e lamentável sensação de que retornava o seu eu; um eu vulgar e comum. Alda fez-lhe ainda um vago gesto. Na rua, outra vez, envergonhado, furioso, triste, o pobre rapaz deitou quase a correr, com o receio de que o reconhecessem ainda mal vindo da parada romântica. E só no quarto humilde é que pôde chorar, chorar longamente não ter sabido guardar integralmente o princípio da vida - a ilusão…

Fonte:
http://www.biblio.com.br/conteudo/PauloBarreto/contosgeral.htm

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 433)


Uma Trova Nacional

Peço a Deus, neste momento,
no fervor de minha prece,
um natal sem sofrimento
pra todo irmão que padece.
–THALMA TAVARES/SP–

Uma Trova Potiguar

Natal de festa e de luz,
desejo a todos os lares...
Que em dobro te dê Jesus!
Tudo o que me desejares.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2001 - Petróplis/RJ
Tema: “JESUS” - 25º Lugar.

Que o renascer de Jesus,
nesta Noite de Natal,
traga uma réstia de luz
à cegueira universal!...
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

O Natal é uma beleza:
tem presentes, festa e luz...
Mas vejo que em cada mesa
falta um lugar pra Jesus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Deus com seu saber profundo,
para nos trazer a paz,
mandou o seu filho ao mundo
há dois mil anos atrás.
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–

Simplesmente Poesia

“O Dia de Natal...”
–RAIMUNDO NONATO/CE–

É bastante especial
porque de Deus, segue as leis:
é depois de vinte e quatro
e antes de vinte e seis
“Natal”, o nome da festa
Dezembro, o nome do mês!

Estrofe do Dia

No Natal eu me comovo
com o espírito natalino,
então peço ao Deus menino
pra vir na terra de novo,
pra convencer esse povo
e mostrar quem é Jesus,
trazer um pouco de luz
para esse povo infiel;
mesmo com o risco cruel
de voltar pra mesma cruz!
–ASSIS BRAGA/RN–

Soneto do Dia

Hoje é Natal.
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–

Hoje é Natal, pressinto uma saudade
que se achega nas horas do sol posto
e na sombra que envolve a claridade,
tento esconder as lágrimas do rosto.

Hoje é Natal, por que tanta ansiedade?
Na insensatez deste aguilhão imposto,
que deixa um rastro de intranquilidade
aumentando ainda mais o meu desgosto.

Mas Deus Menino chega em passos lentos,
sem pressa, conduzido pelos ventos
a desfazer tristezas e cansaços.

Abraça-me a sorrir, apaga as mágoas,
estende pontes sobre turvas águas
e deixa uma esperança entre os meus braços.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Fernando Sabino (Mais um Natal)


Aviso num restaurante de Brighton, que o dono fez imprimir no cardápio, à revelia dos garçons:

“Somos seus amigos e lhe desejamos um Feliz Natal. Por favor, não nos ofenda, dando-nos gorjetas.”

Junto à porta de saída, entretanto, os garçons fizeram dependurar uma caixinha sob o letreiro: “Ofensas”.

E no dia de Natal, como sempre, todos os bares de Londres permanecem fechados. Mas consegui realizar o milagre de encontrar em Chelsea um bar aberto, lá para as dez horas da noite. Meio desconfiado, fui entrando — logo um dos fregueses se adiantou, copo de cerveja na mão:

— Perdão, cavalheiro, mas o senhor já foi à igreja hoje?

E se justificou estendendo o braço ao redor, para apontar os demais fregueses, que bebiam cerveja em silêncio.

— Porque aqui dentro, nós todos já fomos.

E sem esperar resposta, passou-me o seu copo de cerveja, pedindo ao barman outro para si.

Festejou-se o Natal, já se festeja o Ano Novo. Há, porém, muita gente na triste perspectiva de passar ambas as festas em completa solidão. Como é o caso de Ethel Denham, ma velhinha com mais de oitenta anos de idade. Dona Ethel não tem filhos nem marido: nunca chegou a se casar.

Mora sozinha numa pequena casa de Exeter, fruto de sua aposentadoria. Para que não lhe aconteça alguma coisa sem ter a quem apelar, foi instalada à porta de sua casinha uma luz vermelha, que ela pode acender para pedir socorro, em caso de necessidade.

Na noite de Natal esta necessidade veio, mais imperiosa do que nunca. A boa velhinha não agüentava a idéia de estar sozinha e passar o Natal sem ninguém. Então acendeu luz de socorro e aguardou os acontecimentos.

Em pouco chegava um guarda de serviço, para ver o que tinha acontecido. E viu que não tinha acontecido nada.

— Fique um pouquinho — pediu ela. — Vamos conversar um pouco.

O guarda teve pena e resolveu ficar. Para não estar sem fazer nada, enquanto conversava fiado com a velhinha, fez um chá, aproveitou e lavou a louça, limpou a cozinha, deu ma arrumação na casa.

Para quê! Há gestos de solidariedade e compreensão que exigem outros, pois acostumam mal. Ou acostumam bem, ainda que na simples necessidade de participar da humana convivência. A dona da casa, encantada, na noite seguinte, depois de fazer o jantar, ficou esperando o seu Papai Noel tornar a aparecer. Como ele nunca mais viesse, não teve dúvida: acendeu a luz do pedido de socorro. Em pouco surgia outro guarda, para saber o que havia.

— Fique um pouquinho — pediu ela: — O senhor não aceita uma xícara de chá?

Mas este estava de serviço mesmo, não era mais noite de Natal nem nada. Então confortou a velhinha como pôde e caiu fora.

Ela, desde então, está esperando o primeiro guarda voltar — aquele sim, tão bonzinho que ele é. Não se conformando mais, depois de três noites de espera, vestiu um capote, enrolou-se num chale e saiu para o frio da rua até a guarnição local, a fim de saber onde andava o seu amigo. Mas não lhe guardara o nome, de modo que o comandante da guarnição, apesar de sua boa vontade, não conseguiu localizá-lo. Agora, a velhinha apela através do jornal, pedindo ao próprio que apareça uma noite dessas, para um dedinho de prosa, para uma xícara de chá.

Outros, cuja necessidade material é mais imperiosa ainda que o convívio, tiveram quem apelasse em nome deles durante o Natal. O vigário da minha paróquia, em West Hampstead, resolveu perder a cerimônia, durante a prédica:

— Vou ser claro e quem tiver ouvidos para ouvir, ouça: estamos nas vésperas do Natal, é preciso ser generoso, proporcionarmos aos pobres um fim de ano decente. Eles também têm direito. Quero hoje uma coleta mais abundante que nos outros domingos. Falei claro? Pois vou lançar mão de uma parábola, para não perder o hábito, e porque fica mais bonito. Já usei essa parábola em outros Natais, e com grande sucesso. Lá vai ela, prestem atenção.

E pôs-se a contar a história daquele inglês que estava passeando pelo campo, como só os ingleses costumam fazer, quando de repente caiu uma chuvarada. Ele, naquele descampado, não tinha onde se esconder. Avistou ao longe uma árvore solitária, correu para lá — mas era uma árvore desgalhada e desfolhada, quase que só tinha tronco. No tronco havia um oco — o homem não teve dúvida: meteu-se no oco da árvore, para se esconder da chuva.

Vai daí, no que a chuva amainou, o homem quis sair do oco da árvore, não houve jeito: a água tinha feito inchar a madeira e a passagem, já estreita, estreitara-se ainda mais. Ali estava ele, prisioneiro da árvore, sozinho no meio do campo, jamais sairia dali, certamente morreria entalado. Então começou a meditar na estupidez que fora sua vida, sempre preocupado com o próprio bem-estar, sem jamais pensar em seus semelhantes. Nunca lhe ocorrera dar uma esmola para os pobres no Natal, por exemplo. Se freqüentasse a igreja da sua paróquia (e aqui o vigário fazia um parêntese: “que certamente podia ser esta aqui mesmo, ele podia ser um dos senhores
que estão me ouvindo”), ele seria sensível a este apelo à sua generosidade.

Mas não: gastava dinheiro à toa, com bobagem, nunca abrira mão de um mínimo que fosse para atender à necessidade de alguém. E foi-se sentindo cada vez mais ínfimo, diminuindo diante de si mesmo, com a consciência da sua própria iniqüidade. Deu-se então o milagre: tanto diminuiu, ficou tão pequenino, que conseguiu sair do oco da árvore.

E o vigário arremata:

— Vamos ter uma estação bem chuvosa este fim de ano! Cuidado com o oco da árvore em que se meterem! Lembrem-se da própria pequenez! Dêem esmolas aos meus pobres!

Já o dono de uma área de estacionamento de automóveis onde costumo parar o meu carro, em pleno centro de Londres, deixa-se impregnar à sua maneira do espírito de generosidade reinante no Natal. Tanto assim, que dei com o seguinte aviso ali afixado:
“Feliz Natal! Hoje o estacionamento aqui é gratuito. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. Em tempo: a paz na terra aos homens de boa vontade termina impreterivelmente à meia-noite.”

Fonte:
Fernando Sabino. Livro Aberto. RJ: Editora Record, 2001.

Flávia Brocchetto Ramos (A Brincadeira na Poesia Infantil)


A literatura infantil, desde o seu surgimento, vem se debatendo com um sério dilema: tem ou não função educativa. Se nos reportarmos a sua origem, contatamos que o nascimento do gênero está associado, inicialmente, ao surgimento do sentimento de infância na sociedade ocidental. Mais tarde, a escola vê a literatura como um meio de auxiliar na educação das crianças. No momento em que se consolidam as instituições que pretendiam formar os pequenos, o gênero aparece com a finalidade de prepará-los para o convívio com os adultos, retirando-os da promiscuidade que tinham com os mais velhos (ARIÈS, 1981)

Se tanto o sentimento de infância como as instituições educacionais são invenções do adulto, nada mais lógico do que este também definir o que deveria e poderia ser dirigido aos pequenos como material de leitura. Assim, consolidam-se as fábulas, cuja função primeira era revelar uma lição de moral explícita aos leitores. Aliadas a elas, aparecem outros textos que orientam o leitor mirim sobre como ele deve relacionar-se com os adultos, sejam pais ou professores. Essas histórias acabam se consolidado e se mantêm até a atualidade, com algumas variações, como é o caso de Chapeuzinho vermelho, coletada entre camponeses e adaptada primeiro por Perrault e depois pelos irmãos Grimm. No Brasil, até hoje essa história ganha novas versões através de escritores como Guimarães Rosa, Aurélio de Oliveira, Chico Buarque, Dionísio da Silva, Pedro Bandeira, entre outros.

Multiplicaram-se os escritos que visavam orientar, explicitamente, as crianças sobre hábitos de higiene ou alimentares, como comer frutas e verduras frescas e saudáveis:

Devemos os nossos dentes
Zelar como maior rigor
Ser com eles negligentes
Causa sempre dissabor.

Fixaram-se ainda textos que pretendem atuar na formação da personalidade do infante, entre eles, aqueles que reverenciavam a figura materna e paterna, recitados no dia das mães ou dos pais. A mãe, que tanto reclamava das travessuras infantis, transforma-se em rainha do lar. Há também poemas para serem recitados nas comemorações como o dia do trabalho, do índio, do descobrimento do Brasil, da proclamação da independência, da bandeira. Qual estudante brasileiro, por exemplo, não lembra dos versos de Bilac, publicados em Poesias infantis, 1904, sobre as estações do ano, a bandeira nacional, o trabalho e, em epsecial, no poema “A boneca” que narra a briga de duas crianças por desejarem o brinquedo:

“E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca...”

José Paulo Paes, reconhecido poeta para a infância, em Poesia para crianças (1996), lembra que, por muito tempo, a literatura para os pequenos privilegiou versos de má qualidade: Achei um relógio / Com uma corrente / Que lindo, que lindo / Agora sou gente. O escritor afirma que lia o texto na sua infancia, mas achava bobo, pois qual a criança, apenas por encontrar um relógio, iria se assumir como humano. Entretanto, ao lado de poemas encomendados para dar lições de moral ou para homenagear certos feitos, tendem a se fixar versos folclóricos que as crianças decoravam pelo prazer de ouvir a melodia.

Eu vi Mariquinha
Na beira do rio
Pescando peixinho
Tremendo de frio

Eu vi Mariquinha
Na beira da praia
Pescando peixinho
Enrolando na saia

Eu vi Mariquinha
Na beira do poço
Pescando peixinho
Atirando pros moços.

Há, ainda, as quadras populares que contém palavras proibidas pelos adultos, mas apreciadas pelas crianças:

Tico-tico foi a venda
Mas não tinha o que comprar
Comprou uma cadeirinha
Mas cadê bunda pra sentar?

A tradição oral de textos lúdicos vai além de quadras e cantigas e abrange os trava-línguas, as adivinhas, entre outros. As crianças gostam muito dessas manifestações populares, porém a escola geralmente as ignora. Afinal, cabe à instituição educacional a formação do sujeito e para que serviriam quadras e poemas que não têm uma mensagem explícita?

Não há como conciliar poesia com uma mensagem direta. Enquanto a escola, na sua tentativa de educar, privilegia mensagens objetivas e claras, a poesia, constituída por uma linguagem condensada, privilegia a plurissignificação, a dubiedade, a incerteza quanto ao sentido mais preciso. Será possível a união feliz entre escola e poesia? O que fazer neste caso?

Não dá para esquecer que a escola tem a função de auxiliar no desenvolvimento das potencialidades cognitivas da criança como também de contribuir para a constituição da identidade, do autoconhecimento do infante. Será que o professor poderia ver na poesia um caminho possível para tornar o aluno mais capaz?

Sabe-se, a partir de estudos de Gardner (1994), que a mente humana desenvolve diferentes inteligências: lingüística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica e pessoais. Há evidências significativas de que as diversas competências intelectuais gozam de relativa independência, isto é, o homem não precisa ter a mesma aptidão em todos os campos.

Na tentativa de união entre escola e poesia, interessa particularmente a inteligência lingüística. Esta é mais ligada à produção artístico-literária e o texto verbal constrói-se por meio da palavra.

Quem melhor do que o poeta perceberia e colocaria em prática as diversas operações e potencialidades da linguagem? Cabe a ele, devido à sua extrema sensibilidade e trabalho árduo com a palavra, ordená-la no que se refere ao seu som e significado, mantendo à coerência do texto. Além do aspecto semântico, é fundamental para a construção do texto poético, o domínio fonológico, responsável pelos sons e seus possíveis efeitos, pois ambos podem gerar significados. A seleção vocabular, com vistas a construir certas imagens e a transmitir determinadas emoções, não se restringe apenas ao sentido das palavras, respeita as variações de uso e também o aspecto sonoro. Os sons, aliados à carga semântica dos termos e ao lugar da palavra no verso (sintaxe), estabelecem novas significações para o conjunto de vocábulos do poema, de modo que a interação entre os diferentes níveis do texto torna-se mais complexa do que parece.

A sintaxe já anunciada é outro elemento presente no texto poético. É a partir dela que os vocábulos são ordenados nos versos e depois nas estrofes. Uma das marcas do poético é o desvio da norma, mas para o leitor perceber o desvio, há que primeiro conhecer a regra, pois só assim sente-se elogiado por perceber o jogo proposto pela subversão. A sintaxe estabelece uma íntima relação com o aspecto semântico, já que a escolha de determinada estrutura causa um efeito específico, contribuindo para a significação do texto.

Além da fonologia, da sintaxe e da semântica, há que considerar o direcionamento do texto, fator que também auxilia na construção do sentido da obra. Qual é a função do texto? Em que momento ele será apresentado? O texto até pode ser lúdico, mas, muitas vezes, o docente no seu desejo de buscar uma finalidade, subverte-o. A linguagem poética deve estimular, persuadir, encantar, informar, confirmar. Jakobon aponta seis funções para a linguagem em uso: referencial, centrada nos referentes textuais ou situacionais; expressiva, revela atitude do emissor no que tange a mensagem a ser comunicada; fática, verifica o contato entre os interlocutores; metalinguística, confere a precisão do código e as possíveis explicitações; conotativa, centra-se no destinatário; e poética, evidencia as potencialidades da mensagem, já que a linguagem centra-se em si mesma. O discurso diário encontra-se contaminado pelas funções apresentadas, dependendo do contexto onde ele está inserido e da sua finalidade.

A escola privilegia a inteligência lingüística e a linguagem referencial. A poesia, no entanto, através da função poética, põe em evidência o lado palpável dos signos, através da sonoridade, do ritmo e de suas potencialidades criativas. A função poética não é privilégio de gênios, ela pode estar presente no cotidiano e manifesta-se com freqüência, por exemplo, no discurso publicitário e na fala infantil.

As considerações de Gardner atribuem ao poeta o grau máximo de capacidade na exploração das potencialidades lingüísticas. Assim, fica a sugestão de que a poesia pode iluminar ações pedagógicas. A leitura do poema apela para a atuação de diversos processos mentais, desde a observação e percepção da realidade, extração de sensações sobre a mesma até a concretização de imagens que são expressas por meio de palavras-sínteses, evidenciando operações centrais da linguagem como a poética, impondo-se a presença do texto poético na escola.

Bem, se o homem sempre pode ser mais inteligente, mais capaz, como deve se portar a escola em relação à competência lingüística do falante? Que espaço pode oferecer à poesia? Lamentavelmente, a poesia tem encontrado obstáculos para adentrar nas escolas. Porém, concebendo o processo de aprendizagem como uma possibilidade de tonar o homem mais inteligente, impõe-se o contato do público mirim com poemas de qualidade, devido a aspectos intrínsecos do texto como: a condensação da linguagem que provoca a plurissignificação aliada à originalidade, seja pela temática seja pela linguagem.

Com a palavra, a poesia ...

O jogo, tão apreciado pelas crianças, surge na poesia através da brincadeira com as palavras como uma forma de representar o jogo social e de conhecimento do mundo e de si mesmo. O poema brinca com as palavras, seja pela repetição de fonemas seja pela surpresa no emprego de certos vocábulos. Esse jogo pode ser vivido na leitura da poesia infantil brasileira produzida na atualidade. Nesse sentido, serão observados alguns aspectos do livro Um passarinho me contou, de José Paulo Paes (1997), como o ludismo que se constitui pela linguagem visual e verbal, pois a ilustração contribui para o sentido gerado pelo leitor. O texto, no livro, é a união da palavra e da ilustração.

Que tal trocar os versos de “achei um relógio”, que o poeta José Paulo Paes escutava na infância, por um poema escrito por ele, denominado "Pura verdade":

Eu vi um ângulo obtuso
Ficar inteligente
E a boca da noite
Palitar os dentes.

Vi um braço de mar
Coçando o sovaco
E também dois tatus
Jogando buraco

Eu vi um nó cego
Andando de bengala
E vi uma andorinha
Arrumando a mala.

Vi um pé de vento
Calçar as botinas
E o seu cavalo-motor
Sacudir as crinas.

Vi uma mosca entrando
Em boca fechada
E um beco sem saída
Que não tinha entrada.

É a pura verdade,
A mais nem um til,
E tudo aconteceu
Num primeiro de abril

O texto composto em primeira pessoa auxilia o leitor no processo de identificação com as novidades apresentadas pelo eu-poético, de modo que aquele se assume também como o ser que descobre as incoerências reveladas. Através da métrica oscilante entre cinco e seis sílabas poéticas, o poema de seis estrofes revela um tecido melódico formado por rimas consoantes externas como inteligentes/dentes, sovaco/buraco; e internas, cocando/jogando, andando/arrumando. Há ainda as rimas toantes, mais sutis, no interior dos versos que também contribuem para a melopéia: mosca/boca, ficar/palitar.

Brincando com a imaginação infantil, o poema sugere uma série de imagens, aparentemente ilógicas, as quais contêm humor e podem ser visualizadas pelo leitor, levando-o ao riso e a constatação de paradoxos existentes. Algumas das contradições exploradas pelo eu-lírico retomam aspectos da natureza: a boca da noite / palitar os dentes, andorinha / arrumar uma mala, pé de vento / calçar botinas. O ilogismo sugerido pela palavra contribui para o ludismo da poesia e pode ser considerado um recurso instigante para a imaginação infantil, assim como as brincadeiras lingüísticas próprias da criança. O jogo sonoro estende-se ao emprego inusitado dos vocábulos.

O poema “Roda” inicia por uma cantiga de roda: Ciranda cirandinha / vamos todos cirandar, anunciando o vínculo com o folclore. O eu-lírico brinca, novamente, com o leitor, agora recriando a cantiga. A métrica oscilante de 6 ou 7 sílabas da “Ciranda” é mantida no poema, mas ocorre a inserção de um personagem que entra na brincadeira assim como o leitor que está sendo convidado a brincar . Trata-se de Ciro, um menino paraplégico que só brinca de ciranda se for levado nas costas - Ciro participa da brincadeira porque é levado pelos colegas e o leitor pela atribuição de sentido dada às constituições semânticas propostas, tanto pela palavra como por aspectos da visualidade, seja a ilustração seja a cor e os rabiscos colocados na base da página:

Ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar.

E se o Ciro não andar
nós o levamos nas costas:
aposto que o Ciro gosta,
nas tuas costas ou nas minhas,
de dançar com a perna alheia
a ciranda cirandinha.

Vamos dar a meia-volta
Volta e meia vamos dar.

Mesmo se a meia furar
e se furar o sapato
daremos por desacato
volta sem meia ou sapato,
volta e meia em pés descalço
cantando todos bem alto:

Ó ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar meia-volta
volta e meia vamos dar.

O ludismo sonoro é criado por meio do ritmo, das rimas, aliterações e também da paranomásia, que aproxima palavras com sons semelhantes mas significados distintos: costa e gosta. A obra não esquece de outro elemento da tradição popular, as adivinhas, que aqui aparecem impressas e acompanhadas de ilustrações. Surgem como um enigma, elemento do jogo, em que a síntese está presente. O leitor precisa pensar para responder a charada. E ajudar o aluno a pensar é justamente a maior atribuição da escola.

Na primeira adivinha - Não me decapite / Pensando que eu faleça / Da cauda faço cabeça - a ilustração, auxilia na resolução da charada. É mais um elemento que contribui para chegar a resposta. Outra charada é: Visto por inteiro/ o que pisa o chão / mas não sou inteira não. A estrutura da adivinha é mantida, mas são inseridas outras idéias que estão em consonância com o modo como a criança apreende a realidade, como se percebe no poema “Metamorfose”:

Me responda você
Que parece sabichão:

Se lagarta vira borboleta
Por que trem não vira avião?

A indagação do eu-lírico, assemelha-se a indagação da criança que tenta compreender o mundo por meio de processos associativos.

O poeta não esquece da poesia narrativa. "O capitão que fugiu do frio", construído por quatro estrofes de quatro versos e uma estrofe de dois, tem versos de seis a oito sílabas poéticas que rimam entre si, pelo esquema AABB ou ABBA. As rimas ora são consoantes como em frio/navio, ora toantes como entre lobo/ fogo. Além disso, do ponto de vista da sonoridade, destaca-se ainda a assonância, provocada pela repetição do som nasal, conferindo um tom musical que tanto agrada ao leitor infantil.

O poema salienta a oposição entre frio e calor, explicitada pelo logro que o capitão sofre. Ele vai para a terra do fogo em busca de calor, mas encontra apenas frio, evidenciando a incoerência do nome, fato que orienta o leitor sobre uma característica da linguagem: a arbitrariedade entre o ser e o signo que o nomeia.

Através de um jogo de associação e síntese, o poema “Anatomia” apresenta relações aparentemente ilógicas sobre partes do corpo do palhaço, mas que surpreendem positivamente o leitor pelo jogo semântico. Esse jogo tira as palavras do contexto habitual, inserindo-as em outro contexto e o deslocamento gera a brincadeira que provoca o riso. A associação é a operação empregada para definir os termos: “A careca do palhaço / é a lona do circo.” Como se definem os olhos, o nariz, a boca e o coração do palhaço? Como é o nariz do palhaço? De que cor? De que forma? As respostas das questões cabem ao leitor.

Em "Bons e maus negócios", a oposição semântica já é evidenciada no título. O poeta joga com a duplicidade de termos Peru, pois ora o relaciona a um país da América Latina, ora a uma ave doméstica: “ .... se for para o Peru / não espere que lhe respondam / quando gritar "glu, glu, glu!"”

A disposição da palavra na página, além da ilustração pode ser um elemento que contribui para a significação, como se constata no poema “Terremoto”, cujas sílabas do vocábulo terremoto estão espalhadas como se tivesse sofrido um tremor. A compreensão do texto passa pela leitura dos códigos visual e verbal.

A proposta lúdica permeia todo o livro e instiga a imaginação do leitor. A obra rebela-se com a idéia de poesia como uma linguagem enfeitada e sempre marcada com rimas e métrica fixa. Ao contrário, mostra a poesia voltada para questões da realidade infantil, através de uma linguagem que revela tanto a surpresa do mundo interno do leitor como também do meio externo. O livro atua como o companheiro que evidencia paradoxos da linguagem e da vida, atendendo a constantes inquietações da criança que vive a indagação dos porquês. O poeta assume a perspectiva da criança, ao olhar o mundo e o revelar a partir das indagações mirins.

Referências
ARIES, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
PAES, José Paulo. Um passarinho me contou. Il. Kiko Farkas. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
PAES, José Paulo. Poesia para crianças. São Paulo: Giordano, 1996.

===================================
Dra. Flávia Brocchetto Ramos. Professora no Departamento de Letras da Universidade de Caxias do Sul e no Programa de Pós Graduação em Letras - Leitura e Cognição - na Universidade de Santa Cruz do Sul.

Fonte:
http://www.ucm.es/info/especulo/numero29/brincade.html

Adelmar Tavares (Cantigas de Amor)


Renúncia de amor profundo
Guarda sublime troféu:
Transforma pedras do mundo
Em construções para o Céu.

Amor que eu saiba em vitória,
No rumo do firmamento,
Deve perder toda escória
No fogo do sofrimento.

Celeste amor que perdura
Atende a roteiro assim:
Ilimitada ternura
No entendimento sem fim.

Chagas de amor que se eleva
Recordam Cristo na cruz...
De cada golpe da treva
Jorra uma fonte de luz.

Amor vence espinho, ultraje,
Agravo, calúnia e lama.
Amor puro é Deus que age
No coração de quem ama.

Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). “Trovas Do Outro Mundo”. Digitalização por Lúcia Aydir
Imagem = http://julioribeirocortez.blogspot.com

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cara De Coruja – V – Barba Azul


Branca chegou a ficar zangada com Narizinho.

— Como é que para uma festa destas convida um monstro como esses? Se eu soubesse não vinha.

A menina desculpou-se, dizendo que não resistira à tentação de verificar se aquela barba era mesmo azul como diziam. Mas as princesas que não se assustassem, pois Rabicó não abriria a porta. E ansiosa por ver a tal barba, correu a espiar pelo buraco da fechadura.

— E é azul mesmo! — exclamou. — Azul como um céu!... Que horrendo monstro! Imaginem que traz na cintura um colar de seis cabeças humanas...

Não podendo resistir à curiosidade, as princesas também foram espiar. Cinderela observou:

— É esquisito isto! Sempre supus que o irmão da sétima mulher de Barba Azul o houvesse matado...

— É que não o matou bem matado — explicou Emília. – Outro dia aconteceu um caso assim aqui no sítio, Tia Nastácia matou um frango, mas não o matou bem matado e de repente ele fugiu para o terreiro...

Barba Azul danou de o não deixarem entrar. Deu vários murros na porta, ameaçando casar-se com toda aquelas princesas. Emília perdeu a paciência; botou boquinha no buraco da fechadura e berrou:

— Pois case, se for capaz! Mando Pé-de-Vento te ventar para os confins do Judas. Vá pintar essas barbas de preto que é o melhor, seu cara de coruja!

Barba Azul virou as costas e lá se foi, furioso da vida, resmungando que nem negra velha.

Logo em seguida chegou Aladim, recebido com grandes festas. Todos queriam ver a sua lâmpada maravilhosa e o seu anel mágico. Emília perdeu a vergonha, chegando a pedir-lhe a lâmpada.

— Não seja tão pidona assim, Emília! — advertiu a menina puxando-a de lado.

— Não é dada que eu quero, Narizinho. É emprestada; depois eu a entrego outra vez.

Aladim era um belo rapaz. As princesas rodearam-no com tantas festas que os príncipes, seus maridos haviam de ficar com ciúmes, se estivessem presentes. Depois veio o Gato de Botas. Narizinho e Emília aproveitaram a ocasião para lhe contar toda a história de falso gato Félix, que se impingiu como seu cinquentaneto.

— Mentira cínica! — disse o Gato de Botas. — Nunca me casei.

Não tive nem filho, quanto mais cinquentaneto!

O Pequeno Polegar veio cochichar-lhe ao ouvido alguma coisa — com certeza a respeito da tal conspiração contra dona Carocha.

Emília bem que apurou os ouvidos para ver se pescava alguma coisa, mas foi inútil, Nisto Cinderela bateu na testa, exclamando muito assustada :

— Céus! Deixei minha varinha de condão em cima do criado mudo. É capaz dalgum mau gênio aparecer por lá e furtá-la...

Imediatamente o Gato de Botas e o Pequeno Polegar se ofereceram para irem ao castelo em busca da varinha. Cinderela aceitou, com um sorriso de alívio. Minutos depois voltaram os dois, cada qual segurando a vara por uma ponta. Tanta foi a alegria da pobre princesa que deu um beijo na testa de cada um. Emília quis por força que Cinderela lhe desse a varinha, ao menos para a segurar por uns momentos. Insistiu tanto que Narizinho teve de ralhar com ela.

— Se continua com esses peditórios, leva um beliscão, está ouvindo? — disse-lhe ao ouvido.

A boneca fez bico e emburrou. Rosa Vermelha consolou-a, pondo-a ao colo e prometendo mandar-lhe um saco de presentes cada qual mais lindo. E estava ainda dizendo que presentes eram, quando a porta se abriu com violência. Havia chegado um novo personagem, muito aflito, com ar de quem foge da perseguição de alguém. Entrou, fechou a porta com a tranca e ainda ficou a escorá-la com os ombros, de olhos arregalados de pavor.

— Ali Babá! — exclamou Cinderela, que o conhecia dos bailes no castelo do príncipe Codadad.

O jovem voltou-lhe os olhos, como que pedindo que se calasse.

— Os quarenta ladrões souberam que eu vinha. Armaram uma emboscada aí no terreiro e por um triz que não me apanham...

— Como? — exclamou Narizinho. — Pois a Morgiana não matou essa gente toda com azeite fervendo?

— O azeite não estava bem fervendo — respondeu Ali Babá. — Queimou só, não deu para matar. Sararam, e agora andam me perseguindo por toda parte.

Aladim pulou à frente com a sua lâmpada na mão.

— Espere que já curo esses malandros! — disse. — Chamo o Gênio e num pingo de minuto ele espalha os quarenta ladrões.

— Que horríveis fuças! — dizia Narizinho com os olhos no buraco da fechadura. — Parece que foi nas caras que caiu o azeite fervendo. Todas ainda mostram as cicatrizes...

Aladim passou a mão pelo vidro da lâmpada. Uma fumacinha começou a surgir, que logo se transformou no Gênio.

— Amigo Gênio — disse ele — vá lá fora e espalhe duma vez para sempre esses quarenta bandidos que vivem atropelando o meu caro Ali Babá.

Ninguém sabe o que o Gênio fez, mas quem logo depois fosse ao terreiro não veria nem rasto de um ladrão, quanto mais os quarenta juntos! Ali Babá agradeceu muito a boa ação de Aladim.

Abraçaram-se, ficando desde aí os maiores amigos do mundo.
–––––––
Continua... Cara de Coruja– VI – Outros convidados

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Folclore Popular Árabe (O Menino Que Consertou o Mundo)


Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e estava resolvido a encontrar meios de minorá-los. Passava dias em seu laboratório em busca de respostas para suas dúvidas.

Certo dia, seu filho de sete anos invadiu seu santuário resolvido a ajudá-lo a trabalhar. Vendo que seria impossível demove-lo, o pai procurou algo que pudesse atrair sua atenção. Até que se deparou com o mapa do mundo. Com o auxilio de uma tesoura, cortou em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva entregou ao filho:

- Vou lhe dar o mundo para consertar. Veja se consegue. Faça tudo sozinho.

Pensou que, assim estava se livrando do garoto, pois ele não conhecia a geografia do planeta e certamente levaria dias para montar um quebra-cabeça. Uma hora depois, porém, ouviu a voz do filho:

- Pai, pai consegui terminar todinho!

Para a surpresa do pai o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colados nos devidos lugares. "Como seria possível? Como o menino havia sido capaz?", pensou.

- Você não sabia como era o mundo, como conseguiu meu filho?

- Pai eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel da revista
para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu não consegui. Foi aí que eu me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei à folha e descobri que havia consertado o mundo.

Fonte:
http://www.nehnaarab.net/a-sabedoria-popular/212-o-menino-que-consertou-o-mundo.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 432)

Natal em João Pessoa/PB, com led e garrafas pet
Uma Trova Nacional

Noite excelsa... A Ti, Jesus,
guiou a Estrela os pastores!
É Natal!...Que a Santa Luz,
guie agora os Trovadores!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar

Deus, luz, e sagrado brilho
que distingue o bem do mal,
deu-nos seu único filho
de presente...No Natal!
–MÁRCIO BARRETO/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema: “NATAL” - Venc.

Natal da minha velhice...
não sinto qualquer revolta:
- Papai Noel... ah! quem disse
que, em nós, o sonho não volta?
–POMPÍLIO O. VIEIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Tenho pena da criança
que, num cruel desvario,
enche de desesperança
seu sapatinho vazio!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Oh! Mundo como serias
um sublime madrigal
se fossem todos os dias
como as noites de Natal!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Presença de Natal
–MARIA LUISA BOMFIM/CE–

Na mangedoura,
o Menino Deus.
Ajoelhados,
José e Maria.
Chegam
pastores e reis magos,
seguindo a estrela guia.

Anjos flutuam no ar
cantando para o Menino,
melodias que veem do céu
e falam de Esperança.

É a instauração do amor,
é uma paz infinita.
É a presença de Deus,
é o Natal que chegou.

Estrofe do Dia


A família reunida
dividindo o pão à mesa
será sempre, com certeza,
a melhor coisa da vida.
Adotando esta medida,
de maneira natural,
todo mundo é visto igual
festejando o Deus-criança;
minha casa é só bonança,
numa noite de Natal.
–IEDA LIMA/RN–

Soneto do Dia

O Natal do Rei
–CAROLINA A. DE CASTRO/PE–

Numa cascata azul, resplandecente,
do Firmamento à Terra se estendeu
à luz da Estrela-Guia, lentamente,
na santa noite em que Jesus nasceu!

Jerusalém vibrara intensamente,
quando a feliz notícia recebeu,
e postara-se em preces, toda a gente,
em honra ao soberano Galileu.

Repleta estava humilde estrebaria,
e entre reis e pastores, enlevada,
orava a Mãe das Mães, Virgem Maria...

Velava pelo sono angelical
daquela criancinha bem-amada,
no seu mais belo e cândido Natal!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://exame.abril.com.br/

Carlos Leite Ribeiro ("Nunca digas NUNCA..." )


Foi há muito tempo. Naquele dia...

Último encontro de dois seres que se amavam, mas como eram muito teimosos e muito orgulhosos, nunca conseguiram encontrar a fórmula que harmonizasse as suas naturais divergências.

Tal teimosia deu origem a um afastamento que tudo indicava ser definitivo.

Ela - "...tu não me apareças mais à minha frente, nem procures veres-me mais, porque eu para ti morri - entendeste? Morri!... Se por acaso, alguma vez, me encontrares na rua, por favor, muda logo de passeio e nem de soslaio olhes para mim! Nunca te esqueças, disto que te digo!"

Ele - "O que disseste também se aplica a ti, e mais, nem pensamentos em mim te autorizo a teres, porque eu não preciso, nem precisarei de ti para nada. Nada - entendeste?!... Nada! Agora, desaparece da minha vista para sempre - mulher malvada! Para sempre!

Passados alguns meses ambos casaram com namoros que entretanto tinham arranjado.

Foram viver para terras diferentes e nunca mais se encontraram.

O ódio que votaram um ao outro, tinha surgido efeito. Mas... Há sempre um mas...

Estávamos na véspera do Natal.

À porta de um supermercado, Ele, hesitou mas por fim resolveu entrar para fazer as compras que ainda lhe faltavam. Já estava quase aviado, quando ao passar por um corredor, avistou uma prateleira com bolos de rei. Ergueu o braço para ir buscar um, ao mesmo tempo que uma senhora teve a mesma ideia e fez o mesmo gesto. Resultado: o mesmo bolo que ambos agarraram caiu-lhes a seus pés, e ambos, ao tentar apanhá-lo, com a precipitação, chocaram com as cabeças um do outro...

Ainda massageando as cabeças, ambos olharam um para o outro.

Ela - Olha!... Que fazes tu aqui? - perguntou-lhe muito admirada.

Ele – Faço o mesmo que tu. Mas noto que continuas a teres a cabeça muito rija!

Ela – Oh menino, isso pode eu dizer de ti; olha o "galo" que me fizeste na cabeça... – Disse-lhe Ela enquanto afastava o cabelo para lhe mostrar um inchaço que já começava a notar-se - e continuou:

Ela - Com tantos estabelecimentos que para aí existem, tinhas que vir hoje e à mesma hora que eu também vinha, a este... É preciso ter azar!

Engrossando um pouco a voz, respondeu-lhe:

Ele: - Se eu soubesse que estavas aqui, nem nesta rua teria passado. Nem nesta terra! Que pouca sorte a minha! Bem, em que ficamos: levas o bolo ou levo eu?

Olhando-o de soslaio, disse-lhe:

- Sim, eu vou tirar o meu bolo. Quero lá saber se tu também tiras ou não o teu! E para já, a conversa acabou. Feliz Natal, passa muito bem, que não foi prazer nenhum ter-te encontrado!

Ele sorriu. Apesar dos anos, Ela, continuava "espevitada" como era dantes. E também continuava muito bonita... Por casualidade, tinha sabido há pouco tempo que ela também tinha enviuvado. Marotamente procurou a "chateá-la” um pouco mais:

- Como esse carrito das tuas compras, está muito pesado e a rolar mal, eu tenho muito prazer de o te levar até lá fora...

Ela mostrou logo o seu desacordo com tal oferta. Mas o carrito estava de facto muito pesado e rolava muito mal. Fingindo-se mais zangada do que de facto estava, lá acedeu:

- Olha que é só até à porta, pois o meu carro está ali perto.

Tentando ser mais "gozador", do que de fato era, Ele lá lhe foi dizendo:

- Não te preocupes. Eu só faço esta "gentileza" para te ver o mais longe possível; imagina, o mais rapidamente possível, de mim!"

Depois de passarem pela "caixa", Ele levou-lhe o carro cheio de compras e a rolar mal, até junto do automóvel dela, como era o seu desejo. Ela quase que lhe agradeceu:

- E pronto, acaba aqui o nosso encontro - o nosso inesperado encontro. Confesso que não tive o menor prazer em tornar-te a ver!

Não querendo ficar por baixo das palavras dela, logo lhe respondeu:

- Olha que estou plenamente de acordo contigo! Mas que lá foi um enorme prazer ter-te ajudado, isso foi. Ah antes que me esqueça, quero pedir-te desculpa de te ter feito, involuntariamente, esse "galo” na tua cabeça. Assim, talvez logo à noite, penses em mim!

Ela ao ouvir isto, quase que o "fuzilou" com os olhos, e disparou-lhe em seguida:

- Não sejas convencido, porque eu sou (e sempre serei) incapaz de pensar em ti. Pronto, pronto, a conversa já vai longa! Muito obrigado pela tua (inesperada) "gentileza" e mais uma vez um Feliz Natal para ti. Oxalá que nunca mais nos encontraremos. Vá lá, agora, sai da minha frente.

Dizendo-lhe isto, Ela entrou para dentro do carro, pô-lo a trabalhar, e, quando estava quase a arrancar, debruçou-se para o seu lado direito, e abrindo o vidro, perguntou-lhe:

- Olha lá, "menino", com quem vais tu passar a noite da Consoada? E logo rematou: Não é que me interesse, melhor, não tenho o mínimo interesse em ti nem da tua vida.

Ele parou, olhou-a nos olhos e, com um sorriso algo triste, respondeu-lhe:

- Como é já habitual há alguns anos, vou passar esta noite sozinho.

Ao sentir a tristeza dele, Ela, quebrou um pouco o seu ar que pretendia ser altivo. Mas "reguila" como era, não se conteve e disse-lhe em tom de despedida: - Isso acontece muitas vezes às pessoas más, de feitio irascível.

E lá seguiram o seu caminho, cada um para seu lado...

Ele voltou a entrar novamente no estabelecimento. Abeirou-se do carrito que lá deixara com as suas compras. Pensava nela:

- Porque a tinha encontrado? Porque lhe tinha falado?

Agora seria pior, pois não parava de pensar nela. A sua cabeça estava feita num verdadeiro caos. Sentiu-se revoltado. Já não lhe apetecia comprar mais nada. Não queria estar mais naquele ambiente do supermercado. Deu meia-volta ao carrito para se vir embora. Espanto seu, Ela estava novamente na sua frente. Mal pode balbuciar:

- Tu, novamente aqui...?!

Calmamente, Ela, altivamente, respondeu-lhe:

- Não penses que voltei por tua causa! Voltei, sim, porque esqueci-me de comprar umas coisas, nada mais... Ou já pensavas que?...

Ao encará-lo novamente, notou que Ele tinha os olhos de quem queria chorar. E até a sua voz era mais suave. Sentiu um grande arrepio. Nesse momento, por qualquer motivo ou avaria, as luzes do estabelecimento apagaram-se. Ela sobressaltou-se e nervosa como estava, quase lhe suplicou:

- Com esta escuridão, é melhor irmos embora.

Ele logo concordou:

- Talvez pela primeira vez na vida, estou plenamente de acordo contigo.

Dirigiram-se então para a saída. E, Ela estava ali a seu lado. Tinha a sensação de ouvir a sua respiração e sentia o calor da sua mão, que estava junto da sua. Parecia sonhar um sonho lindo, e a meia voz, balbuciou: -

- Já vejo a luz da rua. Não será bem uma luzinha "ao fundo de um túnel", mas quase...

Admirada (ou talvez não) Ela logo retorquiu-lhe:

- O que é que estás para aí a dizer?

Embora hesitante, Ele respondeu-lhe timidamente:

- Bem, é que... é que... como hei-de dizer… É que gostava imenso de cear contigo esta noite...

Ela fingiu-se muito admirada com o que ouvira momentos antes, passando a mão pelos ainda belos cabelos, embora já algo grisalhos, disse-lhe:

- Ho "menino", controla-te...pois deves de estar a delirar! Que surpresas guardou-me o destino para hoje! Olha cá para mim...não, não, não ... Repara, eu já tenho o meu programa para esta noite: o meu filho vai a minha casa com a mulher e o meu netinho; talvez também uns primos, além de umas vizinhas...

Ele interrompeu-a ao retorquir-lhe tristemente:

- Só eu é que não posso ir, não é assim?

Ela encarou-o novamente. Sorriu (talvez com malícia) mas notava-se algum nervosismo:

- Ai, tu só me trazes problemas. Como é que eu posso agora anular os convites, não me dizes? Mas porque é que eu te tinha que te encontrar novamente, e logo neste dia? Tu, como sempre, só me trazes trabalhos e problemas.

Ele até parecia que estava no meio de um sonho. Um sonho lindo. Não, não queria acordar. Mas desta vez, Ela, estava ali a seu lado, compreensiva e com uma certa doçura no olhar e na voz, que nunca tinha imaginado que Ela seria capaz...Ainda que timidamente, atreveu-se a balbuciar: - Então, "menina...Às oito horas, está bem?...

Ela ainda hesitou. Escondeu a cara entre as suas mãos. Depois fez-lhe uma festinha no rosto dele, dizendo por fim:

- Mas olha que eu não vou a tua casa!

Visivelmente satisfeito, e porque não dize-lo, muito admirado com Ela, também aprovou.

- Linda, não tem importância nenhuma, posso eu ir a tua casa!

Ela, começou logo a fazer contas à vida:

- Oito horas?... Olha menino, vai um pouco mais cedo, pois o programa da Televisão começa às sete, e assim poderíamos o ver desde o princípio...

Ele, sorriu e pensou:

- Ou muito me engano, ou nunca mais passarei outro Natal sozinho!"

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Paraná em Trovas Collection - 32 - Elidir D'Oliveira (Ivatuba/PR)

Adélia Prado (Cantiga dos Pastores)


À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.

Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?

Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.

Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:

a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.

Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:

Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?

Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 431)


Uma Trova Nacional

Cristo Deus feito criança,
que a sublime estrela tua
encha de luz de esperança
os moradores de rua.
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar

É Natal, noite feliz,
na capela bate o sino,
e o coro alegre assim diz:
– nasceu Jesus, Deus menino.
–UBIRATAN QUEIROZ/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema: “NATAL” - M/H

Vencendo o tempo e a distância
num clima de eternidade,
os Natais de minha infância
permanecem na saudade.
–IVO DOS SANTOS CASTRO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Noel quase nunca vem
visitar nossas favelas,
pois lá, crianças não têm
nem sapatos, nem janelas...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!...
–CAROLINA A. DE CASTRO/PE–

Simplesmente Poesia

Jesús El Salvador.
–LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI–ARGENTINA

Navidad es todo el año
si predicamos amor.
Al conocido, al extraño
que JESÚS es el Salvador.

Es él que vino a traernos
paz a nuestro corazón,
olvidando los infiernos
que nos causan desazón.

Que nuestras voces unamos
en canto de adoración
pues hacia el cielo marchamos
busquemos su aprobación.

Estrofe do Dia

Eu só vou ter alegria
nessa festa de Natal,
havendo a paz mundial
em cada raiar do dia;
peço pela primazia
reforçando o meu pedido,
pra que ele seja atendido
vamos todos dar as mãos,
na ceia dos meus irmãos,
quero cristo renascido.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Soneto do Dia

Prece de Natal.
–OLGA DIAS FERREIRA/RS–

Ouço bem longe, doces tons divinos,
a penetrar-me a alma com fulgor,
diviso sons, suaves, cristalinos,
a propagar a vinda do Senhor.

Pobres pastores, rumam campesinos,
na atmosfera de cadeia em flor,
escutam forte badalar de sinos,
em grandes festas para o Salvador.

Os três Reis Magos, com prazer intenso,
transportam joias, o mais raro incenso,
com vestes santas, para um festival...

Brilhando o sol, com o raiar mais denso,
formulo prece, com amor imenso:
bendito sejas, Pai, neste Natal!!!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor