sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

EM TEMPO (Nota de Falecimento de Altimar de Alencar Pimentel)

Faleceu ALTIMAR DE ALENCAR PIMENTEL, presidente da Comissão Paraibana de Folclore, dia 21 de fevereiro de 2008, às 18h30, em João Pessoa.

O corpo foi velado na Academia Paraibana de Letras.


Se guardará de ALTIMAR PIMENTEL a lembrança do notável administrador público que dirigiu o Theatro Santa Roza, fez aparecer os projetos de conservação e segurança dos edifícios públicos da Paraíba, engrandeceu a cultura popular ao dirigir o Departamento de Extensão Cultural do Estado e a rádio Correio da Paraíba.

A Universidade Federal da Paraíba, da qual foi professor do Departamento de Artes, sempre lhe será reconhecida pela atuação na criação e coordenação do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular e na introdução dos estudos de Comunicação Social.


Sua dimensão nacional se afirmou quando secretariou o conselho consultivo de alto nível do Instituto Nacional do Livro e, ao mesmo tempo, prestou assessoria ao Congresso Nacional. Os folcloristas que o conheciam, dele guardam a lembrança do reconhecido e extraordinário mestre da arte de fazer amigos.


A profa. Paula Ribeiro, presidente da Comissão Nacional de Folclore, recomendou que dissesse do seu pesar e que apresentasse condolências à família de ALTIMAR, que o perde e também, à Comissão Paraibana de Folclore e ao Estado da Paraíba que estão de luto.


Dona Cleide Rocha Pimentel, sua viúva, recebe correspondência eletrônica pelo endereço altimarpimentel@hotmail.com


O sepultamento de ALTIMAR DE ALENCAR PIMENTEL se deu em João Pessoa, dia 22 de fevereiro, às 10:00 horas da manhã, no cemitério de Santa Catarina, no bairro Treze de Maio.
Fonte:
comunicação enviada por Douglas Lara (Sorocaba/SP)
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Em nome da União Brasileila dos Trovadores - UBT/PR, partilho dos pêsames por esta perda, pela sua obra realizada para as novas gerações que estão engatinhando e que ainda virão. A saudade que deixa, gostaria de estende-la por meio de versos de nossos colegas trovadores.
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Saudade, ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar novamente!
Archimimo Lapagesse

Quando a saudade me embala,
o teu nome a repetir,
o silêncio tanto fala,
que não me deixa dormir!
Carolina Ramos

Não há palavra nenhuma
tão grande quanto "saudade",
que em sete letras resuma
a dor e a felicidade!
Diamantino Ferreira

Saudade, momento onírico;
saudade, momento trágico;
saudade, momento lírico;
saudade, momento mágico!
J. J. Germano

A saudade às vezes fala
e até grita – quem diria! –
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia...
Miguel Russowsky

Lembra a saudade uma estrela
nas águas de um ribeirão
que fica sempre a retê-la,
enquanto as águas se vão...
Luiz Antônio Pimentel
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Assim será sempre Altimar, uma estrela a brilhar nas águas de nossas vidas, elas correrão, mas ele sempre estará presente em nossos corações.
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José Feldman
Ubiratã/PR

Altimar de Alencar Pimentel (1936 - 2008)

Altimar de Alencar Pimentel nasceu a 30 de outubro de 1936 na cidade de Maceió, capital de Alagoas. Filho do comerciante Altino de Alencar Pimentel e Maria das Neves Batista Pimentel, Altimar aos nove anos, em 1945, perdeu o pai, sendo ele o primeiro dos seis irmãos órfãos. Sua mãe, paraibana, logo em seguida voltou para João Pessoa, onde arrostando dificuldades criou sua prole.

Altimar foi casado com Dª. Cleide Rocha da Silva Pimentel, formada em Letras, de cuja união tem os seguintes filhos: Tatiana, economista; Altino, advogado; e Hilda, titulada em letras e informática.

Iniciou seus estudos primários ainda na capital alagoana, concluindo o ginasial e o clássico no Colégio Estadual da Paraíba. Pela Universidade Federal da Paraíba, em 1971, concluiu o curso de Licenciatura em Letras – Vernáculo e pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília, bacharelou-se em Comunicação Social – Jornalismo, em 1976.

Dedicado ao teatro, Altimar fez curso de especialização em Direção Teatral na Federação das Escolas Isoladas do Rio de Janeiro e na Universidade Federal da Paraíba, em 1978.

Ainda em 1975 ingressou no magistério do 2° grau, tornando-se professor de Educação Artística no Colégio Estadual da Paraíba e em Cabedelo. Daí foi um passo para ingressar no magistério superior, lecionando as disciplinas Evolução do Teatro e Dança (1977) e Introdução às Técnicas de Comunicação (1979), na Universidade Federal da Paraíba.

Foi Diretor do Teatro Santa Roza, Diretor do Departamento de Extensão Cultural do Estado, Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular da UFPB e Diretor da Rádio Correio da Paraíba.

Participou de vários colegiados, entre eles o Conselho Estadual de Cultura, a Comissão Executiva do IV Centenário da Paraíba, o Conselho da Lei Viva a Cultura, na Paraíba, e foi Secretário do Conselho Consultivo de Alto Nível do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro. No jornalismo também sua atuação foi brilhante.

Como teatrólogo foi autor de inúmeras peças, muitas delas consagradas nacionalmente. Presidente da Comissão Paraibana de Folclore, Altimar Pimentel tem 17 livros publicados sobre temas folclóricos. Dedicou-se, também, à história paraibana, com vários livros publicados, o último dos quais – Cabedelo – alcançou grande receptividade nos meios culturais.

Bastante premiado por seus trabalhos, era natural seu ingresso como sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o que ocorreu no dia 22 de novembro de 2002, quando passou a ocupar a cadeira n° 10, sucedendo ao historiador José Pedro Nicodemos, sendo saudado pelo consócio Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins.

Além das publicações em revistas e jornais, lançou dezenas de livros. No Folclore, destacam-se: O Coco Praieiro – Uma Dança de Umbigada, Editora Universitária, João Pessoa, 1ª. ed., 1966, 2ª. ed., 1968; O Diabo e Outras Entidades Míticas no Conto Popular, Coordenada Editora, Brasília, 1969; O Mundo Mágico de João Redondo, Serviço Nacional do Teatro, Rio de Janeiro, 1971; Saruâ, lendas de árvores e plantas do Brasil, Editora Cátedra, Rio de Janeiro, 1977; Sol e Chuva: ritos e tradições, Thesaurus, Brasília, 1981; O Mundo Mágico de João Redondo, 2ª edição revista e ampliada, Ministério da Cultura, Rio de Janeiro, 1988; Incantations, Thesaurus Publishing Co., Miami, Flórida, 1995; Contos Populares de Brasília, Editora Thesaurus, Brasília; Estórias de Luzia Teresa, vol. I, Editora Thesaurus, Brasília, 1995 e vol. II, Editora Thesaurus, Brasília, 2001; Barca, Bois de Reis e Coco de Roda, João Pessoa, FIC, 2005.

No Teatro, entre as peças de sua autoria já encenadas na Paraíba e outros Estados, registramos 20 peças, entre elas Auto da Cobiça, Auto de Maria Mestra, Viva a Nau Catarineta, Lampião vai ao inferno buscar Maria Bonita, Coiteiros. Registramos um destaque especial para a peça Como nasce um cabra da peste, adaptação da obra homônima de Mário Souto Maior, a qual conquistou mais de 40 prêmios em festivais na Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e realizou vinte apresentações em Portugal e uma em Cabo Verde. Possui dez peças inéditas.

Em História, o destaque é sua obra Cabedelo, em dois volumes, publicados em 2001 e 2002.

Pesquisador, Diretor de Teatro, jornalista, Altimar pertenceu a várias entidades culturais e recebeu, por sua vitoriosa carreira, elogiosas críticas, prêmios e condecorações.

Exerceu inúmeras funções, entre elas: diretor do Teatro Santa Roza (João Pessoa); na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), além de professor, foi diretor do Departamento de Extensão Cultural da Paraíba, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação de Cultura Popular (NUPPO) e assessor cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários; diretor da Rádio Correio da Paraíba, assessor cultural do Instituto Nacional do Livro (Rio de Janeiro), assessor administrativo da Câmara dos Deputados (Brasília, 1980), membro do Conselho Estadual de Cultura da Paraíba (1963) e Membro do Conselho Fiscal e sócio fundador da Associação dos Dramaturgos do Nordeste e Membro da Academia Paraibana de Letras.

Exercia o cargo de Secretário de Cultura do Município de Cabedelo, Paraíba, antes de falecer.

Fonte:
http://ihgp.net/memorial4.htm
http://www.paraiba.com.br/noticia.shtml?62034

Altimar de Alencar Pimentel (O Alimento Doce e a Bebida Ardente)

Era verão. O sol, àquela hora, tornava-se abrasador. O calor insuportável martirizava quem passasse por aquela estrada marginada de vegetação rarefeita e ressequida. Nenhuma árvore havia que oferecesse frutos ou abrigo ao viajante. Também não se vislumbrava rio, riacho ou poço com água.

Mas, a sagrada missão daquele homem levava-o a todos os lugares onde a sua palavra fosse necessária à salvação das almas. E, no cumprimento dessa missão, Jesus seguia solitário, passos trôpegos, sob o sol abrasador.

Padecia fome, sede e cansaço.

Foi quando avistou um canavial. Seguiu em sua direção. Ali refrescou o seu corpo e matou a fome e a sede com alguns gomos de cana.

Ao retirar-se do canavial, recuperado e agradecido, Jesus estendeu as mãos sobre as canas e as abençoou:

— Eu as abençoo por me haverem alimentado e aplacado minha sede. De vocês o homem tirará um alimento bom e doce.

O canavial abençoado por Jesus recebeu, no outro dia, a visita do diabo.

À mesma hora, saiu o diabo de sua morada no inferno e lá vem galopando, desembestado, pela dita estrada.

— Um canavial! — exclamou ao ver as canas. — Vou-me refrescar que o calor das caldeiras do inferno hoje estava muito forte. Queimou-me o rabo e os chifres!

E mergulhou, estabanadamente, entre as canas.

Estas, aborrecidas com o importuno, atingiram o corpo do diabo com os seus pêlos. Ao sentir o comichão, o diabo começou a coçar-se.

Além do calor e da sede, a coceira! Agoniado, o diabo quebrou uma cana e começou a chupá-la com tal sofreguidão que o caldo, azedo, caiu-lhe no goto e abrasou-lhe as goelas. Ele atirou a cana. fora e praguejou:

— Maldição! De vocês o homem há de tirar uma bebida tão ardente como as caldeiras do inferno!

Assim é que da cana, graças à bênção de Nosso Senhor, o homem extrai o açúcar e, em virtude da maldicão do diabo, a cachaça.

Fonte:
Pimentel, Altimar de Alencar. Saruã; lendas de árvores e plantas. Rio de Janeiro, Livraria Editora Cátedra / Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1977.
Disponível em http://www.jangadabrasil.com.br/setembro49/especial23.htm

Paulo V. Pinheiro (Todos os Dias)

Gota a gota o copo enche, assim como também esvazia.
Letra a letra as palavras vão cumprindo os seus papéis.
Dizer por dizer é como soletrar só letras.
É ruim para quem diz, pior para quem lê.
Fazer sem sentido é construir o incompreensível.
Ousar não é só se expor.
Usar e expor... um sentido supor... palavras em tintas tão nobres... extensas, sucintas... claro e escuro...

Ensurdecer com palavras escritas.
Dizer apenas o que se deve ouvir.
Criar um chão para que a razão se assente.
E se rir da própria vaidade,
de todo imprópria.

Sentidos...
ouvir dizer, sem saber quem diz;
ler sem saber o que;
cantar sem ter a razão;
unir letras sem o sabor das palavras que criam;
inalar todo prosa mal sã fantasia.

Palavras criam. O quê? Criam...
Expressar é regurgitar sentimentos com razão ou não.

Uma expressão fria é, ainda, uma expressão.
Fria, porque não?

Um jogo de contrastes.
A palavra busca atingir, muita vez, o contrário.
Faz sorrir os que choram.
Faz chorar os que riem.
Onde está a razão? Onde está o autor? Onde está o ator? Onde está o objetivo?

Para quem se escreve?
Para si mesmo?
Para alguém ler? Ou ninguém?
Qual o papel do autor?
Que não seja só a vaidade e se for que seja.

Fonte:
Paulo Vieira Pinheiro. 8 agosto 2007. paulovinheiro.blogspot.com

Em Tempo (Café com Literatura)

Mais um encontro dos amantes da literatura aconteceu em nossa cidade. O Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL é uma reunião que acontece em várias cidades do estado e que reúne pessoas interessadas em literatura não científica. O Movimento foi criado em cinco de maio de 2005, pelo Professor Dr. William Moffitt Harris, auxiliado pela coordenadora Profa. Dra. Alitta Guimarães Costa Reis.

Trata-se de uma organização informal, alegre, democrática, sem custos, sem registro oficial, sem estatuto próprio ou regras rígidas e isento de corporativismo de qualquer espécie. Em sua 69ª Tertúlia que aconteceu na cidade de Sorocaba, reuniu 13 profissionais, entre eles médicos, atrizes, um professor, um administrador, um corretor de seguros, uma locutora, uma jornalista.

Todos os participantes amantes da literatura levaram a sua presença através de contos, crônicas, poesias e ensaios. Entre eles haviam poesias sobre o amor, a mulher, a morte e contos sobre experiências de vida, saúde e família. Esses encontros têm como objetivo a troca de conhecimento e traz principalmente a oportunidade de expor os trabalhos dos participantes em público, e claro aquecidos por um cafezinho paulista.

O próximo evento do MMCL será o I Congresso Paulista Comunitário de Letras que acontecerá na cidade de Santos entre os dias 2 a 4 de maio de 2008 com entrada franca. Será na sede da Associação dos Médicos de Santos – AMS na Avenida Ana Costa 388, Gonzaga – Santos/SP. Informações Dr. Willian M. Harris wmharris@terra.com.br

Fonte:
Notícia veiculada pelo colega Douglas Lara sob nome Sorocaba Dia e Noite 22 de fevereiro. Disponivel em http://www.vejosaojose.com.br/sorocabadiaenoite.htm

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Epigramas e Trovas

De Corrêa de Almeida a Millôr Fernandes


Epigrama: poesia breve, satírica; dito mordaz e picante.

Trova: composição lírica ligeira e mais ou menos popular; quadra popular.


Corrêa de Almeida:
Dedicatória

— É esta a cara cediça
do tal Corrêa de Almeida:
é padre que não diz missa,
poeta — sem ter Eneida...

(Em retrato oferecido a um amigo)

Laurindo Ribeiro:
Para mostrar que é mui sábio
E filho de boa gente,
E dos passados ministros,
Ser em tudo diferente,
Sua excelência da Guerra
Em tudo que der à luz,
Em vez de assinar o nome
Pretende assinar em cruz.

(visava ao ministro da Guerra, Cel. Manuel Felizário de Sousa e Melo)

***
Cabeça, triste é dizê-lo!
Cabeça, que desconsolo!
Por fora não tem cabelo,
Por dentro não tem miolo!

Martim Francisco:
Ó caso feio! Ó caso extraordinário!
Caso que me entrou fundo na lembrança!
Tem o vigário a cara da criança,
Tem a criança a cara do vigário!

***
O Moura-Bule é ilustrado,
Mas quase sempre se esquece
quando se usa de — s —
quando de c cedilhado

(visava ao deputado J.Ferreira de Moura, apelidado Moura-Bule pela atitude constante que assumia, de mãos nas cadeiras)

Belmiro Braga:
— Vi teus braços... que ventura!
teu colo... as pernas... que gosto!
Agora, tira a pintura,
Que eu quero ver o teu rosto.
***
— Na noite de núpcias. O Gama
encontra a esposa envolvida
num lindo roupão e exclama:
— Posso, enfim, ver-te vestida!
***
— Mui decentes eu não acho
teus vestidos minha prima:
são altos demais em baixo,
são baixos demais em cima!
***
— A beleza não te atrai?
Só te casas por dinheiro?
Tu pensas como teu pai,
Que morreu velho e... solteiro.

Roberto Correia:
Se espichas (vou ser-te franco)
os teus cabelos, ó João,
tu pretendes é ser branco,
ao menos em comissão...
***
Político e sempre graúdo,
De moço a quase senil,
Do Brasil tem tido tudo!
Nada tem dado ao Brasil...

Antônio Sales:

— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
— "Mas que animal elegante!"
***
Um demagogo exemplar,
Com uma violência louca,
Levou a vida a clamar,
E só deixou de gritar,
Quando lhe encheram a boca!

Victor Caruso:
A um matemático

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que to diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...

Bocage:
A Moléstia e a Cura

Aqui jaz um homem rico
nesta rica sepultura;
escapava da moléstia,
se não morresse da cura.

Pe. Celso de Carvalho:

Natural que os noivos digam:
"Nosso ninho..." É bom sonhar!
Mas as aves, quando brigam,
xingam seus ninhos... de lar!
***
Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!
***
Vá que se louve a formiga,
e à cigarra se condene...
Mas, quem teceu essa intriga
foi a cigarra — La Fontaine!

Vão Gogo (Millôr Fernandes):

Quando a garota morena
mergulha assim tão segura,
não sei por que lembro a frase
"água fria na fervura".
***
Namorar, minha menina,
é andar de caminhão:
a gente só passa à frente
se andar na contra-mão.
***

Epitáfio

Aqui jaz minha mulher
que partiu para o Além.
Agora descansa em paz
e eu também.

Fonte:
Textos extraídos de
"Antologia de Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro,1957 (seleção de R. Magalhães Júnior), e "Humor e Humorismo - Poesias e versos", Editora Brasiliense - São Paulo, 1961,(seleção de Idel Becker). Disponível em http://www.releituras.com/

Pérolas do Vestibular

* Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio.

* O nervo ótico transmite idéias luminosas.

* O vento é uma imensa quantidade de ar.

* O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas.

* Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.

* Péricles foi o principal ditador da democracia grega.

* O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades.

* O petróleo apareceu há muitos séculos, numa época em que os peixes se afogavam dentro d’água.

* A principal função da raiz é se enterrar.

* A igreja vem perdendo muita clientela.

* O Sol nos dá luz, calor e turistas.

* As aves têm na boca um dente chamado bico.

* A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário.

* Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso.

* A harpa é uma rosa que toca.

* A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo.

* Os ruminantes se distinguem dos outros animais porque o que comem, comem por duas vezes.

* O coração é o único órgão que não deixa de funcionar 24 horas por dia.

* Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado.

* A insônia consiste em dormir ao contrário.

* A arquitetura gótica se notabilizou por fazer edifícios verticais.

* A diferença entre o Romantismo e o Realismo é que os românticos escrevem romances e os realistas nos mostram como está a situação do país.

* O Chile é um país muito alto e magro.

* As múmias tinham um profundo conhecimento de Anatomia.

* O batismo é uma espécie de detergente do pecado original.

* Na Grécia, a democracia funcionava muito bem, porque os que não estavam de acordo, se envenenavam.

* A prosopopéia é o começo de uma epopéia.

* Os crustáceos fora d’água respiram como podem.

* Os hermafroditas nascem unidos pelo corpo.

* As glândulas salivares só trabalham quando a gente têm vontade de cuspir.

* A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos.

* Os estuários e os deltas foram os primeiros habitantes da Mesopotâmia.

* O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.

* A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva.

* O Ateísmo é uma religião anônima.

* A respiração anaeróbica é a respiração sem ar, que não deve passar de três minutos.

* O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.

* Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.

* Caracteres sexuais secundários são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais.

* O hino nacional francês se chama La Mayonèse...

* Tiradentes, depois de morto, foi decapitulado.

* Resposta a uma pergunta: "Não cei".

* Entres os índios de América, destacam-se os aztecas, os incas, os pirineus, etc.

* A História se divide em 4: Antiga, Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias).

* Em Esparta as crianças que nasciam mortas eram sacrificadas.

* Resposta à pergunta: "Que entende por helenização?": "Não entendo nada".

* No começo os índios eram muito atrazados mas com o tempo foram se sifilizando.

* Entre os povos orientais os casamentos eram feitos "no escuro" e os noivos só se conheciam na hora h.

* Então o governo precisou contratar oficiais para fortalecer o exército da marinha.

* Em homenagem a Gutenberg, fizeram na Alemanha uma estátua, tirando uma folha do prelo, com os dizeres: "e a luz foi iluminada".

* No tempo colonial o Brasil só dependia do café e de outros produtos extremamente vegetarianos.
* A capital de Portugal é Luiz Boa.

* A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos.

* O Brasil é um país muito aguado pela chuva.

* Na América do Norte tem mais de 100.000 Km de estradas de ferro cimentadas.

* Oceano é onde nasce o Sol; onde ele nasce é o nascente e onde desce decente.

* Na América Central há países como a República do Minicana.

* A Terra é um dos planetas mais conhecidos no mundo.

* As constelações servem para esclarecer a noite.

* As principais cidades da América do Norte são Argentina e Estados Unidos.

* Expansivas são as pessoas tangarelas.

* O clima de São Paulo é assim: quando faz frio é inverno; quando faz calor é verão; quando tem flores é primavera; quando tem frutas é outono e quando chove é inundação.

* "(...) quanto à opinião pública, podemos dizer que ela é mutável. Por exemplo: na hora do parto, a mulher pode optar pelo aborto."

* "A comunicação é importante porque comunica algo entre duas ou mais pessoas que querem se comunicar"

* "O Press release tem esse nome porque realiza as coisas com pressa".

* "O problema da comunicação social no Brasil é que ela é dirigida por brasileiros, deveríamos trazer os americanos.

* "O endomarketing é como se fosse o marketing endovenoso."
* "Eu acho que a resposta é não. Como o professor deve ter pensado numa armadilha, respondo que é sim.

* "O público mixto é composto por aquelas pessoas que entram e saem da empresa. Ou seja nunca estão totalmente dentro, nem totalmente fora."

* "(a questão dizia que a afirmativa era CORRETA, pedia a justificativa somente). "Disconcordo com a questão. Ela não pode ser positiva. Nunca fiz prova que o professor dissesse que era afirmativa uma questão. Deve ser uma pegadinha, tipo do Faustão.

* "A comunicassão social e feita de mim para voçês"

* "A televisão é influenciativa em nossas vidas. Quantas vezes não compramos um tênis porque vemos na TV? A programação deveria ser mais educante(...)".

* "A empresa e o público ixterno caminhão juntos, incluindo aí a emprensa."
* "O proficional de comunicação tem um mercado bundante a sua disposição, afinal, todos se comunicam na terra(...)".

* "O ruído realmente atrapalha muito a comunicação. Aqui na universidade fico atordoado quando passa o trem, quase não ouço o professor. As salas deveriam ser à prova de som".

* "O fidibeque é a mesma coisa que a retroinformação, ou seja a informação que vem por trás."

* "A comunicação é uma junção da verdade com a falsidade, afinal fofoca é uma coisa feia e é comunicação".

* "Faço comunicação porque acho importante ser comunicadora, mas não acho importante ler jornal (suja a mão), nem ficar em casa vendo TV. Acho melhor me comunicar entre si."

* "A comunicação é moderna porque usa modernidades da atualidade."

* "Os principais meios utilizados pelas comunicação são: meios orais (que são falados), meios auditivos (que são ouvidos) e mais tácteis (que são sentidos)."

* "A comunicação é de massa porque precisamos utilizar a massa cinzenta para compreendê-la".

* "Marketing em português é mercado, marketing pessoal, portanto é o mercado que freqüentamos."

* "Ao utilizarmos a comunicação nos comunicamos."

* "Se a comunicação é pessoal, envolvendo o emissor e o receptor, como podemos pensar em comunicação empresarial? A empresa se expressa por si só?"

Fonte:
www.releituras.com

Arnaldo Poesia (Um Estudo sobre Hamlet)


"O mundo é todo um palco."Lema do Globe Theatre, 1599
– Hamlet e Ofélia


Hamlet, príncipe da Dinamarca, peça escrita provavelmente em 1600/2, é seguramente a tragédia de Shakespeare mais representada em todos os tempos e a que mais se prestou a interpretações de toda ordem. Praticamente todos os escritores e pensadores importantes nos últimos quatro séculos deixaram suas impressões sobre o impacto que lhes causou a história do infeliz príncipe da Dinamarca, constrangido a fazer, sem nenhuma vocação para tal, uma terrível vingança.

~ Estrutura e inspiração ~

Estrutural e tecnicamente, Hamlet é a peça mais longa escrita por Shakespeare (4.042 linhas com 29.551 palavras, 73% delas em verso e 27% em prosa) e, provavelmente, a que mais lhe deu trabalho. Supõe-se inclusive a existência de um esboço original que teria sido alinhavado uns dez ou 12 anos antes da sua conclusão, ali por 1588. Texto que os críticos denominaram de Ur-Hamlet (um primeiro Hamlet). Isso porém são especulações, pois a influência mais direta sobre ele veio mesmo da peça The Spanish Tragedie,

Uma Tragédia Espanhola, de um autor de menor importância chamado Thomas Kyd, que a encenou possivelmente em 1590. Não seria a primeira vez na história cultural, nem a última, em que um traço tosco qualquer servisse como chispa para que alguém de talento ou gênio empolgue-se fazendo dele maravilhas.

~ A história de Hamlet ~

A fonte original da história do príncipe dinamarquês encontrou-se na Gesta Danorum, obra de Saxo Gramaticus, (1150-1206), escrita em latim, mas que recebeu o título de Danish History, na edição inglesa de 1514. A versão que chegou às mãos de Shakespeare é de se supor tenha sido a de Belleforest, intitulada de Histoires Tragiques, de 1570. Coube ao bardo alterar alguns aspectos do enredo e os nomes originais dos personagens. No Hamlet de Shakespeare, por exemplo, Fergon, o rei criminoso que mata o irmão para ficar com o trono e a cunhada chama-se Cláudio; o rei morto Horwendil passou a ser Hamlet-pai, enquanto a rainha Gerutha tornou-se simplesmente Gertudres. Amleth, o filho vingador, foi regravado como Hamlet (o mesmo nome que Shakespeare deu ao seu filho Hamnet, que morreu na infância). Tudo indica que a tragédia, que se passa no castelo de Elsenor, na Dinamarca, era muito popular entre os escandinavos em geral, havendo uma série de lendas dela derivada. Acredita-se que mesmo na época de Shakespeare, uma versão alemã da tragédia do príncipe dinamarquês corria encenada pela Europa.

~ Os personagens ~

Além de Hamlet, fingindo-se boa parte do tempo de louco — e que domina a peça do princípio ao fim como uma estrela lúgubre, sempre trajando preto, demonstrando o luto como um desagrado moral — está o seu rival, o tio Cláudio. Este teria assassinado o pai de Hamlet por meio de um estratagema covarde (Cláudio pingou gotas de um funesto licor no ouvido do rei Hamlet enquanto este dormia num banco de um jardim no castelo de Elsenor). Havia pois algo de podre no Reino da Dinamarca!

Em meio a esses dois leões que vão nutrindo, um pelo outro, um ódio crescente ao longo da história, tentando ser um algodão entre os cristais, está a rainha Gertudres, mãe de Hamlet, e também Polônio, o ministro da casa. Polônio não só é o típico cortesão que pretende acomodar tudo, como também é o pai da jovem Ofélia, a frágil prometida de Hamlet. Ele também tem um filho, Laertes, estudante como Hamlet, que mais tarde, cabalado por Cláudio, vai querer vingar a morte do pai, pois o desastrado Polônio terminara, por engano, mortalmente estocado por Hamlet ao esconder-se atrás de uma cortina no quarto da Rainha Gertrudes. Ao redor desses personagens centrais, circulam outros de menor expressão como Rosencrantz e Guildenstern, ex-colegas de Hamlet que também são aliciados na trama por Cláudio.

~ Um final terrível ~

Depois de peripécias mil, Hamlet, no ato final, vê-se desafiado para um duelo de espada por Laertes. O jovem, devidamente instrumentalizado por Cláudio, que lhe insuflou o desejo de vingança, ainda aceitou participar de uma perfídia. Sabendo ser Hamlet um bom espadachim, deixou-se convencer, pelo rei criminoso, em embeber com mortal veneno a lâmina da sua espada. Garantia-se assim de que o príncipe não sairia vivo do recinto da corte, fosse qual fosse o resultado da peleja. O desfecho, porém, foi tétrico. Deu-se uma sucessão avassaladora de mortes. A sala da corte do rei Cláudio tornou-se o sepulcro da dinastia dos Hamlet. Ferido de morte por uma estocada de Hamlet, Laertes, agonizante, revelou-lhe o plano monstruoso do tio. O príncipe, àquela altura, trazia no sangue a poção maligna, pois Laertes o atingira de raspão.

~ Espadas e venenos ~

Não querendo entregar-se à morte, que já lhe anuviava a mente, antes de poder cumprir com a vingança final, Hamlet concentra sua forças para, num só golpe, prostrar o rei Cláudio. Este morre na hora. A rainha Gertrudes, por sua vez, desconhecendo a segunda armadilha que o rei preparara para o seu filho, emborca num gesto só uma taça envenenada que o marido deixara de reserva sobre uma bandeja. Sofre uma síncope instantânea. A cena é brutal. Corpos jazem por todos lados. Laertes e Cláudio, sangram até a morte trespassados pela lâmina de Hamlet, enquanto esse e a rainha sua mãe contraem-se empeçonhados.

Nesse momento, eis que surge o jovem Fortimbrás, o novo rei da Dinamarca que viera reclamar o trono (o pai de Fortimbrás vira-se usurpado pelo rei Hamlet). Contemplando o horrível quadro, ele compreende que a justiça final fora feita. A ordem voltara a imperar no Reino da Dinamarca. Purificava-se o trono. A podridão de cercava o reino fora removida.

~ O Hamlet de Goethe ~

Goethe, por exemplo, (Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister, livro IV, cap. 3 e 13), registrou que a verdadeira tragédia de Hamlet, ou que pelo menos mais o tocou, a ele Goethe, deu-se pela súbita ruína que acometeu aquele jovem na sua até então vida segura e de aparente bom convívio familiar. Num repente, com a súbita aparição do espectro do pai, deu-se um terremoto na vida dele. Sofreu desmoronamento total da confiança na ordem ética que era representada pelo elo que o ligava aos pais, os quais amava e honrava, e que se rompera de uma maneira tão horrenda ao descobrir a sordidez que envolvia a morte do pai e o repentino casamento da sua mãe, a rainha Gertrudes.

Era Hamlet, para ele, um jovem terno, sensível, que procurava o mais elevado caminho ideal. Modesto, mas com insuficiente força interior, vê-se num repente diante da necessidade de: "uma grande ação" que lhe "é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la." ..... "um ser belo... que sucumbe sob a carga que não pode carregar sem a jogar para longe de si." Tornou-se uma espécie de paradigma involuntário do intelectual, pois quase sempre suas ações eram paralisadas pela exuberante atividade do seu pensamento.

~ O Hamlet de Freud ~

A "modernização" psicológica de Hamlet deu-se pela abordagem que Freud fez no seu A Interpretação dos Sonhos, de 1900, quando o comparou à figura de Édipo, o trágico rei de Tebas, personagem de Sófocles. Observou, porém, Freud que a fantasia infantil de Hamlet ficou por tempos reprimida, só aflorando numa situação similar à da neurose, bem mais tarde. Para Freud, Hamlet era um histérico que aparentava ter, como demonstram suas atitudes para com Ofélia, repulsa ao sexo.

Não o vê porém como um incapaz, concentrado apenas a executar vinganças imaginárias. Afinal ele livra-se, com uma maquinação digna de um discípulo de Maquiavel (obra que Shakespeare conhecia), dos cortesãos Guilderstern e Rosencrantz, que estavam ao serviço do rei Cláudio, como também foi capaz, como se viu, de, num gesto fulminante, trespassar com seu florete a Polônio (que o espionava por detrás da cortina no quarto da rainha Gertrudes). Freud observa que a inação de Hamlet devia-se a que o seu tio Cláudio fizera o que o jovem príncipe (ainda que em seus instantes mais sombrios e reservados momentos oníricos), desejava ter feito: matar o próprio pai!

Mesmo reconhecendo que a criatividade de um poeta é formada por diversos motivos, Freud enfatiza que (como não podia deixar de ser para o fundador da ciência da subjetividade), ao escrever Hamlet , fê-lo sob o impacto da morte do seu pai, John, o que explicaria a presença de um espectro paterno no primeiro ato da peça, e lembra também que um dos filhos dele chamava-se Hamnet, concluindo que "a vida anímica do personagem não era outra senão a do próprio Shakespeare".

Dessa maneira a mais longa peça de Shakespeare seria aquela que carregava as maiores evidências da subjetividade do autor, a que trazia as digitais do gênio por assim dizer.

~ Hamlet maquiavélico ~

Erich Auerbach (Mimesis, no capítulo 13) contraditando Goethe, considerou a interpretação do poeta alemão como adequada ao romantismo do século XVIII. Para ele, e também para Harold Bloom, o personagem de Shakespeare, bem ao contrário do parecer de Goethe, nada tem de rapaz inocente. Hamlet é isto sim astucioso e até temerário em seus ataques. Utiliza-se tanto da dureza selvagem no seu trato com Ofélia, como é capaz do mais absoluto sangue frio quando, ardilosamente, se desfaz dos já citados cortesãos que poderiam atrapalhar o seu plano. Não é, pois, um personagem débil. Ao contrário. É o mais forte da peça. Impõe respeito e temor e parece agir dominado por forças demoníacas. Os seus impulsos, por vezes, parecem predominar sobre tudo o demais. O retardo em agir pode ser visto apenas como um estratagema de um animal cauteloso, um tarimbado sobrevivente das cortes renascentistas, esperando a melhor hora de atacar, e não alguém fragilizado pela indecisão ou pelo medo.

~ A tragédia da inteligência ~

Hamlet é também uma tragédia da inteligência. As artimanhas cerebrais do príncipe são um poderoso instrumento na elaboração da grande vingança. É o que o orienta em reproduzir em frente a toda a corte, quase de improviso, aproveitando-se da presença de uma trupe de atores, a cena da morte do seu pai, para expor o seu assassino, o rei Cláudio. Quase toda a ação que ocorre na peça é geralmente precedida de uma concepção intelectual, que se alterna com rompantes bruscos e violentos que terminam conduzindo-o ao trágico final. Seja como for é um cérebro quem conduz a espada.

~ Hamlet e Édipo ~

Para o discípulo e biógrafo de Freud, o Dr. Ernest Jones (Hamlet e o Mito do Complexo de Édipo), a aparição do espectro do pai e o desejo de vingança que então o acomete não passa de um delírio psicótico, comum de ocorrer com quem é atormentado pelo complexo de Édipo. Hamlet não pode perdoar a mãe ter-se casado novamente. Imaginava-se, após a morte do pai, seu substituto, o centro máximo das atenções de Gertrudes. Eis que esse Édipo vê-se frustrado pelo casamento feito um tanto às pressas dela com seu tio Cláudio. Na sua fantasia, o tio usurpou-lhe não só o trono como o afeto da mãe. A vingança resultante nada mais era do que o pretexto para canalizar a frustração dele em ter sido preterido.

~ A mais bem sucedida das histórias ~

Hamlet é certamente a mais bem-sucedida história de vingança levada aos palcos. Ela, desde o início, coloca o público ao lado do jovem príncipe porque o ato da vingança, que Francis Bacon definiu como uma "forma selvagem de fazer justiça", sempre seduziu o a todos. Hamlet sente-se pois um reparador de uma injustiça, um homem com uma missão. A ela irá dedicar todos os momentos da sua vida, mesmo que tenha que sacrificar seu amor por Ofélia e ainda ter que tirar a vida de outras pessoas. Talvez seja essa obsessão, essa monomania que toma conta dele desde as primeiras cenas do primeiro ato, que eletrize os espectadores e faça com que eles literalmente bebam todas as palavras do príncipe vingador (Hamlet é o personagem que mais fala na obra de Shakespeare, recita 1.507 linhas).

~ Uma concepção excepcional ~

Além disso, a concepção da peça é espetacular. Os elementos que cercam a tragédia são impressionantes. O castelo assombrado de Elsenor, o espectro que ronda as altas torres clamando por vingança, o mal-estar e o clima de intrigas que se apossa da corte, um príncipe esquisito fingindo-se de louco, o belo achado shakespeariano de fazer teatro dentro do teatro, que o levou a encenar um pequeno drama para apurar um crime, as tramas paralelas, a visita noturna do jovem Hamlet ao cemitério, seguido do seu monólogo empunhando uma caveira, o horrível suicídio da bela e frágil Ofélia e, como conclusão, a tétrica dança da taça envenenada, sorvida em meio a um mortal duelo que encerram com um grand finale a tragédia, tudo isso faz dela um dos maiores achados teatrais de todos os tempos.

Quanto a sua construção literária, Hamlet expõe em cada ato, em cada cena, as mais belas imagens em verso e prosa da língua inglesa, beleza, diga-se, que consegue a façanha de manter-se mesmo nas adaptações e traduções que tem sido feitas até hoje. Não importando o idioma em que o traduziram. Pessoas de cultura média, e até sofrível, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, guardam com facilidade uma ou outra passagem hamletiana qualquer de cor. O que mais poderia Shakespeare ambicionar para merecer a imortalidade?

Fonte:
~ Arnaldo Poesia
http://www.starnews2001.com.br/

Lygia Fagundes Telles (1923)


(...) "Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto". (Verde lagarto amarelo)

Quarta filha do casal Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, nasce na capital paulista, em 19 de abril de 1923, Lygia de Azevedo Fagundes, na rua Barão de Tatuí. Seu pai, advogado, exerceu os cargos de delegado e promotor público em diversas cidades do interior paulista (Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga), razão porque a escritora passa seus primeiros anos da infância mudando-se constantemente. Acostuma-se a ouvir histórias contadas pelas pajens e por outras crianças. Em pouco tempo, começa a criar seus próprios contos e, em 1931, já alfabetizada, escreve nas últimas páginas de seus cadernos escolares as histórias que irá contar nas rodas domésticas. Como ocorreu com todos nós, as primeiras narrativas que ouviu falavam de temas aterrorizantes, com mulas-sem-cabeça, lobisomens e tempestades.

Seu pai gostava de freqüentar casas de jogos, levando Lygia consigo "para dar sorte". Diz a escritora: "Na roleta, gostava de jogar no verde. Eu, que jogo na palavra, sempre preferi o verde, ele está em toda a minha ficção. É a cor da esperança, que aprendi com meu pai."

Em 1936 seus pais se separam, mas não se desquitam.

Porão e sobrado é o primeiro livro de contos publicado pela autora, em 138, com a edição paga por seu pai. Assina apenas como Lygia Fagundes.

No ano seguinte termina o curso fundamental no Instituto de Educação Caetano de Campos, na capital paulista. Ingressa, em 1940, na Escola Superior de Educação Física, naquela cidade. Ao mesmo tempo, freqüenta o curso pré-jurídico, preparatório para a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco.

Inicia o curso de Direito em 1941, freqüentando as rodas literárias que se reuniam em restaurantes, cafés e livrarias próximas à faculdade. Ali conhece Mário e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Sales Gomes, entre outros, e integra a Academia de Letras da Faculdade e colabora com os jornais Arcádia e A Balança. Para se sustentar, trabalha como assistente do Departamento Agrícola do Estado de São Paulo. Nesse ano conclui o curso de Educação Física.

Praia viva, sua segunda coletânea de contos, é editada em 1944 pela Martins, de São Paulo. O ano de 1945 marca o ano de falecimento de seu pai. Atenta aos acontecimentos políticos, Lygia participa, com colegas da Faculdade, de uma passeata contra o Estado Novo.

Terminado o curso de Direito, em 1946, só três anos depois a escritora publica, pela editora Mérito, seu terceiro livro de contos, O cacto vermelho. O volume recebe o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras.

Casa-se com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., seu professor na Faculdade de Direito que, na ocasião,1950, era deputado federal. Muda-se, em virtude desse fato, para o Rio de Janeiro, onde funcionava a Câmara Federal.

Com seu retorno à capital paulista, em 1952, começa a escrever seu primeiro romance, Ciranda de pedra. Na fazenda Santo Antônio, em Araras - SP, de propriedade da avó de seu marido, para onde viaja constantemente, escreve várias partes desse romance. Essa fazenda ficou famosa na década de 20, pois lá se reuniam os escritores e artistas que participaram do movimento modernista, tais como Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Mafaldi e Heitor Villa-Lobos.

Maria do Rosário, sua mãe, falece em 1953 e, no ano seguinte, nasce seu único filho, Goffredo da Silva Telles Neto. As Edições O Cruzeiro, do Rio de Janeiro, lançam Ciranda de pedra.

Seu livro de contos, Histórias do desencontro, é publicado pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, e é premiado pelo Instituto Nacional do Livro, em 1958.

Em 1960 separa-se de seu marido Goffredo e, no ano seguinte, começa a trabalhar como procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo.

Dois anos depois lança, pela editora Martins, de São Paulo, seu segundo romance, Verão no aquário. Passa a viver com Paulo Emílio Salles Gomes e começa a escrever o romance As meninas, inspirado no momento político por que passa o país.

Em 1964 e 1965 são publicados seus livros de contos Histórias escolhidas e O jardim selvagem, respectivamente, pela editora Martins.

A convite do cineasta Paulo César Sarraceni e em parceria com Paulo Emílio Salles Gomes, em 1967, faz a adaptação para o cinema do romance D. Casmurro, de Machado de Assis. Esse trabalho foi publicado, em 1993, pela editora Siciliano, de São Paulo, sob o título de Capitu.

Seu livro de contos Antes do baile, publicado pela Bloch, do Rio de Janeiro, em 1970, recebe o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros, na França.

O lançamento, em 1973, pela José Olympio, de seu terceiro romance, As meninas, é um sucesso. A escritora arrebata todos os prêmios literários de importância no país: o Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro e o de "Ficção" da Associação Paulista de Críticos de Arte.

Seminário de ratos, contos, é publicado em 1977 pela José Olympio e recebe o prêmio da categoria Pen Club do Brasil. Nesse ano participa da coletânea Missa do Galo: variações sobre o mesmo tema, livro organizado por Osman Lins a partir do conto clássico de Machado de Assis. Integra o corpo de jurados do Concurso Unibanco de Literatura, ao lado dos escritores e críticos literários Otto Lara Resende, Ignácio de Loyola Brandão, João Antônio, Antônio Houaiss e Geraldo Galvão Ferraz.

Em setembro desse ano, falece Paulo Emílio Salles Gomes. A escritora assume, face ao ocorrido, a presidência da Cinemateca Brasileira, que Paulo Emílio ajudara a fundar.

Em 1978 a editora Cultura, de São Paulo, lança Filhos pródigos. Essa coletânea de contos seria republicada a partir de 1991 sob o título A estrutura da bolha de sabão. A TV Globo leva ao ar um Caso Especial baseado no conto "O jardim selvagem".

Sua editora no período de 1980 até 1997, a Nova Fronteira, do Rio de Janeiro publica A disciplina do amor. No ano seguinte lança Mistérios, uma coletânea de contos fantásticos. A TV Globo transmite a telenovela Ciranda de pedra, adaptada de seu romance.

Em 1982 é eleita para a cadeira 28 da Academia Paulista de Letras e, em 1985, por 32 votos a 7, é eleita, em 24 de outubro, para ocupar a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, fundada por Gregório de Mattos, na vaga deixada por Pedro Calmon. Sua posse só ocorre em 12 de maio de 1987. Ainda em 1985 é agraciada com a medalha da Ordem do Rio Branco.

1989 é o ano de lançamento de seu romance As horas nuas. Recebe a Comenda Portuguesa Dom Infante Santo. Em 1990 seu filho, Goffredo Neto, realiza o documentário Narrarte, sobre a vida e a obra da mãe. Em 1991 aposenta-se como funcionária pública.

A Rede Globo de Televisão apresenta, em 1993, dentro da série Retratos de mulher, a adaptação da própria escritora do seu conto "O moço do saxofone", que faz parte do livro Antes do baile verde, num episódio denominado "Era uma vez Valdete".

Participa da Feira o Livro de Frankfurt, na Alemanha, em 1994, e lança, no ano seguinte, um novo livro de contos, A noite escura e mais eu, que ganhou os prêmios de Melhor livro de contos, concedido pela Biblioteca Nacional; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro e Prêmio APLUB de Literatura.

Em 1996 estréia o filme As meninas, de Emiliano Ribeiro, baseado em romance homônimo de Lygia. Em 1997 participa da série O escritor por ele mesmo, do Instituto Moreira Salles. A editora Rocco adquire os direitos de publicação de toda a obra passada e futura da escritora.

Em 1998, a convite do governo francês, participa do Salão do Livro da França.

Seu livro Invenção e Memória foi agraciado com o Prêmio Jabuti, na categoria ficção, em 2001. Recebe, também, o "Golfinho de Ouro" e o Grande Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte.

Agraciada, em março de 2001, com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB).

Em 2005, recebe o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa.

OBRAS DA AUTORA

Individuais

Contos:
Porão e sobrado, 1938 Praia viva, 1944
O cacto vermelho, 1949 Histórias do desencontro, 1958
Histórias escolhidas, 1964 O jardim selvagem, 1965
Antes do baile verde, 1970 Seminário dos ratos, 1977
Filhos pródigos, 1978 (reeditado como A estrutura da bolha de sabão, 1991)
A disciplina do amor, 1980 Mistérios, 1981
A noite escura e mais eu, 1995 Venha ver o por do sol
Oito contos de amor Invenção e Memória, 2000 (Prêmio Jabuti)
Durante aquele estranho chá: perdidos e achados, 2002
Meus contos preferidos, 2004
Histórias de mistério, 2004 Meus contos esquecidos, 2005

Romances:
Ciranda de pedra, 1954 Verão no aquário, 1963
As meninas, 1973 As horas nuas, 1989

Antologias:
Seleta, 1971 (organização, estudos e notas de Nelly Novaes Coelho)
Lygia Fagundes Telles, 1980 (organização de Leonardo Monteiro)
Os melhores contos de Lygia F. Telles, 1984 (seleção de Eduardo Portella)
Venha ver o pôr-do-sol, 1988 (seleção dos editores - Ática)
A confissão de Leontina e fragmentos, 1996 (seleção de Maura Sardinha)
Oito contos de amor, 1997 (seleção de Pedro Paulo de Sena Madureira)
Pomba enamorada, 1999 (seleção de Léa Masima).

Participações em coletâneas:
Gaby, 1964 (novela - in Os sete pecados capitais - Civilização Brasileira)
Trilogia da confissão, 1968 (Verde lagarto amarelo, Apenas um saxofone e Helga - in Os 18 melhores contos do Brasil - Bloch Editores)
Missa do galo, 1977 (in Missa do galo: variações sobre o mesmo tema - Summus)
O muro, 1978 (in Lições de casa - exercícios de imaginação - Cultura)
As formigas, 1978 (in O conto da mulher brasileira - Vertente)
Pomba enamorada, 1979 (in O papel do amor - Cultura)
Negra jogada amarela, 1979 (conto infanto-juvenil - in Criança brinca, não brinca? - Cultura)
As cerejas, 1993 (in As cerejas - Atual)
A caçada, 1994 (in Contos brasileiros contemporâneos - Moderna)
A estrutura da bolha de sabão e As cerejas, s.d. (in O conto brasileiro contemporâneo - Cultrix)

Crônicas publicadas na imprensa:
Não vou ceder. Até quando?. O Estado de São Paulo - 06-01-92
Pindura com um anjo. Jornal da Tarde - 11-08-96

Para o cinema:
- Capitu (roteiro); parceria com Paulo Emílio Salles Gomes, 1993 (Siciliano).
- As meninas (adaptação), 1996

Para o teatro:
As meninas, 1988 e 1998

Para a televisão:
- O jardim selvagem, 1978 (Caso especial - TV Globo)
- Ciranda de pedra, 1981 (Novela - TV Globo)
- Era uma vez Valdete, 1993 (Retratos de mulher - TV Globo)

PRÊMIOS:
Prêmio do Instituto Nacional do Livro (1958)
Prêmio Guimarães Rosa (1972)
Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras (1973)
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (1980)
Prêmio Pedro Nava, de Melhor Livro do Ano (1989)
Melhor livro de contos, Biblioteca Nacional
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro
Prêmio APLUB de Literatura
Prêmio Jabuti (Ficção) (2001)
Prêmio Camões (2005)

Dados obtidos em livros da escritora, outras publicações, na Internet e na revista "Cadernos de Literatura Brasileira - Instituto Moreira Salles.

Fonte:
http://www.releituras.com/lftelles_bio.asp

Nilson Pereira de Carvalho (Os Infernos de Rimbaud)

RESUMO: A complexa relação entre a tradição e a modernidade na poesia; o efeito da fragmentação e dispersão do sujeito poético, inclusive por meio de uma recifração lingüística; bem como a percepção de uma consciência histórico-literária evidenciada em um projeto de poesia são objetos de análise deste estudo, com base na leitura do poema-prosa Uma temporada no inferno do poeta francês Rimbaud.


1. Introdução

Sou o único a ter a chave desta parada selvagem.
Rimbaud

De um poeta que profere um verso tão ensimesmado como este acima, seria quase impossível falar. Quase se não fosse um poeta – ou ainda, se não fosse o príncipe dos poetas modernos, o gênio entre eles. “O príncipe era o gênio, o Gênio era o príncipe”(RIMBAUD, 1985, p.87) . Quase também, porque talvez seja ao poeta que melhor se refira o dito popular: “falem mal, mas falem de mim”.

A fala é o objetivo último da poesia. É o último recurso a que se recorre a fim de se constatar que ainda se vive ou que ainda vale a pena viver. Ou, para a nossa danação e condenação, aceitarmos, pelo reconhecimento da fala, o que se decifra no enigma nietzscheano, percebendo que o ato de viver não tem outro motivo senão o humano, demasiadamente humano.

Humano, portanto errado, inicio este ensaio justamente compreendendo sua inutilidade, decretando seu fracasso. No Conto de Rimbaud, o príncipe herda, e não cria, a realeza, a palavra; mas tampouco o gênio constrói o seu sucesso sem ter recebido um legado da natureza. O gênio tenta desvendar, conhecer o mistério das palavras, sem contudo saber criá-las. Fracassados, ambos se juntam, amotinados, e investem contra Deus. O destino desses é o mesmo de todos aqueles usurpadores no decorrer dos tempos. Mas ao menos felizes são os que sabem desse destino, por compreender os antepassados. Portanto, tudo o que aqui será dito já foi dito melhor, e isso tento compreender! A história subjuga os pós-criadores a coadjuvantes nas margens da literatura.

Outrossim, muita ousadia seria atribuir a si as palavras de um autêntico criador ou inventor quando analisa a história: “sou um inventor muito mais meritório do que todos aqueles que me precederam;”(RIMBAUD, 1985, p.91).

Essa consciência de divisor de águas na poesia, não ocorrida por seus predecessores, fez aquele poeta adolescente ou adolescente poeta redescobrir a fala, postergar a questão do divino e preconizar o eu em um outro, depois de tê-lo pulverizado em um ninguém.

Esse ninguém, Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891), nasceu em Charleville, nas Ardenas, tinha antepassados gauleses. Cedo fugiu de casa para ser iniciado nas rodas francesas de literatura pelo poeta Verlaine (o príncipe).

Embora seja necessário lançar mão de certos acontecimentos da tumultuada vida de Rimbaud, pretendo, neste ensaio, não me deter nesse abismo devorador, seja por prudência ou por ignorância. Outrossim, obedecendo os limites marginais deste texto, pretendo percorrer um trajeto não menos perigoso, infernal: o diálogo que sua poesia trava com a tradição enquanto se encaminha para uma modernidade no fazer poético; a dinâmica de promover um real caótico, sem regras, de forma contundente e voraz; o modo como sua poesia faz dispersar o sujeito poético; e a palavra em explosão evidenciando uma clara consciência poética no ato de criar.
Outros aspectos, evidentemente, podem ser ressaltados e prorromperem esse texto, o que promoverá, acredito, um diálogo mais coerente com o objeto sobre o qual desejo me debruçar, a saber, o poema-prosa Uma temporada no inferno.

2. Este é o sangue da nova e eterna tradição

Rimbaud era leitor dos clássicos. Baudelaire e Víctor Hugo fazem parte da grande pluralidade na voz do novo poeta, assim como Verlaine, um tutor involuntário, influenciador sem necessidade.
O respeito aos clássicos, em Rimbaud, tanto grita quanto sussurra. Seu poema é um espelho que se volta para o passado. Passado que é capaz de ver, no espelho, em seus reveses, como se numa consciência histórica, o futuro: “Falo com a certeza de um oráculo”(RIMBAUD, 1983, p.48).

Nesse caso, se toda poesia é profecia, vê, não o espelho ou no espelho, mas vê, através dele, um novo tempo que sempre foi o mesmo, desde que a história nunca “refletia” a história, senão uma pré-história. Rimbaud ensinou que prever o futuro é uma ação contingente de refletir o passado, por mais que isso pareça um lugar comum.

Seus versos estão repletos de reminiscências de autores do século XIX, contemporâneos e anteriores. Contudo, mesmo o que os faz lembrar possui o tom agudo que vem de Rimbaud e não de seus modelos.[...] Para uma apreciação de Rimbaud, aquelas reminiscências têm apenas um valor secundário. [...] ridiculariza o museu do Louvre e incita ao incêndio da Biblioteca Nacional (FRIEDRICH, 1978, p.64).

Só não incendiaria, por si só, a Biblioteca Nacional de França se lá não contivesse seu alimento principal: a palavra poesia. Para além de uma destruição material ou espiritual, o incêndio pretendido, a meu ver, é de teor histórico. Nesse caso, a tradição literária deveria achar-se nova eternamente para fazer-se tradição: É preciso ser sempre moderno. O essencial da arte exposta no museu ou entulhada e adornada pela célebre poeira da Biblioteca não é o que lhe cabe, nem do qual Rimbaud se alimentou para refazer-se de eternidade. Antes, a energia contida na arte (segundo a sugestão de Pound) é aquela capaz de conduzir o homem para compreender-se como diante do espelho, portanto essa energia é a matéria vital para o poeta.

Há um passado em cada arte. Ambos se encaram nesse anteparo narcísico e movimentam o cenário em redor de nós, pessoas-palavras. Se temos visão de continente e conteúdo, legado a nós por Baudelaire, Rimbaud, Saussure, Freud, Pound e tantos outros únicos, podemos manipular, em bom sentido, a arte de prever futuros, tanto quanto a presciência artística. Ou vemos o tempo que passa diante de nós, à revelia ou não; ou nos vemos passando pelo tempo com ou sem as dores e percalços advindos dele.

A forma como nos posicionamos diante dessa visão de arte pode ser o que chamamos de projeto estético. O de Rimbaud revela uma visão simultânea da arte na história; conjugava tradição com modernidade sem cair na explicitude de um panfletário inventor de manifestos nem no hermetismo de um anônimo propositor de uma nova ordem apocalíptica. O seu manifesto foi anônimo e inventivo; sua proposta, um pan-fleto escatológico. No espelho, Rimbaud enxergava, além do cenário e de si mesmo, o mais explícito dos hermetismos, e compreendeu-se universalmente particular. Talvez uma de suas graves diferenças para com a tradição fosse o simples fato de, numa posição como essa, manter os olhos abertos: “O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é seu próprio conhecimento, inteiro; ele busca sua alma, experimenta-a, descobre-a. Tão logo a conheça, deve cultivá-la” (RIMBAUD, In: STEBAN, 1991, p.19).

Uma outra diferença seria a de não se apoiar nos escombros do cenário (o tempo) para se firmar como alguém que se vê, seu tempo o oprimia. E isso não acontecia com seus antecessores acomodados pelo crivo da tradição. Colocar-se como uma imagem que só é imagem diante de uma outra, configura uma cabotagem histórica, a qual somente será julgada pela memória. Mas essa é uma Outra história. Basta, neste espaço, evidenciar o auto-reconhecimento desse poeta num lugar de repulsa e de inevitável atração. Essa dinâmica promove a tensão necessária para uma poesia que não se entrega a desvendamentos comuns. O tempo, portanto, é tenso para Rimbaud, é resultado de uma força que lhe cai sobre os ombros de forma opressiva, porém justa, no sentido lato do termo.

O passado tornando-se um peso, devido ao extinguir-se da genuína consciência de continuidade e à sua substituição pelo historicismo e pelas coleções em museus, produz em alguns espíritos do século XIX uma reação que conduz à repulsa de tudo aquilo que é passado (FRIEDRICH, 1978, p.65).

Este tormento configura uma nova dimensão para a arte sob a alcunha da palavra modernidade. Destruir os espelhos (os parâmetros) consistiria num ato não somente de rebeldia, mas de auto destruição, ou melhor ainda, de uma implosão. Por isso, a idéia de modernidade, legada por Baudelaire, conter um caráter mais do que dicotômico, ambíguo: “A modernidade [...] é o transitório, o fugaz, o contingente, a metade da arte cuja outra metade é o eterno e o imutável.” (In: STEBAN, 1991, p.4).

As tramas do espelho diante de Rimbaud inauguram uma nova geração de inventores de poesia capazes de compreendê-la e compreender-se. É por isso que, em Rimbaud, pode-se vê-lo ao mesmo tempo em que pode-se ver a poesia pura, quase não contaminada pela interferência da palavra-inferno de Rimbaud.

É oportuno observar que o desregramento estético se forma a partir de um rígido regramento, ou seja, quanto mais caminha-se em direção a uma antítese, mais se afirma uma nova tese a ser refutada no futuro. Parodiando o pensador da dialética, a síntese mais evidente é o próprio ato de formular e refutar, ao qual Rimbaud se prontificou.

Para ele, então, fazer poesia é não querer fazer poesia. Essa arriscada proposição encontra paralelos famosos nas palavras do próprio poeta a exemplo de eu é um outro ou é falso dizer: penso. Dever-se-ia dizer: pensa-se em mim. Porém, com mais propriedade, João Alexandre Barbosa assim conclui sobre o fenômeno da recusa a respeito de Valéry:

Recusando, assim uma linguagem, a da Literatura, para a invenção de uma outra, a da Literatura (desta vez consumida pelo próprio ato de recusa), o artista elabora o esquema necessário para a revelação de uma realidade nova - passada pelo crivo da crítica problematizadora. Deste modo, a metalinguagem que se incrusta, de diversas formas, na obra contemporânea revela, mais do que um simples movimento tautológico da Literatura moderna, as próprias coordenadas da crise de representação em que se encontra. (1974, p.46).

Portanto, a temporada de Rimbaud no inferno é seu sôfrego castigo de viver entre a poesia e a palavra, a tradição e a modernidade, o eu e o outro, o real e o não real.

3. Em verdade vos digo que (não) vos conheço

Identificar o ponto de partida para o inferno é compreender a origem daquele que é seu visitante. Antes deste estar no inferno, o inferno está nele. Diante do Cérbero, na porta do inferno, o visitante de Rimbaud tem lampejos brascubeanos de consciência, interpolados por desejos de retorno à vida, a fim de consertar os males causados na origens: A caridade é essa chave. - Esta inspiração prova que sonhei.

O son(h)o é o princípio de todo o inferno, por isso busca-se artifícios de conforto, mas o inferno é imanente. Há que se saber que vozes são essas que gritam dentro de si.

Como se numa espécie de prólogo, na primeira parte de Uma temporada no inferno, o poeta dedica seus versos a apresentar as vozes dos agentes principais do poema. O tom irônico e tácito demonstra a ousadia com a qual a insólita viagem é configurada. A fragmentação do discurso não permite que se construa linearidade ou integridade desses agentes.

Uma das representações fragmentadas é a da virgem louca – que aparecerá com mais destaque na sessão Delírios. Segundo o texto bíblico, Jesus Cristo conta a parábola das dez virgens: cinco delas são prudentes; as outras cinco, loucas. A imprudência destas está no fato de não terem preparado azeite suficiente para suas lâmpadas, enquanto aquelas tinham o suficiente para si, o que impossibilitava uma redistribuição. Tendo que ir aos mercadores para comprar azeite, as cinco virgens loucas chegaram atrasadas para encontrar o esposo, por ocasião de seu casamento. Este levou consigo para as bodas somente as cinco que estavam presentes e prontas.

O estado da virgem louca apresentada por Rimbaud parece se assemelhar ao daquelas nas circunstâncias vexatórias transcritas nas palavras do evangelista, palavras estas que evocam um tênue sentido de injustiça e o rancor ressentido por parte de quem foi rejeitado. Uma vez que todas dormiram - o princípio é o mesmo:

E, tardando o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. [...]
E, tendo elas ido comprá-lo [o azeite], chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. E depois chegaram também as outras virgens, dizendo: Senhor, senhor, abre-nos. E ele respondendo, disse: em verdade vos digo que vos não conheço
(BÍBLIA SAGRADA, 1969, 39-40).

Tendo se fechado a porta, uma pergunta fica no ar, sobre a qual Jesus se silencia: qual foi a alternativa encontrada pelas virgens loucas, qual o seu destino?

Para o inferno! – responderia a cristandade. Isso evidencia o fato de que uma saison pelo inferno não seria propriamente uma opção, mas uma contingência. Outras atitudes coerentemente se agregarão à alternativa que restou à virgem louca:

Uma noite, sentei a Beleza nos meus joelhos. - E achei-a amarga. - E injuriei-a
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó feiticeira, ó miséria, ó ódio, a vós é que meu tesouro foi confiado. [...] o infortúnio foi meu deus
.” (RIMBAUD, 1983, 45)

O outro agente representado é o demônio, a quem o poema é dedicado: “[...] já que apreciais no escritor a ausência das faculdade descritivas ou instrutivas, destaco para vós estas hediondas folhas de meu caderno de réprobo.” (RIMBAUD, 1983, 45)

Anfitrião da virgem louca, Satã é requisitado pelo poema a ter um olhar menos irritado e compreender a contingência estabelecida e decorrente de uma mútua imprudência. O mesmo Satã sofreu com a rejeição desde sua expulsão do Céu, embora, segundo o texto bíblico, o inferno já estaria preparado para o diabo e seus anjos. Tal como o demônio e a virgem louca, a rejeição em Rimbaud era inerente ao seu espírito e muito mais explícita em sua palavra, porque sopro de Deus.

A dinâmica é a de que essa rejeição provoca a busca de um acolhimento. Esta dinâmica pode nos remeter à convivência complexa entre a tradição e a modernidade em Rimbaud, o que, em si, promove um estado propriamente “infernal” no fazer poético. A tradição elege a prudência, a beleza, a justiça, a moral e rejeita o novo como forma de auto preservação. Toda a formação anti-tradicional de Rimbaud decorre, contraditoriamente, de sua formação tradicional. Na metáfora da virgem louca e de seu conveniente anfitrião, um poeta imprudente e iniciante rejeita os termos positivos da tradição e mergulha (ou é lançado) em um lago de fogo, a saber, a “modernidade [que] conduz a novas experiências, cuja dureza e obscuridade exigem uma poesia suja e ‘negra’”. (FRIEDRICH, 1978, p.66) [grifo do autor]. O próprio poema é o inferno. O castigo é escrevê-lo, pois ele contém as palavras de condenação: profecia , (e)vidência.

A sessão intitulada Sangue ruim mostra profecias que se evidenciam tanto no plano real como no ficcional. Rimbaud transita do real para o não-real como já havia anunciado sobre sua tarefa de poeta: ausência de faculdades descritivas e instrutivas.

A origem que começa a ser narrada é a do próprio Rimbaud. Esta vai se diluindo entre as elucubrações acerca de sua história a ponto das metáforas desaparecerem, pois o universo se torna totalmente (ou puramente) metafórico. O homem real e o sujeito poético se equivalem nessa estética: “A mão que segura a pena vale tanto quanto a que empurra o arado.” Ambos, ao inferno, são condenados pelas próprias mãos: “ – Que século manual!” (RIMBAUD, 1983, p.47).
A origem genética constatada pelo próprio poeta faz com que se divida a culpa por sua condenação e ressalta a imanência. É pelas mãos que o poeta se condena, ao escrever, mas ele escreve o que ele é. Todos os atributos herdados, tanto dos antecessores estéticos como genéticos, se relativizam diante de sua descrição. Nada deve permanecer esclarecido – a (e)vidência se faz, não na explicitude, mas na crueza do simulacro: “Tenho deles [gauleses]: a idolatria e o amor ao sacrilégio; – Oh! Todos os vícios, cólera, luxúria, – magnífica a luxúria; – sobretudo mentira e indolência.”(RIMBAUD, 1983, p.47).

A misteriosa evidência contida nessas palavras, aos poucos retoma a metáfora do espelho e torna, aos olhos do leitor, um instrumento revelador de verdades universais. A família de Rimbaud é todas as famílias(Friedrich assim compreende a recorrência utilização da totalidade e dispersão do sujeito poético em Rimbaud: “[...] outra tendência de Rimbaud, a de isentar o individual de toda limitação local, ou de qualquer índole, mediante a expressão generalizante ‘todos’”[...] (1978, p.82)).

Essa verdade age, em nós leitores, como os descendentes que Rimbaud descreve como pilhadores que são “lobos que atacam o animal que não mataram” (RIMBAUD, 1983, p.48) Ou seja, não foi Rimbaud quem criou seus versos, foram legados a ele por seus ancestrais poéticos, mas somente Rimbaud poderia escrevê-los. Sabia-o o poeta: “Que era eu no século passado: só hoje é que torno a encontrar-me”(RIMBAUD, 1983, p.48).

Tendo consciência de sua inutilidade no processo literário, o poeta transforma, ou mesmo, deforma sua deficiência em prol de um projeto novo. Continuava sua descrição como se o tempo todo estivesse rindo de si e da humanidade, como fazia a Esfinge de Tebas. Para isso, palavras enganosas: “Espero Deus avidamente. Sou de raça inferior, por toda a eternidade. [...] pela minha máscara, pensarão que sou de uma raça forte.” (RIMBAUD, 1983, p.49).

No que era fraco deveria fazer-se forte. A divindade deve ser invertida, por isso, para a virgem sem azeite, na demora do esposo, é preciso contentar-se em fazer como todos, prudentemente: “o melhor a fazer é dormir, bêbedo, na praia.” (RIMBAUD, 1983, p.49) Repito: o son(h)o é princípio de todo o inferno.

Nesse ponto, o poema sugere atribuições demoníacas como adorar animais, quebrar corações, sustentar mentiras etc. Se o inferno de ser poeta atormenta seu coração, Rimbaud instrui a ter consciência disso, pois negá-lo também não lhe salvará desses tormentos: “Não te matarão mais do que se fosses um cadáver.” (RIMBAUD, 1983, p.51)

A oposição de Rimbaud a Deus, portanto, pode se dar nos dois planos referidos. Nisso, creio, pouco importa acreditar-se ou não na carta de sua irmã à mãe relatando a conversão do poeta ao cristianismo. Se Rimbaud rogou mesmo a misericórdia divina, sabia ele que seu destino, já traçado, era a condenação. Se estas palavras fazem crer que defendo aqui que, de contrapartida, o que acontece no plano estético é refletido no plano real, digo, sobrenatural, então fiquemos, cada um à sua maneira, com nossos próprios infernos.

No plano estético, outrossim, (não) somente no estético, percebemos uma trindade julgando os procedimentos do poeta: “pai, professores, patrões”, a saber, a moral familiar, a ciência e o capital.

Para tentar fugir, como Édipo, de seu destino, Rimbaud, com suas máscaras vai para a África traficar armas: “Entro no verdadeiro reino dos filhos de Cam” (RIMBAUD, 1983, p.52). Volta para onde teria sido o berço das artes e da humanidade, dizendo conhecer a natureza e a si mesmo. Tanto propõe o enigma como o desvenda. Prescinde de palavras e busca nos gritos e nas danças as verdadeiras origens da poética. Então todos os poetas cabem natimortos dentro de sua poesia: “Sepultei os mortos no meu ventre” (RIMBAUD, 1983, p.52).

Ali Rimbaud, como desejou Alberto Caeiro, revê a criação e vê-se criança: “Vou ser arrebatado como uma criança, para brincar no paraíso, esquecido de todas as desgraças.” (RIMBAUD, 1983, p.52).

Se pode renascer (de si mesmo), além de somente ver-se, conhecer-se, Rimbaud faz-se Deus, daí, sim, poder ter-se convertido: “A razão nasceu em mim. [...] tendo Jesus Cristo como sogro. Não sou prisioneiro de minha razão. Disse: Deus.”(RIMBAUD, 1983, p.53).

Este foi o percurso que o Príncipe e o Gênio fizeram a fim de se recuperarem de suas angústias (Estes personagens, já referidos anteriormente, constam na sessão “Conto” do poema “Iluminações” (Iluminations, de 1873). O destino do Príncipe e do Gênio é o aniquilamento, como sugerem os versos: “O Príncipe e o Gênio se aniquilaram provavelmente na saúde essencial. Porque não morreriam eles disto? Juntos, então, eles morreram.” (RIMBAUD 1983, p.87)). Mesmo porque, somente nessa posição de criador, poderiam assoprar nas narinas das outras criaturas seus próprios destinos; assoprar palavras de liberdade e de condenação; e saber de todos os mistérios e revelações oraculares das palavras desde a primeira delas; reconhecer-se no princípio e únicos. Conhecer e reinar absoluto: mistérios lacrados pelo engano de que as palavras elucidam. Pelo contrário, elas nos retardam à obscuridade, a qual existia na solidão de um Deus que precisava de um outro. Anterior ao Haja luz! , teria dito: Haja Eu!; então, no princípio era o verbo!

4. E o verbo, (a)traído, fez-se inferno

Estando configurada a predestinação do poeta ao inferno, fechada a porta do paraíso, a próxima sessão do poema em prosa é Noite do inferno. Nela o poeta tenta superar as dificuldades da descrição com sensações promovidas pelo efeito das palavras: “Possa eu descrever a visão, o ar do inferno não tolera hinos” (RIMBAUD, 1983, p.55).

Diante do impasse, apela para os sentidos evidenciados na forma. As sensações se alternam com ensaios de descrições e metáforas não usuais. Apresentando o seu projeto estético, Rimbaud, nessa sessão, supera os limites da objetividade e convoca o leitor a perceber a sua diferença para com a tradição poética: forma em explosão, conteúdo em explosão, projeto em explosão; a reiteração aqui é necessária: “As alucinações são inumeráveis.[...] Eu deveria ter um inferno para a minha cólera, um inferno para o meu orgulho, – e o inferno da carícia; um concerto de infernos.”(RIMBAUD, 1983, p.56-57)

Há sugestões para todos os sentidos humanos, inclusive a alucinação: “morro de sede, sufoco, não posso gritar.[...] magias, perfumes falsificados, músicas pueris [...] à luz da lanterna...”(RIMBAUD, 1983, p.55-56)

Entretanto, o sentido que mais se destaca é o do tato. É através dele que é apresentado um outro agente cuja voz o poeta utilizará: o traidor, Judas – a traição, um beijo. A história – todos conhecemos – mudou a nossa era: “este beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do mundo!”(RIMBAUD, 1983, p.57).

Um Judas, digo, um traidor no meio dos poetas franceses. Um discípulo que rejeita sua escola por muito se alimentar dela. Se enriquecer de seu saber, e, a partir disso, inaugura uma nova era da poesia. O aluno despreza seus mestres e os provoca: “É, sem dúvida, o que sempre tive: falta de fé na história, o esquecimento dos princípios. Silenciarei sobre isto: poetas e visionários ficariam enciumados. Sou mil vezes o mais rico, sejamos avaros como o oceano.” (RIMBAUD, 1983, p.56).
Parece ser o último aviso do poeta sobre o seu comportamento deslocado da estética tradicional. A partir de então, o poema se perde em Delírios sem concessões descritivas ou instrutivas.
Para que o leitor aceite o convite do poeta a acompanhá-lo pelo inferno, como o de Virgílio a Dante, basta um sinal, um beijo, e a aquiescência; acreditar nas sugestões proferidas: “Creio estar no inferno, então estou nele”(RIMBAUD, 1983, p.55).

A resposta para esse convite, o sinal e a assinatura do contrato com o Demônio podem ter sido feitos mesmo sem o consentimento anteriormente às formulações de decisão do leitor, na própria aquisição da leitura, quando o leitor treina os primeiros preceitos da decodificação. Desde as primeiras liturgias, obedecendo os sagrados sacramentos da escrita até a interpretação: “É a execução do catecismo. Sou escravo do meu batismo. Pais, fizeste a minha desgraça, e também a vossa. Pobre inocente! – o inferno não pode investir contra os pagãos.” (RIMBAUD, 1983, p.55).
Quem lê, então, não é mais inocente, não é mais pagão. Mais uma vez a palavra provoca a danação humana. Mas não é ela inerente ao homem?!

Além do aviso sobre o seu comportamento estético, o poeta alerta para os perigos da palavra, da poesia, batismo infernal, processo pelo qual o leitor será iniciado, tendo ou não feito uma opção.
O projeto do poeta torna-se consciente e notório em suas palavras. Se esse projeto caracteriza uma vida independente para as palavras, então fica perceptível, na voz poética, a consciência das palavras além do que elas dizem (metalinguagem), e também sobre o que elas se calam. Há um vazio silencioso e escuro que as palavras guardam, um continente ilógico e caótico que grita, não pela materialidade nelas, mas pelo que elas cheiram, comem, tocam, ouvem ou vêem – o que, em essência, deveriam ser ações materiais, contudo, no caso de serem palavras, não o são.
Sobre este aspecto, a percepção de Michel Foucault a respeito da obra de Borges parece bastante oportuna. Impressão por impressão, se tudo é crítica, uma desconfiança infernal exige um espaço aberto neste texto para o impressionante pensador d’As palavras e as coisas: “O embaraço que faz rir quando se lê Borges [para mim, Rimbaud] é por certo aparentado ao profundo mal-estar daqueles cuja linguagem está arruinada: ter perdido o ‘comum’ do lugar e do nome. Atopia, afasia.” (FOUCAULT, 1995, p..9).

Abertas as portas do inferno intertextual, convém um exemplo a mais, conhecido entre nós, talvez sobre a personagem mais metalingüística da literatura brasileira, justamente por provocar reflexões incompreensíveis na linguagem. Alfredo Bosi aponta a boa concisão terminológica do narrador para auxiliar uma aparente afasia no Menino mais velho de Vidas Secas:

O que interessa ao narrador é fixar o instante do curto-circuito, o processo da incomunicação, a conversa truncada na origem, o diálogo impossível; em suma, a barbárie que pulsa na assimetria de adulto e criança, de forte e fraco, e que está prestes a explodir a qualquer hora. Mas como o texto de Graciliano se produz em um regime de consciente economia, não esperdiçando símbolos ao acaso, importa a escolha do signo motivado. É exatamente a palavra inferno que acaba funcionando como analogon de toda a relação intersubjetiva de base (BOSI, 1988, p.16).

Portanto, o projeto de Rimbaud é mais voltado para esse desespero diante da não-linguagem. Algo ousado no contexto de uma cultura totalmente logocêntrica capaz de definir o homem como possível de ser definido por palavras. Nesse caso, aquilo que se vai desfigurar o homem, as coisas, deslocados de sua base essencial – a linguagem – necessitará de um novo lugar.

Esse deslocamento é um processo de transcendência: remete-se o que é aparente ao que é essencial. Platão, Kant, Nietzsche e outros que buscam pelo conceito de humano deram suas indicações. Segundo Friedrich, Rimbaud indica um vazio pleno, uma transcendência vazia.
Por isso é que o caminho se torna potencialmente perigoso. Todas as aventuras, tanto celestes como infernais poderão não passar de um efeito alucinógeno, de Delírios, como o do ópio ou do vinho, mas todas elas serão desregradas a ponto de serem questionadas, mesmo aquelas das quais não se podia sequer suspeitar: “Vou desvendar todos os mistérios: mistérios religiosos ou naturais, morte, nascimento, futuro, passado cosmogonia, o nada. Sou mestre em fantasmagorias.” (RIMBAUD, 1983, p.56).

É nessa sessão Delírios que os desvendamentos começam a se desatar em tons confessionais. Tudo pode conter semelhança com o real através dos discursos pseudo-enganadores de uma virgem louca e de um poeta-traidor, ambos em busca de redenção: irrealidades sensíveis na concepção de Friedrich, pois “estamos num mundo cuja a realidade existe só na língua.” (1978, p. 79)

A virgem louca procura argumentos que a fazem diferenciar-se das outras loucas, suas amigas, e dialoga com o esposo infernal a fim de escusar-se de seus pecados. Sente saudades, arrependida, dos tempos em que esperava pelo esposo dos céus. Uma relação de infidelidades se delineia em seu discurso, inclusive, lembrando o conturbado romance de Rimbaud e Verlaine. Torna-se interessante, a propósito, por conter os conturbados diálogos entre a poesia tradicional com a sinestésica poesia moderna:

Com seus beijos e abraços amigos, era sem dúvida num céu, num céu sombrio, que eu entrava, e onde desejaria ser deixada, pobre, surda, muda, cega.[...] Pois será preciso que eu parta um dia, para muito longe.[...] Esta promessa de amante, ele a fez vinte vezes a mim. Era tão frívola quanto minha frase que lhe dizia: ‘Eu te compreendo’.[...]Que estranho casal! (RIMBAUD, 1983, p. 61-62).

O diálogo fica mais intenso, e talvez mais explícito, na segunda sessão dos Delírios, a saber, Alquimia do verbo. Nela, Rimbaud promove uma reflexão de seus atos poéticos. A sessão, dedicada a ele próprio, reporta, em estrutura quase narrativa, suas aventuras de criador, portanto de usurpador do trono de Deus. O reconhecimento de sua desmedida tem um caráter de arrependimento, mas, em vez disso, torna-se uma auto-delação, sobretudo porque contém confissões irreversíveis que o fazem se contradizer: “Nenhum dos sofismas da loucura, – a loucura que leva ao hospício, – ficou esquecido por mim: eu poderia repeti-los todos, tenho um sistema.” (RIMBAUD, 1983, p.68).

A condenação é inevitável, uma vez que a palavra cria uma nova realidade, como o próprio poeta o faz perceber, e o verbo está em constante alquimia. Todas as vezes que pronunciar seus pecados, mesmo em confissão, ele confirmará o seu merecido castigo. Para tanto, a quantidade e qualidade dos verbos (Essa leitura pode ser arriscada se não evidenciar aqui os respectivos elementos. Os verbos, para citar alguns, ressaltam os comprometimentos estéticos no projeto de Rimbaud: possuir, amava, sonhava, inventei, regulei, nutri, traduzi, escrevi, anotava, fixava, assumia, tornei-me etc.), em abundância na sessão, negam o novo projeto ao qual o poeta se lançará no futuro: “Isso passou. Sei hoje saudar a beleza” (RIMBAUD, 1983, p.69). Mas a sorte já estava lançada, pois ele já havia informado o seu pior pecado quando elegia uma nova divindade: “Terminei achando sagrada a desordem de meu espírito”(RIMBAUD, 1983, p.65).

Na verdade, Rimbaud encontrou seu descanso, fugindo do conteúdo infernal da poesia. No plano estético, buscou a aproximação da pintura na composição de Iluminações e, no plano real, buscou a vida evasiva nos desertos africanos. Ali, seus afazeres comerciais não o deixariam lembrar-se ou pronunciar as palavras proféticas ou poéticas de condenação.

Em ambos os casos, percebe-se que a alternativa encontrada não diz respeito aos expedientes comumente utilizados pelo poeta, ou seja: os son(h)os, a alucinação, o espelho e a (e)vidência; os quais somente confirmariam sua angústia. As alternativas são o esquecimento, a fuga, e, sobretudo, o que tratarei na última e breve parte desse ensaio: a caridade. “A caridade é essa chave.”( RIMBAUD, 1983, p.45)

5. Vigiai e orai para que (não) entreis em (com)tradição

A chave para manter-se em vigília é a caridade. Isso para Rimbaud é uma incerteza, mas esta incerteza é a única coisa certa que possui.

A caridade tem morada: é no Oriente. Longe (ou muito próximo?) das potestades cristãs e suas respectivas punições, o poeta procura o alento oriental, berço das divindades primevas. Se a alternativa não foi a mais adequada, pelo menos é uma fuga.

Na sessão O impossível, o poeta anuncia a sua despedida com resolução: “Evado-me!” (RIMBAUD, 1985, p.70). Ignorar o céu é, pelo menos, fugir de suas determinações.
Uma nova mitologia é requerida para a poesia moderna. Rimbaud se cansa das tradições ocidentais e seus símbolos capitalistas como o Senhor Prudhomme. A ciência racional e a Igreja moralista do ocidente são venenos para a estética do poeta. Elas o mantêm sob um falso estado de vigília, a fim do trabalho, do progresso, mas ele reclama: “Mas me apercebo que meu espírito dorme”(RIMBAUD, 1985, p.72). Na iminência da chegada do noivo, o poeta-virgem-louco teme esse sono infernal proporcionado pela palavra lógica e venenosa.

Eis que a terceira via se abre: a meditação oriental, aquela que se faz, finalmente, de olhos abertos – venenos diferentes. A poesia deve ser diferente: pura e moderna; o poeta clama por pureza.

São os olhos abertos diante do espelho que poder ver, em todos os sentidos, O relâmpago. Esta é a sessão que anuncia a vinda do juízo final para a poesia e para todos: “Porque assim como um relâmpago que sai do oriente e se mostra no ocidente, assim há de ser a vinda do filho do homem.” (BÍBLIA SAGRADA, 1969, P.38).

Como já dói condenado, mesmo que nos últimos dias tenha arrependido e se esquecido, o poeta vai a julgamento acusado de usurpação. Há, nesse momento, duas direções para seguir, segundo a ordem de Deus, o qual está no centro. Rimbaud entende que a poesia é infinita, cíclica e seu destino não é decidido em apenas duas palavras:

Não! Não! Agora eu me revolto contra a morte! [...] No derradeiro momento, eu investiria para a direita, para a esquerda...[para o centro?]
Então, – oh! – cara e pobre alma, a eternidade estaria perdida para nós! (RIMBAUD, 1985, p.74).

A perdição eterna estaria, em quaisquer casos, decretada e só não se cumpriria se, tendo imergido nesse abismo dos son(h)os, o poeta acordasse. A ação temporal de levá-lo da noite ao dia seria providencial e redentora: “Venha, venha o tempo/que nos enamora” (RIMBAUD, 1985, p.65). É isso que se segue na sessão Manhã, a parte do dia em que, segundo Édipo, o homem é criança.

É nesse período que as primeiras palavras vêm e com elas um novo ciclo se inaugura, de narrações e imaginações. O poeta sente que seu dever foi cumprido e que suas sugestões de memória ainda se afloram nos seus sonhos pueris: “[...]que mortos têm pesadelos, tratai de narrar minha queda e meu sono. [...] Contudo, creio ter terminado hoje a minha narração de minha temporada no inferno. Era realmente o inferno: o antigo, aquele cujas portas o filho do homem abriu.”(RIMBAUD, 1985, p. 75).

Portanto, o poeta continua ciente de sua angústia com a palavra. Com ela viriam o natal, o trabalho novo, os primeiros e os escravos: o mundo é uma prisão!, disse Hamlet.
A partir desse moto-contínuo, tudo é redundância.

Por isso disse que é quase impossível falar desse poeta. Estou falando de todos: acordados, desacordados, sonolentos, sonâmbulos, taciturnos, madrugadores, vigilantes, sonhadores, tosquenejantes, entorpecidos, alucinados e os que me fogem ao léxico. Entre eles, este crítico que escreve em devaneios e este leitor que pestaneja sob enfados. A todos nós, um último aviso: o son(h)o é o princípio de todo o inferno!

Isto é crítica: falar de quando é impossível, como a mim foi; fazer adormecer crianças e acordar os homens, tanto quanto embalar os homens no colo e despertar crianças de um pesadelo. Fazer crítica se limita com catar verdades. Esta é uma tarefa de homens totalmente modernos: “Poesia só pode ser criticada por poesia” (SCHELEGEL, 1994, p.91). Poesia criticada: “alma de corpos mortos e que serão julgados!” (RIMBAUD, 1985, p.76)

A crítica à poesia é uma forma de pôr-se no lugar da poesia como uma nova poesia, daí ser fiel e conspirar ao mesmo tempo; é postergar a palavra-poética destruindo-a como se faz com sementes enterradas em “minha imaginação e minhas lembranças!”; portanto, é voltar à terra, ser plantador de poesias, “Camponês!” (RIMBAUD, 1985, p.76-77)

É esse constante destruir e recriar, dualidade da sessão Adeus, que nos permite relacionar a obra de Rimbaud ao que Nietzsche conceitualiza de niilismo ativo, a saber, o que, por força da vontade de potência se supera eternamente em movimentos espirais. Nesse ponto, vale destacar a polêmica que Steban estabelece com uma pretensa poesia moderna outra, desprovida de sentido, a qual não crê numa superação: “É preciso com Rimbaud, após Rimbaud, não deixar de crer nisso. Pois toda sua poética, mesmo ligada à sua noite, aspira a construir como que uma arquitetura de signos, e portanto uma morada possível para o sentido.” (STEBAN, 1991, p.17).
O sentido não está distante dessa poesia moderna pregada por Rimbaud, mas se fragmenta numa linguagem caótica. Segundo Friedrich, nas unidades desses fragmentos, “vibra o caos que foi necessário para a unidade tornar-se linguagem: na unidade de uma musicalidade superior ao sentido que penetra todas as desarmonias e harmonias.” (1978, p.60).

Essas afirmações afinam-se com o conceito de poesia moderna de Barbosa: “O que chamo de poesia moderna é, sobretudo, aquela em que a busca pelo começo se explicita através da consciência de leitura: a linguagem do poeta é, de certo modo, a tradução/traição desta consciência.” (1986, p.14).

As concepções acima, com as quais concordo, propositadamente enchendo o meu texto, meu discurso, me valendo de conclusão, auxiliam-me e me autorizam a criticar a poesia de Rimbaud em forma de um concerto de poesias e críticas. Desafinar, entretanto, é um risco que todo poeta-crítico deve correr, sobretudo aquele educado com escalas próprias e diapasões artesanais de sua própria oficina.

Tal concerto me vale, agora, como aquela mão amiga requerida por Rimbaud no final de seu poema, de sua temporada. Neste ensaio, o que é nota marginal sobe ao corpo do texto – note o leitor o meu próprio inferno! O final, por mais que o adio, avança contra a resistência à morte do poeta e sua intolerância à vida. Viver, eis sua função maldita! Um poeta fantasma e desalmado que, de corpo e alma, busca a verdade.

“[...]e me será permitido possuir a verdade em uma alma e um corpo.”(RIMBAUD, 1873, p.78) ...e tentar resgatar aquela parte desgarrada de Deus, se lhe somos semelhantes, que, pela alquimia do verbo, fez-se carne e, de tempos em tempos, criações em criações, dilúvios em dilúvios, juízos em juízos, tenta lançar-se contra os grilhões temporais da linguagem, a fim de, diante de um espelho, de olhos abertos, em constante vigília, em oração, sem querer cair na tentação do son(h)o profundo do inferno, ser novamente, e pela primeira vez, Deus.
Ou, então, ser antes d’Ele, pois avisei que seria redundante!, o caos.

Fonte:
Artigo apresentado em Simpósio realizado na Universidade Federal de Uberlândia, em 2006.

Fonte: SOUZA, Enivalda Souza Freitas de. TOLLENDAL, Eduardo José. TRAVAGLIA, Luíz Carlos (orgs.). Literatura: caminhos e descaminhos em perspectiva. Uberlândia: EDUFU, 2006. CD-ROM.

Narração

A narração ou narrativa pode ser definida como um dos três modos literários, sendo os outros o lírico e o dramático; ou como um dos três modos básicos de redação, sendo as outras a descrição e a dissertação.

Basicamente narrar é contar uma história, e para tanto teremos personagens, cenários, conflitos, cenas. O estudo da narrativa e destes elementos é chamado de narratologia, comumente associado ao estruturalismo, mas com referências na Poética grega e no formalismo russo.

Roland Barthes, mestre no estudo da narrativa, afirma que "a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades, começa com a própria história da humanidade; é fruto do gênio do narrador ou possui em comum com outras narrativas uma estrutura acessível à análise".

Ação
A ação é o conjunto de acontecimentos que se desenrolam num determinado espaço e tempo. Aristóteles, em sua Poética, já afirmava que "sem ação não poderia haver tragédia". Sem dificuldade se estende o termo tragédia à narração, e assim a presença de ação é o primeiro elemento essencial ao texto narrativo.

Estrutura da ação
A ação da narrativa é constituída por três ações: Intriga, Ação principal e Ação secundária.
•Intriga: Ação considerada como um conjunto de acontecimentos que se sucedem, segundo um princípio de causalidade, com vista a um desenlace. A intriga é uma ação fechada.
•Ação principal: Integra o conjunto de seqüências narrativas que detêm maior importância ou relevo.
•Ação secundária: A sua importância define-se em relação à principal, de que depende, por vezes; relata acontecimentos de menor relevo.

Seqüência
A ação é constituída por um número variável de seqüências (segmentos narrativos com princípio, meio e fim), que podem aparecer articuladas dos seguintes modos:
•Encadeamento ou organização por ordem cronológica
•Encaixe, em que uma ação é introduzida numa outra que estava a ser narrada e que depois se retoma
•Alternância, em que várias histórias ou seqüências vão sendo narradas alternadamente.

Tempo
•Tempo cronológico ou tempo da história - determinado pela sucessão cronológica dos acontecimentos narrados.
•Tempo histórico - refere-se à época ou momento histórico em que a ação se desenrola.
•Tempo psicológico - é um tempo subjetivo, vivido ou sentido pela personagem, que flui em consonância com o seu estado de espírito.
•Tempo do discurso - resulta do tratamento ou elaboração do tempo da história pelo narrador. Este pode escolher narrar os acontecimentos:
Por ordem linear
•(anacronia), recorrendo à analepse (recuo a acontecimentos passados) ou à prolepse (antecipação de acontecimentos futuros);
•(isocronia), como, por exemplo, na cena dialogada;
•(anisocronia), recorrendo ao resumo ou sumário (condensação dos acontecimentos), à elipse (omissão de acontecimentos) e à pausa (interrupção da história para dar lugar a descrições ou divagações).

Personagens
Roland Barthes, além de retomar a importância que os clássicos davam à ação, avança ao afirmar que “não existe uma só narrativa no mundo sem personagens”. Aqui se entende personagem não como pessoas, seres humanos. Um animal pode ser personagem (Revolução dos Bichos), a morte pode ser personagem (As intermitências da morte), uma cidade decadente ou uma caneta caindo podem ser personagens, desde que estejam num espaço e praticando uma ação, ainda que involuntária.

Relevo das personagens
•Protagonista, personagem principal ou herói: desempenha um papel central, a sua atuação é fundamental para o desenvolvimento da ação.
•Personagem secundária: assume um papel de menor relevo que o protagonista, sendo ainda importante para desenrolá-lo da ação.
•Figurante: tem um papel irrelevante no desenrolar da ação, cabendo-lhe, no entanto, o papel de ilustrar um ambiente ou um espaço social de que é representante.

Composição
•Personagem modelada ou redonda: dinâmica, dotada de densidade psicológica, capaz de alterar o seu comportamento e, por conseguinte, de evoluir ao longo da narrativa.
•Personagem plana ou desenhada: estática, sem evolução, sem grande vida interior; por outras palavras: a personagem plana comporta-se da mesma forma previsível ao longo de toda a narrativa.
•Personagem-tipo: representa um grupo profissional ou social.
•Personagem coletiva: Representa um grupo de indivíduos que age como se os animasse uma só vontade.

Caracterização
•Direta
•Autocaracterização: a própria personagem refere as suas características.
•Heterocaracterização: a caracterização da personagem é-nos facultada pelo narrador ou por outra personagem.
•Indireta: O narrador põe a personagem em ação, cabendo ao leitor, através do seu comportamento e/ou da sua fala, traçar o seu retrato.

Espaço
•Espaço físico: é o espaço real, que serve de cenário à ação, onde as personagens se movem.
•Espaço social: é constituído pelo ambiente social, representando, por excelência, pelas personagens figurantes.
•Espaço psicológico: espaço interior da personagem, abarcando as suas vivências, os seus pensamentos e sentimentos.

Final
Narrador
• Participação
• Heterodiegético: Não participante.
• Autodiegético: Participa como personagem principal.
• Homodiegético: Participa como personagem secundária.
• Focalização: É a perspectiva adotada pelo narrador em relação ao universo narrado.
• Focalização onisciente: colocado numa posição de transcendência, o narrador mostra conhecer toda a história, manipula o tempo, devassa o interior das personagens.
• Focalização interna: o narrador adota o ponto de vista de uma ou mais personagens, daí resultando uma diminuição de conhecimento.
• Focalização externa: o conhecimento do narrador limita-se ao que é observável do exterior.

Sucessão e Integração
Claude Bremond, ao definir narrativa, acrescentará a sucessão e a integração como essenciais para a narratividade: "Toda narrativa consiste em um discurso integrando uma sucessão de acontecimento de interesse humano na unidade de uma mesma ação. Onde não há sucessão não há narrativa, mas, por exemplo, descrição, dedução, efusão lírica, etc. Onde não há integração na unidade de uma ação, não há narrativa, mas somente cronologia, enunciação de uma sucessão de fatos não relacionados".

Totalidade de significação
A totalidade de significação é apontada por Greimas como outro elemento fundamental da narrativa. Ainda que aparentemente o leitor não entenda um texto, há de ter nele uma significação para que se configure como história, como narração.

Em prosa e verso
Apesar de aparecer comumente em prosa, a narração pode existir em versos. Os exemplos clássicos são as epopéias, como a Odisséia, ou os romanceiros, como o Romanceiro da Inconfidência. Mas poemas como O Caso do Vestido e Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, são verdadeiras narrativas em versos, com ação, personagens, sucessão, integração e significação.
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