terça-feira, 8 de abril de 2008

Curso de Redação em Português (Parte II)

Este curso está sendo postado em três partes para não ficar muito longo em um dia e possibilitar o acesso a outros artigos. A Parte I foi postada em 6 de abril de 2008.


A criatividade do parágrafo

A criatividade é muito importante para desenvolver qualquer atividade. No que diz respeito à escrita, para criar um parágrafo é necessário que os estudantes saibam o conceito de parágrafo, para depois começar a construir um texto. Eles se perguntarão como iniciar as unidades do texto, já que unidade é quando alguém escreve uma coisa de cada vez. Quem tem a resposta é Bernardo que disse que para começar a escrita, deve-se iniciar pelo tema, que servirá para compreender e refletir sobre o assunto, para depois perguntar à nossa consciência: por que o professor colocou esse tema? E também, que acho disso?

Então, já que o aluno resolveu sobre determinada idéia principal, ele tem que saber as diferentes combinações de como formar o parágrafo. Segundo Viana, et. al (1998, p.62-65), há dois tipos de estruturas: simples e mistas; estas fazem harmonizar a idéia principal de cada parágrafo. Isto nos ajudará a ter coerência e coesão.

A estrutura simples tem várias técnicas que são: retomada da palavra-chave; por encadeamento; por divisão; por recorte. A primeira, que é a retomada da palavra-chave, o aluno escolhe um vocábulo da idéia principal, através desta palavra é retomada na seguinte frase em relação à frase anterior e assim sucessivamente. Estas frases sempre estarão retomadas pelas seguintes sem repeti-las. Se não se encontra palavra para substituir, pode se colocar o mesmo vocábulo, mas sempre somando novas informações.

Mostrando num esquema:
Palavra-chave dentro do tema recuperar por coesão a cada frase

A segunda técnica seria por encadeamento. Encadear significa formar cadeia ou série, ou seja, é como se houvesse uma corrida de reversão, em que o segundo período leva para frente um vocábulo do primeiro, o terceiro do segundo; até chegar ao final do parágrafo. Este método é importante, porque se pode escrever à vontade até onde achar necessário. A escolha do vocábulo a ser escrito é pessoal, pois cada palavra escolhida do período é uma opção do autor que está escrevendo.

Mostrando um esquema:
Frase2 à frase1; frase3 à frase2; frase4 à frase3. E assim sucessivamente.

Outra técnica é por divisão. Divisão significa separar partes; isto funciona assim: para separar os vocábulos do primeiro parágrafo que se desenvolve o raciocínio em duas partes, para depois, explicá-las no seguinte parágrafo, seja no mesmo parágrafo ou diferentes. Pode colocar as expressões como: em primeiro lugar... em segundo...por último; por um lado...por outro lado. Na frase seguinte, explica os detalhes de cada um, e por último, finaliza o tema. Mostrando o esquema:

No final do primeiro parágrafo citar os dois vocábulos divisão das duas palavras em parágrafos diferentes ou frases Frase 3 escreve detalhes frase 4 finaliza o assunto.

Outra técnica é por recorte. Neste método tem uma palavra que nos leva a interpretar vários pontos de vista. Para isso, escolhe-se um ponto de vista para ser trabalhado; daí usam-se exemplos para confirmar o ângulo, para depois concluir.

Mostrando o esquema:
Palavra generalizada, na frase 1 recorte-se num ângulo, na frase 2 nas seguintes frases pôr exemplos na última frase se conclui.

Por último, a estrutura mista, que é uma combinação das anteriores: pode ser uma retomada da palavra-chave no primeiro, segundo, terceiro, para depois mudar para encadeamento ou por divisão depois mudar para recorte. O mais importante é não perder a seqüência do parágrafo.

Eis, em síntese, o que você deve observar para escrever um parágrafo:

Um parágrafo é formado por vários períodos. Dentro das orações deve haver unidade, para formar um todo, já que, em cada um, se colocará um tema e uma palavra-chave de peso. Se essa idéia principal fosse vaga, confundiria cada unidade de pensamento. Também se deve evitar palavras soltas, sem coesão com o assunto, pois quando se exploram vários pensamentos, a produção de textos fica incoerente.

Um exemplo do livro Redação Inquieta aclarará como autor montou o parágrafo. Segundo Bernardo (2000, p, 40),

"Escrever compromete mais ainda do que falar. Porque marca. Porque corre de boca em boca, de olho em olho, à revelia de quem escreveu. Escrever é um contrato com a verdade (ou com a mentira); um contrato com o outro e consigo mesmo. Escreveu, não leu, pau comeu - como dizem".

Com este exemplo, responder as perguntas seguintes:
1. Quantos períodos se utilizou?
2. Todos eles referem-se ao tema?
3. Qual é a palavra de peso?
4. Qual dos períodos dá melhor sentido do parágrafo?
5. Os demais períodos referem-se ao tema? Como?

Respostas:
1 (5); 2 (Sim); 3 (Escrever); 4 (O primeiro, que é o tema); 5 (Sim, o segundo, porque dá explicação da importância de escrever. O terceiro e quarto explica porque marca o que o autor quer expressar para os outros ou para si mesmo. No quinto, quem não se informa e não lê, na hora de escrever pode errar muita coisa. Este é um exemplo de como o escritor foi perfeito na idéia principal. Assim, outros autores podem orientar-se na estrutura no parágrafo, que depende do estilo)

Montando o texto

Para montar um texto, necessita-se ter uma idéia. Dessa idéia, forma-se uma palavra; dessa palavra, um parágrafo; esses parágrafos transformam-se num texto. Para criar um texto, precisa-se concordar com a idéia. Isso tece em unidades do começo ao final até chegar à produção da escrita. Na seguinte citação explica melhor:

Agora que você já domina as formas mais comuns de estruturação de um parágrafo, é preciso pensar na estrutura global do texto, ou seja, na sua macroestrutura. Veremos como se pode escrever uma redação coerente do princípio ao fim. O primeiro parágrafo (parágrafo-chave) é sempre o mais importante. Portanto, verifique se ele dá margem a uma boa expansão do tema. Nada sairá de um parágrafo-chave mal feito, em que se amontoam várias idéias ao mesmo tempo. Na organização de um texto, e fundamental a interligação entre os parágrafos. São eles que conduzem nosso processo reflexivo. Funcionam como partes de um todo e devem articular-se de forma perfeita para que a informação não se disperse. (VIANA, et. al, 1998, p.70)

É importante saber sobre a estrutura de um parágrafo, porém, também na estrutura de transição do texto. O discente não se perderá. Do momento que surge a idéia, essa é a primeira verdade, até chegar o último parágrafo com alegria, porém, se essa idéia é confusa ou primeiro parágrafo, então os parágrafos estarão confusos, e não vai ser feliz com a redação.

Segundo Viana, et. al (1998, p.70-72), há duas técnicas para montar um texto, que são: articulação por desmembramento do primeiro parágrafo; articulação por introdução de elementos novos a cada parágrafo.

A primeira técnica é baseada no primeiro parágrafo, que consiste escolher uma ou duas palavras-chave; ou seja, substantivos concretos ou abstratos; para depois se prolongar em outras palavras-chave de cada parágrafo. Eles transitam com naturalidade, até construir a produção de texto, que é costurada a partir do parágrafo-chave. Mostrando o esquema: parágrafo-chave é centrado num ou dois conceitos (palavras-chave), prolonga-se em outras palavras para formar cada um dos parágrafos na conclusão, resumir o texto iniciando com coesão.

A segunda técnica é baseada por encadeamento dos parágrafos, o parágrafo leva-se para um novo conceito que será o começo do seguinte, no entanto sem perder as palavras-chave do parágrafo principal. E, no final do texto, concluir, retomar o problema principal do parágrafo-chave.

Mostrando o esquema:
Texto encadeado redigir bem o primeiro parágrafo e nos outros parágrafos seguir uma nova palavra-chave, concluir com a retomada do parágrafo-chave.

Segundo Viana, et. al (1998, p, 74-75), para construir um texto, dá-se por parágrafos que levem a mesma unidade. Para que esta se cumpra, o primeiro parágrafo deve estar bem definido, para depois, ser desenvolvido nos seguintes transições. Cada um é retomado por uma palavra ou idéia que impressione na seguinte alínea. Se isso acontece, está-se elaborando um texto harmônico em torno de um mesmo assunto.

Os autores dizem que é importante ter a idéia mentalmente. Talvez seja bom um planejamento ou listar as palavras-chave com que vai introduzir o texto. É importante não perder de vista coerência e coesão; porém, o parágrafo final deve reconstruir toda a produção da escrita para finalizá-lo. Para que isso se realize, leia de novo a redação, a fim de ter uma seqüência lógica até o final.

Todo texto mostra o ponto de vista de quem o escreve. O autor tem sempre uma proposta a ser discutida para poder chegar a uma conclusão sobre o assunto. texto deve demonstrar uma seqüência lógica, que resulte um bom domínio de sua arquitetura e do conhecimento da realidade. Deve-se levar em conta o pensamento ordenado e a coesão na mente sentirá resultados satisfatórios. Desde que o tema seja de seu domínio e o estudante tenha conhecimento dos princípios de coesão e da estruturação dos parágrafos, as dificuldades de escrever serão bem menos.

É importante que se leia tudo o que for possível sobre o tema a ser desenvolvido para que sua posição seja firme e bem fundamentada.

Segundo a citação:

Transições são passagens de ligação - frases ou locuções, - que guiam o espírito do leitor de um pensamento ou de um desenvolvimento a outro, dando nexo à composição. Quando os pensamentos têm uma ligação necessária, são fáceis as transições, porque os primeiros são fontes dos segundos e estes o desenvolvimento daqueles. Mas, numa longa composição, são mais difíceis, porquanto as relações entre as idéias são longínquas e abrem-se intervalos na ordem dos pensamentos. Isto, por si só, é uma recomendação para que se evitem redações longas. Quando estas relações se tornam de tal modo remotas que há nelas incoerência e disparate, nada poderá ligar tais idéias. Quaisquer transições são, neste caso, esquisitas e ridículas. (BAÇAN, 1999, p.104)

Com certeza, uma coisa é um texto curto e outra é o texto longo, quando é uma redação curta é fácil levar uma seqüência dos parágrafos com os conectivos; agora, quando é um texto longo, se a pessoa que está escrevendo não leva em conta a coerência e coesão, as idéias podem se afastar. Então, a transição é importante para quem está preocupado em redigir bem.

Dessas duas técnicas, conclui-se que é importante o primeiro parágrafo-chave; então, há várias maneiras como iniciar e terminar uma produção escrita. O propósito deste parágrafo é chamar a atenção do leitor. Pode-se iniciar com uma definição, uma declaração afirmativa ou negação, uma pergunta, oposição (de um lado/de outro), citação, alusão histórica, etc. agora, para terminar ou fechar o texto há a conclusão-proposta (solução); conclusão-síntese (resumo); conclusão - surpresa (citação).

Segundo Lucília (2001, p.108), é importante, ao concluir, ficar claro para o leitor o encerramento da produção textual, tais como: em outras palavras; portanto; assim; em suma; concluindo; diante desse quadro; diante do que foi dito; em vista disso podemos concluir...

Textos criativos

Todo tipo de texto é importante para ajuda aos discentes, a fim de que eles tenham opção para redigir. Estes textos devem ser criativos e utilizam algumas técnicas: indução, dedução, maniqueísta, dialética. Estas técnicas serão de importância para elaborar uma produção diferente.

Escrever não será, também, uma questão apenas de técnica. Não se escreve sem alguma técnica, é certo. Mas, ninguém começa a escrever depois de "adquirir" a tal técnica. Começa-se a escrever porque se deseja fazê-lo, e então, enquanto se vai escrevendo, se vai organizando a própria técnica. (BERNARDO, 2000, p.20)

O estudante pode saber muitas técnicas, o interessante é estar motivado para escrever. Se ele não se interessa por escrever, de nada serve essa forma de organizar o texto.

De fato, é importante conhecê-las uma por uma. A indução é um método científico de referir, é dizer, contar ou narrar fielmente (o que se ouviu); citar; aludir (referencia indireta). Segundo Gustavo:

O procedimento indutivo, que coleciona os fatos para sustentar a hipótese definida a princípio, recorre à observação direta (com os próprios sentidos), à observação indireta (ou seja, à observação e à pesquisa dos outros, através de jornais, livros e outros meios de comunicação), e ao testemunho autorizado (ou seja, à observação e pesquisa de pessoas que se reconhecem como autoridades e especialistas no campo do argumento em questão). (BERNARDO, 2000, p.117)

A indução trabalha com hipóteses do tema escolhido, ou seja, do particular para o geral e do efeito para a causa, por isso ele é apoiado na observação. Do conhecido ao desconhecido. Muitas vezes, recorre-se a pessoas peritas no assunto que ajudaria o trabalho científico a concluir.

De acordo com Gustavo:
Observar é movimento humano e dinâmico, colhendo fatos, cozinhando-os no raciocínio e produzindo opiniões. Produzindo provisórias e necessárias regras de vida. [...] o método indutivo parte da observação do efeito, ou dos efeitos, para chegar à causa ou às causas. [...] (BERNARDO, 2000, p.49)

Quando o ser humano começa a pesquisar um determinado assunto, sua cabeça "voa", pois, a observação é constante é ativa; coletando dados; analisando-os na lógica para depois concluí-los. A indução é temporária, ou seja, até que cheguem outras pessoas com hipóteses mais fortes, fazendo outras conclusões; em outras palavras, por mais que se pesquise um assunto, nunca se chegará às finalizações definitivas.

Então, como seria uma redação indutiva na sala de aula? Inicia-se a argumentação com fatos concretos para achar ou induzir uma norma geral que os explique. A idéia principal ou teses aparecerá ao final do texto, a modo de conclusão, Vai-se do particular ao geral.

Segundo Gustavo:
[...] O método indutivo tem os seus limites. Ao raciocinar a partir dos fatos, ele nos entrega conclusões provavelmente verdadeiras, mas não necessariamente verdadeiras. No mais das vezes, existem hipóteses alternativas àquelas com as quais nos apegamos, indicando caminhos diversos para a solução. (BERNARDO, 2000, p. 53)

O esquema seria:
Tema + hipóteses alternativas (várias opiniões podem ser possíveis) + comprovações + conclusão (es).

Por exemplo:

Tema: As alegrias e as tristezas sempre estão presentes na forma de viver do homem curitibano. [particular, conhecido (concreto)]
Perguntar ao tema: por que as alegrias e as tristezas...?
Hipóteses alternativas: três argumentos (geral, desconhecido)
1. Se não tem a Deus a pessoa fica vazia
2. O homem sempre muda de caráter
3. A forma de viver depende do estado que se encontra a pessoa
Tema + hipóteses alternativas = um só parágrafo
Argumentos: três parágrafos diferentes
Conclusão (es).
As alegrias e as tristezas sempre estão presentes na forma de viver do homem curitibano. Se ele não tem a Deus como centro, a pessoa fica vazia; portanto o homem muda de caráter, porque a forma de viver depende do estado em que se encontra a pessoa.

Desenvolver as três hipóteses em parágrafos diferentes.

Depois que fez a pesquisa das hipóteses (comprovações), vem a conclusão.

Segundo: a dedução é um pensamento que vai do geral para o particular, da causa para o efeito, do desconhecido ao conhecido. Dedução é um método de inferir, ou seja, de conclusão. Há um raciocínio chamado de silogismo, que poderia nos ajudar a deduzir.

Desde Aristóteles, a forma nobre do raciocínio chama-se "silogismo". Se tentássemos fazer a etimologia dessa palavra, mas sem consultar o dicionário apropriado, seríamos tentados a enxergar sob ela a expressão "se-é-lógico", baseado na estrutura condicional "se à então", que funda a lógica e o raciocínio. Entretanto, se consultarmos o dicionário adequado, veremos que a palavra vem de um termo grego que significa "juntar os feixes de feno". O silogismo, portanto, é uma estrutura argumentativa que junta alfa com beta através de í, isto é, através de um termo médio. (BERNARDO, 2000, p. 109)

Na época de Aristóteles, havia o raciocínio dedutivo chamado de silogismo, que procura demonstrar a verdade na razão; com um significado profundo "juntar as opiniões para chegar à conclusão". O silogismo está baseado nas hipóteses. Há três proposições: uma premissa geral, particular, e a conclusão, isto é, o termo maior; o termo menor; o termo médio.

Segundo Bernardo (2000, p. 56) "[...] Entre as duas premissas há um termo comum, levando a se colocar, na conclusão, o particular dentro do geral, para justamente confirma a hipóteses, ou seja, a própria premissa geral e inicial".

Este termo médio é chamado assim, porque é o intermediário entre o termo maior e o menor.

Começa com -todo, qualquer, sempre- para o termo maior; com -ora- para o termo menor; com - logo, portanto, por isso - para o termo médio.

O esquema deste raciocínio:
Todo A é B;
Ora, C é A;
Logo, C é B.

Por exemplo:

Os professores curitibanos são muitos cultos;
Ora, Pedro é um professor curitibano;
Logo, Pedro é muito culto.

Na visão de Bernardo: (2000, p.106), "[...] Definimos um argumento como válido quando a sua conclusão segue necessariamente das premissas. No argumento válido, portanto, é impossível que, sendo verdadeiras as premissas, seja falsa a sua conclusão. [...]"

Este tipo de silogismo é válido quando as premissas gerais e particulares são válidas. Se cada uma delas é válida e impossível ser falsa a sua finalização.

Na visão de Gustavo, o silogismo munido de provas é baseado na indução e dedução. Apoiada em provas, certezas ou afirmações.

O esquema deste raciocínio:

Tese: indução = afirmações concretas, começando com todo.
Comprovação: dedução = hipóteses, começando com ora. Conclusão: dedução = hipóteses, começando com logo.

Por exemplo:

Razões econômicas obrigaram à maioria das nações baleeiras; incluso Grão Bretanha, Holanda e Estados Unidos suspenderam suas operações. Ora, cada ano o custo de caçar baleias aumenta à medida que decresce o número destes animais. Logo, dois países as perseguem tenazmente e aceleram a mortandade na luta contra o tempo: Japão e a União Soviética. Seus velhos barcos duraram poucos, e o gasto cada vez maior que implica sua reconstrução obrigam a substituí-los.

O que é a redação dedutiva? É uma redação que começa com a premissa geral, logicamente válida, para extrair uma lei particular que sua tese expõe. Isto é, nos parágrafos têm a idéia principal no começo. Isso é importante para o leitor, para não estar procurando as teses.

A terceira técnica para reconhecer o texto criativo é o maniqueísmo. De acordo a Bernardo (2000, p. 64-65) "Podemos começar a reconhecer, na dependência do sol à terra, e da terra ao sol, da luz (calor) à escuridão (o escuro subsolo onde germina a vida) e da escuridão à luz, do homem à mulher e da mulher ao homem. [...]"

O maniqueísmo é o dualismo que significa dois princípios: um depende do outro para complementar-se. É o mundo dividido em dois: o bem e o mal. É o "duplo pensar" de certo ou errado, isso ou aquilo, é ou não é.

Os dogmas se espalham no cotidiano. À força de tanta repetição, eles vêm à cabeça no ato, no momento em que alguém toma de papel e caneta. São as sentenças emprestadas, as idéias que nos mandaram repetir e reproduzir, papagaios e marionetes dos outros. Estas sentenças chegam e bloqueiam o aparecimento de outras, das nossas, das idéias que poderiam ser próprias se não fossem bloqueadas pelas alheias. (BERNARDO, 2000, p. 69)

Os dogmas são pensamentos fixos, quando o emissor transmite-o para outras pessoas. Essas pessoas repetem dos outros, como se fosse a única idéia para concretizar; no entanto, cada indivíduo tem sua própria idéia e abandona as alheias...

De acordo a Bernardo, (2000, p, 75), a redação maniqueísta é uma redação duvidosa, ou seja, hipotética; Isto quer dizer, O escritor tem dificuldade de definir uma linha lógica de raciocínio. Esta forma de pensar leva a fechar o sentido das palavras, faz uma confusão na hora de escrever. É totalmente ilógico em suas idéias ou usa ingredientes já prontos para a argumentação.

O contexto é tenso, ou seja, tem muitas idéias ou informações sobre o tema e não se consegue encadeá-las; portanto não se expressa e tem preconceitos de pessoas, coisas, lugares, atitudes, palavras; baseado em mera crença ou antipatia.

Por conseguinte, não acrescenta nada o leitor e oculta a forma dinâmica dos assuntos, ou seja, não sabe muito sobre a questão, e escreve outras coisas não relacionadas com o tema, pois, a ignorância sobre a realidade é grande.

O escritor pensa que é difícil resolver um problema, e pensa nas opiniões não sujeitas a mudança.

A estrutura maniqueísta de pensar determina as coisas e as pessoas como "em si", distribuindo-as em dois campos antagônicos de modo a um certamente eliminar o outro. [...]... [...] a característica da redação maniqueísta é a repetição, repetição que trava os processos, que volta sempre sobre os mesmos passos. [...]...[...] uma palavra, quando se repete igual muitas vezes, é uma palavra que não se desenvolveu, que não se relacionou. Daí acaba por dizer o contrário do que parece dizer. [...] (BERNARDO, 2000, p. 84-86)

Como ensinar o que é a redação maniqueísta na sala de aula?

Na cabeça dos estudantes, muitas vezes, o pensamento não está "ordenado", e quando se faz alguma tarefa, o professor orientá-lo para que não se contradiga o que escreve; não repetir palavras porque pode sair das idéias. Então, ensinar o que é certo ou errado.

Conclusão
confusa

O esquema desse tipo de texto seria:
teses
antíteses

Por exemplo:

Assunto: O ser político e ser político
Teses: Muitos dos políticos são corruptos e não fazem nada pela nação.
Antíteses: se fossem honrados, pensariam no povo.
Conclusão: portanto, é impossível que os políticos resolvam à situação do povo, isso que eu acredito.

A quarta técnica para reconhecer texto criativo é a redação dialética que, segundo Gustavo, no início a dialética era a arte de dialogar, ou seja, perguntar e obter respostas. Depois Hegel definiu a dialética como: tese, antítese, síntese; isto é, afirmação- negação- negação da negação; ou seja, a sínteses dos opostos. Na visão de Bernardo (2000, p. 133), "[...] a dialética procura investigar os aspectos mais dinâmicos e instáveis da realidade [...]"

A dialética é baseada nas pessoas que estão a favor e contra alguma idéia, e torna interessante o diálogo que pode mudar em qualquer momento dos fatos, porque o principal é provar algo, tanto para impugnar quanto para persuadir a simpatia do leitor ou ouvinte. Em outra citação de Bernardo:

A dialética continua a ser a arte do diálogo - mais complexa do que na Grécia, porém diálogo. Diálogo inclusive do homem com o objeto de sua investigação, diálogo também dos opostos para gerarem os seus contrários - num processo tendente a romper o maniqueísmo de escolher um dentre dois opostos, para combinar os dois opostos de forma a produzir uma terceira entidade: a síntese. (Bernardo, 2000, p, 130) A dialética tem início na Grécia, com o diálogo instaurado pelos filósofos. Na época antiga era o conhecimento que se baseava em perguntas e respostas. Depois o homem melhorou o diálogo dos opostos

Esquema dialético:

Como seria uma redação dialética na sala de aula?

Apresentação = colocação do problema
Tese = argumentos afirmativos
Antítese = argumentos negativos
Sínteses = dizer se é contra ou a favor da apresentação + observação final.

Por exemplo:

Tema: Religião e futebol

Apresentação: Na sala de aula é impossível falar sobre religião e futebol.
Tese: Muitos adolescentes, de várias salas gostam de religião e futebol.
Antíteses: no entanto, outras não gostam.
Sínteses: mesmo assim, todas as turmas concordarão que precisam acreditar em algo e o jogo torna-se divertido.

As noções básicas textuais

Se o professor quer que o estudante aprenda realmente, ele necessita ensinar, de uma maneira que todos estejam motivados a entender o processo da redação. Para isso, o professor possibilitará aos discentes as noções básicas de um texto, pois isso os ajudará a ter mais confiança em si mesmo. Esses primeiros passos são: o aspecto estético, gramatical, estilístico e estrutural do texto.

No aspecto estético, fala-se do belo e da harmonia na arte e natureza; no caso da redação, o professor orientará o discente a fazer com que escreva bonito, como: letra, margens, paragrafação, travessão, sem rasuras. Na visão de Soares (2002, p. 3), "No aspecto estético devemos considerar a legibilidade da letra, a paragrafação, se as margens estão regulares, o uso do travessão e a ausência de rasuras”. Por isso, é importante rascunho, porque pode corrigir antes de passar para a folha definitiva, e assim ter ordem. Portanto, o aluno deve ter consciência do aspecto da beleza.

No segundo aspecto, o gramatical, está-se falando de regras para falar e escrever numa dada língua; o aluno tem que verificar no final da redação se a ortografia, acentuação, concordância, pontuação, colocação pronominal e regência verbal estão adequadas:

No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem "falar e escrever corretamente". Neste sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. Usualmente, tais regras prescritivas são expostas, nos compêndios, misturadas com descrições de dados, em relação aos quais, no entanto, em vários capítulos das gramáticas, fica mais do que evidente que o que é descrito é, ao mesmo tempo, prescrito. Citem-se como exemplos mais evidentes os capítulos sobre concordância, regência e colocação dos pronomes átonos. (POSSENTI, 1984, p. 31).

O discente pode levar livros de gramática para consulta, porque são muitas as regras e não é necessário que decore todas; seria bom levar um dicionário para ajudá-lo no texto. Mas, se o aluno tem boa memória seria mais rápido revisar o texto.

No terceiro aspecto, o estilístico, que quer dizer - arte de bem escrever - segundo Bernardo (2000, p.114), são "os elementos de expressividade da linguagem, isto é, os elementos capazes de impressionar, emocionar, sugestionar, convencer". Então, para que se cumpra tudo isso, deve-se escolher as palavras adequadas ou frases que motivem ao leitor a continuar lendo até o final do texto.

No tocante ao aspecto estilístico da redação devemos tomar cuidado com o uso de frases longas, a repetição desnecessária de palavras, o emprego de palavras desnecessárias, o uso inadequado do pronome "onde", o emprego repetitivo das palavras "que", "porque" e "mas", a presença de conectivos da língua falada, e a prolixidade, a qual poderia tornar o texto demasiadamente longo e enfadonho. (SOARES, 2002, p. 3).

Isso comprova que falar e escrever são duas palavras diferentes. Quando a pessoa redige, tem que selecionar frases pensando no leitor, com o propósito de ser claro, para não confundir.

No quarto aspecto, o estrutural, entendemos ser a inter-relação de todas as partes de um todo, pois como escreve Bernardo (2000, p, 64), "cada texto sugere esquemas diferentes". Cada estrutura textual é diferente, por exemplo: descrição, narrativa, dissertação.

Fonte:
Autor: Gonzalo Pérez Publicação: 23/06/06
http://www.mailxmail.com/curso/idiomas/redaportugues/
http://gattors.blogspot.com/ (figura)

Revista Espaço Acadêmico

A Revista Espaço Acadêmico (REA) surgiu da iniciativa de um grupo de docentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) que escrevia artigos para um provedor local, o Nobel. Depois, registramos um domínio próprio (http://www.espacoacademico.com.br), mas, por um período ainda sem ter o caráter de revista. A partir de março de 2001, registramos a publicação no ISSN, e definimos sua periodicidade. Nascia, oficialmente, a Revista Espaço Acadêmico.

Nesta fase, a Revista Espaço Acadêmico agregou outros colunistas e ampliou o Conselho Editorial e sua abrangência. Também contamos com a contribuição de vários colaboradores, cujos artigos não apenas enriqueceram a revista como foram de enorme importância para a sua divulgação.

Agradecemos a todos os que, nestes meses, colaboraram conosco e contribuíram para a consolidação deste Espaço Acadêmico. Temos que agradecer especialmente aos nossos leitores e leitoras. Afinal, sem esta interação, nosso trabalho não teria razão de ser.

A nosso ver, a ampla aceitação da revista no meio acadêmico e extra-acadêmico se deveu a sua postura crítica e democrática. Pluralista desde sua gênese, a Revista Espaço Acadêmico recusou o enquadramento ideológico e político-partidário. O debate acadêmico não pode ser autêntico e dinâmico se estiver prisioneiro dos ismos e da miopia política ideológica dos que se imaginam senhores da verdade, amparados em seus castelos de areia construídos dogmaticamente. A Espaço Acadêmico não se vê na função de converter ninguém à quaisquer cânones nem se dirige apenas aos convertidos.

Entendemos que a realidade é mais complexa do que os fáceis maniqueísmos e que os preconceitos e os dogmatismos não são terrenos férteis para o debate democrático aberto a novas perspectivas frente a um mundo que exige ir para al'me do pensamento convencional. A liberdade de expressão, a pluralidade democrática prescinde dos preconceitos e dogmatismos. São necessários coragem e esforço comum tanto para a crítica como para a autocrítica; e também para estar sempre disposto a trocar idéias e polemizar.

Esta linha editorial comprova-se na abrangência dos artigos, temas e autores, bem como, na sua receptividade entre os leitores. Isto não significa que as posições políticas-ideológicas individuais expressem o coletivo da revista. É simples: não somos, nem pretendemos ser, uma organização política-partidária e/ou sindical. Também não aceitamos o pensamento monolítico, seja à esquerda ou à direita.

Mas, não temos ilusões. A realidade mundial e os ventos que sopram em nossa época exigem posicionamentos. Uma teoria crítica não será crítica se utilizar o biombo da propalada neutralidade científica. Tomamos posições, mas não obrigamos os outros a tomar as mesmas posições. Nos situamos no mesmo campo do pensamento crítico à realidade política-social vigente e às suas manifestações.

Se do ponto de vista político-ideológico travamos o bom combate pelo respeito ao outro e o debate conseqüente em torno das idéias (e não das pessoas), não aceitamos a postura inconseqüente de que na democracia tudo é permissível. A Espaço Acadêmico não veicula conteúdos racistas, sexistas ou que firam a integridade das pessoas. Ela se define, sobretudo, por um princípio ético que poderia ser resumido em duas palavras: honestidade intelectual, isto é, o comprometimento de todos aqueles que colaboram com este espaço de reflexão no sentido de preservar a integridade da pesquisa crítica sem qualquer concessão a interesses de cunho partidário, ideológico ou de restrito sentido social.

Uma última palavra: embora adotemos o nome Espaço Acadêmico, não nos restringimos apenas ao meio acadêmico. Procuramos superar o academicismo e estabelecer vínculos com os movimentos sociais. Afinal, uma revista que se pretende crítica, não cumprirá seu objetivo se reduzir a teoria à pura abstração diletante. Lembramos que o termo acadêmico tem origem filosófica – se refere à escola filosófica fundada por Platão, em 388 a.C., assim chamada porquê ele ensinava filosofia nos jardins do herói ateniense Academus; com o passar do tempo a palavra acadêmico passou a ser utilizada tanto pelas sociedades científicas, literárias ou filosóficas quanto por outras sociedades desvinculadas do mundo universitário, como as Academias de Artes Marciais, as Escolas de Samba etc. Ou seja, a Revista Espaço Acadêmico não se restringe aos espaços formais onde se produz e se reproduz o conhecimento, hoje excessivamente disciplinares ou especializados, mas considera de igual importância os espaços informais, onde também se produz e se reproduz conhecimentos e saberes e cultura.

EXPEDIENTE (CONSELHO EDITORIAL)
Ana Patrícia Pires Nalesso: Mestre em Serviço Social e docente no Cesumar (Maringá - PR)

Angelo Priori: Doutor em História pela UNESP - Assis/SP e docente na Universidade Estadual de Maringá; ex-Presidente da ADUEM

Antonio Inácio Andrioli: Mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück – Alemanha

Antonio Mendes da Silva Filho: Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco

Antonio Ozaí da Silva: Docente na Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação (USP)

Celuy Roberta Hundzinski Damasio: Doutoranda em Literatura na Sorbonne e em Filosofia na Université de Marne-la-Vallée

Eva Paulino Bueno: Professora de Espanhol e Português na St. Mary’s University em San Antonio, Texas

Gilberto Pucca Jr.: Cirurgião Dentista Sanitarista, Prof. do Departamento de Odontologia da UEM e Diretor da Vigilância Sanitária da Prefeitura de Maringá - PR

Henrique Rattner: Docente na FEA/USP e membro da ABDL; autor de várias obras

João dos Santos Filho: Sociólogo, bacharel em Turismo e doutorando na USP (Universidade Estadual de Maringá)

João Fábio Bertonha: Doutor em História pela UNICAMP e docente na Universidade Estadual de Maringá

José Apóstolo Netto: Historiador e doutorando em História (UNESP - Campus de Assis, SP)

Luiz Alberto Vianna Moniz Bandeira: Cientista político, professor aposentado da UnB e autor de Brasil-Estados Unidos no contexto da globalização (2 vol.), De Marti a Fidel e de várias outras obras sobre a política internacional na América Latina

Paulo Roberto de Almeida: Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas; Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia; Diplomata de carreira; Professor no mestrado em direito do Uniceub (Brasília); Editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional.

Raymundo de Lima: Professor do Departamento de Fundamentos da Educação (UEM), Psicólogo, Mestre em Psicologia e Doutor em Educação (USP)

Ricardo Albuquerque: Mestre em Engenharia pela UFSC; Professor nas Faculdades Nobel

Rosângela Rosa Praxedes: Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Mestre em Ciências Sociais (PUC/SP) e Coordenadora do Curso Preparatório Milton Santos, da Associação União e Consciência Negra de Maringá

Rudá Ricci: Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), docente na PUC-MG e diretor da CPP (Consultoria em Políticas Públicas)

Walter Lúcio de Alencar Praxedes: Docente na Universidade Estadual de Maringá e Faculdades Nobel; Doutor em Educação pela USP e co-autor de O Mercosul e a sociedade global (São Paulo, Ática, 1998) e Dom Hélder Câmara: Entre o poder e a profecia, publicada no Brasil pela Editora Ática (1997) e na Itália pela Editrice Queriniana (1999).

Fonte:
http://www.espacoacademico.com.br/

Tânia T. S. Nunes (A literatura líquida de João Gilberto Noll)

As notas referentes aos números colocados em algumas frases (em chaves sublinhadas) estão colocadas ao fim do artigo.
Foto: Tânia e Noll
João Gilberto Noll (1946) vale-se em sua escrita da palavra úmida.[1] O que podemos chamar de a literatura líquida do autor tem, como marca singular, a palavra a esvaziar o corpo, a secá-lo em sua linguagem, como símbolo de uma ausência, uma anomia, em que a vida se faz na transitoriedade do instante, ou seja, seus personagens ingerem e expelem pelos orifícios corporais os desencontros da vida.

Esse autor, em 1970, escreveu seu nome na historiografia da literatura brasileira como detentor de uma prosa poética aguçada, mas sua escrita proveniente de um “eu inflamado”[i], como ele mesmo a denomina, apresenta uma característica peculiar: produz um choque no leitor. Seu discurso dialoga entre cinema e literatura, entre ficção e mundo, desvela uma prosa viva e atualíssima, busca mostrar o homem no seu aqui-e-agora, no seu estar-no-mundo, que pela fôrma, revela de qualquer forma a si mesmo ou pela não-afirmação ou pela auto-deformação. No entanto, há uma história a contar, há uma experiência a narrar: a do esvaziamento do ser, do corpo[ii].

Noll foi um dos primeiros em nossas letras a levar a crítica a reconhecer uma mudança na forma e essência do romance contemporâneo como gênero híbrido e heterogêneo, mas nele não cabe somente a leitura pela imagem da dialética, pelo contrário, sua prosa requer sempre um desdobrar-se e desvendar-se do pensamento em idéias em cada texto para capturar o sentido e a interpretação.

Suas obras exemplificam plenamente o momento descorporificado em que o homem vive, quando tudo é fluido, sem sentido, indefinido e afeta a todos em qualquer condição social[iii]. Suas narrativas desfolham imagens que se esfacelam em segundos no estilo direto e sábio do escritor de dizer muito com poucas palavras. Uma narrativa sufocante que, ao mesmo tempo, que é leve, asfixia e comove. Nela encontram-se vivência, experimento e tentativa contínua de afetar leitores capazes de desafiar o mundo real pela representação, pela busca da compreensão do outro, pela interpretação da condição humana. Interpretar, neste caso, é a busca de encontrar no “quase-nada” da “contravida”[iv], quando pelo corpo e com o corpo expele o mundo, o indizível. Desvendar territórios, somar novas terras em cada página das obras desse autor, é reconhecer-se nas suas entrelinhas, revelar-se entre a capa e a palavra final na busca pelo desnudamento de tantas imagens literárias na travessia de tantos espaços para chegar ao homem sempre à deriva, à procura de algo que não sabe o que quer, mas o que não quer, no entanto, sabe muito bem, sabe que tudo é incerto, por isso mesmo repele o que não aceita.

Mostra o mundo de hoje, fagocitado, engolido autofagicamente pela velocidade do tempo e pela busca incessante da construção do “eu”. Apresenta a ressignificação do espaço e do tempo como território da inquietude e da peregrinação na infrutífera busca do relacionamento humano dissolvido no mundo. Desvela o homem em seu limite de suportabilidade entre o público e o privado, o local e o global, desejos e vontades, buscando um sentido para a vida, numa concreta e angustiante realidade produzida pelo momento, sobrevivendo entre a sina e o destino, mas em pleno desatino. Há, também, um traço político na escrita do autor. Um narrador nos diz: “eu seria escravo e agora por inteira vocação.” (NOLL, 2006, p. 45)

Neste artigo nos propomos a ler a relação entre corpo, escrita e excreção nas narrativas que compõem A máquina de ser (2006), última obra publicada pelo autor. Vamos ler quais são as representações que apontam para esse mundo caótico do presente nestes contos.

O escritor inglês Herbert Georges Wells publicou seu primeiro sucesso de ficção científica adaptado para o cinema A Máquina do Tempo, em 1895. Nesta produção seres andróides (meio-humanos e meio-robôs) estão em cena. João Gilberto Noll teve várias obras suas adaptadas para o cinema, em A máquina de ser não tem como propósito abordar personagens que viajam no tempo através de uma máquina (embora a narrativa não deixe de ser uma viagem!), mas chamar a atenção para a condição de deslocamento do homem, apontar como este age diante do caos da vida em seu cotidiano quando tudo se faz leve e fluido, passageiro e incerto sem perspectivas futuras. Na literatura líquida de João Gilberto Noll, o leitor “fabrica sua ilusão utilitária” (NOLL, 2006, p. 125).

O que Noll faz nesta narrativa aquosa pela solidão do homem do seu tempo e “engessado” na experiência da perda, é pensar o mundo pela palavra que fabrica. O escritor nos apresenta uma máquina-de-ser não a que tomou o lugar do homem na produção, mas o homem-ser-máquina, traduzindo existencialmente em seu comportamento: hábito e ação, na sua identidade de máquina, a transitoriedade absurda da vida, na sociedade consumista do imediatismo, em que os relacionamentos estão engendrados nessa rede de exigüidade e ausências de humanos em que tudo se transforma e transmuta em nada, em vazio e em segundos, tudo é descartável.

No entanto, tudo tem também o seu preço em meio a tantos avanços tecnocientíficos e biotecnológicos, o homem vê-se saturado de modernidade e paga com a corporeidade e o sacrifício do ser as conseqüências de sua utopia desenvolvimentista. Hoje o homem sem liberdade está destituído de pensar o futuro. No mundo consumista os seres humanos despem-se de si mesmos e vêem-se em contínuo abismo identitário, temporal e espacial, onde muitos não sabem aonde ir. A solução para sobrevivência futura ainda é um enigma e esbarra em algumas indagações a serem respondidas: como dividir o pouco que se tem com tantos que nada têm? Como fixar laços de relacionamentos? Voltaremos à época das tribos em que cada um convive com seu grupo ou já estamos nela?

Mas, em A Máquina de Ser, que homem integra essa fábrica que é a narrativa de João Gilberto Noll? O que se pode afirmar é que o autor fabrica sua escrita talvez ainda querendo acreditar em uma saída, em um consolo na potência afetiva do encontro com o “outro”, na busca contínua da tradução identitária pelo corpo, pela troca e pelo encontro de vários outros “eus”.

O primeiro conto obra-prima deste livro: No dorso das horas, aparece o narrador transformado em imagem e guiado rapidamente no tempo da luz pelo olhar de um homem através de uma câmara, corre ao encontro do que não sabe, até no escuro do espaço deparar-se com um corpo ao qual se une sexualmente, o corpo da filha.

Entre esse e o último conto da obra, que apresenta um alter-ego do autor, João, Noll mostra o quanto a travessia da escrita está pautada na idéia da solidão, da renúncia, demonstrando que no mundo em conflito e sem qualquer fronteira, segurança ou certezas, o corpo também é atingido pelo medo-cósmico (medo de tudo o que nem se sabe). Zygmunt Bauman alerta que “a demarcação entre o corpo e o mundo exterior está entre as fronteiras contemporâneas mais vigilantemente policiadas. Os orifícios do corpo (os pontos de entrada) e as superfícies do corpo (os lugares de contato) são agora os principais focos do terror e da ansiedade gerados pela consciência da mortalidade.” (BAUMAN, 2001, p. 210)

Em Noturnas doutrinas, o escritor diz que “uma umidade lacrimosa corria pelos prédios” (NOLL, 2006, p. 80) No entanto, é no conto que intitula a obra, A Máquina de Ser que João Gilberto Noll presenteia seu leitor com mais um narrador anônimo, andarilho em uma cidade estrangeira. Neste, entretanto, como em Lorde (2004)[v], demonstra talvez uma saída para a condição de vida do protagonista que quer escoar e extravasar a energia pulsional que traz dentro de si: “Lembrei que eu agora só sabia beber um cálice de vinho às portas da madrugada”. “Isso já me bastava para aventurar um pouco minhas idéias que logo retornavam porém a seu leito natural -, por onde as águas desciam em sua mansa sina, dando a funcionar mais uma vez minha máquina de ser.” (NOLL, 2006, p. 120)

Há nestas narrativas a presença de um moto contínuo a alimentar a máquina da criação. Na cidade imaginária de João Gilberto Noll, o estrangeiro em sua máquina de ser sofre uma metamorfose de andarilho a Messias, já que passa a buscar a mercadoria mais preciosa do planeta: trabalho; deseja sua própria morte, diz ter uma missão: pôr a “cabeça a trabalhar por uma causa útil, que naqueles tempos tinha a forma de sondagens em prol de um firme intercâmbio tecnológico entre os nossos dois povos.” (NOLL, 2006, p. 122) Imagina este protagonista a sua terra natal com “máquinas agrícolas novinhas.” Agora tinha uma razão para continuar, assinar papéis na Embaixada para que alguns funcionários tivessem motivo de voltar no dia seguinte. Uma prática redentora que mostra o senso de continuidade de uma função para manter o emprego do “outro”, quando o mercado local das grandes cidades se vê encolhido pelo desemprego, fruto das negociações comerciais globalizadas em que até o dinheiro é movente e está a serviço das “forças do mercado”.

Nas linhas finais da narrativa a solução: “Era só acionar a máquina de ser, que tinha no meu corpo um intérprete. E mandar ver... pronto para seguir vivendo... Era preciso, era preciso, a vida se fazia de minuto a minuto”. (...) Peguei um lenço do bolso. E limpei meu suor ...” O suor do fazer nascer a escrita, o suor do corpo a expelir. (NOLL, 2006, p. 122)

Em outros contos, como Na correnteza, encontra-se a presença dessa escrita que busca a identidade dos protagonistas, umedecida pela palavra: “eu tinha ficado ilhado e pronto”, ou ainda, “entrei no cinema, na tela tudo me estranhava. Não entendia bem a história, a razão de tantas escapadas, tantas pessoas se ferindo ao léu do enredo em correnteza.” O enredo em correnteza é também o narrar compulsivo de Noll, em que as cenas são rápidas, mas não se desgastam, pelo contrário, se encadeiam, mostram imagem após imagem, perfazendo uma narrativa frenética em que o olhar, o interpretar, a leitura e o leitor têm de correr atrás da narrativa para não perder o tempo da linguagem, do seu acontecer, quando o autor põe na voz do narrador o prazer de relatar, e de expor as experiências corporais. (NOLL, 2006, p. 144;147)

Mas neste caso, não só o corpo é intérprete, como o autor alude, mas também salvador do mundo através de sua excreção: “Essa parte da lida [mijou] se alongava mais e mais e sempre, como se ele, depois do beneplácito do banho involuntário, tivesse toda a água do mundo para devolver à terra”. (NOLL, 2006, p.129)

Em suma: o corpo é também linguagem e como tal vem sendo receptáculo de todas as interdições e espaço da escrita vivencial do homem. Uma escrita permeada pelo não-sentido da vida, pelo vazio do ser, pela fluidez da identidade e, sobretudo, pela insatisfação em existir, quando o homem desconhece o outro e até a si mesmo na estranha sensação de ser coisa-nenhuma.

Notas
[1] O título deste artigo provém do arcabouço-teórico do filósofo Zygmunt Bauman detentor do conceito de “modernidade líquida”. A relação deste conceito com a obra de João Gilberto Noll diz respeito à presença do líquido na linguagem do autor com a idéia de desfazimento, em plena interação com os corpos dos personagens desde seu primeiro romance. Um dos narradores anuncia: “Viu a virilha molhada. Notou que toda sua massa se diluía pelos poros. O corpo, ah, se desdobrava em córrego.” (2003, p. 106)

[i] Entrevista. In: Coleção autores gaúchos. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1998, v. 23.

[ii] O “esvaziamento do ser” na contemporaneidade é marcado pelo “desvanecimento do sujeito”. Foucault em “As palavras e as coisas” aponta o ocaso de uma forma histórica do sujeito, ou seja, a dissolução do “eu” preconizada pela modernidade. “Na representação, os seres não manifestam mais sua identidade, mas a relação exterior que estabelecem com o ser humano.” (2002, p. 431)

[iii] Consoante Zygmunt Bauman, em “Vidas desperdiçadas”, “a geração X (rapazes e moças nascidos na década de 1970) está polarizada de modo mais agudo que a precedente. É verdade que a desconcertante volatilidade da posição social, a redução de perspectivas, o viver ao deus-dará, [...] a imprecisão das regras – tudo isso assombra a todos eles sem discriminação, gerando ansiedade, destituindo todos os membros dessa geração, ou quase todos, da autoconfiança e da auto-estima. (2005, p. 23)

[iv] Palavras usadas em Mínimos, múltiplos, comuns (2003), p. 29

[v] Lorde é o último romance de João Gilberto Noll publicado pela Editora Francis. Nele, o autor aponta o processo de mutação de um escritor brasileiro que vai para Londres e vive a difícil experiência de conviver no estrangeiro sem negar sua identidade, nacionalidade, cor e religião.
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Sobre a Autora do Artigo:
Tânia T. S. Nunes
Professora de Letras e Literatura, aluna do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado em Letras pela Universidade Federal Fluminense – UFF
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Fonte:
Revista Espaço Acadêmico - n. 83 - abril de 2008 - ano VII
http://www.espacoacademico.com.br/

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Olga Agulhon (Os Pássaros)

Nascidos ali, germens da terra, aquelas duas crianças, primos de sangue, irmãos de coração e de alma, cresciam felizes, livres, soltos, escapando, nem sempre ilesos, de uma arte atrás da outra.

Naquela fazenda, longe das cidades, nem tanto pela distância, mas pela lama ou poeira das estradas, não havia luz elétrica. Portanto, não conheciam a televisão, o videogame, o computador e todos esses outros instrumentos que, hoje em dia, mantêm as crianças longe da fantasia dos tempos de outrora.

Faziam seus próprios carrinhos, brincavam nos riachos e engoliam peixinhos vivos para aprenderem a nadar, faziam balanços nos galhos mais altos das árvores, percorriam longas distâncias atrás da borboleta mais bela, velavam os bichinhos que matavam durante suas experiências e preparavam-lhes enterros pomposos, com direito a oração e coroa de flores.
Protagonizavam histórias de príncipes e princesas, falavam com os animais, atormentavam os gansos, domavam os bezerros, montavam nos cavalos e fingiam que eles eram dragões.

Percorriam o milharal em busca da boneca mais bonita e escolhiam loiras, ruivas e morenas, que se transformavam em amigas queridas quando a mágica acontecia.

À noite, corajosos e destemidos, exploravam o escuro do terreiro entre as casas da colônia, na expectativa de um encontro com o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça.

Entravam em casa só na hora de dormir, sob as ameaças das mães, que sempre lhes juravam a tal surra de vara de marmelo que eles ainda não tinham experimentado.

Noutras noites, mais poéticos que destemidos, buscavam os vaga-lumes e contavam estrelas, enquanto ouviam a sinfonia dos grilos e dos sapos do mundo do poço.

Quando chovia, ficavam sentados, concentrados, em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião-de-gás, ouvindo o tio Darci contar histórias de assombração vivenciadas por conhecidos seus daqueles e de outros tempos.

Um dia, apareceram por lá duas pás-carregadeiras, contratadas para fazerem uma represa nos fundos da fazenda.

Os dois não gostaram da invasão e não saíram de casa com medo daqueles monstros barulhentos, com armadura de aço, que, em plena luz do dia, comeram imensas quantidades de terra e deixaram um grande buraco por onde passaram.
Mas gostaram muito quando, em alguns dias, a chuva encheu o buraco, transformando-no em um grande lago.

Não tiveram dúvida:

- Vamos navegar!
Buscaram o velho caixote de preparar cimento, tocaram-no com a varinha mágica e transformaram-no em um lindo barco viking.

A menina, mais velha, ajudou o primo a subir no barco e o seguiu depressa, empurrando a margem com uma das pernas para que se afastassem para longe com a força do pensamento e do remo improvisado.

Antes de alcançarem o centro o lago, tão grande para eles, a água invadiu rapidamente o barco e, nesse momento, um colono estragou a aventura das crianças, retirando-as, totalmente embarreadas, daquele mergulho até o fundo.

Naquele dia, sem entenderem as razões, experimentaram a varinha de marmelo, enquanto eram lavados com bucha e sabão de coco. Ficaram com marcas na bunda e nas pernas, mas a alma não entristeceu.

- Amanhã vamos voar!

Voaram. Algumas escoriações apenas e um corte na cabeça foi o saldo da primeira vez, mas voaram; e voavam cada dia melhor, mais alto, para mais longe.

Quando chegou a idade de irem para a escola, a família viu-se obrigada a se mudar para a cidade. Era preciso estudar os filhos para que eles tivessem uma vida melhor, pensava o pai.
Foi a cena mais triste que vi ou que vivi em toda a minha vida.

Não queriam ir e não havia espaço suficiente para os dois no caminhão na mudança, pois não conseguiam entrar levando tudo que lhes era imprescindível.

Os pais não pestanejaram. Não tiveram dó nem piedade: cortaram-lhes as longas asas.
Pelo vidro, lado a lado engaiolados, enquanto enxugavam as lágrimas, fitavam o monte de penas que embelezava o chão vermelho.

Mantiveram-se assim enquanto se distanciavam.

Mantiveram-se assim até que o vermelho do chão se misturou ao vermelho do pôr-do-sol, o branco das penas se misturou ao branco das nuvens e tudo se perdeu no horizonte para nunca mais sair da retina daqueles olhos, que um dia foram olhos de pássaros.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/2007/o1.htm

Wagner Ferreira (Lançamento do Livro O Caçador de Milagres)

Romance Místico

Coquetel de lançamento no dia 11 de abril de 2008, das 18h30 às 21h, no Gabinete de Leitura Sorocabano, à Praça Cel. Fernando Prestes, 21, Sorocaba/SP.

Sinopse do livro
O primeiro livro escrito por Wagner Ferreira trata-se de uma narrativa ficcional, poética, com matizes de espiritualidade, de ensinamentos de yoga, reiki, gnose e outros para compor uma trama rica de personagens singulares, simples e sábios.
Conta a história de Thiago, que tem o seu destino mudado para melhorar a sua condição de vida e aprender a amar e viver incondicionalmente em contato com a natureza.

Com apenas cinco anos de idade, perde sua mãe e até os 45 anos vive atrás de bens materiais sem dar valor à sua própria vida. Cansado, ele tem consciência de que o melhor investimento é a sua liberdade. Abandona a vida profissional estressante, o sonho de ser médico, um casamento infeliz e uma filha. Decide então ignorar o seu passado e viver sozinho em um barco chamado “Liberdade”, no Estado do Amapá.

Thiago torna-se um simples pescador e carregador de mercadorias, sonha em construir uma casa no topo de uma montanha e nunca mais ficar correndo atrás de dinheiro. Em contato com a natureza, se inicia um doloroso processo de autoconhecimento. Ele passa a ter visões de cunho espiritual, é conduzido a encontro com mestres, vivencia situações em outras dimensões, recebe ensinamentos de cura pela imposição das mãos e transforma-se em um homem mais profundo e reflexivo.

Thiago conhece Isabela, o amor da sua vida, que o compreende e o espera enquanto cumpre a sua missão. Cheio de fé e confiança, faz curas e descobre que a sua missão é ajudar as pessoas doentes. Isso chama a atenção de políticos inescrupulosos e de autoridades religiosas. É chamado de bruxo e sofre as conseqüências em função de sua postura ética. Foge e decide que é hora de casar-se com Isabela e viver em paz no alto da montanha. Do amor entre eles, nasce Miguel, uma criança especial e evoluída.



O autor descreve as cenas de amor com delicadeza, sensibilidade e com uma poética rara na literatura contemporânea. Mesmo utilizando conhecimentos do universo esotérico, consegue desenvolver uma história instigante, envolvente e até verossímil.
O final é surpreendente, catastrófico, doloroso e emocionante.

Sobre o autor:
Wagner Ferreira nasceu em Sorocaba em 1963, vive e trabalha. É escritor, poeta, romancista, cronista, contista, cursou Direito na Fadi e Letras na Unicoc. É autodidata, Terapeuta holístico, reikeano, especializou-se em Magnifield Realing, acumulando várias atividades no comércio e exercendo várias profissões.
Suas inquietudes espirituais o levaram a uma grande busca metafísica até chegar ao esoterismo primitivo.

Informações:
O autor cederá 30% da venda dos livros para o Gpaci.
Capa: Claudia Salck
Revisão: Rosângela Inojosa Galindo
Páginas: 165p.
Valor: R$ 15,00
Contato com o autor Wagner Ferreira
Tel.: (15) 3013.4726 / 3232.3089 / 9109.0955
e-mail: wagfest@gmail.com

Editora:
Ottoni Editora
Tel: (11) 4022.5309
Site: www.ottonieditora.com.br

Cintian Moraes – jornalista
e-mail: cintian.moraes@yahoo.com.br

Fontes:
Colaboração do escritor sorocabano Douglas Lara (por e-mail)
http://www.sorocult.com/ (biografia e foto)

Wagner Ferreira (A Alma do Carnaval)

O carnaval estava para nascer, e a alma de Ana Maria queria fugir.

Parecia querer evadir-se de um mundo vivido no avesso.

Ela nunca se conformou em abandonar o Cenário carnavalesco depois que se casou. Nunca mesmo!

O marido lhe proibiu de desfilar na passarela, a alegria da sua juventude precocemente reprimida.

Desde então ela se limitou a ser uma dona de casa exemplar, alimentando o esposo, e guiando seus três filhos.

Odiava aquela monotonia perfeccionista temperada pela estabilidade inabalável da sua família.
Mas agora, neste carnaval, queria voltar a desfilar, principalmente para sentir sua liberdade ressurgir.

Os filhos já estavam crescidos e o marido precisava ser enfrentado.

Resolveu! Desfilaria mesmo contra a vontade da família, e falaria na hora do almoço quando todos estariam reunidos na mesa. “Tem que ser agora ou nunca.” Pensou.

Sequer se preocupou em servir a refeição de prato em prato como ela sempre fazia.

“Hoje eu não existo.” Pensou convicta. “Até as empregadas possuem seus dias de folga!”
E num único disparo atirou aquele rancor acumulado pelos anos:

- Vou sair no bloco das frenéticas andorinhas...

Como se não fosse ela quem estivesse ali, talvez uma irmã gêmea, ou um clone...

O marido e os três filhos se assustaram.

Como uma mulher exemplar, que não saia de casa, não fazia fofocas, sempre disposta e prestativa se interessaria por carnaval?

Ninguém acreditou. “Deve ser piada, ou crise da meia idade”, pensou o marido.

Ele se lembrou da sua irmã, que na menopausa pirou. Quis ser atriz de teatro, e abandonou tudo.

Todos os olhares se revelaram como censura e um jurado se constituiu.

O esposo na cabeceira tomou a palavra batendo o cabo da faca na mesa como se fosse o martelo de um magistrado.

– Não admitirei esta loucura de forma alguma, e não se fala mais nisso.
Mas ela não se intimidou:
.
- É isso mesmo, cheguei à conclusão que devo me libertar um pouco desta escravidão, desta rotina, esquecida do mundo. - Pra mim chega!

- Acho que até Deus esqueceu que eu existo. - Eu gosto de carnaval e dai? -Quero me divertir também.

-Tenho meus direitos...

- Eu sabia que ficar assistindo aquelas novelas ia dar nisso. Contestou o marido.

- Eu nunca te tranquei em casa, taí os meninos de testemunha. - Que isso mulher, depois de velha pirou!

- Velha é sua mãe. Retrucou.

- Não ponha minha mãe no meio, ela sim que era mulher exemplar, não confundia liberdade com libertinagem.

- Vamos parar com esta briga besta e me passe a salada. Protestou o filho mais velho.

- E seu coração? Perguntou o filho do meio.

- Não coloquem o meu coração como pretexto, ele está funcionando muito bem, e nada como fazer aquilo que gosto para ganhar vitalidade.

Todos tinham lhe condenado, com exceção da filha caçula.

- Deixa a mamãe, pô ! -Ela precisa se divertir um pouco.

- É nisso que dá tratar a mulher com carinho e não deixar faltar nada em casa...

- Antigamente isso era motivo de uma surra, é isso que você merece...

- Ah é assim seu descarado, estou cansada de te fazer carinho quando você chega caindo de bêbado...

- Bêbado é seu pai, aquele pinguço, aliás, eu não sei onde estava com a cabeça quando tirei você daquele cortiço imundo.

- Ta vendo filha o machista que é seu pai...

- Sou machista mesmo, e dai? Continuou gritando.

- Sabe mãe, eu acho que a senhora tem que se divertir mesmo, mas pêra ai né, desfilar em bloco de rua é demais, se quiser te levo no clube, pelo menos meus colegas não vão ficar tirando sarro de mim. Acrescentou o filho mais velho.

- Ta vendo? -Depois eu é que sou machista.

E o marido se aproveitando da situação, pediu que quem estivesse de acordo levantasse a mão.

Só a caçula levantou. - Vocês são todos quadrados acrescentou.

- Ta bem mulher, se você quiser desfilar pode ir, nem to ligando mais.- Lavo minhas mãos como Calígula...

- E quer saber de uma coisa, vou aproveitar que é carnaval e comprar uma fantasia de palhaço, pois é isso que sou nesta casa.

-Não é Calígula pai, quem lavou as mãos foi Pilatos...Corrigiu o primogênito.

Ana Maria não se abateu com a opinião da família, aquilo era um quartel, um verdadeiro regime comunista.

“Abaixo Fidel Castro, e viva a sociedade capitalista”. Pensou.

Precisava mudar, agir, ser dona do seu nariz, ressuscitar aquela alma carnavalesca, encher-se de glória.

Abortaria o carnaval da sua vida? - Não! Murmurou.

Imaginou-se no meio da avenida, até que explodiu o carnaval...

Os brasileiros inflavam-se nesta bolha de ilusão, que estourava nas migalhas da quarta feira de cinzas...

Mas que lhe importava? A fantasia era sua liberdade, que mascarava sua fuga, mas alimentava o seu sonho de ser admirada por todos.

“Melhor isso do que uma traição”. Lampejou em pensamento.

As pessoas passeavam suas loucuras e o mundo para Ana Maria era a avenida, a vida era o ritmo do samba, e a cada pique e repique da batucada, era a vida que vingava em suas veias.

A máscara era sua identidade, cobrindo a amargura, que ela descontava em cada passo.
A lua já amadurecia quando ela surgiu no fim da avenida.

“Sobrepujava o bloco” “Asas do ”Falcão”. Depois o das” “Panteras”, e logo em seguida o das “Frenéticas Andorinhas,” que rompeu a passarela.

Aninha primava entre confetes e serpentinas, mesclados com os aplausos eufóricos da platéia delirante. Logo estaria diante da comissão de jurados.

“Falariam de mim no alto falante”? Pensou.

Gastava os dentes de tanta emoção. Estava absoluta como porta estandarte.

Ofuscava, luzia ,brilhava, uma verdadeira rainha de carnaval.
O povo retribuía em aplausos. Sua vibração procrastinava a eletricidade da sua alma.

Seu coração batia, batia , batia... Até que parou.

Sua garganta ficou sufocada por aquela emoção.

Ficou caída no asfalto, que de longe era colorido, mas de perto não escondia sua função de consolador de vítimas. Diante daquela mulher caída na avenida, houve um minuto de silêncio.

Ogum, Xangô, Iemanjá foram chamados para salvar a situação.

Ana se despediu desta vida e começou a chover.

Apagava a estrela. Que imediatamente foi colocada numa maca onde algumas serpentinas pousavam lentamente, e partiu num carro que deu o socorro conveniente.

Ela esteve soberba. Foi, sem nunca ter sido.

Alguns minutos depois o samba voltou a tocar com mais força do que antes, e o povo pôs se a cantar e a rebolar.

O pacto do carnaval havia se consolidado.

Para Ana Maria restou a soberba de conhecer sua alma.

Fonte:
http://www.sorocult.com/

Musica e Literatura (A Canção)

Composição poética destinada ao canto. Esta definição elementar não diz todas as possibilidades de aplicação do conceito de canção (do latim cantione, “canto, canção; encanto, encantamento”), que pode incluir textos de índole bastante diversa. Em termos genéricos, podemos considerar a canção popular distinta da canção erudita. A primeira, que se confunde com outras designações como Lied, song, saga, modinha, etc., apresenta grandes variações, não é marcada pelo lirismo puro, e não está sujeita a um padrão definido; a segunda incluirá todas as formas literárias padronizadas ao longo dos tempos e de acordo com as regras impostas pelo gosto da época. Dentro deste tipo culto de canção, devemos distinguir três gêneros: a canção provençal, a canção clássica italiana e a canção romântica. A primeira registra-se na lírica trovadoresca, sob a forma de cantiga, cansó ou chanson. A espécie mais antiga de canção que se conhece é a chanson de geste (canção de gesta), poema narrativo que celebra um feito histórico. Na sua parte do Norte, a França registra ainda um tipo feminino de canção (a chanson d’histoire ou de toile), que era executada por mulheres durante o trabalho de tecelagem. A Provença simboliza o berço da canção trovadoresca, dado que esta região se tornou, a partir do século XII, num centro difusor da atividade poética. Foi através dela que se efetuou a difusão do lirismo trovadoresco na Península Ibérica e Itália, sobretudo. A canção literária portuguesa mais antiga é a de Pai Soares de Taveira, a qual foi dedicada à Ribeirinha, a favorita de Sancho I, composta no ano de 1189. Em Itália, a canção provençal declinará a partir do século XIII. Nasce então a canzone, que teve como principais cultores Dante e Petrarca. Deste último, imitou-se por todo o lado o seu Canzionere, que serviu de modelo até ao romantismo. A canzone italiana virá a influenciar a evolução do soneto.

Na época medieval, a poesia destinava-se a ser cantada e não recitada, nomeadamente pelos trovadores e jograis que utilizavam instrumentos musicais como a viola e o alaúde a acompanhar o seu canto. Neste período, a canção era eminentemente lírica, mas também se registram composições de raiz épica, como as canções de gesta, poemas de origem francesa onde se celebravam os feitos de personagens lendárias ou históricas (como o Rei Artur). Este tipo de canções tornou-se popular e chegou por via oral até ao século XV, de que é exemplo a “Canção de Rolando”.

A canção italiana ou clássica aparece na Renascença e é cultivada em Portugal do século XVI até ao século XVIII. Esta forma poética obedecia a certas regras formais: era composta por texto e finda, ou então, introdução, texto e finda. A introdução continha um caráter de ordem geográfico no qual se descrevia ou indicava o lugar onde se encontrava o poeta. Por seu lado, a finda, que era mais curta que as restantes estrofes do texto, era o espaço onde o poeta fazia a invocação, dedicava a alguém o poema ou comentava-o. Em nível da estrutura formal, a canção consta de cinco ou mais estrofes regulares (com o mesmo número de versos) e como metro obrigatório utiliza o heróico clássico, o qual alternava com o respectivo quebrado (seis sílabas). Como expoente máximo português da canção clássica, assinalamos Camões e textos como “Manda-me Amor que cante docemente” e “Junto de um seco fero e estéril monte”. A temática da canção clássica portuguesa inclui ainda o sofrimento de amor, a fugacidade da vida, a mudança, o tempo que passa irremediavelmente e outros temas afins.

Nunca se separando verdadeiramente da sua musicalidade, entre os séculos XVI e XVII, reúnem-se grandes colações de canções, que integram composições para alaúde, madrigais, canções com vihuela, o que permitiu o desenvolvimento de um gênero que se tornava cada vez mais erudito. No campo musical, a Alemanha e a Áustria desempenharam papel de relevo neste gênero, que aí toma o nome de Lied, a partir do século XVIII, sobretudo com Mozart, Beethoven e Schubert, tendo este último contribuído para a expressão romântica da canção como forma privilegiada para a tradução de sentimentos íntimos. Em França, Fauré desenvolve a chanson como um gênero tão complexo como o Lied alemão.

Do ponto de vista estritamente literário, a canção romântica é um poema lírico simples e, regra geral, trata de um destino particular (por exemplo, a “Canção do Órfão”, de Guerra Junqueiro). Este tipo de canção era por diversas vezes atribuída a entidades como o Mar ou o Vento.. As musas que conferiam inspiração à canção eram o amor, a pátria e a religião. Com o advento do romantismo, a canção perde a sua rigidez inicial, tornando-se mais livre formalmente. Aproxima-se agora a canção das suas raízes populares, pondo de lado, gradualmente, regras fixas de metrificação e organização estrófica A partir de agora, o poema olha o mundo exterior e transporta-o para a canção, conservando-se a musicalidade e a melancolia que lhe era característica, como na “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Mais tarde, este gênero irá perder interesse face às inovações com o verso livre e à afirmação dos poemas de estrofes assimétricas.

Hoje, a canção é indissociável da sua realização musical. O processo de composição dá hoje preferência à pauta musical, onde só posteriormente se encaixará o texto da canção. O inverso também ocorre, sobretudo quando se compõe música para textos do cânone literário. Os diversos tipos de expressão musical ajudam a uma maior diversificação das possibilidades da canção, por exemplo, na ópera, falamos de árias (canto a solo); na música popular, falamos em cançoneta, em canção de protesto ou de intervenção, em canção pop (com muitas subespécies).

Fonte:
Carlos Ceia. Canção.
In http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/

domingo, 6 de abril de 2008

Sabedoria Indígena

A sabedoria que se "perdeu" com a matança indiscriminada dos Índios norte-americanos é incalculável. Podemos ver em suas tradições um amálgama do Hermetismo, Hinduísmo, Taoísmo, Budismo e Cristianismo:

Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida. Ele é só um fio dentro dela. Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo.

Ted Perry, inspirado por discurso do Chefe Seattle (1856)

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O saber sagrado das tradições nativas foram passado de geração em geração, através da tradição oral. Talvez seja por isso que esses povos respeitam tanto o dom da palavra ao reunirem-se em conselho em torno da grande fogueira para compartilhar seus ensinamentos e suas histórias.

No nosso modo de ver, a palavra é um dom que vem direto do Grande Espírito. Por meio dela, nos temos o dom de criar. É através da palavra que nos manifestamos tudo. Independente da língua que falamos, nosso intento se manifesta por intermédio da palavra. Tudo que sonhamos, sentimos e o que somos é manifestado mediante a palavra.

Ela não é simplesmente um som ou um símbolo escrito. A palavra é o poder que todos nós temos para comunicarmos, expressarmos e pensarmos, criando assim os eventos de nossa vida diária. A palavra é a mais poderosa de todas as ferramentas que nós possuímos. Através dela pode ser realizada a guerra ou selada a paz. Devemos ficar alerta para conhecer essa dualidade que existe no dom da palavra, dependendo de como ela é usada, ela pode nos libertar ou nos acorrentar. Não adianta termos esse conhecimento e não sabermos usa-lo com sabedoria. Devemos dizer apenas aquilo em que acreditamos, procurando usar este poder de nossa palavra na direção da verdade e do amor, como os grandes guerreiros dos povos-vermelhos sempre o fizeram.
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Vocês devem ter notado que tudo o que o índio faz movimenta-se em círculo ou tem forma de círculo. O Poder do Mundo trabalha sempre de forma circular e tudo tende a ter a perfeição do círculo. O céu é redondo e a terra também, bem como as estrelas. O vento rodopia e os pássaros constroem seus ninhos de forma circular; as leis deles são semelhantes às nossas. Até mesmos as estações seguem uma grande roda nas suas mudanças, voltando sempre ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo: de uma infância à outra. E assim é em tudo onde o poder se movimenta.
Alce Negro (1863-1950) Xamã Oglala Sioux

Os pensamentos são como flechas, uma vez lançadas alcançam o seu alvo. Seja cauteloso ou poderá um dia ser sua própria vítima.
Provérbio Navajo

No princípio de todas as coisas, Tirawa, o Criador, deu a sabedoria e conhecimento aos animais. Ele enviou certos animais para contar aos homens os mistérios das estrelas, do sol e da lua. Para Tirawa todas as coisas no mundo são duais. Em nossas mentes nós somos dois, bom e mal. Com nossos olhos nós vemos duas coisas, coisas que são bonitas e coisas que são feias... Nós temos a mão direita que golpeia e traz mal, e nós temos a mão esquerda cheio de generosidade, e que sempre está mais próxima ao coração. Um pé pode nos conduzir a pelo mau caminho, o outro pé pode nos conduzir ao bom. Assim são todas as coisas.
Letakos Lesa (Águia Noturna) Chefe Pawnne

Não basta falar sobre a paz, é preciso pensar, sentir, agir e viver em paz.
Provérbio Shenandoah

Eu sou o vento que viaja de uma direção para outra, carregando e distribuindo as sementes da vida. Feito a neve, as minhas sementes desaparecem na terra reaparecendo sob uma nova forma. Eu sou o grito do recém nascido que sente a primeira dor da separação. Eu sou o grito de toda a vida que alcança o mistério da verdadeira consciência. Eu sou o eterno. Agora da criação, eu Sou o Espaço através do qual viaja o tempo. Através de mim você experimenta os dons da reflexão, esperança, sabedoria e assim você poderá conhecer a si mesmo. Conhecer-se como Criador e criatura, menor que um grão de poeira e tão grande quanto o Deus que você louva.
Chefe Archie Fire Lame Deer

Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira seguí-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos.
Provérbio Ute

O que importa se uma vasilha é preta e outra é branca se o desenho delas é perfeito e servem para a mesma finalidade?
Provérbio Hopi

Todos os pássaros, até mesmo os da mesma espécie, não são semelhantes, e o mesmo ocorre com outros animais e com os seres humanos. A razão que o Grande Espírito não fez dois pássaros, ou animais, ou seres humanos idênticos é porque cada um foi colocado aqui por Wakan Tanka para ter uma individualidade independente e confiar em si mesmo.
Atirador, dos Sioux Teton

...tudo na terra tem um propósito, cada doença uma erva para curar , cada pessoa uma missão a cumprir. Esta é a concepção dos índios sobre a existência...
Christine Quintasket (índia Salish) 1888-1936

Você deve viver sua vida do início até o fim, pois ninguém mais pode fazer isto por você.
Provérbio Hopi

Lembre-se que seus filhos não são sua propriedade, eles foram apenas confiados à sua guarda pelo Grande Espírito.
Provérbio Mohawk

Não julgue seu vizinho até andar duas luas nos mocassins dele.
Provérbio Cheyenne

As leis dos homens mudam de acordo com o seu conhecimento e compreensão. Apenas as leis do Espírito permanecem sempre as mesmas.
Provérbio Crow

Quanto mais esperto o homem se julga, mais precisa de proteção divina para defender-se de si mesmo.
Provérbio Seneca

A Terra é a Mãe de todos e todos os homens deveriam ter direitos iguais para se nutrir d'Ela. Esperar que um homem nascido em liberdade possa aceitar ser confinado ou proibido de ir aonde quiser é tão impossível quanto esperar que os rios corram ao contrário.
Joseph (1830-1904) Chefe da tribo Nez Percé

Nós não queremos riquezas, só queremos criar direito nossas crianças. Riquezas não nos fariam bem nenhum bem. Nós não podemos leva-la conosco para o outro mundo. Nós não queremos riquezas. Nós queremos paz e amor.
Mahpiua Luta (Nuvem Vermelha), Chefe dos Sioux Oglalas Teton

Soube que pretendem colocar-nos numa reserva perto das montanhas. Não quero ficar nela. Gosto de vagar pelas pradarias. Nelas me sinto livre e feliz; quando nos estabelecemos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado minha lança, o arco e o escudo, mas me sinto seguro na sua presença. Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não sei como são os comissários. São francos quanto eu? Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassados; mas quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados em suas margens. Esses soldados cortam nossa madeira, matam nosso búfalo e, quando vejo isso, meu coração parece partir; fico triste... Será que o homem branco se tornou uma criança que mata sem se importar e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver e não morrer de fome.
Satanta, chefe dos Kiowas

Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver.
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

Essa guerra não surgiu aqui em nossa terra; esta guerra foi trazida até nos pelos trilhos do Pai Grande que vieram tomar nossa terra sem pedir preço e que, em nossa terra, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e seus filhos culpam-nos por estes problemas... Nossa vontade era viver aqui, em nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo, mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte. Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados por soldados do outro lado, e agora quando desejam voltar, os soldados se interpõem para impedi-los de voltar ao lar. Parece-me que há um caminho melhor que esse. Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver."
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

De Wakan Tanka, o Grande Mistério, vem todo o poder. Por causa de Wakan Tanka é que o homem sagrado tem sabedoria e poder para curar e fazer feitiços sagrados. O homem sabe que todas as plantas que curam são dadas por Wakan Tanka; por isso elas são sagradas. Assim também o búfalo é sagrado, porque é um presente de Wakan Tanka. O Grande Mistério deu aos homens todas as coisas para comer, vestir e o bem-estar. E ao homem ele deu o conhecimento de como usar essas dádivas, como encontrar as plantas sagradas que curam, como caçar e cercar o búfalo, como conhecer a sabedoria. Pois tudo provém de Wakan Tanka, tudo. Ao Homem Sagrado é dado na juventude o conhecimento de que ele será sagrado. O Grande Mistério o faz saber disso. Por vezes, são os Espíritos que lhes falam. Os Espíritos não aparecem apenas em sonhos, mas também quando o homem está desperto. Quando um Espírito chega, pareceria como se um homem estivesse lá, mas quando este "homem" acabou de falar e se põe a andar de novo, ninguém pode ver onde ele vai. Assim são os Espíritos. Com os Espíritos, o Homem Sagrado pode dialogar intimamente e lhe ensinar coisas sagradas. O Homem Sagrado vai para uma tenda solitária e jejua e ora. Ou vai para a solidão das montanhas. Quando retorna aos homens, ele lhes conta e ensina o que o Grande Mistério lhe mandou falar. Ele aconselha, cura e faz feitiços sagrados para proteger as pessoas de todo mal. Grande é o seu poder e muito ele é reverenciado; seu lugar na tenda é de honra.
Maza Blaska (Pedaço de Ferro Liso), Chefe Oglala Sioux

As tradições de nossas pessoas são passadas de pai para filho. Para ser Chefe é considerado que ele seja o mais instruído, o líder da tribo. Porém, o Xamã tem mais inspiração. É ele que está em comunhão com espíritos... Ele cura o doente com as suas mãos, preces, encantamentos e cantos divinos. Ele infunde vida nova no paciente, ao executar a sua prática mágica com o seu coração puro e imaculado...
Sarah Winnemucca (índia Paiute) 1844-1891

A preparação para a cura requer um período especial de jejum, oração, renúncia, agradecimentos, sacrifício, exercícios devocionais. O propósito é vencer as paixões da carne e fortalecer o espírito. A abstinência e o rigor físico limpam o corpo e a concentração mental purifica a mente, alinhando assim a matéria e o espírito. Desta forma a mente individual pode entrar em contato com o poder de cura do Grande Espírito.
Wooden Leg (séc. 19) Xamã Cheyenne

Quando compreendermos profundamente a verdade dos nossos corações saberemos louvar, amar e agradecer ao Grande Espírito.
Provérbio Oglala Sioux

Você consegue experimentar o poder e não se perder no processo? Dizem que poucos completam sua jornada de iniciação... Muitos param ao longo do caminho e ficam satisfeitos em ser curandeiros. Tornam-se donos de si mesmos. E há os que caem na armadilha do poder. Perdem-se ao longo do caminho.
Don Antonio Morales Baca (Paq'o Kero) 1902-1985

Fontes
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2006/05/sabedoria_indig.html
http://www.xamanismo.com/palavra.asp
http://www.xamanismo.com/lobocards.asp?dir=PovoVermelho&folha=24 (figura)

Lendas Indígenas (Serpente Emplumada)

Quetzalcoatl, Deus Serpente, entrou no México à frente de um grupo de estranhos, os Toltecas, vestidos com longas túnicas de linho negro. O povo deu-lhes boas-vindas, e ele tornou-se o rei da Cidade dos Deuses, Tollan. Neste tempo, as maçarocas de milho eram tão grandes que um homem não conseguia transportar mais do que uma cana de vez, o algodão com tantas cores, que não necessitava ser tingido. Uma grande variedade de pássaros de penas coloridas invadiam os ares com suas canções, e abundavam o ouro, a prata e as pedras preciosas. Quetzalcoat introduziu uma religião que apregoava paz para todos os homens. Ele era totalmente puro, inocente e bom. Nenhuma tarefa era humilde para ele. Ele até varria os caminhos para os deuses da chuva, para que eles pudessem chegar e fazer chover.

Com o tempo, seu irmão esperto , Tezcatlipoca, invejoso da sua felicidade, juntamente com mais dois feiticeiros Huitzilopochtli e Tlacahuepán viraram-se contra Quetzalcoat e seu povo. Tezcatlipoca, ficava furioso com tanta bondade e perfeição. Juntamente com os dois feiticeiros, ele decidiu lançar um feitiço negro em Quetzalcoatl e transforma-lo em um ancião preocupado apenas com seu prazer. -Vamos dar a ele um corpo e cabeça humanos, disse. E mostraram a Quetzalcoatl seus novos traços em um espelho de fumaça. Quando Quetzalcoatl olhou no espelho e viu sua face, foi possuído por todos os desejos terrenos que afligiam a humanidade. Gritou de horror. "Já não posso mais ser rei. Não posso aparecer assim diante do meu povo". Ele chamou o coiote Xolotl, que era tão próximo dele quanto sua própria sombra. O coiote fez para ele um manto de plumas verdes, vermelhas e brancas, do pássaro Quetzal. Também fez uma máscara turquesa, uma peruca e uma barba de penas azuis e vermelhas. Pintou de vermelho os lábios do rei, de amarelo sua testa e pintou seus dentes para que parecessem os de uma serpente. E assim Quetzalcoatl ficou disfarçado de Serpente Emplumada.

Mas Tezcatlipoca tinha pensado em uma nova peça para pregar no irmão. Disfarçado de velho, visitou o irmão, e preparou um remédio que, como assegurou a Quetzalcoat, o embriagaria, apaziquaria o seu coração e iria curar seu problema. Com um pouco de boa vontade, Quetzalcoatl, bebeu o remédio e assim que o saboreou, bebeu cada vez mais até ficar embriagado e choramingando. O que ele havia bebido era o vinho feito de pita, chamado a "Bebida dos Deuses". Quando ele estava em esturpor, Tezcatlipoca persuadiu-o a fazer amor com sua própria irmã, Quetzalpetatl.

Quando Quetzalcoatl acordou, ficou amargamente envergonhado com o que tinha feito. "Este é um mau dia", disse e resolveu morrer. Quetzalcoat ordenou a seus servos que fizessem uma caixa de pedra, e ficou dentro dela quatro dias. Depois se levantou e pediu aos servos para encher a caixa com todos os seus maiores tesouros e depois selá-la. Foi até o mar e lá colocou seu manto de plumas de Quetzal e sua máscara de turquesa. E então pôs fogo em si mesmo e queimou até que só restassem cinzas na praia. Dessas cinzas, aves raras se levantaram e voaram para o céu.

Quando Quetzalcoat morreu, a aurora não se levantou por quatro dias, porque Quetzalcoat tinha descido para a terra dos mortos com seu duplo, Xolotl, para ver seu pai, Mictlantecuhtli. Ele disse a seu pai, o Senhor dos Mortos, "Vim buscar os preciosos ossos que o senhor tem aqui para povoar a Terra."

E o Senhor dos Mortos respondeu: "Está bem". Quetzalcoat e Xolotl pegaram os ossos preciosos e voltaram à terra dos vivos. Quando a aurora se levantou outra vez, Quetzalcoat borrifou seu sangue sobre os ossos e deu-lhes vida. Os ossos se transformaram nas primeiras pessoas. Quetzalcoat ensinou à humanidade, muitas coisas importantes. Ele encontrou o milho, que as formigas tinham escondido, e roubou um grão para dar ao povo que tinha criado para que eles pudessem cultivar seu próprio alimento. Ensinou-lhes a polir o jade, a tecer e a fazer mosaicos. O melhor de tudo, ensinou-lhes a medir o tempo e a entender as estrelas, e distribuiu o curso do ano e das estações.

Finalmente chegou o tempo de Quetzalcoat deixar os humanos cuidarem-se de si mesmos. Quando a aurora surgiu, no céu apareceu a estrela Quetzalcoat, que conhecemos como Vênus. Por essa razão, Quetzalcoat é conhecido como Senhor da Aurora. Alguns dizem que Quetzalcoat partiu para o leste em uma jangada de serpentes, na qual se sentou como numa canoa, viajando em direção a Tlapallán, o país misterioso de onde tinha vindo e um dia retornará.

Fontes:
http://www.xamanismo.com/lendas.asp?c=7
http://kulkukan.blogspot.com/ (figura)

Lendas dos ìndios Sioux (O Falcão e A Águia)

Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas, até a tenda do velho feiticeiro da tribo:

- Nós nos amamos, e vamos nos casar - disse o jovem. E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã, alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos, que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?

E o velho, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:

- Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte e trazê-lo aqui com vida, até o terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo - continuou o feiticeiro - deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva!

Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para cumprir a missão recomendada. No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco. O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos sacos, e viu eram verdadeiramente formosos exemplares...

- Agora - disse o feiticeiro, apanhem as aves, e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro; quando as tiverem amarradas, soltem-nas, para que voem livres.

O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado, e soltaram os pássaros. A águia e o falcão tentaram voar, mas apenas conseguiram saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade do vôo, as aves arremessavam-se entre si, bicando-se até se machucar.

E o velho disse:

- Jamais esqueçam o que estão vendo; este é o meu conselho: Vocês são como a águia e o falcão; se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar-se um ao outro.

Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados.

Fonte: Autor Desconhecido
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2002/06/o_falcao_e_a_ag.html