quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Prêmios Literários Cidade de Manaus 2008

Em apenas três anos os Prêmios Literários Cidade de Manaus tornaram-se um dos mais importantes concurso do País até pelo número de categorias que envolve. A afirmação foi feita pelo presidente do Conselho Municipal de Política Cultural (Concultura) ao fazer o anúncio dos vencedores da terceira edição do concurso que este ano recebeu 536 inscrições distribuídas em 16 categoriais, e 492 concorrentes ao prêmio de R$ 5 mil para cada vencedor e a publicação do livro pela Editora Muiraquitã.

O evento foi realizado no auditório do Parque do Mindu e contou com a participação de secretários municipais e de estudantes da rede municipal de ensino.

Na primeira parte do evento, os participantes ouviram clássicos do Chorinho brasileiro executados pelos músicos Rinaldo Buzaglo (violão) e Carlos Ribeiro (flauta).

As categorias contempladas este ano envolveram entre outras poesias, contos, romance, teatro infantil e adulto, crônica, ensaio, folclore, cinema, jornalismo literário, memória e literatura infantil.

Dança e ensaio sobre artes plásticas, outras duas categorias que fazem parte do prêmio, este ano ficaram de fora da disputa porque não houve um número suficiente de participantes.

De acordo com as regras estabelecidas para a disputa dos Prêmios Literários Cidade de Manaus, é preciso ter o mínimo de três participantes.

Segundo Aníbal Beça, foram recebidas inscrições de vários Estados do Brasil e de outros países como França, Suíça, Portugal e Peru.

“A exigência é que os trabalhos fossem inscritos em língua portuguesa”, explicou o presidente do Concultura.

Projetos vencedores

“A entrega dos prêmios e a publicação do livro são projetos vencedores que fazem parte da plataforma da atual administração municipal e isso fez toda a diferença”, destacou Aníbal Beça, adiantando que quando os livros são publicados, parte da edição é enviada para as escolas municipais.

“Fico feliz quando me dizem que foi criado um clube de leitura e que crianças e jovens estão lendo os livros oriundos dos Prêmios Literários”, acrescentou.

Os livros são enviados também para a biblioteca das cidades dos Estados que tiveram participantes vencedores.

O secretário municipal de Governo, Marcus Barros, destacou a importância desse projeto para as crianças e jovens de Manaus uma vez que os livros dos ganhadores passam a fazer parte da biblioteca da escola.

“A distribuição desses livros para as escolas serve de estímulo para que as crianças e os jovens aprendam a gostar de ler”, disse Marcus Barros.

Relação das obras vencedoras dos prêmios literários Cidade de Manaus 2008

I – PRÊMIO ÁLVARO MAIA- Livro de romance ou novela.
Obra vencedora: Asas Livres
Autora: Nelsi Inês Urnau
Canoas - RS

II - PRÊMIO ARTUR ENGRÁCIO- Livro de contos.
Obra vencedora: Alegrias E Alegorias
Autor: Sulivan Antonio Bressan
Porto Alegre - RS

III-PRÊMIO VIOLETA BRANCA MENESCAL - Livro de poesia.
Obra vencedora: Palimpsestos
Autor: Marco Aurélio Pinotti Catalão
Campinas - SP

IV-PRÊMIO PÉRICLES MORAIS - Livro de crônica.
Obra vencedora: Perfume Para Madame Rosa
Autora: Célia Maria Albino Maciel
Porto Alegre - RS

V- PRÊMIO ALDEMAR BONATES - Texto teatral para adultos.
Obra vencedora: Mandacaru Selvagem
Autor: Leandro Tabosa do Nascimento
Recife - PE

VI-PRÊMIO ÁLVARO BRAGA- Texto de teatro infantil.
Obra vencedora: Valentim E O Boizinho De São João
Autor: Jadson Ricardo Alves de Araújo
Recife - PE

VII-PRÊMIO SAMUEL BENCHIMOL- Livro de ensaio sócio – econômico.
Obra vencedora: Indicadores Sociais No Amazonas: Contrastes Na Urbanização Da Capital E Do Interior
Autor: Norma Maria Bentes de Sousa
Manaus - AM

VIII- PRÊMIO MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO - Folclore
Obra vencedora: Vaqueiros E Currais – Histórias, Folclore E Tradições
Autor: Luiz Francisco da Rocha
Teresina - PI

IX- PRÊMIO ARTHUR REIS - Ensaio histórico.
Obra vencedora: Leitor Colonial, Esse Brasileiro
Autor: Jorge de Sousa Araújo
Ilhéus - BA

X – PRÊMIO LUIZ RUAS - Ensaio sobre literatura ( letras ).
Obra vencedora: Poética Da Distenção
Autor: Paulo Cezar Silva de Oliveira
Rio de Janeiro - RJ

XI- PRÊMIO GUALTER LIMONGI BATISTA- Ensaio artes plásticas.
Só houve uma inscrição, de acordo com o regulamento dos prêmios em seu artigo 11, só haverá concurso com mais de duas obras inscritas, portanto, não houve disputa nesta categoria.

XII- PRÊMIO COSME ALVES NETO – Ensaio sobre cinema
Obra vencedora: Cinema Nacional E World Cinema – Globalização, Exclusão E Novas Tecnologias Na Produção Audiovisual Brasileira.
Autora: Luiza Francisco Lusvargui
Recife - PE

XIII- PRÊMIO ÁUREO NONATO – Livro de memória
Obra vencedora: Nem Tudo É Memória
Autor: Getúlio Geraldo Rodrigues Alho
São Carlos - SP

XIV- PRÊMIO PAULO BARAHÚNA – Ensaio sobre dança
NÃO HOUVE INSCRIÇÃO NESTA CATEGORIA

XV- PRÊMIO CLÓVIS BARBOSA – Jornalismo literário
Obra vencedora: 1º DE JANEIRO DE 2003 – A Festa Do Povo Pouco Se Viu.
Autor: Yuseff Bezerra Abrahim
Manaus - AM

XVI- PRÊMIO ALFREDO FERNANDES – Literatura infantil
Obra vencedora: O Bôto Côr De Rosa E O Jacaré Do Rabo Cotó.
Autor: Pedro Lucas Lindoso
Manaus – AM
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Nelsi Urnau, escritora canoense que integra a Casa do Poeta de Canoas e a ACE- Associação Canoense de Escritores, conquistou o 1º lugar com o romance "Asas Livres" no "Prêmios Literários Cidade de Manaus" do Conselho Municipal de Política Cultural da Prefeitura de Manaus/AM. Nelsi, que concorreu com autores do Brasil, França, Suiça, Portugal e Perú, receberá, além de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a publicação do seu livro pela Editora Muiraquitã. Nelsi Urnau é professora do ensino público municipal de Canoas e autora dos livros "Loucos não Insanos" (romance), "Zé Toquin" e "Cecília e amigos" (literatura infantil). Em 2008, foi patrona da 1ª Feira do Livro da EMEF Ceará e da Feira do Livro de Nova Santa Rita.
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Fontes:
http://www.manaus.am.gov.br/noticias/manchete/
http://www.casadospoetas.com.br
Imagem de Manaus =
http://manausemnoticia.blogspot.com

Nilto Maciel (Literatura Fantástica no Brasil - Parte Final)



OS NOVOS

Assis Brasil subdividiu a Literatura Brasileira neste século em Pré- Modernismo (1909–1922), Modernismo (1922–1955) e Nova Literatura (1956–1976). No caso específico deste esboço histórico da literatura fantástica no Brasil, ousaremos chamar de “novos” aqueles escritores que estrearam em livro no final dos anos 1960. Critério puramente didático, sem deixar de lado a cronologia. E embora alguns ficcionistas que surgiram no início do século, e que chamamos de “sucessores”, tenham continuado ou continuem escrevendo e publicando.

Vejamos, pois, um a um, os mais importantes novos cultores do fantástico no Brasil.

Edla van Steen apresentou ao público seu primeiro livro em 1965. O romance Corações Mordidos é de 1983 e sobre ele Telenia Hill escreveu o artigo “Realismo Mágico de Edla van Steen”. É dele este trecho: “Do realismo minucioso, que se registra com a dimensão do contemporâneo, transita-se para um realismo mágico, em que as coisas acontecem inexplicavelmente, criando uma atmosfera de surrealidade.”

Luiz Vilela estreou em 1967, com os contos de Tremor de Terra.

Analisando o terceiro livro do contista, Assis Brasil sustenta: “E sua versatilidade se faz sentir mais uma vez, quer quando explora a temática erótica, como em Ousadia, quer no conto que dá título ao volume, Tarde da Noite, onde mistura o real com o fantástico e tira deste “jogo” subsídios para situar a vida morna e parada de um casal.”

Também Temístocles Linhares se atém ao fantástico na obra de Vilela: “– Não sei bem se podemos classificá-lo como contista do fantástico infantil. Mas muita coisa da atração que a criança tem pelo mistério, pelo espírito de aventura, por certos valores ambíguos, perpassa por estas páginas. Na verdade, o fantástico e o real são vividos pela criança como sucede nestes contos. Visivelmente os dois estados transparecem em algumas personagens do livro. O primeiro conto se inicia com a declaração de uma delas que dizia ter visto o demônio quando tinha oito anos. A parte fantástica, porém, logo se alterna ou mistura com a real, diante do padre, da igreja, do pedido feito à Virgem, cuja imagem era vesga e que fez o menino disparar de riso e da igreja. Não era só o diabo, contudo, que aparecia à noite. Também o avô barbudo e forte imprimia em sua figura os dois lados, o real e o fantástico.”

Juarez Barroso, que faleceu em 1976, havia inaugurado sua obra em 1969, com Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal.

Após ressaltar o regionalismo na obra do escritor de Baturité, o crítico Temístocles Linhares se detém num dos contos de seu primeiro livro: “O conto melhor do livro, a meu ver, é precisamente o mais extenso, onde não se vê sombra desse linguajar inculto. E onde o “fantástico” se mostra em cena culminante. O conto se intitula “Estória de D. Nazinha e de seu cavalo encantado” e o fantástico, como elemento macabro e mórbido, está. na descrição da corrida interminável do Capitão, o marido de D. Nazinha, em frente de seu quarto, na fazenda, que montava o cavalo milagroso por ele dado de presente à mulher, agora castigada no seu orgulho e progênie (...)"

Elias José teve o primeiro livro A Mal-Amada editado em 1970. Temístocles Linhares dedica-lhe um capítulo inteiro de seus 22 Diálogos. Para ele os mini-contos de A Mal-Amada não chegariam a ser contos, se não fosse o “fantástico” deles. E conclui: (...) “os melhores contos do livro são os da segunda parte, onde o “fantástico” se mostra mais débil, e eles assentam em outros elementos dramáticos, bastante intensos também, como esse da incompreensão entre os homens. Os contos de grande categoria do livro prescindem totalmente do “fantástico”.

Note-se, ainda, a seguinte observação do crítico paranaense: (...) “pode arrolar estes contos entre os “fantásticos”, pois o fantástico se mostra em muitos deles, em muitas de suas passagens, embora não seja desejo do autor, quero crer, permanecer no reino do mistério como seu iniciado.”

Ricardo L. Hoffmann fez sua estréia em 1967, porém sua “experiência plena” viria em 1971, com A Crônica do Medo, “onde passa da visão provinciana do grupo familiar a um “laboratório” da experiência humana, num romance algo fantástico, cruel, irônico”, no dizer de Assis Brasil.

Diz ainda esse crítico: “Longe de ser um romance objetivo, Hoffmann entra mais agora, decididamente, na área de uma ficção mágica, que tem caracterizado a novelística brasileira dos últimos anos. Naquela estranha casa tem lugar a “fervura” de todos os sentimentos humanos, num cadinho onde as paixões são jogadas, numa linhagem que por vezes lembra o sombrio Edgar Allan Poe de A Queda da Casa de Usher.”

Victor Giudice estreou com Necrológico, em 1972. Segundo Hohlfeldt, “desde a estréia, Giudice primou pela ironia e até mesmo o humor-negro, seja na temática da morte, que atravessa todo este volume, seja pela organização formal dos contos...” Exemplo claro desse humor-negro e o conto O Arquivo, onde um burocrata, de redução salarial em redução salarial, de rebaixamentos de postos em rebaixamentos de postos, vai, pouco a pouco, se metamorfoseando em coisa, até terminar num simples arquivo.

No prefácio de Os Banheiros, segundo livro de Giudice, saído em 1979, diz Elizabeth Lowe: “Todo o humorista é um moralista disfarçado, e as histórias de Victor Giudice, quase sempre, são acentuadamente alegóricas. Por baixo da pintura, do cetim e do brilho do mundo do Pierrot, encontra-se a poeira das ilusões fugazes. Assim como fez com a linguagem, Giudice também corporifica a moral.”

Francisco Sobreira Bezerra iniciou-se em livro com os contos de A Morte Trágica de Alain Delon, em 1972. No segundo livro, A Noite Mágica, o absurdo é o ingrediente principal da iguaria narrada. Às vezes um absurdo que, de tão cotidiano, perde o sabor de coisa literária. No conto “A Lâmina”, por exemplo.

Outras vezes, o absurdo apresenta-se como se o personagem fosse apenas um deficiente mental, incapaz de perceber o que ocorre ao seu redor, manejado por tentáculos tão torturantes quanto os fantasmas dos pesadelos. A realidade marrada aproxima-se, então, do sonho. Os protagonistas e os espectadores são meros joguetes nas malhas de seres todo-poderosos. Não é por outra razão que em certos contos desse livro a presença do elemento onírico e perfeitamente perceptível ou mesmo preponderante. Os atos e as imagens se sucedem de forma incoerente, deixando o personagem simplesmente perplexo, espantado diante da estranha realidade que vive e de que tenta desesperadamente fugir. Antes, reduz à condição de ficção, de brincadeira de mau gosto, de encenação, quando muito de logro, a peça que lhe pregam. Não acredita ser possível tão absurda realidade. Por fim se convence e tenta fugir. Mas já é tarde.

Nagib Jorge Neto teve editado seu primeiro livro, O Presidente de Esporas, em 1972. Hermilo Borba Filho chegou a dizer que o contista conseguira fundir “o realismo-fantástico, o sonho, o poético, a linguagem nova numa escrita correta de gente e terra que se aproxima, e muito, da mais extraordinária literatura latino-americana de agora” (...)

O segundo livro de Nagib, As três princesas perderam o encanto na boca da noite, publicado em 1976, saiu com uma substancial análise crítica de Ivan Cavalcanti Proença. Depois de esquadrinhar palmo a. palmo a estória-título, constata o crítico: “Em O Presidente de Esporas, que passou despercebido do grande público e da crítica, possivelmente dos mais importantes livros de contos dos últimos tempos, sem “boom” (o que equivale a dizer sem festividades), sem mais nada, a gente já encontrava o material que, aqui, vai ampliar-se e ganhar novas roupagens em alegorias mais ou menos favorecedoras de uma retomada do real.”

Cláudio Aguiar começou em 1972, com os contos de Exercício para o Salto. Seu grande passo foi dado, porém, com o romance Caldeirão, de 1982.

Para Dimas Macedo, trata-se da maior epopéia brasileira depois de Grande Sertão: Veredas e Sargento Getúlio. Quanto a defini-lo como romance fantástico, vale lembrar o parágrafo em que falamos das semelhanças entre certos acontecimentos reais e fatos narrados em obras de ficção. Ora, o fantástico não é o irreal, o nunca acontecido, o impossível. Os acontecimentos de Caldeirão são obra dos homens em sociedade. Transfigurados em ficção, adquirem uma conotação maravilhosa, mágica, absurda.

Gilmar de Carvalho publicou o primeiro livro, Pluralia Tantum, subtitulado “um livro de legendas”, em 1973. Na orelha do livro escreveu Juarez Barroso: “Seu estilo é clássico, sua narração, fabular, levemente borgeana.” E mais adiante: “Gilmar não escreve contos. O conto, por mais de vanguarda que seja, tem a sua disciplina, sua forma de discurso. Gilmar é um compositor de cantos em prosa, discípulo remoto do Rei Salomão” (...).

Dimas Macedo diz: “Sua concepção borgeana e, portanto, inusitada do apreender a concretude do universo ficcional, aliada a uma refinada capacidade de resgatar o insólito através de recursos estilísticos alegorizantes, tudo isso tem concorrido para emprestar à produção 1iterária de Gilmar de Carvalho uma situação privilegiada entre o inventário dos seus contemporâneos de geração.”

O grande momento de Gilmar de Carvalho é, no entanto, Parabelum, de l977. Para muitos, um grande romance. Para outros, uma formidável obra literária sem gênero definido.
Nilto Maciel publicou o primeiro livro, Itinerário, em 1974.

Em artigo incluído em Textos & Contextos, Francisco Carvalho observou: “Nunca será demais louvar-lhe a extrema habilidade em conduzir a fabulação das narrativas e o desenvolvimento harmonioso das situações ficcionais, muitas vezes transportadas ao plano do chamado realismo fantástico.” E mais adiante: (...) “também cultiva, em altíssimo grau, gosto acentuado pela arquitetura dos labirintos e pela recriação de temas literários da antiguidade clássica, sobretudo na esfera da mitologia, chegando a ombrear-se nesse tocante com o engenhoso Jorge Luís Borges” (...).

Referindo-se especificamente ao livro As Insolentes Patas do Cão, Francisco Carvalho faz mais duas observações que nos interessam aqui: “O conto Ilusões de Gato e Rato (p. 42) possui todos os ingredientes de uma fábula moderna, onde o bichano encarna a selvageria do poder, e o rato faz às vezes de vítima indefesa. É uma história com todas as implicações alegóricas de uma narrativa kafkiana.” (...) “Um fato que desperta a curiosidade do leitor é a presença ostensiva de gatos e ratos na ficção de Nilto Maciel. Uns e outros circulam arrogantemente em alguns dos melhores contos do livro, numa promiscuidade antropomórfica que só encontra paralelo nas célebres fábulas de La Fontaine.”

Haroldo Bruno deixou dois bons romances: A Metamorfose, publicado em 1975, e As Fundações da Morte. Aquele é uma parábola, uma alegoria que teria “um pouco de Kafka e quase nada de Apuleio”, explica o autor.

Gilvan Lemos é autor de diversos romances e contos. Publicou em 1975 Os Olhos da Treva, obra de mistérios e enigmas.

Roberto Drummond fez estréia também naquele ano, com o festejado A Morte de D.J. em Paris.
No dizer de Antonio Hohlfeldt, ele “traduz com clareza um sentimento de deslocamento, de marginalização, de expulsão do ser humano em relação à sociedade organizada.” E mais adiante: “Seja qual for a situação dramática abordada, a ação do conto encontra-se sempre envolta numa série de elementos da sociedade de consumo, que vai da escova de dentes ou dentifrício ao cigarro, os calçados, a calça, o refrigerante e assim por diante, o que levou um crítico a afirmar que todo o conto de Roberto Drummond assume um tom de “inventário” dos objetos disponíveis e absolutamente desnecessários criados pela sociedade de consumo, de onde emana “uma enorme dor, uma saudade imensa do que já foi e inexiste neste momento”, sem que se atinja qualquer grau de nostalgia, porque em momento algum a personagem pode sequer imaginar em restaurar aquele universo .”

Naomar de Almeida Filho é autor do romance Ernesto Cão, publicado em 1978. Pelo título já percebemos tratar-se de obra filiada ao mito da metamorfose. O protagonista se perde nas ruas e nos becos, atraindo sobre si os cães da cidade. Ernesto é um ser dividido, espécie de Gregor Samsa em estado de pré-metamorfose. Homem-cão, lobisomem urbano.

Socorro Trindad estreou com Os Olhos do Lixo. Em 1978 teve editado Cada Cabeça uma Sentença.
Airton Monte publicou o primeiro livro, O Grande Pânico, em 1979. No conto “A última noite” até a personagem principal tem nome simbólico – Cidadão. É o homem diante do medo coletivo de desobedecer a norma ou o costume. Alguém tem de se fazer ovelha negra e pintar a casa de azul, numa sociedade onde o costume impõe a cor cinzenta.

Paulo Véras não teve tempo de escrever muito. Em 1979 publicou O Cabeça-de-Cuia e a seguir a novela Ita.

Na opinião de Ligia Morrone Averbuck, “os vagos limites entre o real e o fantástico, a razão e a loucura, a verdade e o faz-de-conta emergem das páginas de O Cabeça-de-Cuia” (...).

Carlos Emílio Corrêa Lima surgiu em 1979, com o caudaloso A Cachoeira das Eras: a Coluna de Clara Sarabanda.

Na opinião de José Alcides Pinto, “não encontramos entre escritores contemporâneos quem, como ele, possua um potencial criativo tão variado e rico de símbolos e signos. O fantástico, o misterioso e o mítico andam de mãos dadas nesse livro.”

José Lemos Monteiro estreou em 1980, com A Valsa de Hiroxima. Seguiu-se A Serra do Arco-Íris, sobre o qual Moreira Campos disse: “Literatura fantástico-real ou absurdo-real, como se queira chamar, a lembrar também o rinoceronte de Ionesco, autor sempre referido por mim, em casos dessa natureza.”

Cristovam Buarque estreou em 1981, com o romance Sinandá. Seu quarto livro, Os Deuses Subterrâneos, se inscreve na linha da ficção científica, segundo Wilson Pereira.
Airton Maranhão tem publicados até aqui apenas dois livros. O segundo é A Dança da Caipora, de 1994. Segundo Dimas Macedo, o romance “configura uma atmosfera de ameaças e assombros, uma fusão original e envolvente dos processos de sintetização do imaginário e do alegórico presentes no inconsciente místico da tradição popular.”

CONCLUSÃO

É este o primeiro ensaio (mais no sentido de tentativa) de elaboração de uma História da Literatura Fantástica brasileira. E é também um esboço, que poderei servir de base a um livro, onde os escritores relacionados tenham suas vidas e obras esmiuçadas.

O historiador poderá, ainda, dedicar capítulos exclusivos a cada uma das modalidades da literatura neo-realista, distinguindo uns de outros escritores. Assim, aqui estarão os cultores do conte alegórico, ali os do romance gótico, acolá...

Nomes importantes terão deixado de ser mencionados nestas páginas, é que seus nomes não constam dos compêndios de História da Literatura ou dos estudos de crítica literária como cultivadores de quaisquer das categorias estéticas que, noutros tempos, se amoldavam ao estereótipo da literatura fantástica. Isto não quer dizer tenhamos realizado o trabalho tão-somente de consulta. No entanto, abstivemo-nos de emitir juízo de valor. Aqui pouco importa se tal livro é literariamente mais valioso que outro. Interessou-nos saber apenas se a obra pode ser catalogada como de literatura fantástica.

Por outro lado, não tivemos acesso à “biblioteca geral”. Assim, é possível que ensaios, teses e artigos sobre autores e livros concernentes ao assunto aqui tratado tenham escapado aos nossos olhos. Como a tese “O fantástico no conto brasileiro”, defendida por Maria Luisa do Amaral Soares, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1970.

De qualquer forma, temos certeza de que são poucos os livros, quer de História, quer de Crítica, dedicados à literatura fantástica no Brasil. Até porque também são poucos os cultores desse gênero em nosso país. E mais ainda porque cada obra dessa literatura não-real, seja ela dita simbolista, alegórica, surreal, surrealista, grotesca, estranha, maravilhosa, fantástica, real-mágica, ou como queiramos chamá-la, cada obra literária dessa natureza é, na verdade, uma obra singular e, portanto, difícil de ser classificada.

Fonte:
http://www.vastoabismo.xpg.com.br/6.html
Imagem =
http://correiodofantastico.blogspot.com

Henrique Oliveira (André Carneiro: O Mago das Palavras)


André Carneiro, o homem que divide textos com os maiores escritores do planeta e é pouco conhecido no Brasil.

O primeiro encontro

Maio de 1922, nasce em Atibaia, interior paulista, André Carneiro. 85 anos se passam e vou à casa do escritor, cineasta, artista plástico, fotógrafo, inventor e pensador. Busco suas obras e sua história, mais conhecidas fora do Brasil. Chego de táxi ao conjunto de prédios, em um bairro de classe média de Curitiba. Nosso encontro estava agendado para as 19 horas. Atraso-me apenas cinco minutos. Horas depois iria me orgulhar do feito responsável.

O simpático porteiro abre a porta e pelas escadas, chego ao segundo andar do pequeno edifício. Na porta, sorridente, espera-me o homem, que mora só. “Como vai? Entre e sente-se onde você quiser”, recebe-me o anfitrião.

Atento, observo a casa do poeta. O modesto e pequeno apartamento é decorado com inúmeros quadros e retratos, todos produzidos por ele. Nas paredes têm ainda poemas moldurados e cartazes das suas obras literárias. As três estantes são cobertas por livros, arranjos e esculturas, também feitas pelo artista. “Gosto de arte, independente de qual seja”.

Nos sentamos. Ele no sofá, eu numa cadeira de madeira preta. O começo do papo é tímido. Falo um pouco sobre mim e comento sobre uma amiga que temos em comum.

- Então, conversei com a Carmem hoje pela internet e ela mandou um beijo para você.

- Está bem.

Noto, que o homem, escritor de quinze livros de poesias, novelas, contos, romances, críticas literárias e teorias de hipnose, publicados no Brasil e em doze países; roteirista e diretor de seis filmes-artes; autor de gravuras, esculturas, fotografias e quadros, expostos e vendidos nos Estados Unidos e na Europa; está arisco. Desconfiado sobre minha real intenção, questiona-me sobre minha cidade de origem, meu trabalho e minhas opiniões. Nosso encontro não tinha a proposta de ser uma entrevista. Intermediada por nossa amiga Carmem, era apenas para ser uma conversa sobre literatura.

- Eu vim aqui para te conhecer, pois li sobre seu trabalho e algumas pessoas que admiro falaram de você.

- Esse é um motivo muito bom.

Após conversarmos superficialmente sobre a decoração de sua casa, mulheres, vinhos, cinema, viagens e obviamente literatura, lhe proponho uma entrevista para uma reportagem. Já mais “chegados”, André topa e agendamos um outro encontro, para oficialmente realizarmos a entrevista. Minha missão estava cumprida.

O poeta me mostra alguns dos seus livros. O último, “Confissões do Inexplicável”, foi lançado em maio de 2007. Reunindo 27 contos, a obra tem na capa um invejável elogio: “André Carneiro merece a mesma audiência de um Kafka”. A comparação com o autor tcheco, um dos mais admirado e respeitados escritores do século XX, é assinada pelo romancista americano A. E. van Vogt. “Depois dessa descrição não preciso de mais nada, não é mesmo?”, indaga André, que ainda me mostra outros livros seus. Tudo o que o poeta pega, com cuidado devolve no mesmo lugar. “Não sou sistemático, mas tenho que ser organizado para achar minhas coisas, pois eu quase não enxergo”. Vítima da trombose, André tem apenas 10% da visão. “Vejo apenas um vulto”. Dificuldade que não o impede de ler e escrever incansavelmente.

Para suas leituras, adaptou uma câmera de vídeo de segurança em um copo de plástico, onde a imagem captada é exibida em uma TV. “Isso foi criado por um amigo meu, eu apenas adaptei. Essa invenção facilita muito minha vida”.

O poeta me convida para conhecer seu escritório. Uma sala apertada, também cheia de livros e papéis. Neles, o poeta anota seus compromissos e seus comentários sobre o que lê, ouve e vê. Seis, talvez sete lâmpadas estão instaladas no quarto adaptado. O fio de uma delas passa sobre a mesa, formando um varal. Pendurado ali, tem uma folha com meu nome, meus telefones e o horário que havíamos combinado. Foi nesta hora que senti orgulho da minha pontualidade. “Não gosto de pessoas que se atrasam. E se for para furar comigo que me avise e que seja por um bom motivo. Aceito ser trocado apenas por mulher. Outros compromissos eu não admito, é mais importante conversar comigo“, resmunga o poeta com um tom de irritação e ironia.

Para suas escritas, André usa um computador, cuja tela é configurada com a resolução máxima. As letras ficam enormes. O poeta senta-se em uma cadeira toda cheia de espuma, que ele mesmo adaptou, coloca uns óculos com lentes extremamente grossas e com o rosto quase encostando no monitor, digita. Por dia, escreve em média quatro horas. “É, mas tem dia que nem durmo e passo a noite toda escrevendo. Também escrevo nos finais de semana e nos feriados”.

Já são quase 22h, quando ensaio minha despedida. Agendo com André nosso próximo encontro para a semana seguinte. Despeço-me do poeta e parto.

No dia seguinte começo a escrever a reportagem e pesquiso na internet mais informações sobre o poeta, que é citado em inúmeros sites. Seus textos estão publicados em importantes antologias da literatura nacional e mundial. O premiado poeta divide textos com consagrados autores, como Machado de Assis, Oswaldo de Andrade, de quem se tornara amigo pessoal e Carlos Drummond de Andrade, que escreveu: “A poesia de André Carneiro transfigura as coisas cotidianas”.

O segundo encontro

Exatamente uma semana se passa e volto à casa do poeta. Chego no meio da noite e desta vez levo comigo um câmera de vídeo, pois a reportagem ganhara uma nova dimensão. Mais uma vez o homem só, me recebe com atenção. Fica feliz ao saber que seria também personagem de uma videoreportagem. Vaidoso, vai fazer a barba. Termina e senta-se em frente ao provavelmente seu maior amigo do momento, o computador. Enquanto o poeta vasculha e-mails, gravo imagens da situação.

Em seguida partimos para a sala, onde escolhemos a maior estante para ser o cenário do depoimento. Antes de por o microfone, André troca de camisa, põe o lenço que sempre o acompanha no pescoço e ajeita o cabelo. Sem nenhum roteiro preparado, começamos a entrevista, que é mais justo defini-la como um papo informal. O poeta conta que começou a escrever por acaso para um jornal de Atibaia.

Anos mais tarde, em 1949, é lançado “Ângulo e Face”. Seu primeiro livro é uma coletânea de poesias. No mesmo ano, junto com sua irmã e um amigo, o poeta cria “Tentativa”, um jornal literário que possuiu correspondentes em Portugal, na França e na Argentina. Apresentado ao público por Oswald de Andrade, “Tentativa” foi distribuído por três anos e teve textos de Vinicius de Moraes, Graciliano Ramos, Sérgio Milliet e tantos outros escritores conceituados.
A noite se afunda. São 22h30, hora de André pingar colírio. O homem interrompe a entrevista e com a ajuda de uns óculos com um furo na lente, coloca seu remédio com precisão.

A gravação continua.

- Você tem dois livros que tratam de hipnose. Como aprendeu essa técnica?

- Eu sou um grande interessado em ciência evidentemente, e a hipnose é uma coisa fascinante, pois tem esse aspecto misterioso. Um dia eu comprei alguns livros sobre o assunto, experimentei as técnicas com uma pessoa e percebi que eu tinha a hipnotizada. Daí eu comecei a analisar o nascimento das crianças e criei a hipótese de que era possível uma mãe programar o dia e a hora do nascimento do seu filho através da hipnose. Para eu levar adiante essa experiência, tive que receber a ajuda de um médico. Daí então, fizemos a experiência com uma mulher. Com a hipnose, tentamos provocar o nascimento do bebê em um determinado horário.

- E deu certa a experiência?

- (Risos) Não. O bebê nasceu na hora desejada, mas no dia seguinte.

Os conhecimentos científicos e as habilidades artísticas de André são frutos apenas da sua curiosidade, das suas experiências e da sua vocação. O poeta não tem nenhuma formação acadêmica, porém é um assíduo estudioso. Lê tudo e todos. Fluente em francês e capenga inglês, já ministrou palestras e cursos sobre literatura em diversas universidades do mundo. Sua obra é objeto de estudos, além de ser analisada em teses de doutorados da Universidade Estadual Paulista e da University of Arizona.

- Você fica triste em não ter seu trabalho reconhecido pelos brasileiros?

- Olha, de certa forma eu aceito, pois o Brasil é um país onde se lê muito pouco. Têm pouquíssimas livrarias, a cultura é essa. Você vai na Europa, nos Estados Unidos, na Argentina, têm bibliotecas e livrarias espalhadas em todos os cantos, e todas sempre lotadas. Até em Cuba é diferente. Certa vez, estava em Havana e não consegui comprar um livro porque ela estava completamente cheia. Essa falta de leitura e de incentivo à leitura que existe no Brasil é lamentável. É uma coisa dolorosa.

- A indústria editorial brasileira não é profissional. Como é para um escritor depender dela para sobreviver?

- Com a idade que eu tenho, fazendo tanta arte e ganhando dinheiro com obras que eu fiz há quase 60 anos são situações interessantes. Pouquíssimos escritores ganham dinheiro com literatura em nosso país. Veja minha casa, eu não sou rico. Nunca ganhei muito dinheiro escrevendo, mas é o que eu gosto de fazer. Escrevo por prazer, por ideal. Não me incomoda ser pobre, sou feliz. Se não já tinha parado com tudo.

Encerramos a entrevista e eu peço a André para ler uma de suas poesias. Ele escolhe "A Edênica Tarefa".

Ao encerrar, pede que eu fique um pouco mais para continuarmos com nossa boa prosa. Enquanto guardo o equipamento, ele pinga mais uma vez o colírio, com a ajuda de sua invenção ocular. O poeta me oferece um livro de presente e na contra capa, escreve uma dedicatória. Ganho “Quânticos da Incerteza”, uma coletânea de poemas, lançada também em 2007.

Reparo que os olhos do velho homem já pedem o descanso. Passa da meia-noite quando me levanto para partir. Combinamos manter contato, nos despedimos e eu vou. Apesar de André ter escrito contos, críticas, novelas e romances, na reportagem sempre o chamei de poeta, porque ele sabe como ninguém a essência desse ofício. Entende que poeta não é apenas quem cria poemas. É a pessoa que através de atos, artísticos ou não, transforma, constrói e principalmente emociona. Essa sensibilidade é privilégio para poucos. André Carneiro é um desses, um privilegiado.

Livros publicados por André Carneiro
Ângulo e Face, 1949. Poesia.
Diário da Nave Perdida, 1963. Contos.
O Mundo Misterioso do Hipnotismo, 1963. Ensaio científico.
Espaçopleno, 1963. Poesia.
O Homem que Adivinhava, 1966. Contos.
Introdução ao Estudo da “Science Fiction”, 1967. Crítica Literária.
Manual de Hipnose, 1968. Ensaio Científico.
Piscina Livre, 1980. Romance.
Pássaros Florescem, 1988. Poesia.
Amorquia, 1997. Romance.
Lês Ténèbres, 1992. Novela
A Máquina de Hyerónimus e outras Histórias, 1997. Contos.
Birds Flower, 1998. Poesia.
Confissões do Inexplicável, 2007. Contos.
Quânticos da Incerteza, 2007. Poesia.
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Vídeos do escritor podem ser encontrados no blog abaixo.
Biografia detalhada e poesias podem ser encontradas na postagem de 25/12/2007
Conto "Do outro lado da Janela" em 31/01/08 e Artigo "Ficção Científica, Evolução Genética e o Cinema, em 03/01/08.
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Fonte:
http://oliveirando.blogspot.com/2007/10/teste-de-udio.html

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Poetas da Holanda (Países Baixos)



O mais antigo poeta desse pais chamava-se Heinrich vau Veldeke, de origem alemã (cerca de 1170).

Seu papel foi importante, porque, não só contribuiu para popularizar, na Holanda e Alemanha, a literatura galante da França, como deu inicio ao classicismo alemão na Idade Média.

No fim do século XIII, Jacob van Maerlant (1225-1291) refletiu o espírito realista burguês e é considerado "pai da poesia holandesa".

No século XV, Elckerlyc (cerca de 1485) cultivou uma poesia erudita, com obras também de fundo dramático; enquanto a poesia religiosa teve o seu representante em Thomas a Kempis (cerca de 1420).

No século XVII, "século de ouro", aí, sim, o espírito renascentista, na Holanda, atingiu certa maturidade, ao se libertar do domínio espanhol.

A arte nacional se fez presente com o espírito cômico de Gerbrand A. Bredero (1585-1618); o lirismo de Constantin Huygens e H. Dullaert; atingindo o seu ápice com a poesia de Pieter Cornelisz Hooft (1581-1647), de Joost Van den Vondel (1587-1679), este último, poeta cristão, e de Jakob Cats (1577-1660), poeta burguês de relativo sucesso.

Depois do classicismo de Willem Bilderdijk (1756-1831), o maior poeta holandês de sua época,
apareceram escritores e poetas românticos, mas as suas vozes foram abafadas pela tradição realista de Nicolaas Beets (1814-1903), poeta e escritor, autor de um livro de contos, "Câmera obscura", publicado em 1839.

O movimento de 1880 logrou renovar a literatura e, naturalmente, a poesia, na Holanda.

Consumou-se, então, a vitória do simbolismo e "o soneto foi o veículo daquela renovação", através dos sonetistas Jacques Pert, Willem Kloos (1859-1938) e Albert Verwey (1865-1937).

No século XX, Herman Gorter (1864-1927) surgiu com uma poesia de caráter social. Entre as duas grandes guerras, ganhou nome o poeta Hendrik Marsman (1899-1940). Depois de 1945, Lucebert (Jacobus Swaanswijk), nascido em 1924, e Kourvenaar, surgiram como poetas experimentais da vanguarda holandesa.

Na Holanda, o soneto fez mais admiradores que na Inglaterra. A "introdução do soneto" nos Países Baixos ocorreu no século XVII, com o grande poeta Pieter Cornelisz Hooft (1581-1647). Aliás, todos os poetas, desse século foram sonetistas, podendo-se dizer que, entre aqueles que mais se sobressaíram, estava o poeta religioso Heiman Dullaert.

Fontes:
http://www.clubedapoesia.com.br/internacionais/internacional.htm
Foto =
http://www.gizzetdawson.com.br

domingo, 9 de novembro de 2008

Sérgio Ferreira da Silva (Tinha o quê??? Ou Tinha uma Droga de uma Pedra no Caminho)


Tinha o quê???

No meio do caminho, tinha alguma coisa.

Pois, é! Eu estou aqui, no caminho, pronto e decidido a enfrentar essa COISA!

Outro dia, alguém escreveu no jornal (um crítico, talvez), que o Poeta não disse, no poema, aquilo que ele deveras disse (citando o Pessoa). Mas, por ser uma antena de seu tempo, disse o que disse, porque era a voz da consciência de todos nós.

EU NÃO NOMEEI POETA NENHUM MEU PROCURADOR!!!

Aliás, é por isso que estou aqui, neste caminho... Nenhum Poeta, por melhor que seja, vai me representar... Andar meus passos por mim. Ficam, aí, endeusando um, consagrando outro... Idolatria! Idolatria barata!

De minha parte, até agora, não vi COISA NENHUMA! Êta caminho besta, sô! Não tem nada!

Estou andando faz tempo... Já está escurecendo... e nada!

Que breu! Estranho, este céu sem estrelas,... sem esperança,... sem nada.

O caminho parece o céu: escuro, sem Lua,... sem uma estrelinha...

Será o mesmo caminho do Poeta? Chão batido,... sem beirada? Só o caminho... e este céu escuro, sem estrelas? Céu sem estrelas... e sem nuvens! Nenhuma nuvem! Nada!

Eu!

Só eu, no caminho!

Olhando para o céu vazio!

Andando... Andando...

AAAIIII!!!! Ai meu dedo!!!!

Tinha uma droga de uma PEDRA no caminho!!!
--
Faça agora a leitura em sentido inverso

Tarde de Autógrafos no GPACI, em Sorocaba

O Grupo de Pesquisa e Assistência ao Cancer Infantil (GPACI) convida:
-
Tarde de Autógrafos do livro
O Crocodilo do Alemão e outras crônicas curiosas
de
Adalberto Nascimento

15 de Novembro às 16hs
Auditório do GPACI
Rua Antonio Miguel Pereira, 45
Jardim Faculdade - Sorocaba - São Paulo

Confirmação de presença:
(15) 2101 6592
(15) 2101 6555
gpaci@gpaci.org.br

informações: visite http://www.gpaci.org.br/

apoio: Padaria Real

Fonte:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

Leni Chiarello Zilioto (Lançamento do Livro Sabores)

TAMARPromoter convida

LANÇAMENTO COM SESSÃO DE AUTÓGRAFOS,
DO LIVRO "SABORES"

Autora: LENI CHIARELLO ZILIOTTO

Data: 09 de novembro de 2008

Hora: 17 horas

Local: 22ª Feira do Livro de Passo Fundo - Praça Sessão de Autógrafos
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Leni Chiarello Ziliotto nasceu e vive na cidade de Serafina Correa/RS. Sua vocação profissional levou-a a ser, hoje, além de professora e especialista em supervisão escolar, educação a distância e educação ambiental, uma ativista cultural, lutando pela idéia de uma educação voltada para o ser cidadão em um ambiente que o faça cidadão. Somando-se a isso, ela ainda nasceu poeta. Sua produção literária o prova, com o lançamento de seus livros de poemas, Metamorfose, em Português e em italiano, Metamorfosi, em 2001; Mosaico de palavras, em 2004; Amor meu sol,em 2006, e a participação em várias coletâneas e antologias poéticas e em e-books.

A palavra entusiasmo vem do grego e significa ter um deus dentro de si. Eles eram politeístas. Antigamente, pessoa entusiasmada era a que possuía um desses deuses em si e, por isso, tinha o dom de modificar a natureza, o meio em que vivia, e fazer o mundo acontecer. Segundo os gregos, somente pessoas entusiasmadas eram capazes de vencer os desafios do cotidiano. Era preciso, portanto, entusiasmar-se. A pessoa entusiasmada acredita em si mesma, na sua capacidade de se transformar, e à realidade, e de fazer as coisas darem certo. E Leni é uma dessas pessoas. Seu entusiasmo, contagiante, permite-lhe, e a quem a rodeia, uma nova visão do cotidiano. Ela não é grega nem politeísta, mas tem um desses deuses dentro de si: a poesia!

Fonte:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

sábado, 8 de novembro de 2008

Jefferson Luiz Maleski (Escritores sem Fronteiras)

Pintura de J. P. Martins Barata
O escritor é o ser livre mais humano que existe. Para ele pouco importa localização física, familiar ou financeira. Ele mesmo constrói a sua geografia, os amigos e amores e a riqueza. O escritor é escritor, não importa se está preso ou se vive na dinastia Ming. Mas ele é incompreendido por quem não é igual a ele. Não o entenderão quando o virem exausto e cambaleante depois de uma árdua batalha com as muitas faces de si que resolveu criar, misturando um sótão e um raio catalizador, nem tampouco a sua negativa em se aposentar de vez no próximo livro. O seu corpo pode definhar, mas o seu espírito incendeia.

O escritor é o cara mais narcisista e generoso que existe. Nega precisar de leitores, mas causa alegrias e tristezas em muitos quando chega ao ponto final. Não importa o que leiam, pois ele mesmo é o primeiro e maior leitor, assim como o mais violento crítico. Ele escreve para suprir a sua dose de heroína diária, de chicotadas, de orações. E o escritor ainda é doador universal de alma tipo O positivo. Que exijam toda a sua vitalidade e ele a dará. Sacrificará a vida pelas letras. Deixará como herança ecoando pelas eras o som das penas arranhando o papiro, do grafite sujando o Moleskine, dos toques na máquina de escrever pela madrugada afora ou das batidas frenéticas nas teclas do computador que não devolve o ultimo manuscrito, pois o quer ler sozinho.

O escritor é uma criança que brinca de Deus. Depois cansa, e passa para mocinho e bandido, cabra-cega e adedonha. Para ele, o que importa é imaginar. Criar mundos cheios de monstros, fazer o mocinho subir na torre enquanto a mocinha foge com o ogro, vencer guerras onde um encara e vence zilhões e viver se apaixonando pela pessoa errada. O escritor rejuvenesce e se eterniza a cada linha escrita. A vida pulula dentro dele. Os seus olhos são portais que, se olhados bem de perto, revelariam outra dimensão: a que só ele vê mas quer mostrar aos outros que existe. Qual delas é a real não se sabe ainda, somente que ele passeia pelas duas. Se um escritor sumir por algumas horas, pode saber que ele não está neste Universo.

O escritor é o filósofo das diferenças. Quando fala sobre algo não emite uma opinião própria. Mostra tudo o que já foi dito e o que ainda não disseram. Mas se escreve “Eu quero voar”, é ambíguo, deixa o leitor decidir se quem fala é o escritor, a personagem, o contexto ou se é uma fala do próprio leitor predita pelo escritor.

O escritor, antes de tudo, vive mais, mesmo que morra jovem. Não vive um pouquinho de cada vez, vive tudo e um pouco mais sempre que ilumina palavras pelo horizonte escuro. Deixa um rastro para os bebês que engatinham, mas que já olha o que será o tal do be-a-bá. Por isso, pouco importa a vida física do escritor. O que importa é o seu legado. Quantos Kafka’s desconhecidos não terão enterrado tesouros com eles na morte por não terem um amigo infiel a quem confiar? Quantas epopéias escritas em papiro, couro, madeira, pedra, papel que tal qual poemas escritos na areia não foram lavados pelas ondas do tempo? Quantos não tiveram sótãos para se esconder enquanto todos ao seu redor eram dizimados? Quantos não terão computador nem acesso à internet para ler uma boba e simples homenagem ao dia do escritor?

Fonte:
http://www.jefferson.blog.br

A Ordem Nacional dos Escritores diploma novos associados em Sorocaba



Nesta sexta-feira, dia 7, o Presidente da Ordem Nacional dos Escritores José Verdasca diplomou e entregou, na sede da FUNDEC em Sorocaba, colares a três dezenas de novos associados, apresentados pelo Diretor Coordenador do núcleo local Douglas Lara.

A cerimônia teve lugar no salão de exposições da Fundec, contou com a presença de mais de uma centena de pessoas, desenrolou-se entre as 18H00 e as 21H00, e foi abrilhantada por um cantor local, que a todos encantou.

Entre os diplomados encontravam-se cinco escritores adolescentes, todos com trabalhos já publicados na antologia "Roda Mundinho", sendo que um deles - José Estevão Pinto de Oliveira, 13 anos - ali lançou a sua obra "O Lobvampiro", onde nos apresenta 23 ESTÓRIAS interessantes e agradáveis de ler, como O Homem Misterioso, O Enigma da Lobvampiro e outras mais.

Também o confrade Guilem Rodrigues da Silva - oficial da Marinha de Guerra brasileira aposentado, que vive na Suécia desde 1968 - se deslocou expressamente ao Brasil, para o lançamento do livro de poemas "Saudade e uma Canção Desesperada", já anteriormente lançado em Lund, onde vive, obra cuja tradução em português agora podemos usofruir.

Do também confrade Nicanor Pereira, recebemos o romance "Vidas Entrelaçadas", e do associado Renato de Oliveira Leme "A Baleia que Aprendeu a Voar".

Enfim, foi uma tarde-noite maravilhosa, com agradável serviço de buffet, dedicada à literatura em prosa e poesia, prestigiada por muitas personalidades da intelectualidade local, como os Presidentes da Academia Sorocabana de Letras e do Gabinete de Leitura, evento que nem o temporal que se abateu sobre a cidade conseguiu ensombrar.

Os novos membros são:

Alexandre Latuf,
Ana Paula Cattai Pismel,
Aparecido Gonçalves Viana,
Carlos Sérgio Monteiro Ferreira,
Clevane Pessoa.
Douglas Santos Junior,
Edival Moraes Blagitz,
Erasmo Figueira Chaves,
Geraldo Bonadio,
Guilen Rodrigues da Silva,
João Oliveira Verlangieri,
José Antonio Rosa,
José Estevão Pinto de Oliveira,
Julia Mira dos Santos,
Juliana Guimarães Terse,
Larissa Vendrami,
Lourdinha Blagitz,
Lúcio Flávio Machado,
Marcelo Plácido,
Marcelo Torca,
Maria Antonia Canavezi Scarpa,
Marilda de Almeida,
Mário Pereira Neto,
Mylton Ottoni,
Nicanor Filadelfo Pereira,
Nilza Florentina Vendrami,
Oswaldo Biancardi Sobrinho,
Renato de Oliveira Leme,
Risomar Fasanaro,
Sandra M. Julio,
Sônia Maria Grando Orsiolli,
Ximenes Alves Martins

O Que é a ONE?

A Ordem Nacional dos Escritores, doravante designada ONE - fundada em 18 de maio de 1982 - é uma sociedade civil com fins culturais e científicos, sem objetivos ou finalidades lucrativas, sediada na cidade e município de São Paulo, abrange todo o espaço da LUSOFONIA

A ONE tem por objetivos primordiais promover, estimular e ou de qualquer modo incentivar as atividades literárias, e congregar, aconselhar e auxiliar os autores seus associados em quaisquer obras e ou produções artístico-literárias, técnicas e científicas, bem como propugnar a atuação do escritor lusófono na livre manifestação de seu pensamento e em defesa de seus trabalhos e direitos.

Fonte:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

Literatura Maltesa

(tradução do espanhol: José Feldman)
(Fonte Triton e Karozzin)
A literatura maltesa autônoma de desenvolveu mais tarde do que no resto da Europa. Já quando esta havia florecido em toda a Europa, em Malta estava começando a surgir. Os autores malteses se somaram ao movimento romântico da Europa. O tema dos escritores foi sobre todo o orgullo nacional.

No final do século XIX se desenvolveram dois gêneros novelísticos: a novela histórica e a gótica. A novela histórica se classificava em história maltesa, história em geral e religião. No caso da literatura gótica a temática é o mal, obscuro e terrível, que irrompe no idílio do mundo.

A primeira novela política de um autor maltês apareceu em 1905. Na novela política maltesa se criticava a sociedade e a autoridade, e se situavam os sucessos em lugares fictícios. Em 1920 se fundou a Academia de Autores Malteses. O realismo começou a se desenvolver lentamente a partir de 1930. Criticava-se a sociedade em retratos da sociedade. Na década dos ´30 e ´40 este tipo de novela tinha muita popularidade.

Em 1967 se iniciou o Movimento pela Reativação da Literatura Maltesa. Até os anos 60 os escritores estavam empenhados em conseguir um estilo comum, que seria típico da ilha. Os autores de finais do século XX aceitaram que Malta não era um mundo a parte e se deixaram influenciar pela literatura de outros países.

Alguns dos escritores mais representativos da literatura maltesa são: Igino Lombardi, Immanuel Mifsud, Joseph Abela, Charles Casha, Trevor Zahra, Adrian Grima, Francis Ebejer, Emilio Lombardi, Dun Karm Psaila y Oliver Friggieri.

Fonte:
http://www.maltaenred.com/content/guia_paises/malta/cultura/36

Ilha de Malta

(Foto: Kalkara)
Malta encontra-se no Mar Mediterrâneo, a menos de 100 km da Sicilia. Malta é um pequeno arquipélago do Mediterrâneo, constituído por quatro ilhas, das quais só as três maiores (Malta, Gozo e Comino) são habitadas. O terreno é pouco acidentado e rochoso, com um litoral de falésias.

Malta, país situado no coração do Mediterrâneo, é um espaço de convergência de várias civilizações, com uma história milenar. O seu território é habitado desde cerca de 5200 a.C., tendo existido nas ilhas uma importante civilização pré-histórica anterior à chegada dos Fenícios, que deram à ilha principal o nome de Malat, que significa “porto seguro”. Durante alguns séculos, as ilhas foram sede da Ordem dos Cavaleiros de São João do Hospital e, durante algum tempo, fizeram parte do Império Britânico, tendo acedido à independência em 1964.

Além do clima e das belezas naturais, o turismo cresce em Malta, a partir do fascínio que o país desperta pela fusão de elementos culturais árabes, ingleses e italianos.

A capital e principal porto do país é Valletta. É um movimentado porto de trânsito entre o sul da Europa e o norte da África. Após um famoso e fracassado cerco pelos Turcos Ottomanos em 1565, Valletta foi tão fortemente fortificada pelos Cavaleiros de Malta, que se tornou uma das maiores fortalezas do Mar Mediterrâneo.
(Igreja de Mosta)
O povo de Malta é mundialmente famoso pela sua amabilidade e sua hospitalidade. Hoje, Malta é um dos mais populares recantos de férias no Mediterrâneo.

Durante os meses de verão, o acontecimento mais interessante é definitivamente a festa religiosa das cidades, realizada nos finais de semana e dedicada ao santo padroeiro. Com tantas igrejas na ilha, até seis diferentes cidades, poderão celebrar a mesma festa no mesmo final de semana. Junto com a estátua do santo, a banda da cidade e os mundialmente famosos fogos, fazem do acontecimento, uma festa sem igual.

A agricultura é a principal ocupação de Malta. Em torno de 40% da terra é cultivada, mas por causa da densidade da população e da fraqueza da terra, é necessária a importação de alimentos. Os manifaturados mais importantes são: alimentação industrializada, tecidos e confecções, móveis e artefatos de madeira, equipamento de transporte e maquinário. O conserto de navios é também muito importante para e economia de Malta.

Os recursos mais significativos são a pedra sabão, situação geográfica favorável e uma força de trabalho produtiva. Malta produz somente 20% das suas necessidades de alimentação, tem abastecimento limitado de água potável, e não tem recursos naturais de energia. Portanto, a economia e altamente dependente do comércio e servços exteriores.

A Industrialização e o turismo dão a maior contribuição para a economia. A indústria é responsável por 27% do PIB, sendo as indústrias de eletrônicos e confecções os maiores contribuintes. Em 1995 a inflação foi de 3%. O PIB de $7,000 per capita, coloca Malta entre as nações de renda mais ou menos alta.

Fontes:
http://www.geocities.com/athens/acropolis/2214/maltap.html
http://europa.eu/abc/european_countries/eu_members/malta/index_pt.htm

Ray Bradbury (Um Som de Trovão)



O anúncio na parede parecia tremular sob uma película de água quente. Eckels sentiu suas pálpebras estremecerem sobre seu olhar, e o anúncio queimava, na momentânea escuridão:

SAFARIS NO TEMPO, INC.
SAFARIS PARA QUALQUER ANO DO PASSADO
VOCÊ DIZ QUE ANIMAL.
NÓS O LEVAMOS LÁ.
VOCÊ O ABATE.

Uma flegma quente acumulou-se na garganta de Eckels; engoliu e empurrou-a para baixo. Os músculos ao redor de sua boca forma­ram um sorriso enquanto ele estendeu sua mão lentamente pelo ar, e naquela mão, balançava-se um cheque de dez mil dólares, para o ho­mem atrás da escrivaninha.

— Este safári garante que eu volte vivo?
— Não garantimos nada — falou o funcionário — exceto os dinos­sauros. — Voltou-se. — Este é o Sr. Travis, seu Guia, no safári ao pas­sado. Ele vai dizer-lhe o que e aonde atirar. Se ele disser para não ati­rar, não se atira. Se desobedecer às instruções, há uma pesada multa de mais de dez mil dólares, mais um possível processo do governo, quando voltar.

Eckels olhou, através do amplo escritório, numa completa con­fusão disforme, de fios entrelaçados e caixas de aço zumbindo, para uma aurora que agora reluzia laranja, então prateada, e então, azul. Havia um som como uma descomunal pira queimando todo o Tempo, todos os anos e todos os calendários, todas as horas empilhadas e incendiadas.

Um toque da mão e esta queima, instantaneamente, se reverteria lindamente. Eckels lembrou-se literalmente das palavras da propagan­da. De carvões e cinzas, da poeira e das brasas, como salamandras douradas, os velhos tempos, os anos jovens, podem saltar; rosas sua­vizando o ar; cabelo branco enegrecendo-se, rugas desaparecendo; tu­do ,voltando totalmente à origem, fugir à morte, precipitar-se para o começo de tudo, o sol nascendo nos céus ocidentais, e pondo-se glo­riosamente no leste, luas devorando-se a si mesmas no sentido oposto ao costumeiro, e tudo se sobrepondo, como caixas chinesas, coelhos em cartolas, tudo e todos retornando à morte viva, a morte da se­mente, a morte verde, ao tempo de antes do começo. O toque da mão poderia fazê-lo, o mero toque da mão.

— Inacreditável. — Eckels respirava, com a luz da Máquina sobre seu rosto fino. — Uma verdadeira Máquina do Tempo. — Abanou a cabeça. — É de fazer pensar. Se a eleição tivesse ido mal ontem, eu poderia estar agora me afastando dos resultados. Felizmente Keith ganhou. Será um bom presidente para os Estados Unidos.
— Sim — falou o homem por trás da mesa. — Temos sorte. Se Deutscher tivesse ganho, teríamos a pior ditadura. Há sempre um homem anti-tudo, um militarista, um anti-Cristo, anti-humano, anti-intelectual. O povo nos requisitou, sabe, como que brincando, mas a sério. Diziam que se Deutscher se tornasse presidente, queriam vi­ver em 1492. Claro, não é o nosso negócio conduzir Fugas, mas orga­nizar Safáris. De qualquer maneira, Keth é o presidente, agora. Tudo com que precisa preocupar-se agora é...
— Caçar meu dinossauro — Eckels acabou para ele.
— Um Tyranossaurus rex. O Lagarto Tirano, o monstro mais ina­creditável de toda a história. Assine este termo. O que quer que aconteça com você, não somos responsáveis. Esses dinossauros são muito vorazes.
Eckels animou-se, nervoso. — Tentando assustar-me!
— Francamente, sim. Não queremos que vá alguém que entre em pânico ao primeiro tiro. Seis lideres de safári foram mortos no ano passado, e uma dúzia de caçadores. Estamos aqui para dar-lhe a maior emoção que um caçador de verdade jamais almejou. Mandá-lo de volta sessenta milhões de anos, para pegar a maior caça de to­dos os tempos. Seu cheque ainda está aqui. Pode rasgá-lo.

O Sr. Eckels olhou para o cheque. Seus dedos retorceram-se.

— Boa-sorte — falou o homem atrás da escrivaninha. — Sr. Tra­vis, ele é todo seu.

Moveram-se silenciosamente, atravessando a sala, levando suas armas com eles, em direção à Máquina, rumo ao metal prateado e às luzes gritantes.

Primeiro, um dia e então uma noite e então um dia e então uma noite, e então era dia-noite-dia-noite-dia. Uma semana, um mês, um ano. uma década! 2 055 a. D., 2 019 a. D., 1 999! 1 957! Partida! A máquina rugia.

Puseram suas máscaras de oxigênio e testaram os intercomunica­dores.

Eckels inclinou-se no assento estofado, rosto pálido, maxilar enrijecido. Sentia o tremor em seus braços, olhou para baixo e achou suas mãos firmes no novo rifle. Haviam quatro outros homens na Máquinas. Travis, o líder do Safári, seu assistente, Lesperance, e mais dois outros caçadores, Billings e Kramer. Sentavam-se olhando uns para os outros, e os anos ardiam à volta deles.

— Estas armas podem dar conta de um dinossauro? — Eckels sentiu sua boca dizendo.
— Se os acertar direito — disse Travis pelo rádio do capacete. — Alguns dinossauros têm dois cérebros, um na cabeça e outro no fim da espinha. Ficamos longe destes. É abusar da sorte. Atire as duas primeiras vezes nos olhos, se puder, e cegue-os, e volte a atirar no cérebro.

A Máquina bramia. O Tempo era um filme passado ao contrá­rio. Os sóis voavam e dez milhões de luas, atrás deles. — Pense só — disse Eckels. — Todos os caçadores que jamais viveram nos inveja­riam hoje. Isto faz a África parecer com o Illinois.

A Máquina desacelerou; seu grito caiu para um sussurro. A Má­quina parou.

O sol parou no céu.

A névoa que envolvera a Máquina dissipou-se e estavam num tempo antigo, muito antigo mesmo, três caçadores e dois chefes de safári com suas armas metálicas sobre os joelhos.

— Cristo ainda não nasceu — disse Travis. — Moisés ainda não foi à montanha, para falar com Deus. As pirâmides ainda estão na terra, esperando para serem recortadas e montadas. Lembrem-se disso. Ale­xandre; César; Napoleão; Hitler; nenhum deles existe.

O homem fez que sim.

— Aquilo. — Apontou o Sr. Travis — é a selva de sessenta milhões dois mil e cinqüenta e cinco anos antes do presidente Keith.

Mostrou o caminho de metal que cruzava o verde selvagem, so­bre um amplo pântano, por entre fetos e palmeiras.

E aquele — disse — é o Caminho, colocado por Safáris no Tempo, para seu uso. Flutua a seis polegadas acima da terra. Não toca se­não no máximo uma grama, flor ou árvore. É um metal antigravitacional. Seu propósito é evitar que vocês toquem, de qualquer manei­ra que seja, este mundo do passado. Fiquem no Caminho. Não saiam dele. Repito. Não saiam. Por qualquer razão que seja! Se caírem, se­rão multados. E não disparem em nenhum animal que não aprove­mos.

— Por quê? — perguntou Eckels.

Sentaram-se, na floresta antiga. Gritos distantes de pássaros vieram com o vento, e o cheiro de alcatrão e de um velho oceano salga­do, grama úmida, e flores da cor de sangue.

— Não queremos mudar o Futuro. Não pertencemos ao Passado. O governo não gosta de nós aqui. Temos que pagar muita propina para garantir nossa licença. A Máquina do Tempo é um negócio extremamente delicado. Sem saber, poderíamos matar um animal im­portante, um pequeno pássaro, uma barata; mesmo uma flor, assim destruindo um elo importante, numa espécie em evolução.

— Isso não fica muito claro, — falou Eckels.
— Está bem — continuou Travis, — suponhamos que acidental­mente matemos um rato, aqui. Isso quer dizer que todos as futuras famílias deste rato, em particular, serão destruídas, certo?
— Certo.
— E todas as famílias das famílias, daquele rato! Com um pisão de seu pé, você aniquila primeiro um, então uma dúzia, então mil, um milhão, um bilhão de ratos, possivelmente!
— Então estarão mortos; e daí?
— E daí? — Travis torceu o nariz. — Bem, e as raposas que preci­sariam daqueles ratos para sobreviver? Para cada dez ratos a menos, morre uma raposa. Para cada dez raposas a menos, um leão morre de fome. Para cada leão a menos, insetos, abutres, infinitos bilhões de formas de vida são lançados ao caos e à destruição. Eventualmente, tudo recai no seguinte: cinqüenta e nove milhões de anos depois, um troglodita, um, de uma dúzia no mundo inteiro, vai caçar javalis ou tigres de dentes de sabre para comer. Mas você, amigo, pisou em todos os tigres daquela região. Pisando num só rato. Assim o troglodita morre de fome. E este homem das cavernas, note bem, não é qualquer um dispensável, não senhor! Ele é toda uma nação futura. Dele, teriam saído dez filhos. E destes, mais cem, e assim por diante, até a civilização. Destruindo este único homem, destrói-se uma raça, um povo, toda uma história. É comparável a matar um neto de Adão. O pisão de seu pé, num rato, poderia principiar um terremoto, cujos efeitos poderiam abalar nossa terra e destinos pelo Tempo afo­ra, até seus alicerces. Com a morte daquele troglodita, um bilhão de outros ainda não nascidos são mortos no útero. Talvez Roma nunca se erga sobre suas sete colinas. Talvez a Europa fique para sempre uma floresta espessa, e apenas a Ásia cresça, forte e saudável. Pise num rato e esmagará as Pirâmides. Pise num rato e deixará sua mar­ca, como um Grand Canyon, pela Eternidade. A rainha Elizabete poderá nunca nascer. Washington poderá não cruzar o Delaware, po­derá nunca haver Estados Unidos. Portanto, seja cuidadoso. Fique no caminho. Nunca pise fora!
— Percebo — comentou Eckels. — Então não poderíamos nem tocar a grama?
— Exato. Esmagar certas plantas poderia causar somas infinitesi­mais. Um erro mínimo seria multiplicado por sessenta milhões de anos, desmesuradamente. Claro, talvez nossa teoria esteja errada. Tal­vez o Tempo não possa ser alterado por nós. Ou talvez só possa ser alterado de maneiras sutis. Um rato morto aqui causa um desequilí­brio dos insetos ali, uma desproporção populacional mais tarde, uma colheita má mais adiante, uma depressão, fome, e finalmente uma mudança no temperamento social em países remotos. Algo muito mais sutil, como isso. Talvez algo ainda muito mais sutil. Talvez ape­nas uma respiração, um sussurro, um cabelo, um pólen no ar, uma mudança tão levezinha que se olhasse atentamente, não notaria. Quem sabe? Quem pode dizer que realmente sabe? Não sabemos. Estamos só adivinhando. Mas até que tenhamos certeza, se nossos passeios pelo Tempo podem fazer um barulhão ou um barulhinho na História, seremos cuidadosos.. Esta Máquina, este Caminho, suas rou­pas e corpo, foram esterilizados, como sabem, antes da viagem. Usa­mos estes capacetes de oxigênio de modo que não possamos introdu­zir bactérias nesta atmosfera primitiva.
— Como sabemos que animais abater?
— Estão marcados com tinta vermelha — explicou Travis. — Ho­je, antes da viagem, mandamos Lesperance aqui com a Máquina. Ele veio a esta época em particular e seguiu certos animais.
— Estudando-os?
— Isso — falou Lesperance. — Sigo-os por toda sua vida, obser­vando quais vivem mais. Quantas vezes se acasalam. Poucas vezes. A sua vida é curta. Quando vejo que algum vai morrer com uma árvore caindo em cima dele, ou um que se afoga num poço de alcatrão, ano­to a hora, minuto, e segundos exatos. Disparo um revólver de tinta. Deixa uma marca vermelha em seus flancos. Não podemos nos enga­nar. Então correlaciono com a chegada ao Caminho, de modo que encontremos o monstro a não mais de dois minutos de sua morte, inevitável. Desta forma, matamos apenas animais sem futuro, que nunca vão se acasalar de novo. Vê como somos cuidadosos?
— Mas se esta manhã você voltou no tempo, deve ter cruzado conosco mesmos, nosso safári! Como nos saímos? Tivemos sucesso? Conseguimos voltar todos... vivos?

Travis e Lesperance entreolharam-se.

— Isso seria um paradoxo, — falou este último. — O tempo não permite esse tipo de confusão; um homem encontrando a si mesmo. Quando há o risco de tais situações, o tempo desvia-se. Como um avião passando por um vácuo. Sentiu a Máquina pular antes de pararmos? Éramos nós passando por nós mesmos, a caminho do Futuro. Não vimos nada. Não há meio de dizer se esta expedição teve suces­so; se pegamos nosso monstro, ou se todos nós, isto é, o senhor, Sr. Eckels, saiu vivo.

Eckels sorriu, palidamente.

— Parem com essa conversa — interrompeu Travis. — Todos de pé!

Estavam prontos para deixar a Máquina.

A selva era alta, a selva era larga, e a selva era todo o mundo, pa­ra sempre. Sons como música, e sons como tendas voando, encheram o ar, e eram pterodátilos planando com cavernosas asas cinzentas, morcegos gigantescos de delírio e febre noturna. Eckels, equilibrado no estreito Caminho, apontou seu rifle, bem-humorado.

— Pare! — falou Travis. — Não aponte nem mesmo por brinca­deira, idiota! Se a arma dispara...

Eckels enrubesceu. — Aonde está nosso Tyranossaurus?

Lesperance checou seu relógio de pulso. — Logo à frente. Vamos estar no caminho dele em sessenta segundos. Atenção para a tinta vermelha! Não atire até que eu mande. Fique no caminho. Fique no Caminho!

Moveram-se adiante, pelo vento da manhã.

Estranho — murmurou Eckels. — Lá adiante, daqui a sessenta milhões de anos, fim das eleições. Keith presidente. Todos celebran­do. E aqui estamos, perdidos num milhão de anos, e eles não existem ainda. As coisas que nos preocuparam por meses, por uma vida intei­ra, nem nasceram nem foram idealizadas, ainda.

— Soltar as travas, todos! — ordenou Travis. Você dá o primeiro tiro, Eckels, Billings o segundo, e Kramer o terceiro.
— Já cacei tigre, javali, búfalo, elefante, mas agora, isto é incomparável — disse Eckels. — Estou tremendo como uma criança.
— Ah — fez Travis. Todos pararam.

Travis ergueu a mão. — À frente — falou, em voz baixa. — Na ne­blina. Lá está ele. Ali está Sua Majestade Real, agora.

A selva era ampla, e cheia de gorjeios, farfalhares, murmúrios e suspiros.

Subitamente, tudo cessou, como se alguém tivesse fechado a porta.

Silêncio.

Um som de trovão.

Da neblina, a cem jardas, vinha o Tyranossaurus rex.

— É ele — cochichou Eckels, — é ele... —Psss!

Ele veio sobre grandes pernas, oleosas, resilientes. Erguia-se a trinta pés, acima da metade das árvores, um grande deus do mal, do­brando suas delicadas garras de relojoeiro perto de seu peito oleoso, reptílico. Cada pata inferior era um pistão, mil libras de osso branco, mergulhadas em grossas cordas de músculos, revestidas por um brilho de uma pele pedregosa, como a malha de um terrível guerreiro. Cada coxa, uma tonelada de carne, marfim, e aço trançado. E da grande gaiola arquejante da parte superior do corpo, aqueles dois braços de­licados pendurados para a frente, braços que poderiam erguer e exami­nar os homens como brinquedos, enquanto se dobrava o pescoço de serpente. E a cabeça mesmo, uma tonelada de pedra esculpida, ergui­da com facilidade contra o céu. Sua boca escancarava-se, expondo uma cerca de dentes como dardos. Seus olhos rolavam, ovos de aves­truz, vazios de qualquer expressão, exceto fome. Fechava a boca num sorriso da morte. Corria, seus ossos pélvicos derrubando para os lados árvores e arbustos, seus pés, com garras, afundando-se na terra úmida, deixando marcas de seis polegadas de profundidade aonde quer que apoiasse seu peso. Corria com um passo deslizante de ballet, muito aprumado e equilibrado para suas dez toneladas. Movia-se, cansado, numa arena ensolarada, suas mãos lindamente reptilianas tateando o ar.

— Ora, vejam — Eckels torceu a boca. — Poderia esticar-se e pegar a lua.
— Pssst! — fez Travis, nervoso. — Ele ainda não nos viu.
— Não pode ser morto. — Eckels pronunciou seu veredito, quie­to, como se não pudesse haver discussão. Tinha avaliado a evidência, e era esta sua abalizada opinião. O rifle em sua mão parecia uma ar­ma de brinquedo. — Fomos loucos de ter vindo. Isto é impossível.
— Cale-se! — silvou Travis.
— Pesadelo.
— Dê meia volta — comandou Travis. — Vá em silêncio para a Máquina. Podemos reembolsar-lhe metade de sua passagem.
— Não percebia como seria grande, — falou Eckels. — Avaliei mal, foi isso. E agora, quero desistir.
— Ele nos viu!

Lá está a tinta vermelha em seu peito!

O Lagarto Tirano levantou-se. Sua carne de armadura rebrilhava como mil moedas verdes. As moedas, com uma crosta de lama, fer­viam. No lodo, pequenos insetos esperneavam, de modo que todo o corpo parecia retorcer-se e ondular, mesmo enquanto o monstro não se movia. Expirou. O cheiro de carne crua foi soprado pelos ermos.

— Deixe-me sair daqui — disse Eckels. — Nunca foi como isto, agora. Eu sempre estava certo de que poderia sair vivo. Eu tinha bons guias, bons safáris, e segurança. Desta vez, enganei-me. Encontrei algo que me supera, e reconheço. É demais para eu enfrentar.
— Não corra — falou Lesperance. — Dê a volta. Esconda-se na Máquina.
— Sim, — Eckels parecia entorpecido. Olhou para seus pés, como que tentando fazê-los mover-se. Deu um grunhido, incapaz.
— Eckels!

Deu alguns passos, piscando, hesitante,

— Não por aí!

O Monstro, ao primeiro movimento, impulsionou-se para a fren­te com um grito terrível. Cobriu cem jardas em seis segundos. Os rifles ergueram-se rapidamente e iluminaram-se, com o fogo. Um ven­daval da boca da besta engolfou-os na fedentina do lodo, e sangue envelhecido. O Monstro rugiu, dentes brilhando ao sol.

Eckels, sem olhar para trás, caminhou cegamente para a borda do Caminho, sua arma carregada frouxamente em seus braços, saiu do caminho, e andou, inadvertidamente, pela floresta. Seus pés afun­daram em musgo verde. Suas pernas o carregavam, e ele se sentia só e afastado dos eventos lá atrás.

Os rifles dispararam de novo. O som perdeu-se no grito e no tro­vão do lagarto. O grande volume da cauda do animal lançou-se para cima, e para o lado. Árvores explodiram em nuvens de folhas e ra­mos. O Monstro torceu suas mãos de joalheiro para acariciar os ho­mens, para dobrá-los ao meio, para esmagá-los, como frutinhas, para empurrá-los para seus dentes e sua garganta ruidosa. Seus olhos, quais rochedos, estavam ao nível dos homens. Viram-se espelhados. Dispararam nas pálpebras metálicas e na luminosa íris.

Como um ídolo de pedra, como uma avalanche de montanha, o Tyranossaurus caiu. Trovejando, agarrou árvores, e puxou-as consigo. Agarrou e cortou o Caminho. Os homens precipitaram-se para trás, e para longe. O corpo abateu-se, dez toneladas de carne fria e pedra. Os rifles dispararam. O Monstro brandiu sua cauda blindada, crispou suas mandíbulas de serpente, e imobilizou-se. Uma fonte de sangue jorrava de sua garganta. Em algum lugar lá dentro, um saco de fluido estourou. Borbotões nauseantes inundaram os caçadores. Lá estavam vermelhos, brilhantes.

O trovão dissipou-se.

A selva estava silenciosa. Depois da avalanche, uma paz verde. Depois do pesadelo, o amanhecer.

Billings e Kramer praguejavam pesadamente, com seus rifles ain­da fumegando.

Na Máquina do Tempo, face abatida, Eckels tremia. Tinha con­seguido voltar ao caminho, e subira na Máquina.

Travis chegou, olhou para Eckels, pegou gaze de algodão e, virou-se para os outros, que estavam sentados sobre o Caminho.

— Limpem-se.

Limparam o sangue de seus capacetes. Começaram a resmungar, também. O Monstro jazia ali como uma montanha de carne. Dentro dele, podia-se ouvir os sopros e murmúrios, enquanto seus recessos iam morrendo, os órgãos parando de funcionar, líquidos circulan do um último instante, de saco para a bolsa, para vesícula, tudo des­ligando-se, parando para sempre. Era como ficar perto de uma loco­motiva acidentada, ou uma escavadeira a vapor, no momento de des­ligar, com todas as válvulas sendo desativadas. Ossos estalavam; a tonelagem de sua própria carne, desequilibrada, peso morto, quebrava os delicados braços, do lado de baixo. A carne se assentava aos tre­mores.

Outro estalido. Mais acima, um enorme galho de árvore partiu de sua pesada ancoragem, caiu. Golpeou certeiramente a fera morta.

— Pronto. — Lesperance verificou seu relógio. — Bem na hora. Essa era a grande árvore que deveria cair e matar este animal, origi­nalmente. — Olhou para os dois caçadores. — Querem tirar a foto de troféu?
— Quê?
— Não podemos levar o troféu para o Futuro. O corpo deve fi­car aqui, aonde deveria originalmente morrer, de modo que os inse­tos, pássaros, e bactérias possam devorá-lo, como devem. Tudo equi­librado. O corpo fica. Mas podemos tirar uma fotografia de vocês a seu lado.
Os dois homens fizeram força para pensar, mas desistiram, aba­nando as cabeças.
Deixaram-se guiar ao longo do Caminho de metal. Afundaram cansados, nos assentos da Máquina. Olharam de novo para o Monstro arruinado, o montículo em estagnação, aonde já estranhos pássaros reptilianos e insetos dourados estavam ocupados com a fumegante armadura.
Um som no chão da Máquina do Tempo deixou-os tensos. Eckels estava lá, tremendo.
— Lamento muitíssimo — disse.
— Levante-se! — gritou Travis. Eckels levantou-se.
— Vá para o Caminho sozinho — falou Travis, com seu rifle apontado. Não vai voltar para a Máquina. Vamos deixá-lo aqui!

Lesperance agarrou o braço de Travis. — Espere...

— Fique fora disto! — Travis desvencilhou-se de sua mão. — Este louco quase matou-nos. Mas isso não é tanto assim. Vejam seus sapa­tos! Vejam! Ele saiu do Caminho. Isso nos arruína! Seremos multa­dos! Milhares de dólares de seguro! Garantimos que ninguém deixa o Caminho, e ele o deixou. Ora, o louco! Terei de informar o Governo. Poderão cancelar nossa licença para viajar. Quem sabe o que ele fez ao Tempo, à História!
— Calma, tudo o que ele fez foi pisar em alguma sujeira.
— Como saber? — gritou Travis. — Não sabemos nada! É um mistério! Saia, Eckels!

Eckels mexeu em sua camisa. — Pago qualquer coisa. Mil dóla­res!

Travis olhou para o talão de cheques de Eckels e cuspiu. — Saia. O Monstro está perto do Caminho. Afunde os braços até os cotove­los na boca dele. Então poderá voltar conosco.

— Isto é irrazoável!
— O Monstro está morto, seu idiota. As balas! As balas não po­dem ser deixadas para trás. Elas não pertencem ao Passado; poderão mudar alguma coisa. Aqui está a minha faca. Cave-as!

A selva estava viva de novo, cheia de antigos tremores e do baru­lho dos pássaros. Eckels voltou-se lentamente para olhar o monte de carniça primordial, aquela montanha de pesadelos e terror. Depois de um longo tempo, como um sonâmbulo, arrastou-se ao longo do Caminho.
Voltou, tremendo, cinco minutos depois, com seus braços enso­pados e vermelhos até os cotovelos. Estendeu as mãos. Cada uma se­gurava algumas balas de aço. Então caiu e ficou lá, imóvel.

— Você não precisava obrigá-lo a isso — comentou Lesperance.
— Não? É cedo ainda para dizer. — Travis tocou o corpo, com o pé. — Viverá. Da próxima vez não vai sair para caçar este tipo de ca­ça. OK. — Ergueu o polegar para Lesperance. — Dê a partida. Vamos para casa.

1492 . 1776 . 1812 .

Limparam suas mãos e faces. Trocaram de roupa. Eckels estava de pé de novo, mudo. Travis olhou para ele por dez minutos.

— Não olhe para mim, — exclamou Eckels. — Não fiz nada.
— Quem pode saber?
— Apenas saí do Caminho, foi tudo, um pouco de lama em meus sapatos; que quer que eu faça? Que me ajoelhe e reze?
— Talvez precisemos disso. Estou lhe avisando, Eckels! Posso matá-lo, ainda. Minha arma está engatilhada.
— Estou inocente. Não fiz nada! 1999 . 2000 . 2055 .

A Máquina parou.

— Saia — ordenou Travis.

A sala lá estava, tal como quando saíram. Mas não exatamente a mesma. O mesmo homem atrás da mesma escrivaninha. Mas o mes­mo homem não parecia estar sentado exatamente atrás da mesma escrivaninha.

Travis olhou em volta, depressa. — Tudo em ordem por aqui? — foi logo perguntando.

— Claro. Bem vindos ao lar!

Travis não relaxou. Parecia estar olhando para os próprios áto­mos do ar, e para o modo pelo qual o sol entrava pela janela alta.

— OK, Eckels, saia. E nunca mais volte. Eckels não podia mover-se.
— Ouviu-me, — falou Travis. — Para o quê está olhando? Eckels ficou, cheirando o ar, e havia algo no ar, uma substância tão tênue, tão sutil, que apenas um fraco aviso de seus sentidos su­bliminares avisavam-lhe que estava ali. As cores, branco, cinza, azul, laranja, na parede, na mobília, no céu, pela janela, eram... eram... E havia uma sensação. Sua carne crispava-se. Ficou bebendo aquela estranheza com os poros de seu corpo. Em algum lugar, alguém devia estar soprando naqueles apitos que só os cães podem ouvir. Seu cor­po gritava silenciosamente, em resposta. Além deste aposento, além desta parede, além deste homem, que não era exatamente o mesmo homem que estava sentado àquela mesa, que não era bem a mesma mesa... estava todo um mundo de ruas e gente. Que espécie de mun­do era agora, não havia como dizer. Ele podia senti-los mover-se ali, além das paredes, quase, como peças de xadrez por um vento quen­te...
Mas a coisa mais imediata era o anúncio pintado na parede do escritório, o mesmo que havia lido hoje ao entrar. De alguma forma, o anúncio havia mudado:

SEFARIS NU TENPO, INC.
SEFARIS PRA QUALQUER ANO PAÇADO.
CÊ DIS QUI ANIMAU.
NÔIS LEVAMOS CÊ LÃ.
CÊOABAT.

Eckels sentiu-se caindo numa cadeira. Ficou mexendo, como louco, na lama em suas botas. Ergueu um pedaço de algo enlameado, tremendo. — Não, não pode ser, não uma coisinha assim, não!

Embebida na lama, brilhando em verde e dourado e preto, havia uma borboleta, muito bela, e muito morta.

Não uma coisa assim! Não uma borboleta! — gritou Eckels.

Caiu ao chão, uma coisa exótica, pequena, que poderia desman­char equilíbrios e derrubar uma fila de dominós pequenos, e então grandes dominós, e então dominós gigantes, por todos os anos atra­vés do Tempo. A mente de Eckels turbilhonava. Não podia mudar as coisas. Matar uma borboleta não podia ser tão importante! Ou pode­ria?

Seu rosto estava frio. Sua boca hesitava, ao perguntar: — Quem... quem ganhou a eleição presidencial ontem?

O homem atrás da escrivaninha riu-se. — Está brincando? Sabe muito bem. Deutscher, claro! Quem mais? Não aquele maluco pusi­lânime do Keith. Temos um homem de ferro, agora, um homem de peito! — O funcionário parou. — O que há de errado?

Eckels gemeu. Caiu de joelhos. Examinava a borboleta dourada com dedos trêmulos. — Não podemos — implorava ao mundo, a si mesmo, aos funcionários, à Máquina. — Não podemos levá-la de vol­ta, não podemos fazê-la viver de novo? Não podemos recomeçar? Não poderíamos...

Não se moveu. Olhos fechados, esperou, abalado. Ouviu Travis ofegando, na sala; ouviu Travis apontar o rifle, destravá-lo.

Houve um som de trovão.

Fonte:
BRADBURY, Ray. Os Frutos Dourados do Sol. São Paulo: Círculo do Livro.

Nilto Maciel (Literatura Fantástica no Brasil - Parte III)



MURILO RUBIÃO

Nascido Murilo Eugênio Rubião, em lº de junho de 1916, um dos mais importantes cultores do conto fantástico no Brasil estreou em 1947, com o livro O Ex-Mágico.

Murilo Rubião dedicou-se exclusivamente ao conto, como poucos escritores brasileiros. Todos os grandes contistas brasileiros são também romancistas e poetas. É o caso de Machado de Assis.

Outra singularidade da Murilo – a dedicação ao fantástico. E por que isso? Ele mesmo responde: “Minha opção pelo fantástico foi herança da minha infância, das leituras que fiz, e também porque sou um sujeito que acredita muito no que está além das coisas: nunca me espanto com o sobrenatural, com o mágico, com o mistério.”

Carlos Vogt constata serem “poucos e magros" os espécimes do gênero fantástico, “tendo na solidão paciente do trabalho de Murilo um raro caso de expressão maior.” E é verdade. E até seria mais cômodo para o historiador ou o estudioso dedicar-se exclusivamente ao contista mineiro. Pois a literatura crítica brasileira é rica em artigos e ensaios que tem como foco o criador do Pirotécnico Zacarias. Em 1987 o Suplemento Literário do Minas Gerais, por exemplo, dedicou uma série de três edições a Rubião, com artigos e ensaios assinados por alguns dos melhores críticos literários brasileiros. A série intitulou-se “Murilo Rubião, 40 anos de ex-mágico”.

Um dos mais alentados ensaios da série é assinado por Nelly Novaes Coelho e tem por título “A civilização-da-culpa e o fantástico-absurdo muliriano”. Transcrevamos os dois primeiros parágrafos: “O fantástico é posterior à imagem de um mundo sem milagres, submetido a uma rigorosa causalidade... Só as culturas que chegarem a uma ordem constante, objetiva e imutável dos fenômenos, puderem dar origem, como por contraste, a essa forma particular de imaginação, que contradiz, expressamente, a regularidade perfeita (daquela ordem): o espanto do sobrenatural". (Rogar Caillois, in Antologia del Cuento Fantastico. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1970).

Diríamos, porém, que o fantástico muriliano (tal como o de Kafka) é posterior ao espanto, de que fala Caillois. Este teria correspondido à primeira reação dos homens diante da nova imagem-do-homem-e-do-mundo que a Ciência positivista lhes revelara. Superado o espanto do primeiro momento, sobreveio a revolta e depois a resignação, a apatia ou o espanto congelado (de que fala Davi Arriguci), diante do inevitável. Nesse sentido, o que espanta o leitor de Murilo Rubião é o fato de nada espantar os seus personagens. Envolvidos, inexplicavelmente, nas situações mais fantásticas, trágicas e sem sentido, eles se deixam levar. Impotentes diante dos fatos ou incapazes de revolta, submetem-se passivamente à fatalidade dos acontecimentos.”

Outra dedicada crítica de Rubião é Eliane Zagury. Ao lembrar o tempo decorrido entre o primeiro e o segundo livro do contista, a ensaísta constata: “Murilo nunca teve pressa em exibir o novo que nos tinha a ofertar.” Em outro ensaio, “O contista do absurdo”, Zagury traça o perfil literário do contista – "o representante originalíssimo de uma literatura de ficção muito pouco explorada na literatura Brasileira, tão afeita às analogias mais primitivas da realidade que a sustém.”

Antonio Hohlfeldt vê no escritor mineiro o mais importante representante brasileiro do que ele chama de “conto alegórico”. No entender de Temístocles Linhares, no entanto, o fantástico não é o traço dominante na literatura de Rubião. “Na verdade, o sonho e a fantasia é que inspiram a maioria de seus contos”, diz ele. E noutra página de seus 22 Diálogos sobre o Conto Brasileiro Atual observa: que o fantástico praticado por Murilo no livro de estréia “era outro tipo de fantástico, um fantástico mais mágico, menos real, se assim me posso exprimir. As estórias de Rubião se desenvolviam mais em torno do sonho e da fantasia. Eram mais parábolas que continham muita verdade, sou o primeiro a reconhecer, mas que se afastavam desse outro tipo de fantástico mais próximo das velhas crenças humanas e que traduz de certa forma a volta a um estado da consciência bastante antigo, ou seja, a revivescência de sentimentos instintivos, tal como nos faz sentir José J. Veiga. – De qualquer modo, são apenas diferenças de tom, pois tanto o fantástico, como o mágico ou o feérico têm origem comum. – Sim, mas o fantástico pertence pelo espírito ao mundo do terror ou do medo, ao passo que o mágico, ou melhor, o feérico, talvez a melhor característica de Rubião, ao mundo da intercessão, do refúgio contra o terror ou o medo.” Mais adiante afirma: “O fantástico de Murilo Rubião talvez seja mais intelectual. Os seus fantasmas são mais concebidos pelo espírito...”

Neste diálogo, onde faz algumas comparações de J.J. Veiga com Murilo Rubião, ainda explica: “Os (contos) de Murilo Rubião giram mais em volta de gente da cidade, de mágicas, de almas penadas, de defuntos que revivem, de loucos, de mulheres monstruosas, etc. Quer dizer, um fantástico mais ligado às pessoas, aos seus costumes mágicos, ao passo que...”

A bibliografia de Murilo Rubião é a seguinte: O Ex-Mágico (1947), A Estrela Vermelha (1953), Os Dragões e Outros Contos (1965), O Pirotécnico Zacarias (1974), O Convidado (1974), e A Casa do Girassol Vermelho (1978). Seriam, pois, seis livros. No entanto, como explica Carlos Vogt no artigo “A construção lógica do absurdo”, a matemática muriliana não é bem assim, vez que o contista sempre reescreveu e reeditou seus contos, sob títulos diferentes de livros. Assim, A Casa do Girassol Vermelho contém os mesmos contos de A Estrela Vermelha “e contos que lá se encontravam foram, por sua vez, publicados em 1965 no volume Os Dragões e Outros Contos, que, por sua vez, continha trabalhos republicados em 1974, em O Pirotécnico Zacarias, título também de um conto já publicado no Ex-Mágico. Enfim, a circularidade é sem fim. Propositadamente. É que Murilo Rubião é, na verdade, um reescritor, no melhor e mais conseqüente sentido que este termo possa ter, quando aplicado a um autor que elabora e reelabora minuciosamente os seus contos e não apenas por zelo profissional”(...).

Na “síntese crítica” de Murilo Rubião, no didático Dicionário Prático de Literatura Brasileira, escreveu Assis Brasil: “Murilo Rubião é, no Brasil, um dos pioneiros do conto fantástico, que entraria mais em voga na década de 70, por influência de alguns escritores latino-americanos. Mas a linhagem é clássica, machadiana, enveredando quase sempre pelo clima da fantasia.”

JOSÉ J.VEIGA

Nascido José Jacinto Veiga, em 2 de fevereiro de 1915, outro nome fundamental da literatura fantástica no Brasil é José J. Veiga. A Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa traz a seguinte sinopse do escritor goiano: “Estreou um pouco tarde, 1959, mas Os cavalinhos de Platiplanto chamou logo a atenção da crítica e o autor foi apontado como um dos introdutores do realismo mágico na literatura brasileira, em cuja linhagem, até então, só era citado Murilo Rubião. Entre o primeiro livro e o segundo houve um hiato de sete anos, mas A hora dos ruminantes, agora uma novela (inspirada num dos contos publicado antes) também chamou a atenção da crítica e dos leitores. J.J.V. passou a ser mais conhecido. Ultimamente vem se dedicando às narrativas mais longas (nov.), embora o seu forte, desde a estréia, sejam os contos mais sintéticos. Próximo ao realismo mágico ou ao Surrealismo, com um vigor kafkiano, o autor cria uma realidade bem brasileira, usando o nosso coloquial e localismos, como se estivesse escrevendo literatura regional. Mas a dimensão da sua ficção é universal, naquele ponto em que joga com problemas humanos e com o homem em qualquer quadrante.”

Numa entrevista, Veiga negou haver qualquer influência de García Márquez, Cortázar e Scorza em sua obra. Porque não os conhecia quando publicou Os cavalinhos de Platiplanto, A máquina extraviada e A hora dos ruminantes. E acrescentou: (...) “faço uma literatura realista. Nem fantástico, nem mágico.”
Veiga já chegou a ser comparado a Swift e Lewis Carrol. Há na sua obra “toques de humor, ora de ironia, às vezes de grotesco ou patético, resvalando pelo macabro,” comenta Ênio Silveira.

Em exaustiva análise da obra de Veiga, diz Temístocles Linhares: (...) “nele o fantástico se reveste daquilo que, a meu ver, lhe é mais determinante: o de se afastar de qualquer noção de Paraíso Terrestre, de Idade de Ouro ou da representação de sonhos, isto é, de lugares em que o homem médio pudesse viver em estado de completa proteção, como ocorre em Rubião.”

O autor de 22 Diálogos sobre o Conto Brasileiro Atual refere-se a J. Veiga em mais de um de seus diálogos. No de nº 3, dedicado a “nomes-chave do conto brasileiro atual”, alude a Veiga assim: "(...) também ele foi dos que conseguiram fundir sonho e realidade, chegando até a criar o ambiente de pesadelo para alguns de seus contos. Indiscutivelmente, ele é nome-chave para este capítulo dos “contos fantásticos”. Pena é que publique tão pouco.”

No diálogo 13 o ponto de referência central é o próprio autor de Aquele mundo de Vasabarros. Comparando-o a Murilo Rubião, afirma: “Em Veiga o fantástico flui mais das coisas, da natureza, dos acontecimentos, entrando em comunicação com o mundo visível mais imediatamente, mais naturalmente, para mostrar, sobretudo que o sentimento humano entra muitas vezes em contato com os espíritos elementares e que a terra, a água, o ar, os animais, sobretudo, são personalidades tão ativas quanto o eram para os filósofos pré-socráticos."

A obra de José J. Veiga tem sido objeto de incontestáveis estudos, tal a sua importância no panorama da Literatura Brasileira. Assim, em A literatura no Brasil, vasto painel crítico e histórico de nossa arte literária, seu nome e sua obra estão presentes em diversos capítulos. Em “Ciclo Central”, assinado por Wilson Lousada a parte de “O Regionalismo na Ficção”, Veiga aparece como narrador regionalista, apesar de seu mundo estar “construído sobre o grotesco e o onírico, absurdo e simbólico” (...).

Ivo Barbieri, em “Situação e Perspectivas”, capítulo “O Modernismo na Ficção”, assim define J.Veiga: “Na habilidade em flagrar detalhes reveladores do concreto cotidiano e nele inserir o fantástico que desorganiza a ordem de superfície, instaura o choque estilístico.”

Segundo Assis Brasil, em Os Cavalinhos de Platiplanto J. Veiga “joga com dois elementos criativos essenciais: o fantástico e uma linguagem marcadamente brasileira. Assim, temos, em princípio, um “maravilhoso” nosso e não importado. O filão vem mais incisivamente de Kafka – cujo mundo se presta a muitos equívocos – e não podemos esquecer Allan Poe, o Papini de Og e Magog, e o Par Lakergvist dos contos diabólicos. A linhagem vem ainda de uma tradição imaginativa, o gótico, que tem enriquecido a ficção através dos tempos e hoje invadindo, com bastante eficácia, a ficção científica.”

Noutro trecho de sua análise, Assis Brasil lembra que “José J. Veiga não situa 'no mapa' (como se refere num de seus contos) as suas narrativas, mas temos um escritor brasileiro, pelas expressões que usa, pelos costumes que apresenta, e o maravilhoso e fantástico de seus trabalhos são apenas o pano de fundo de seus trabalhos, que têm a sua cor local característica.

Hélio Pólvora frisou bem esse aspecto da obra de Veiga – “sua língua é a do homem do interior, os seus assuntos derivam da terra, dos homens – uma realidade nossa”.

José J. Veiga é regionalista, sim, porém da outro naipe. É inventivo, imaginativo. Daí a constante presença do elemento fantástico em sua obra. Poderíamos até dizer que o escritor goiano vê em mais profundidade o mundo, o pequeno, pobre e monótono mundo rural. Ou o vê em duas dimensões – a real e a irreal ou supra-real.

Wilson Martins sintetiza esse modo de ver de Veiga “suas experiências jogam agora perigosamente com elementos imediatos do realismo para obter a atmosfera de fantástico em que novas dimensões se acrescentam ao mundo visualmente perceptivo”.

São incontáveis os estudos dos contos e romances de Veiga. Se fôssemos apenas citar os títulos deles já careceríamos de dezenas de páginas. E isto é tão-somente um esboço histórico.

Encerremos, pois, esta parte. Antes, vamos nos valer de algumas observações de Mário da Silva Brito: “José J. Veiga por mais que se desgarre na fantasia e se entregue a lucubrações imaginosas, ou se emaranhe no absurdo – território que freqüenta com a mesma calma e serenidade do peixe em suas águas – não consegue, de modo algum, ser um habitante da torre de marfim, um distante das durezas da vida, um egoísta enamorado do próprio umbigo e corroído pela alienação.

E logo adiante: “Se priva com Poe, Hoffmann, Kafka, Ionesco, Orwel ou Karel Kapek – esses captores de íncubos ou súcubos, esses sensíveis radares da realidade que se escondem atrás ou além daquilo que rotineiramente se costuma supor seja o real – também compartilha das vicissitudes do ser humano, mais do que isso, tem consciência de que este pode ser esmagado, sofrer deformações, passar de pessoa a objeto, regredir no seu trajeto histórico quando sob o império do arbítrio ou submetido a pressões que o anulam até o aniquilamento.”

PÉRICLES PRADE

Nascido Péricles Luís Medeiros Prade, em 7 de maio de 1942, o terceiro nome mais importante da literatura fantástica no Brasil não é dos mais conhecidos escritores brasileiros. Dedicado mais à poesia e ao ensaio, Péricles Prade é, no entanto, autor de dois dos mais instigantes livros do gênero fantástico: Os Milagres do Cão Jerônimo (1971) e Alçapão para Gigantes (1980).

Por este ou aquele motivo, não é sequer citado nos dois livros de Assis Brasil consultados para a elaboração deste esboço. O mesmo se dá com os Diálogos de Temístocles Linhares.

Contudo, Antonio Hohlfeldt o colocou ao lado de Murilo Rubião, Moacyr Scliar, Roberto Drummond e Victor Giudice, no capítulo “O Conto Alegórico” de seu bem elaborado Conto Brasileiro Contemporâneo. Copiemos trecho de sua análise: “Prade também não dispensa a ironia com que refere algumas narrativas, demonstrando sobretudo a solidão em que vive todo aquele que esteja de plena posse de sua consciência, tema que, como verificamos, não é absolutamente ausente da obra de Murilo Rubião. Por vezes a personagem de seus contos faz-nos pensar num alter-ego metaforizado. Em outras ocasiões, temos um narrador-revelador como personagem sobrevivente de alguma catástrofe qualquer. Misturem-se aqui profecias e narrativas míticas, num momento igualmente circular.”

Almeida Fischer, ao descobrir Péricles Prade (fala de “tremendo susto” ao ler seus livros), teceu-lhe muitas loas: “Péricles Prade é escritor singular na literatura brasileira, sem ninguém que se lhe assemelhe quanto à elaboração de seus escritos, em prosa ou em versos. Que seus textos são fantásticos, não há nenhuma dúvida, mas inteiramente diferentes de outros transgressores do real de nossas letras. Poderiam enquadrar-se como do chamado realismo mágico da literatura ibero-americana? Talvez, em parte. Mas não perfeitamente, emborca também neles haja magia. São textos claramente surrealistas, talvez os mais marcantes dessa tendência em nosso País. Vão, porém, além do surrealismo de André Breton e seus companheiros do grupo francês. À falta de melhor classificação, vamos dar-lhes o nome de surrealismo fantástico-maravilhoso.”

No prefácio ao Alçapão para Gigantes, Tassilo Orpheu Spalding constata: “Atualmente são poucos os escritores que se dedicam à extraordinária tarefa de recriar a vida em parâmetros mágicos ou fantásticos. Em recriar outra vida, mais nova e mais gostosa. Porque temos todos duas vidas – a que vivemos e que não vivemos, segundo afirma Oscar Wilde: “Para a maioria de nós, a vida real é a vida que não vivemos’.”

A análise que faz da obra de Péricles Prade é fundamental para este estudo, vez que são raros os ensaios sobre a nossa literatura fantástica. Transcrevemos, pois, outros trechos do prefácio de Tassilo: “Estes contos curtos evocam toda uma magnificência oculta, mas real – daí a denominação que os críticos lhe dão de real-fantástico – que subjaz à consciência lúcida e vigilante.”

Lendo-se os contos deste magnífico Alçapão para Gigantes vêm-nos à mente, de imediato, as obras de Jarry, Adamov, Wedekind e, sobretudo, Bert Brecht. Se este último apresenta a seus leitores um mundo demasiadamente explicado, Péricles Prade, por seu turno, revela-nos um cosmos totalmente hermético e incongruente, que tende a exprimir uma realidade tornada estranha e imperscrutável.”

Às vezes as estórias parecem grotescas, bem no sentido do Teatro del Grottesco, dos Chiarelli e Nicodemi, mas, no fundo, o que existe é um mundo real que não pode ser apreendido pelos nossos sentidos convencionais. Quando o autor diz, por exemplo, que o Touro urinava peixes longos e brilhantes, é evidente que alia uma função fisiológica normal e comum – urinar – a uma desconcertante Einigkeit – os peixes."

Péricles Frade de repente desfaz todas as leis a que estamos acostumados a obedecer. Suspende a ordem habitual das coisas, desfaz o convencional e cria o mágico fazendo-nos mergulhar numa outra vida, a de Oscar Wilde e Fernando Pessoa, entre outras.”

Encontro nestes contos, e sobre isso, somente, quero me deter – o que já vislumbrei no fascinante Os Milagres do Cão Jerônimo, a saber, uma tendência nitidamente surrealista. No livro acima citado, esta tendência manifesta-se de modo muito sutil; neste, com toda a intensidade. Mas não me refiro ao Surrealismo de Hans Arp, de Salvador Dali, de Paul Delvaux, de Max Ernst, de René Magritte ou de Wolfgang Paalen. Refiro-me ao surrealismo candente de Bosch e Brueghel.”

E mais este trecho, já finalizando o prefácio: “Em termos isomórficos todos (os contos) têm a mesma característica daquilo que Todorov chama de fantástico-maravilhoso: emergem do cotidiano e nos fazem mergulhar fundo no inconsciente.”

Sobre os contos de Os Milagres do Cão Jerônimo assim falou Cassiano Ricardo: “Os contos de Péricles Prade penetram fundo o território brumoso do fantástico, num mundo alienante-surrealista cuja inteligência do texto se nega a qualquer tentativa de leitura ingênua.”

Luz e Silva é categórico: “Péricles Frade, sem favor algum, é a figura mais expressiva do conto fantástico brasileiro, podendo ser situado entre os escritores mais importantes da América Latina na atualidade.

Segundo Lauro Junkes “o fantástico de Péricles Prade, porém, longe de ser pura especulação de emoções fáceis, de cenas mirabolantes e espetaculares, assume multívocas variantes que o enriquecem bem mais com o sugerido do que com o declarado, enveredando pelos ilimitados domínios do surreal, do demoníaco, do mítico e sobretudo do subconsciente.”

Carlos Jorge Appel esclarece: “Pode-se entender, assim, a adesão de Péricles Prade ao fantástico como instrumento adequado para criar o seu mundo de ficção, porque se opõe ao falso realismo, que consiste em crer que todas as coisas podem ser descritas e explicadas como o dava por assentado o otimismo filosófico e científico de outros tempos.”

Pródigo em elogios, José Afrânio Moreira Duarte afirma: “Péricles Prade revelou-se um dos maiores contistas brasileiros na linha do realismo mágico, com Os Milagres do Cão Jerônimo."
Péricles Prade é escritor singular. O fantástico de seus contos não encontra similar em nossa literatura, mesmo em Murilo Rubião ou em José J. Veiga.

Não nos parece aconselhável a transcrição de trechos de poemas e contos. No entanto, apenas como amostra da singularidade de Péricles Prade, vejamos dois fragmentos de um de seus livros:
Quando, pela primeira vez, o gigante caiu no alçapão, o baque foi violento e surdo. Nas seguintes, a queda era suportada com prudência e habilidade." (“Alçapão para Gigantes”)

No cesto encontrei doze ovos de chumbo. Desconfiado, olhei para os lados na expectativa de uma presença desconcertante. Não houve equívoco, pois em seguida um corpo indefinido arrastou-se em minha direcção.” (“O Servo de Schedin”)

Para finalizarmos este capítulo, pedimos de empréstimo a Hermann José Reipert duas palavras: “E, assim, se escrevendo pouco ressoa tanto, fá-lo com mão de mestre e os latidos do Cão Jerônimo ainda por aqui estão, dizendo coisas que os homens não compreendem, mas compreenderão um dia, nesse dia em que souberem que somos filhos do mistério, embora representando tão mal a nossa triste condição de duendes.”

Fontes:
http://www.vastoabismo.xpg.com.br/6.html
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http://infernoticias.blogspot.com