terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Gianfrancesco Guarnieri (Eu e o teatro: uma vida em seis atos)

Guarnieri afirma: “Para chegar ao povo, não é necessária uma nova arte no teatro brasileiro, mas sim uma nova cultura.”

Primeiro ato - De calças curtas

Cheguei da Itália com dois anos e fomos para o Rio de Janeiro. Meus pais eram músicos. Meu pai, maestro; minha mãe, harpista. Estive pouco com eles. Convivi muito, desde a infância, com empregada. Uma delas chegou à minha casa quando eu tinha sete para oito anos. Ficou muito tempo com a gente, uns 12 anos.

Boa moça a Margarida, ensinou coisas importantes para o menino Gianfrancesco. Os pais trabalhavam o dia inteiro, ensaiando ou dando concertos.

Ela me mostrou um lado da vida que, em outras circunstâncias, eu não teria visto. Falo com certa familiaridade de pessoas, convivências com outras classes e os jovens de hoje ficam espantados. Morei em subúrbio e conheço favela. Era um meio de trabalhadores. Mas andei roçando pelo marginalismo mesmo.

A vida do menino Gianfrancesco: brincar na rua, tinha suas turmas, patotas. Jogava futebol, com bola de meia, ou de papel, amarrada com arame. Quando uma bola destas rebentou, ele levou uma aramada no rosto. Até hoje tem uma marca. Era isso. Brincadeiras de escola. A parte mais chata mesmo era o estudo.

Até hoje tenho inveja dos meus filhos, porque esse tal de sistema pedagógico mudou muito. Durante minha infância o bom era não ir à aula. Juntava-se uma turma de gazeteiros e se jogava bola”.

Ele aprendia mais na rua. Até com as figuras típicas do bairro, as diversas Chicas Malucas que existem em todo canto. Aquele tipo miserável que perdeu tudo, que ficou sozinha, com quem todo mundo goza, brinca e também tem medo. O menino vai guardar lembranças importantes. Esses personagens vão aparecer mais tarde, em suas peças. Até os nomes são verdadeiros. A Romana, em Eles não usam black-tie. Ela existiu. Era a mãe da Margarida

Romana, uma mulher de muita sabedoria. Ignorante, não sabia ler nem escrever. Não ouvia rádio porque não gostava. E ficava em um canto, pitando e sabendo de tudo. Mulher que a gente não sabia a idade. Nem Margarida sabia. Essa mulher teve os filhos à beira do rio. Falava-se que a avó tinha sido escrava. Povão brasileiro, típico. Saiu do campo e ficou na cidade. Criou os filhos, uns oito ou nove. Morava todo mundo entulhado num quarto. Eu gostava muito de papear com ela, ouvir coisas do campo e da vida”.

A favela. Também existiu. O Morro do Chico, uma favela muito pequena. Ali mandava Gimba, que não era realmente um malandro. Era mais guarda-costas de bicheiro. Muito forte, forte e brigador. Desses de brigar com duas equipes de policiais e bater nos oito. Parece que despinguelou depois, bateu lá por cima e sumiu. Ficou sete dias sem aparecer.

Ele era muito respeitado. E eu podia, com dez anos, andar numa barra pesada, porque era amigo do Gimba. Depois soube que esse Gimba, respeitado e tal, abandonou o negócio de bicho e deve estar ainda como salva-vidas, vivendo de turista americano”.

1944 – fim da guerra, bem antes da queda de Getúlio. Época diferente, bem diferente desse clima de banditismo de agora.

Feijoada no morro, comida na mão, que é muito gostoso, até com aquele bolinho na mão. Gianfrancesco teve mulher em puxado de barraco. E a sábia da dona Romana fechando a janelinha que ele tinha deixado aberta, para deixar o casal à vontade.

Mulher genial. Eu tinha 14 anos e acreditava que tinha arranjado minha primeira mulher na vida. Não era assim. A Margarida tinha arrumado tudo. Fiquei muito chateado, pensei que era precoce e não. Era a Margarida que tinha acertado tudo, planificado. Sei disso, porque ao voltar para casa ela estava me esperando com uma gemada e brincando muito comigo”.

No teatro. Desde os cinco anos acompanhando as temporadas líricas, de pé, do poço da orquestra, ouviu Wagner inteiro. Gostava daquele negócio de palco. Uma mágica extraordinária, refletores, cenários, maquinaria. Conhecia o regisseur. Ópera ainda era muito conservadora. E o regisseur falava da cenografia, da direção. Também não lhe passava pela cabeça ser dessa profissão. Fazer faculdade, ter diploma de médico ou dentista, uma profissão liberal. Qualquer coisa assim lhe passava vagamente pela cabeça. E os pais não forçavam a herança artística. Achavam muito duro. Exigiam talento, talento.

Eles tiveram muito sucesso, mas foi uma briga. Nunca estavam satisfeitos com as condições de trabalho. Perfeccionistas. Quase todo músico sério é. Meu pai reclamava de tudo – ‘Não tá legal’. Meu pai era um cara que, depois do concerto, se cuspia no espelho. Ele achava que um artista, se fosse realmente um artista, passaria por um enorme sofrimento”.

No colégio de padres a primeira experiência de teatro, amador. Colégio de padres porque a patota da rua estava lá. Na parede do colégio o nome de Mário Brasini, o homem que começou a fazer teatro na escola, no ginásio Santo Antônio Maria Zacharias. E, no recreio, Gianfrancesco descobre que o rapaz que faz o “ponto” está faltando para o ensaio. E também está faltando alguém para representar o personagem de um velhinho, na peça Honrarás Pai e Mãe, uma dessas peças educativas dos salesianos, de fundo moral edificante.

O castelo pega fogo e o velhinho escapa do calabouço. Entra no salão do castelo e ele, o velhinho, que perdeu o filho, lê em voz alta o que está escrito em um quadro: ‘Honrarás Pai e Mãe’. Eu empolguei meus companheiros”.

Gianfrancesco se torna comediante. Passa a fazer chanchadas. E escreve sua primeira peça, satírica, alegórica, metafórica, uma parábola. Sombras do Passado. Esse negócio de alegoria não é de hoje. Gianfrancesco não suportava o vice–reitor do colégio, um sujeito que obrigava todos os alunos a andar em forma junto à parede, e o primeiro da fila tinha uma régua de vinte centímetros. Ninguém podia andar nem mais nem menos distante da parede do que isso. Gianfrancesco representava na fila: simulava desmaios, mentia que estava se sentindo mal. E o vice-reitor era gago: “segunda Aa”, “segunda Bb”.

Em Sombras do Passado, várias pessoas vão comprar uma casa. Mas eram dominados por uma pessoa prepotente. A peça só passou porque o padre que tomava conta do teatro era muito bom, até largou a batina mais tarde. E os estudantes logo viram que o personagem prepotente era muito parecido com o vice-reitor. Começaram a gritar seu nome durante a representação. Gianfrancesco representou muito bem, foi aplaudido e recebeu congratulações, junto com uma cartinha pedindo que se retirasse do colégio. Ficou então conhecendo a censura.

Voltei para outro colégio, o Franco Brasileiro, onde comecei a ter um súbito interesse pelo movimento estudantil, quando tinha 15 anos, e levei o negócio muito a sério mesmo. Vi que, se eu não gostava da escola, é porque algo estava errado nela. Percebi a importância da educação para o país e a pouca importância que ele dava a ela. Começou a me vir na cabeça o problema da dependência cultural, da colônia sempre colônia”.

Nesse processo Gianfrancesco Guarnieri chega a ser presidente da Associação Metropolitana de Estudantes Secundários, em 1953, e secretário-geral da União Nacional dos Estudantes Secundários. Por causa do movimento estudantil fica marcando passo no curso colegial.

Secundarista não era igual a universitário. A gente sentia que precisava pegar essa moçada e dar um pau na máquina”.

Apesar dos dogmatismos próprios do meio, Gianfrancesco vai abrindo sua cabeça, enfiando algumas idéias nela e mudando por outras antes que fiquem muito endurecidas. Porque, todo mundo sabe, quando uma idéia toma conta da cabeça, depois é muito difícil abandoná-la.

E mais uma mudança. A família decide se mudar para São Paulo. Os pais são contratados pela Sinfônica de São Paulo. Ficar no Rio de Janeiro já não era possível. E Gianfrancesco estava ganhando muito pouco nessa época, trabalhando para uma construtora, fazendo o pagamento dos operários, ouvindo todas aquelas reclamações na hora de entregar o envelope. Ao menos, em São Paulo, teria casa de graça. Mas aquelas coisas que tomam uma vida não vão desaparecer de repente. Continua a ligação, em São Paulo, com o movimento estudantil, um movimento que tinha expressão, com participação intensa nas organizações estudantis.

Foi aí que nós sentimos a falta de um trabalho de ordem cultural. Ninguém pensava nisso. Resolvemos, muito acanhadamente, montar alguns showzinhos na UPES, bem mambembes, e com aquela necessidade típica de interessar, de abrir, de fazer as pessoas acordarem”.

Assim, o menino Gianfrancesco Guarnieri, filho de artistas italianos, homem do povo, amigo no morro, fraterno com sua empregada Margarida, completa sua educação básica e parte para a conquista da parte do mundo que deve lhe pertencer. Começa o segundo ato desta existência.

Segundo ato - O estopim


Em 1948 começa uma revolução no teatro brasileiro. Ela não é acompanhada pelo nosso personagem. Mas ele vai descobrir isso mais tarde. Em 1948 começa realmente uma renovação, mas é mais uma importação do teatro que é feito nos grandes centros, no Exterior. Os paradigmas: a Comédie Française, Old Vic. Então se forma o TBC – Teatro Brasileiro de Comédias.

A elite paulista está fazendo seu teatro e chamando diretores estrangeiros importantes. Eles darão uma contribuição inestimável e irão se esgotar. Mas, se não houvesse este movimento do TBC, iria demorar bem mais o encontro do caminho pelas pessoas do teatro brasileiro. Esses homens, esses estrangeiros, vinham com um desconhecimento completo do país, trazendo o que tinham aprendido, por exemplo, na Academia de Roma. Este era Ruggero Jacobbi. E até que ele era um pouco diferente. Conseguiu descobrir Gonçalves Dias. E escrevia para teatro. E tinha uma peça muito boa, chamada Leonor de Mendonça. Bom Ruggero, de uma cultura extraordinária, uma memória incrível, lia a noite inteira, tinha insônia. Sempre, sempre. O TBC é um estopim. Surgem outras companhias. A de Maria Della Costa, por exemplo.

E, em 1952, a primeira turma de formandos da EAD – Escola de Artes Dramáticas – forma o Teatro de Arena. Não havia sede: só o entusiasmo de Zé Renato, Geraldo Matheus, Xandó Batista. E a turma se reunia em um barzinho da rua Teodoro Baima. Principal problema dos rapazes: enfrentar os problemas de produção. Ninguém tinha dinheiro. Portanto, todos tinham que descobrir uma forma de teatro viável, que pudesse se deslocar com facilidade, atingir o público sem depender das tradicionais casas de espetáculo.

Se não fossem estudantes, qualquer um poderia dizer: gente pretensiosa essa. Mas eram estudantes, e resolveriam seus problemas: fazer teatro realmente para estudante. O que tinha na época? O teatro de Paschoal Carlos Magno, o Teatro Douze, de doze. Todos tinham dado muita gente boa. Mas não era isso que os estudantes queriam.

E surge o cérebro, na forma de um estudante de arquitetura: o Vianinha. Gianfrancesco ainda é um estudante secundarista. Nesse processo, nesses encontros, resolve-se formar um teatro dos estudantes, com universitários e secundaristas. O pessoal se interessa muito e lá, no meio, estão Vianinha e Flávio Império. As citações desses nomes não são gratuitas. São os dois que conseguiram levar a situação até isto.

O primeiro espetáculo do teatro dos estudantes se transforma em uma festinha, um negócio para a “sociedade”, um “tebecezinho” de jovens, com a montagem de uma peça de Lennox Holmes.

Ambiente da época: fofoquinhas, dissenções internas, o teatro dos estudantes começava viciado, com todos os defeitos que se conhece.

Ah, as vanguardas! Em teatro se é de vanguarda só porque se alugou uma garagem e se resolveu montar ali um teatro? Não. Vianinha, Ruggero e os estudantes terão uma conversa a sério. Não, absolutamente, não é isso que eles querem fazer. Montam uma plataforma. Primeiro ponto: ir para as escolas, com um repertório diferente.

Também é necessário promover a iniciativa. E tudo fica um pouco confuso ainda. Outra peça de autor conhecido é montada, uma de Labiche. Parece que os rapazes não sabem como fugir do repertório tradicional, do interessante, do muito engraçado, do puro divertimento.

O TBC fazia isso muito melhor, mas os estudantes vão participar do festival com a peça Está lá fora o inspetor, de Priesley. Há uma badalação na época. O público gosta. Gianfrancesco ganha o primeiro prêmio de interpretação.

Na televisão a “grande dama” Cacilda Becker tem um programa, na TV Record, A Chance na TV. E o prêmio se acumulando, está em 15 mil cruzeiros, e o TPE não tem dinheiro, não tem dinheiro para comprar refletores. Todos se inscrevem: Gianfrancesco, Vianinha, Mariúsa Viana, Raul Cortez e até Pedro Paulo Uzeda Moreira, mais tarde um dos introdutores do psicodrama em São Paulo. Gianfrancesco tira o primeiro prêmio e não fica sequer com dez por cento dele. E está duro. Com esse dinheirinho já podia pensar em fazer algo na vida.

Surge mais uma vez Zé Renato, do Teatro de Arena, fazendo uma proposta para o TPE, para o pessoal do TPE funcionar como support cast nos espetáculos. E o Arena cederia material e assistência técnica. Já é 1955 e o Arena acaba de inaugurar o teatro da Teodoro Baima, que ainda cheira a tinta.

Aparecem os descontentamentos, principalmente entre o pessoal do Arena. Zé Renato era o que mais defendia essa turma jovem, identificada com os interesses do Arena e ainda representando um bom negócio, um grupo de talento à disposição e que não pesava na folha de pagamentos. Montagens seguidas. Em primeiro A Escola de Maridos, de Molière; logo depois uma peça classe B, Dias Felizes, Vianinha e Gianfrancesco decidem: teatro é mesmo o que querem fazer e o que não sabem fazer. Precisam estudar, fazer um curso intensivo, ler o que nunca tinham lido, dedicação full time. E passam o TPE para Beatriz Segall.

Velha mania de estudante. Eles chamam todo o pessoal da Escola de Artes Dramáticas, os críticos, eles levantam a questão e lá está montado, no Arena, um curso intensivo, e duzentas pessoas ficam acompanhando aquilo. Aulas sobre história do teatro, estética, interpretação, direção. Pela primeira vez alguns ouvem falar de Brecht, com Júlio Gouveia. Todo mundo discute muito, há uma intensiva troca de bibliografia.

Zé Renato era o diretor e colocava as coisas na prática. Mas não podia assumir sozinho a continuidade do trabalho. Sábato Magaldi sugere o nome de Augusto Boal. Para o pessoal o nome era afrancesado mesmo: August Boá. Ninguém o conhecia. Um sujeito que vinha dos Estados Unidos. E como todo mundo gostava dos Estados Unidos naquela época! Mas Sábato foi o passaporte para Boal, porque se interessava pelo teatro nacional, pela dramaturgia nacional. Augusto Boal, nada disso. Apenas um descendente de portugueses, nascido no Rio de Janeiro. É que ele tinha ficado algum tempo na Colômbia, estudando dramaturgia, e chegou querendo utilizar a turma nova, riscando a antiga, e ainda acrescendo gente, como Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio e José Serber.

Actor´s Studio: uma preocupação nova para o pessoal, através do cinema. Boal surge com essa idéia de pesquisar interpretação. Porque todos sabiam o que não queriam, mas não sabiam ainda o que queriam. Certamente não era o estilo do TBC, esse estilo do Sérgio Cardoso em Hamlet, da Maria Della Costa. Não, vamos estudar um comportamento nosso, que tenha mais a ver com a nossa cultura. E ainda assim persistia o problema da dramaturgia. Todos os rapazes estão cheios de coisas a dizer neste momento, só ainda não sabem o quê. Então, a elaboração de Ratos e Homens se torna muito importante. Muitas discussões, 24 horas passadas dentro do teatro. Logo a seguir, Juno e o Pavão. Esta fase se chama de pré-fase do Teatro de Arena, e vai de 1952 a 1955.

Ratos e Homens. Um marco. Sucesso de público e bilheteria. Ninguém estava acostumado com aquela forma de atuar, largada, os atores relaxados, não na cara, no nariz. Um espetáculo elaborado de dentro para fora. Não era para se aboletar em uma forma e fazer daquela forma. A forma realmente existia porque havia algo concreto a ser formalizado. Os passos seguintes do Teatro de Arena são alguns retrocessos. Zé Renato resolve voltar ao repertório estrangeiro classe B. A única peça nacional desta época, no repertório, é uma que Boal não gosta sequer de ouvir o nome: Marido magro e mulher chata. Um pecadilho de Boal. Mas deu lucro. Depois vem Esta noite é nossa. A burguesia paulista adora e a peça faz enorme sucesso.

E o pessoal ali, sem uma democracia interna, sem muita discussão. A ação correndo lá no palco e todo mundo lá no alto, na cabine de luz, lendo Lima Barreto, Machado de Assis. Esse todo mundo é mais Gianfrancesco e Vianinha.

Aqui ocorre algo de especial com Gianfrancesco Guarnieri. Por puro divertimento, ou seja por que for, ele resolve escrever uma peça nessa época: Eles não usam black-tie. O texto é lido para o pessoal do TPE, na casa de Beatriz Segall. O crítico Sábato Magaldi está lá. E o Arena estava a ponto de abrir falência. Vianinha tinha se mandado para o Rio de Janeiro. Boal, sem ter o que fazer, foi dirigir outra companhia. Aliás, foi dirigir Dercy Gonçalves. Grandes discussões. Ninguém aceitava isto. Só restaram o Zé Renato e o Flávio Império para ser diretor de teatro. E já que estava nesta situação, toca a montar Eles não usam black-tie.

Olha, mas que coisa bem sacada. Um grande sucesso, algo que deu realmente certo. Eles não usam black-tie: Lélia Abramo no papel principal; Eugênio Kusnet fazia o pai; Gianfrancesco, o Tião; Miriam Mehler, a namorada do Tião; Celeste Lima, Tezinha, Riva Nimitz, Chico de Assis, Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio é Chiquinho, sob protesto, porque tinha que representar um garoto de dez anos. Esta peça tem um mérito: ser a primeira encenação da dramaturgia nacional atual com temática urbana.

E se completa assim o ciclo que chega ao começo da idade do compromisso de Gianfrancesco Guarnieri, garoto imigrado, brasileiro por paixão, irremediavelmente comprometido.

Terceiro ato - De black-tie

Mil a mil e duzentas pessoas acompanham cada representação de Eles não usam black-tie. A conclusão é simples: é a isso que o pessoal deve se dedicar. Quem tinha se afastado, volta. Nessa época também começam a acontecer as manifestações novas na música, o cinema começa a dar seus primeiros e bem decididos passos. Jorge de Andrade volta a escrever. Época do presidente Juscelino. Há um ambiente nacional em que todo mundo parece respirar. Debate aberto em todo lugar, nas TVs, rádios, jornais. Ninguém conseguia ficar parado, não tinha silêncio, não tinha fossa.

Quarto ato - O Arena

Chapetuba F. C., de Vianinha, já é um passo seguinte, acompanhado por outras representações de autores novos. E eles estão se apresentando até através do Seminário de Dramaturgia. Gimba viaja em 1959. Gianfrancesco Guarnieri volta da Europa, em 1960. Em 1961, mais um passo. O TBC está em crise, por fechar. A classe teatral se mobiliza, vai para a porta do teatro para impedir que isto aconteça. E começa a nova fase do TBC. Só são montados textos de autores nacionais: A Semente, de Guarnieri; O pagador de Promessas, de Dias Gomes, A Estrada, Vereda da Salvação, A Escada e Os Ossos do Barão, todas de Jorge de Andrade. O TBC é assumido pelo governo. E tudo isto muda no ano seguinte. O novo governo já não apóia o TBC, que poderia ter sido nosso Teatro Nacional.

Zé Renato resolve vender o Arena. Boal, Gianfrancesco, Milton, Paulo José, Flávio Império e Juca de Oliveira resolvem comprar o teatro. E tem início nova fase: autores clássicos e nacionais. As remontagens de Eles não usam black-tie, A Mandrágora, O melhor juiz e, o rei (que excursiona pelo nordeste). Em 1963, Gianfrancesco Guarnieri escreve O Filho do cão. A peça fica em cartaz até fins de março de 1964. Mudanças políticas, clima instável, teatro parado. Há um recesso. O Arena retorna à atividade com O Tartufo, de Molière.

Frente à nova realidade política do País, a reação surge em Arena conta Zumbi. E, pela primeira vez no Brasil, é utilizado o sistema do “coringa”, com todos os atores se revezando em todos os papéis. Na mesma linha, a montagem de Arena conta Tiradentes. A última manifestação é a Feira Paulista de Opinião. Em 1968, surge o AI-5.

Quinto ato - A diferença

Existe um teatro tradicional, que é político; existe um teatro chamado de vanguarda, que pode ser descaracterizado politicamente. Acho que não há uma ligação entre tradicionalismo e outras formas, entre o fato de ser político ou não. Se o autor procura tratar do seu mundo, da sua realidade, se ele quiser realmente se aprofundar, dificilmente vai deixar de ser político. Todas as peças têm o seu posicionamento.

O que não gosto mesmo é das peças de tese, peça de propaganda. Em geral, elas acabam tendo o efeito contrário. Não se pode esquecer que teatro é arte. É indiscutível que, em determinadas situações do processo histórico de um país, o teatro, a forma teatral, pode ser usada em campanhas, discussões. O teatro pode ser usado para a alfabetização, por exemplo. Mas aí já é uma utilização da forma dramática para se ganhar em expressão na busca de um objetivo prático. E isso não quer dizer que estará havendo uma elaboração artística. Essa é a distinção que precisamos fazer, do teatro como uma obra de arte e a forma dramática usada em outro sentido.

Há uma diferença entre fazer política com o teatro e fazer teatro como a forma de expressão de um artista filtrando a realidade. Por teatro político entendo quando um autor não desvincula os seus personagens de uma sociedade igual à dele e procura refletir esse processo em todos os campos, inclusive no campo político
.

Essa foi uma grande discussão, em torno do trabalho do CPC no Rio de Janeiro que tinha diferenças bem acentuadas de outras iniciativas, como o Movimento de Cultura Popular, no Recife. O que seria um teatro popular? Seria aquele que procurasse aprofundar sua realidade, procurasse o máximo de eficiência estética para maior comunicação com um público sem qualquer tradição de teatro. O público, por mais ignorante, sabe perceber ao primeiro contato se o autor está querendo lhe impingir algo ou se está lhe apresentando alguma coisa que ele sinta como resultado de uma experiência aprofundada, autêntica, verdadeira e sincera. O teatro popular, que sai do povo e vai encontrar esse mesmo povo, é essencialmente um teatro político.

Essa problemática toda tem que desabrochar em coisas práticas. Todos os problemas têm que ser solucionados na base da terra. Existe um tipo de teatro que escamoteia isso, levando a solução dos problemas para a alienação, querendo demonstrar que na terra é impossível a solução de uma tragédia. Uma visão mais objetiva prova o contrário. É aqui, unicamente, que se pode dar soluções aos problemas e o homem deve agir politicamente, deve chegar a essa consciência.

Desde 1950 temos um teatro de inspiração popular. Digo de inspiração para evitar essa confusão de que teatro popular só pode ser feito para as grandes massas.

É importante distinguir se o teatro se coloca na perspectiva do povo ou se se coloca na perspectiva de determinadas camadas dominantes. Na década de 50 tivemos a procura de um Teatro Nacional Popular, com raízes na nossa cultura, na nossa maneira de ser e nas perspectivas de quem sofre mais agudamente. Foi quando os personagens do nosso teatro deixaram de ser burguesia e os grandes personagens foram figuras do povo. Foi a primeira vez que se apresentou o operariado em cena, não mais servindo como contraponto ao desenvolvimento de uma temática do senhor da terra, mas como temática do próprio homem do campo ou da cidade. Esse teatro que fizemos através de alguns piques isolados de grupos, chegou a atingir uma parcela do que a gente pode chamar de povo.

Em três peças, especificamente, tivemos uma experiência mais profunda de ligação com o povo: Eles não usam black-tie, Revolução na América Latina e O melhor juiz e, o rei. Na medida em que se fale claramente, que não se intelectualize, que não se faça abstrações a ponto de se cair em um papo só para eleitos, então mesmo uma peça feita em redondilhas é entendida e perfeitamente aceita pelo povo. No Norte, o povo dava nota para o que se estava representando. Durante a apresentação de O melhor juiz e, o rei, de Lope da Vega, em uma adaptação minha e de Boal, o público, às vezes, dava nota cem para o lavrador que se opunha às vontades do senhor feudal.

Experiências foram feitas, porém sempre isoladas e sem continuidade. Este não é um trabalho só do teatro. É uma questão de orientação da cultura. Mas acho que é muito importante o trabalho dos grupos periféricos que lidam com teatro popular. É preciso que essas pessoas não se conformem. Sei que há muita dificuldade com o problema do repertório, porque não há qualquer apoio. Esse pessoal realmente trabalha por teimosia. Não são necessários cinqüenta mil refletores para se fazer teatro. Pode-se fazer ainda com um mínimo de recursos precários.

Nosso teatro de espetáculo, em geral, é muito elitista, inclusive na linguagem, o que faz com que o povo sinta que não é coisa dele. Nosso teatro está num compasso de espera. O que precisa reencontrar é a linguagem descoberta já na década de 50. Precisamos estudar os problemas do país e nos aprofundarmos neles. Não se queira esperar também que, com todas as dificuldades atuais, surja um artista importante. Só vai aparecer esse artista quando surgir uma nova realidade. Não estamos exigindo uma nova arte no teatro brasileiro, mas sim uma nova cultura
”.

Sexto ato - O circo

O último ato: a criação, a reflexão, cinema, teatro, TV; circo. O que podem as frases diante da vida? Mas as frases existem e são parte da vida.

Quando Roberto Santos me chamou para fazer cinema no Grande Momento, minha vida mudou. Meu papel era de um cara do povão, eletricista, corredor de bicicleta, que vai casar. O filme é de 1957 e continua sendo exibido até hoje. O cinema tem um caráter de documentação: pode arquivar no tempo manifestações que iriam desaparecer. Outra questão importante no cinema é a relação de trabalho: você está diretamente em contato com o trabalhador. Isto também existe na TV: o contato com a turma da pesada, como eu digo. O teatro tem o perigo de isolar o ator em igrejinhas. No cinema, este contato ajuda a desalienar.

Há muito tempo não nego a TV. Estou dentro da TV. Mas ando meio afastado. Não é um repúdio. Prefiro me dedicar mais ao cinema e ao teatro, porque estão contribuindo mais para o desenvolvimento da dramaturgia do que ela. A TV obriga o indivíduo a exorcizar suas necessidades primeiras e ficar completamente robotizado e colonizado culturalmente. Em alguns casos, existe uma quebra circunstancial desse esquema. Por exemplo: o esforço que o Bráulio Pedroso está fazendo no Casarão, que é uma tentativa de mostrar ao espectador seu país e sua história... Mas entre cada capítulo tem aquele montão de anúncios... e para que o espectador perceba isso, tem que ter visão crítica.

Para elaborar uma peça, sempre faço de conta que não estou trabalhando nela. É deixar correr e esquecer o trabalho. Fico procurando juntar as coisas que mais me tocam e me afetam. Procurando ampliar, entender e generalizar as coisas que acontecem. É um processo interior, com muito de cabeça e de coração. Não anoto qualquer coisa. É nessa hora que começo a discutir com as pessoas sobre o que estou fazendo. É nessa hora em que leio sobre o tema e investigo tudo, ou quase tudo, sobre minha futura peça. E... de repente, vem a vontade e a necessidade de sentar e escrever. Escrever é só o trabalho de bater à máquina, pouco tempo. O que mais me atrapalha é quando eu me detenho e começo a pensar que estou elaborando alguma coisa. O negócio todo precisa vir quase como um vôo. Se eu vejo a coisa como trabalho, então complica tudo
”.

Última peça: Ponto de partida

O fundamental em Ponto de Partida é a eterna luta do velho contra o novo. A ação se passa numa aldeia imaginária afastada no tempo. Essa aldeia entra em crise por causa de uma morte. Esse acontecimento será o centro da luta que vai se processar e demonstrar o choque do poderoso e do fraco. Ele será o gerador do elemento novo que se produz nessa crise.

Fonte:
Por Rui Veiga, Ana Maria de Cerqueira Leite, Hélio Goldsztejn e Vitor Vieira
Revista Versus 6 • outubro de 1976 - http://www.versus.jor.br/

Gianfrancesco Guarnieri (Upa, neguinho)

composição de Edu Lobo.

Upa, neguinho na estrada
upa, pra lá e pra cá
virge, que coisa mais linda!
upa, neguinho começando a andá
começando a andá, começando a andá
e já começa a apanhá
cresce, neguinho e me abraça
cresce e me ensina a cantá
eu vim de tanta desgraça
mas muito te posso ensiná
capoeira, posso ensiná
ziquizira, posso tirá
valentia, posso emprestá
mas liberdade só posso esperá
patá tá tri
tri tri tri
trá trá trá

Vocês devem ter notado que quase todos os versos da letra fazem rima em "á": cá, andá, apanhá, cantá e por aí vai. Mas, você poderia se perguntar: está certo escrever "apanhá"?

O r não cai apenas quando o verbo se liga aos pronomes o e a, que assumem as formas lo e la? Sim, é verdade. Rigorosamente, no padrão culto da língua, apenas nesse caso o verbo "apanhar" assumiria a forma "apanhá". A composição não pretende ser escrita na linguagem culta, mas numa espécie de dialeto que é a língua dos africanos trazidos para o Brasil e de seus descendentes. É a língua dos escravos, a mesma que nos deixou o delicioso sinhô no lugar de senhor, por exemplo. É esse idioma que vamos encontrar na literatura que tematizou o negro e as perversidades a que foi submetido pelo branco dominador. Assim, no famoso poema "Essa negra Fulô" (1928)

Ora se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê do meu avô
uma negra bonitinha
chamada negra Fulô

Essa negra Fulô
Essa negra Fulô

Ô Fulô! Ô Fulô!
(Era da fala da Sinhá)
pentear os meus cabelos
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô. (...)

O poema é longo, narrativo e trata da vida de tormentos da negra Fulô, invejada e maltratada pela Sinhá e desejada pelo Sinhô; e nos "Poemas Negros" (1947), ambos de Jorge de Lima, vamos encontrar uma dicção, uma fisionomia parecida com a que vemos em "Upa,neguinho", que faz parte da peça Arena conta Zumbi.

A canção é aparentemente jocosa, leve, cheia de graça, como é essa língua meio portuguesa, meio africana. A interjeição "upa", tantas vezes repetida ao longo da música, dá ainda um ar brincalhão e mais graciosidade a essa fala de alguém que vê uma criança negra ensaiando os "primeiros passos e as primeiras decepções" (upa, neguinho, começando a andá, começando a andá, começando a andá e já começa a apanhá).

Repare que é de longa data o trabalho infantil neste país, onde o crioulinho sai do ventre da mãe direto para o mundo do trabalho forçado. Mas o eu da composição, que, como vamos saber mais ao fim, é um negro adulto, que veio de tanta desgraça, de alguma maneira se alegra e se reconforta na visão do neguinho (cresce, neguinho, e me abraça, cresce e me ensina a cantá). Só o pequeno escravo pode fazer com que seu sofrimento tão grande desapareça por um momento. Sabe-se que, quando se é intensamente explorado e humilhado, a auto-estima é a primeira coisa que se perde. O explorado, de tanto ser explorado, acaba pensando como o explorador, ou seja, acaba achando que ele próprio não vale grande coisa e que merece o desprezo dos outros. O explorador faz que o explorado, de tanto ser explorado, pense que ele, explorado, só merece ser explorado. A coisa é redundante mesmo. É um círculo vicioso. Mas, nessa canção, o escravo adulto adquire um grãozinho de auto-estima ao ver o negrinho. Ele se dá conta de que pode ensinar algo a ele, que possui um saber que vale a pena ser transmitido: capoeira, ziguizira (Significa doença, moléstia), valentia... O escravo adulto conhece formas de luta e brincadeira (a capoeira), conhece artes curandeiras (ele pode tirá a ziquizira) e tem na valentia sua forma de dignidade. Mas essa dignidade é ao mesmo tempo limitada. Ele não tem o principal: a liberdade, que é o que faz um homem ser homem. Esse escravo tão humano e sensível, sabedor de tantas artes, é tratado de forma infra-humana: liberdade só posso esperá...

Sem liberdade, não há auto-estima que se sustente. A auto-estima do negro adulto é capenga como os passos do negrinho, cujo desenvolvimento, muito paradoxalmente, se acompanha de mutilação: ele começa a andar, a se desenvolver, e já começa a apanhar. Mas ainda assim existe graça, poesia, em seus passos desajeitados, de criança que mal consegue se equilibrar ainda: essa é a graça da música, que trata no entanto de assunto tão grave, tão espinhoso como a escravidão, a opressão social. Afinal, era preciso sobreviver de alguma maneira, era preciso fechar um pouco os olhos e cantar em meio a tanta desgraça.

Fonte:
Priscila Figueiredo. Alô Escola.
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/poesias/guarnieri-edulobo_upaneguinho.htm

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Tarcisio Costa (Caldeirão Literário do Ceará)

O Meu Viver

O meu viver não é uniforme,
Ele tem curvas,
mas é também linear.
Ele tem altiplanos,
mas tem suas depressões,
Ele é sorriso,
mas às vezes é tristeza,
Ele é tumulto,
mas é também paz,
Ele não é soma
nem divisão,
Ele não é amálgma
nem ferro gusa,
É, quem sabe,
a média de tudo.

Meu viver são fragmentos,
São “flashs” dos meus momentos...
Ele foi o ontem, ele é o agora
E poderá ser o amanhã...
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Poesia em Conflito nos Corações

Poesia, rigor das regras, obra prima,
Musas, sonhos, encantos, inspiração,
Alma e enlevo, encontro, repleta emoção!
Tantos amores, sonhos... obras sem rima...

Cantilenas, sem pé, se cabeça, sem fim,
Transtorna a natura, borra o firmamento,
A musa confusa invade o pensamento,
Reverberações qu’indefinem o sim.

Oh! Bardo em vão o teu fecundado lirismo,
Seguiu nas contravias do parnasianismo,
Conflito de indefinidas emoções...

Poetas! Versos impuros improvisados,
Gargalhares com ais e prantos derramados,
Dos feridos, maltratados corações.
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Falta de Um Amor

A cadência da poesia
Tem das fadas, a beleza,
É sonho, é encanto é certeza
Do palpitar da alegria.

Som plangente do violão,
A duetar com o violino
No toque do feminino,
No agito do coração...

Esses meus sentidos versos,
Um bradar de um sonhador,
São sentimentos inversos

De um ilusório clamor.
É o meu sonhar, é emerso
À procura de um amor.
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Alternâncias

A vida é uma soma de circunstâncias.
Em tudo estão surpresas, não há linearidades.
É uma sucessão perene de alternâncias
A vida, assim, é ajustada em novidades.

A alegria, a dúvida, a incerteza,
São contrastes representados
Pelas perdas ou sucessos não colimados
Ou pelas láureas, a magnitude da grandeza...

Há uma permanente busca de soluções,
O que impõe maior dinâmica à vida,
Para serem evitadas as apreensões.

Até a serenidade da alma
É entremeada de dúvidas e de ludíbrio.
Daí, vem a inevitável perda da calma,
O embrião do desequilíbrio.

Advêm, então, a razão e as emoções,
Pilares que sustentam o inconsciente
De uma forma peremptória, permanente,
São os reflexos das ações.

Apenas a noite e o dia são alternâncias,
Programadas, adrede, pela natureza,
O que significam uma constância
A única certeza...

Tudo, no entanto, são apenas os meios
Ou, apenas, mero instrumento apoiador,
Que, no arroubo dos entremeios,
O objetivo final é O AMOR!
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A Mulher e a Poesia

Veja, preste atenção,
Que cuidado teve a natureza,
Para deixar o mundo com mais beleza!
Criou o céu enfeitado de estrelas...
Criou o jardim e deu-lhe a flor,
Para encantar, criou a mulher,
Para existir o amor...

A mulher, embora imperscrutável,
É doce, é amiga, é amável, é alegria,
É, para o poeta,
A mais bela fonte de inpiração,
Para nascer a poesia.
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Sobre o Autor
Tarcísio Ribeiro Costa, nasceu na cidade de Ubajara - Estado do Ceará, Brasil. Até os 15 anos de idade estudou interno no seminário, concluindo, depois, os seus estudos em Fortaleza, capital do estado, onde exerceu várias atividades, tanto no setor privado como setor público, quando foi Diretor da então Secretaria de Viação e Obras do Estado do Ceará.
Transferiu-se para Brasília em 1982, exercendo várias funções, inclusive, como Assessor-Chefe da Presidência de uma estatal. Aposentando-se no início de 2000.
ATIVIDADE LITERÁRIA
Colaborou com crônicas, por algum tempo, na década de 60, em um jornal diário de Fortaleza, capital do Ceará.
Ao se aposentar passou a escrever um pretenso livro em que revelaria curiosidades da vida de Lampião, trabalho esse, não concluído.
OBRA LITERÁRIA
Desde 2002, passou a escrever poemas e algumas crônicas. O seu intercâmbio com grupos de poetas o estimulou a publicar as suas poesias, sonho que se tornou realidade, em 27 de agosto de 2004, com o lançamento do seu livro Poesia... Sonhos... Saudades...
No ano de 2008, no dia 21 de maio, lançou o seu novo livro “O Silêncio dos Luares”.
Trabalha no projeto do seu novo livro, com edição prevista para 2009.

Fontes:
http://www.tarcisiocosta.com.br/
Varanda das Estrelícias.

Isabel Ferreira (1958)



Vou embora

Vou embora amanhã
levo a cratera, o frêmito…
A neblina dos meus olhos
deixo-ta como lembrança

Nos dias de solidão
não terás a minha mão
suave como a seda
na tua fronte furacão!

Vou embora amanhã
levo apenas os chinelos
aqueles que me deste
no dia dos namorados

Vou embora amanhã
deixo tua soturna sombra…
No teu quarto a penumbra
não apagará o meu penedo…
=================
Desilusão

Caí em letargia…
Meu sonho adormeceu profundamente…
Ficou num par de fronhas virgens…
Estreadas em noites de volúpia…

Sonho bordado
Nas fronhas dum hotel
Vidas aneladas
Pontos cheios de suspiros sem gemidos…

Juntos dormimos
Mas nossos sonhos
Esses!
Adormeceram
Num par de fronhas…

======================
Marginal do teu corpo
(a confissão do outro)

No teu corpo adormeço
Horas longas permaneço
No asfalto da noite…
Revejo cenas do dia

Repasso atos alheios
Extasiado!
Vejo-te…virgem… Beijo-te nua
Serena só para mim!

Viro-me todo… Abro tudo…
Cuidados me cercam
Tuas curvas lânguidas… imagino:
– invejo o prazer alheio:
– deixo fluir as mágoas
Beijam-me águas luandinas
Na curva da madrugada…

Sinto a maresia
A farfalhar-me o ouvido
Solto-me…Venho-me…
Esqueço-me de tudo!
Tudo esqueço
Até minha condição precária!
====================
Do homem para homem

Busquei com ardor a liberdade
Construí castelos de esperança
Rasguei vendavais abri atalhos
Quebrei galhos…

– Fiz-me herói: – Ganhei!
Os rios cederam meus anseios
Manhãs a tudo anuíram
A cada dia novos manjares

Cada sonho…
Meu real elevado!
Esqueci-me dos pedintes
Dos mendigos outrora…

Agora…
Meus inimigos
Sou dono do mundo


(Des)abafos

Murmuro-te com olhar:
– Oh suplício infindo…
Dias vazios sem pão
Noites cheias de solidão

Trago minhas mãos vazias
Trago a dolência no rosto
Tua mansão de muros altos
Cheiro a rico manjar

Caminho entontecido sem dor
Aonde me leva o olfacto:
– Dizem que sou um pária…
– Que importa?
Se no teu desdém
Eu tiro a barriga da fome…
===================
Entre alma e lençol

Uma noite eclipsada amante (in)discreta
Ante o espelho encena o enredo idílico
Pousa nua rodopia de desejo
Um piano de gemidos

Em plena doação nada recusa…
Oh,! Quanta loucura em noites escuras!
Enquanto isso…
Angustiante espera da musa fiel

Entre teto e tédio
Mora a aliança

Entre alma cheia e lençol vazio!
============================
Sobre a Autora
Isabel Ferreira (1958)

Isabel Ferreira (Luanda capital de Angola, a 24 de maio de 1958) é uma escritora angolana. Ainda menina pegou em armas, mas entre a guerrilha e a música – diz a escritora –, a arte falou mais alto e ela passou a fazer parte de um grupo musical que tinha como objetivo elevar a moral dos guerrilheiros nas frentes de combate.

Formada em Direito, em Luanda-Angola e na Escola Superior de Teatro e Cinema na Amadora-Portugal. Paralelamente à música, Isabel Ferreira concluiu o curso de Direito. Advogou em Huíla e em Luanda, na Angola, mas nunca abandonou a arte.

Obras
Laços de Amor (poesia, 1995)
Caminhos Ledos (poesia, 1996)
Nirvana (poesia, 2004)
À Margem das Palavras Nuas (poesia, 2007)
Fernando daqui (romance, 2007)
O Guardador de Memórias (a ser lançado no Canadá)

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Fontes:
- Filomena Gioveth & Seomara Santos. O Amor tem Asas de Ouro. Antologia da Poesia Feminina Angolana. 1. ed. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2005.
- União dos Escritores Angolanos.
- Foto = http://www.angoladigital.net

Eddyr O Guerreiro (Apenas Guerreiros Brasileiros)


Hoje vi meu pai tristonho
Sentei-me a seu lado onde seu olhar
Fixava-se num nada...
Um forte silencio reinava
Eu ali sentado no banquinho junto a ele
Banquinho no pátio do prédio em que moramos...
Eu não conseguia ficar sem olhar em seus olhos
Assim ele me ensinou,
Que ser sincero com o próximo
É ficar diante dele e falar dentro de seus olhos
E assim eu fazia,
Estava mostrando pra meu pai
Minha sincera preocupação
Daquele silencio que eu não entendia
Mas que ali reinava...
Hoje ele tinha um brilho estranho em seus olhos
Olhos alegres que muito eu admiro, amo.
Parecia querer chorar, eu também,
Mas não resisti,
Não resisti e minhas lágrimas desceram
Eu senti uma dor que não sabia qual era
Mas pensei ser a dor da dor que meu pai sentia...
Arrisquei perguntar
Porque aquele silencio ele fazia reinar
Suavemente ele me respondeu
Perguntando porque eu estava a chorar...
Meu silencio também se fez reinar
E nossos olhos começaram a conversar
Sua voz aos poucos foi se soltando
E eu atentamente procurava escutá-la
E ao mesmo tempo querendo entender
As palavras que ele suavemente empregava...
Seus olhos mais brilhavam
Sua mão descansou sobre minha cabeça
Puxou-me contra seu peito
E me perguntou o que eu escutava...
Era seu coração amargurado batendo velozmente
E ele falava, falava no que seria de nós no futuro...
Ele me perguntou se eu sabia o que ele falara
Eu dentro de uma inocência, porém esperta;
Disse compreender...
Eu sabia e sentia que ele estava me preparando
Preparando-me para um mundo desconhecido
Que o espaço que eu ocupava
Era o mínimo,
Mas eu já dava os primeiros passos
De um conhecer ao desconhecido
Seus olhos brilhavam, mas suas lágrimas,
Teimavam em não se derramarem
Então pensei estar chorando por mim
Estar chorando por ele...
Tão novo eu sou
Tão curioso me faço
Tão esperto para meu pai me mostro ser
Não só ele sabia de minha esperteza,
Como procurava me fazer entender
Aquele seu momento de silencio
Onde apenas me disse
Para que eu soubesse encarar o desconhecido
Que nosso país estava sendo entregue aos desconhecidos
Mas, que eu nunca deixasse de amá-lo,
Mas que eu nunca deixasse de fazer valer minha voz,
Mas que eu nunca deixasse de ser povo...
Ele falava para que eu nunca tentasse adivinhar o futuro
Ele falava para que nunca fizesse planejamentos quanto ao futuro
Ele falava para que nunca questionasse o presente
Mas que vivesse o presente
E tomasse o passado como lição
Pois os erros do passado
Era a ferramenta para o conserto do presente.
Essas palavras soaram estranhamente
Presente, passado, futuro, ferramentas.
Consertos, palavras, minha voz...
O brilho de seus olhos
As lágrimas que teimavam em não derramarem
Eu queria, hoje vê-lo chorar!
E eu chorei, encostei mais uma vez,
Dessa vez por minha conta,
Minha cabeça em seu peito e entre soluços baixinhos
Perguntei se ainda éramos guerreiros
Ele afastou minha cabeça de seu peito
Um leve sorriso brotou em seu rosto e ele afirmou,
Afirmou que muitos guerreiros como nós,
Muitos ainda iriam lutar e padecerem dentro de nosso país
E nessa luta não haveria heróis não haveria covardes
Apenas guerreiros brasileiros.
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domingo, 4 de janeiro de 2009

João Oliveira Verlangieri (Acróstico em Homenagem a ONE- Ordem Nacional dos Escritores)


Orgulhosos, por nos reunirmos neste augusto sodalício.
Rendemos mil graças ao Menino Deus por seu natalício!
Desenvolve-se neste o ato, a adoção de novos associados:
Escritores que materializaram seu pensamento acumulado,
Meticulosamente gravaram no livro de ouro da ONE, seus nomes no frontispício!

Nas palavras entrelaçadas, tecem seus compêndios os escritores!
Arquitetura dos sonhos e pensamentos de seus autores,
Cada estória, cada lembrança, cada fato da história.
Indicam a consubstanciação da memória, na escrita!
Ousam, desafiam, transpiram letras e versos como dever de artista:
Nascem nos livros desta forma como verdadeiros rebentos,
Acumulados de rabisco, ora despretensiosos, desnudando sentimento.
Lanternas de luz intensa, que os corações conquistam.

Decerto esta manhã é deveras especial:
Organizada pela Ordem Nacional dos Escritores,
Sintetiza este grupo seleto de valor exponencial!

Eis que passamos ao momento da condecoração,
Selando o reconhecimento por tanta dedicação!
Carregareis no peito agora, queridos e novos confrades,
Rica medalha que exalta Platão, o Grande Pensador!
Impõe esta Comenda um compromisso de cabal importância:
Trazê-la próxima do coração requer lealdade e constância!
Olhar para ela significa ver ali naquele espaço, a si próprio espelhado!
Rogo, pois, ao Pai Celeste, abençoá-los imensamente:
Espargindo sobre vós Sua proteção permanente,
Sejam vossas vidas enriquecidas e o futuro como escritores eternamente selado!

Cel. Res PM João Oliveira Verlangieri
Presidente do Gabinete de Leitura Sorocabano
Sorocaba, 15 de dezembro de 2008.

Fonte:
http://www.cintianmoraes.com.br/ONE/index.htm

Gabinete de Leitura Sorocabano

1886 - Rua de São Bento e Largo da Matriz (Atual Praça Coronel
Fernando Prestes, centro da cidade) com o Gabinete de Leitura Sorocabano,
ainda hoje no mesmo local. No fundo o Mosteiro de São Bento.
Foto de Júlio W. Durski
O Gabinete de Leitura Sorocabano foi fundado em 13 de janeiro de 1867 com o objetivo de oferecer entretenimento e incentivar a sociabilidade num ambiente que unisse membros de origem alemã aos brasileiros.

A história começou na verdade em 1866, sob a liderança de Maylasky, Jeremias Wenderick e Francisco Berendt, através da reunião realizada na residência do Sr Wenderick, quando se obteve associados em número necessário para que houvesse a fundação da entidade.

Em 3 de Novembro de 1866, houve reunião na casa do Sr. Jeremias Wenderick composta de alemães nesta cidade , com a finalidade de obter associados para fundar o Gabinete de Leitura Sorocabano, tendo obtido 31 Associados e depois de discursar, o Sr. Luis Matheus Maylasky, procede a eleição do diretório com o seguinte resultado: Presidente- Luis Matheus Maylasky, Tesoureiro: Sr. Jeremias Wenderick e Escrivão Francisco Berendt e foi nomeado uma comissão de Contas para organizar o Estatuto qual foi aprovado por todos. Nos primórdios daquele ano, o Gabinete de Leitura funcionou em uma modesta casa da rua da Ponte, que se tornou ponto obrigatório das pessoas mais conceituadas da época que ali se congregavam em franca camaradagem, a fim de ler os jornais e tecer considerações em torno dos assuntos do dia

Em 13 de Janeiro de 1867 a associação tornou-se realidade e o Gabinete de Leitura funcionou em uma modesta casa da rua da Ponte, que se tornou ponto obrigatório das pessoas mais conceituadas da época que ali se congregavam em franca camaradagem, a fim de ler os jornais e tecer considerações em torno dos assuntos do dia.

Em 1875 com a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana, começou para Sorocaba uma nova era de progresso, fadada a grandes sucessos, quando o campo da arte industrial começou a prosperar, o comércio desenvolveu-se consideravelmente e, em decorrência, tornou-se importante a cultura do algodão. Homens ilustres, e atraídos pela amenidade do clima sorocabano e pela atividade que reinava em todas as artes e ofícios na cidade, nela vieram instalar a sua tenda de trabalho profícuo. O Gabinete de Leitura Sorocabano sentiu-se influenciado por essa prosperidade vertiginosa. Em conseqüência disto às palestras que eram realizadas, tornaram-se cada vez mais animadas e o seu quadro de associados foi aumentou surpreendentemente.

Ao cabo de alguns anos, mercê de generosidade de novos associados, observou a diretoria que a pequena coleção de livros doada pelos fundadores tinha crescido tanto que o acanhado prédio já não podia comportá-lo, na sua atual instalação.

Devido este fato, a sede social foi transferida primeiramente para um sobrado na Rua Direita (hoje Dr Braguinha), mais tarde para um sobrado na Rua da Penha, onde, abaixo, situava-se a farmácia Vasconcellos e posteriormente transferiu-se para uma casa no largo da Matriz (hoje Pça.Cel. Fernando Prestes). É bom lembrar o fato de que todas essas mudanças foram exigidas pelo desenvolvimento crescente da entidade.Até que finalmente em 1883 era adquirido prédio na esquina da praça Cel. Fernando Prestes.

Em 1883 era adquirido prédio na esquina da praça Cel. Fernando Prestes. Além de importante em si mesmo, o Gabinete de Leitura dotava para a cidade uma Biblioteca atualíssima, para entretenimento dos associados que na época facilitava o acesso de seus associados à leitura de jornais e revistas de diferentes pontos do Brasil e do mundo, num momento que isso era o requinte extraordinário. O Gabinete cria espaço em que vão florescer, nos anos seguintes, diferentes grupos, clubes e associações voltados para o debate de atualidades culturais e cientifica abrindo o pensamento local, aos ventos que sopravam em outros quadrantes.

Nos dias de hoje o Gabinete de Leitura Sorocabano não é mais a modesta sociedade de 1867, e sim uma instituição que ocupa lugar de destaque no cenário progressista do estado e da Nação. O Imperador D.Pedro II em tempos idos honrou o Gabinete de Leitura em diversas visitas, demonstrando vivo interesse pelo seu então desenvolvimento, inclusive, dando-lhe pessoalmente proteção particular.

Muitos nomes, direta e indiretamente, esforçaram-se por colocar a referida sociedade na posição em que atualmente ela se encontra, todavia, faz se mister que citemos o nome do Dr. Olivério Pilar, um dos baluartes do sucesso alcançado pelo Gabinete de Leitura e sob cuja direção se realizaram os primeiros principais melhoramentos.

Fato que é bom ser lembrado é que em 1959 era inaugurado o novo prédio do Edifício Gabinete de Leitura Sorocabano, majestoso edifício em sua nova fase, com mobiliário eficazmente adequado às suas finalidades, no seu interior ressaltando o luxuoso salão de conferência, amplo e confortáveis salas para leitura.

Sonhos dos que amam a veneranda instituição de Maylasky, quando teve a presença de altas autoridades civis, militares e eclesiásticas, revivendo assim o gabinete de leitura os seus grandes dias do passado. Tal acontecimento prenuncia igualmente outras vitórias da tradicional instituição que Sorocaba admira, tendo como presidente na época da inauguração o saudoso. Dr. Jose Pereira Cardoso.

Acervo do Gabinete de Leitura Sorocabano, a saber:

1- O Gabinete tem em aproximadamente mais de 20.000 livros diversos sendo que os mais antigos datam do século XVIII, edições alemães, francesas, portuguesas de 1789 – 1797-1798.
2-Há também uma Bíblia escrita em grego, datada 1865, doada pelo professor Julio Ribeiro em 1872.
3-Além das assinaturas de jornais como Jornal Folha de São Paulo – Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Agora - Diário de Sorocaba, Cruzeiro do Sul e Bom Dia, a entidade tem encadernado os seguintes jornais: Diário de Sorocaba de 1880 a 1893, depois de 1914 até o atual – Cruzeiro do Sul de 12 de Junho de 1903 (nº 1) até o atual.
4- Existem os seguintes jornais antigos: Folha Popular de 1957 a Dez 1972 – Cruzeiro do Sul sobre a 2ª guerra mundial e outros sobre a revolução de 1932 – Correio de Sorocaba 1924 – Gazeta Jurídica 1872 a 1873 - Gazetas dos Tribunais de 1849 a 1853 – Verdade e Luz São Paulo de 1900 – A Ilustração de 1869 a 1913. O Brasil na Independência 1822 – O Tebyreçá de 1842 – A Província de São Paulo 1875 – Correio Paulista de 1880 - 1885 -1886.
5- O Acervo possui seis Relatórios da Cia. Estrada de Ferro Sorocabana com datas de 1872 – 1875 – 1876 – 1879 – 1882. Jornal O Defensor 1852 – O Monitor 1856 – O Paulista Oficial 1836.
6- Possui os livros de recorte de Jornais e fotos que pertenceram a Afonso de campos Vergueiro de 1917/1918.
7- Possui também o Livro de Visitantes do gabinete de 20/01/1874 a 13/12/1884 com a assinatura de D. Pedro II de 20/08/1875 mais a comitiva Imperial em 25/01/1878- Visconde de Bom Retiro – Barão de Maceió, Conde de Guaçú, outras personalidades , um livro encadernado com anotações da Guarda Nacional de Cavalaria de 1820 a 1826 – um álbum com 133 cartas plastificadas que datam de 1801 a 1872.

Teve entre seus ilustres leitores e visitantes, alguns nomes como: Dom PedroII, José Bonifácio, Santos Dumont, Monteiro Lobato, Campos Sales, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Morais, entre outros

O Gabinete de Leitura Sorocabano encontra-se na:
Praça Coronel Fernando Prestes nº 27- Centro - Sorocaba/SP
Fone : (15) 3232-0768

Fontes:
http://sorocult.com/

Joaquim Evónio (Poesias Avulsas)



FOLHA SÓ

A folha caída
ficou suspensa no ar...

As outras passaram,
caíram em turbilhão...

Mas essa ficou a sonhar...
____________________________

Desejo azul

Azul suave da alma
velas pandas desfraldadas
em chamas que acendeste
nas cores de primavera
pelas vagas noites sem fim
ao trocar os nossos fluidos
para o amor não morrer
naquele vulcão de espuma
vindo das ondas do mar

e só depois descansei
mas nada ainda mudou
de tudo o que já sentimos
quando o amor acordou
em azul iluminado

por isso quero mais azul
com corpo alma e mar
______________________________________________________

MAR

nasci numa ilha
a minha terra é o mar
a brisa e o vento
tornando pandas as velas
do nosso contentamento

voltei ao meu cais
mas apenas de passagem
não demoro mais
tenho de seguir viagem
pois assim vive um arrais

foi bom navegar
trespassando horizontes
lançando as pontes
dessa linha virtual
para as terras do além
______________________________________________________

INEBRIADO

Só a tua alma me inebria
e traz a alegria
de noites soalheiras

quando cansado da folia
de tardes enluaradas
renasce o adeus às armas

nos teus beijos salgados
com amor na madrugada
___________________________

INADAPTAÇÃO

Soltei a criança que era com saudades da mãe.
Brinquei com coisas sérias e não acreditaram em mim.
Entreabri as pálpebras do pensamento e entreguei-me ao devaneio dum sonho redondo nas areias do sossego.
Era a poesia.

Os alienígenas tinham cabelos de neve suja, olhos descaídos e assimétricos e barrigas de tamboril.
Enfrentavam com força, apenas com a força que a natureza lhes dera, todos os problemas que se lhes deparavam.
Era o terror.

Inadaptado, desejei a dinâmica dum náutilo para espiralar amor fraterno ou fogo draconiano sobre todo o perímetro defensivo.
Qual deles, não saberia.

Mas chegou a época glaciar e tudo ficou por ali.
Para mostrar como foi.
___________________________
Olvido


Sou poeta e amo as flores
para esquecer os horrores
das guerras por onde andei...

Mas provoquei tantas dores,
fiz sofrer os meus amores,
se sou poeta, não sei!
______________________________

Despedida

Fui despedido da vida
ando à procura de mim
não aceito o que me derem
só quero o que é meu

ser meu é ser tão distante
que não cabe num só verso
é poema grande e belo
que vou cantar para sempre

e quando chegar a noite
mais o canto das guitarras
todos irão para o sonho

menos as claves de sol
com que escrevi para ti
esta carta singular
_________

Para sempre

Hoje vou sonhar contigo
e acordar em desgraça
pois nada pode chegar
às promessas que trocamos

d’amor eterno que dure
a nossa vida inteira
por entre lençóis e beijos
durante noites sem fim

tantricamente te amo
como podes duvidar
após essas madrugadas

em que tanto magoamos
os sentidos acordados
antes de irmos descansar
___________________________

Raio de Luz

Vieste, raio de luz
iluminar a minha alma
dar-lhe o calor derradeiro
para a última viagem

chegaste cedo amor
ficaria cá mais tempo
mas se queres partir já
espera só um momento

apenas p’ra um adeus
às flores que adorei
pois é tempo de voar

e quero ir só contigo
nesta marcha nupcial
rumo à eternidade
___________________

Letras & Palavras

Os poemas não são deuses
que eu tenha de adorar
por isso não digo nada
dou às letras liberdade

comecei a escrever
sem saber como acabava
pois as palavras caíam
como lágrimas choradas

e quase a chegar ao fim
com grande surpresa minha
elas lá se entenderam

e numa dança anarquista
as letras e as palavras
de poema se vestiram
________

Sem Peias

Quero fazer versos
sem bitola
sem ter andado na escola
a aprender poesia...
Estou-me nas tintas para a métrica
desde que o sentido obedeça
à imagem verdadeira
que quero transmitir!...
E o mesmo para a rima!
Eu sou livre e faço o que quero.
Tudo é tão claro,
tão verdade e com tanta estima...
Que é poesia
só pela liberdade tão liberta
de conter mensagem
sem escola, sem métrica e sem rima
mas sempre verdade,
verdadeira,
daquela que não se ensina!
________________________________
Boa Companhia

O diabo da Sineta.
os Quixotes do Miguel,
mais as quimeras do Jó
e as Guerras de Maria...

A mão, o barro, o pincel
em tão estreita harmonia,
nunca mais estarei só
em tão boa companhia!
_________________________
Tangar...

Amo quem ama o tango...
vou tangar até morrer
nessas pampas tão argênteas
onde os corações se perdem
e as almas voam eternas
se dançar é ser etéreo
e ter asas para voar
deixarei o cais terreno
pelo espaço sideral...
perderei peso corpóreo
serei mais leve que o ar
girarei ao som do vento
e ao marulhar do mar...
________


Tejo à Noite

São luzes antropomórficas
verticais e embuçadas
a verter sombra no Tejo
mas recebendo os reflexos
das irmãs da outra margem
em estuário se abrindo
e levando para o mar
as mágoas e alegrias
tiradas às nossas almas
navegantes como outrora

os torreões levantados
fortalezas junto ao mar
são sinais do meu passado
e prenúncio do além

dum momento para o outro
o vento alevanta o rio
e as fragatas sonolentas
acordam em sobressalto

alvorada do amor
nasceu para toda a gente
em busca do universo

e as águas então paradas
espelho da noite ao fim
revoltam-se alvoroçadas
vão a caminho da foz
e levam a nossa alma
que já era apenas uma
e toca nas duas margens
numa cantata de espuma
----------------------
Bom remédio

A solidão tem remédio
- já dizia o palestrante
quem não quiser estar só
vá fazer um piquenique
lá prò inferno de Dante
________

Delicadeza

Estou à espera da morte
sentado e muito bem
quando chegar bate à porta
delicado a convido
venha sentar-se também
__________________________
Nocturno em Setembro

Hoje a lua nasce muito mais tarde
Nesta tristeza que trago comigo
Rompe farrapos do céu sem estrelas
Prata que não tange os sinos da aldeia

Dormem os poetas da minha rua
E os cães ladram sem saber porquê
Enquanto mais além é o silêncio
Que governa o tempo e o espaço

E eu observador intemporal
Prisioneiro de minhas verdades
Deitei-me logo a adivinhar

Se mais tarde quando o sol nascer
A lua lhe vai dizer em segredo
A solidão que passou esta noite
_______

Lina Linda

Por quê?

Por que gosto de ti?

Porque és rebelde e Lina
Porque és Lina e linda
Porque és linda e és assim...

Porque teus olhos dizem o que sei
aos sonhos de noites sem fim...

Porque a tua boca consente
os carinhos que senti...

Porque a tua música dolente
juntou lábios sequiosos enfim...

Porque o mundo não vai acabar
sem a nossa apoteose ao luar...
Olhos nos olhos e coração d'amar.

Foi assim, Lina Paula,
fomos ambos prà aula
do amor
e saímos ensinados
dessa bela escola
aos ombros a sacola
e a bola aos pés....

Éramos lindas crianças
felizes enamorados
eu puxava as tuas tranças
e corríamos pelos prados
voando nas asas inquietas
da tua garota arlequim
a pintar flamas rosadas
beijando lábios de carmim...


E ao chegar ao mar,
bela Lina linda,
perguntei-te ainda
se querias embarcar...

E te fizeste às ondas
em tão doce navegar...

Eu te segui e seguirei
por montanhas e fundo do mar
até chegar à morada
do ser ausente que era
colhendo saudades à espera...

Mas a música da tua pele
deixou poesia em mim
e trinados d'andorinha
no beiral da minha alma,
linda flor do meu jardim!

E foi então...
Lina Paula, Lina linda
que no leito deste Sireu
se apagou a vela solitária,
dando lugar à canção vária...

E o amor aconteceu...
________

Inácio Rebelo de Andrade (Cacimbo e a estação das chuvas)


Todos os anos eram assim: o Cacimbo chegava a Maio e ia até ao fim de Agosto. Eram quatro meses e meio que não deixavam saudades, porque tudo o que tinha vida (as pessoas, os animais e as plantas) parecia ficar suspenso, como que à espera de recomeçar.

A mil e setecentos metros de altitude, Nova Lisboa evidenciava especialmente os efeitos desse período: as madrugadas frias de enregelar os ossos, o céu limpo de nuvens, o ar seco que soprava por todo o lado.

Junho era o mês pior. Do solo nu que abundava ainda por muitos sítios, a poeira subia e tomava conta das ruas, entrava em casa pelas frinchas das portas e das janelas, deixava a sua marca nas superfícies dos móveis.

Quem viera do Minho ou do Algarve, de Trás-os-Montes ou do Alentejo, dizia que o Inverno tinha chegado. Mas à parte as madrugadas frias, a comparação devia-se apenas à saudade trazida da terra natal, porque a limpeza do céu, a secura do ar, a poeira que subia do solo e tomava conta das ruas não aconteciam de fato em Portugal naquela estação.

Depois de Junho, Julho; depois de Julho, Agosto; depois de Agosto, Setembro.

Em Setembro, o tempo mudava: as madrugadas não eram mais frias, o ar não era mais seco, o céu cobria-se de nuvens densas e cinzentas, a poeira assentava. Cada dia mais elevada, a temperatura subia, até que numa manhã (ou numa tarde, ou numa noite), quase de repente, de um minuto para o outro, relâmpagos aos ziguezagues e trovões retumbantes traziam consigo a primeira chuva.

A água caía em bátega, como que despejada lá de cima de um alguidar imenso: alagava tudo (os quintais, os jardins, as ruas, os passeios); a caminho das valetas, avançava em cachão, veloz e rumorosa. Envolta em espuma, arras-tava no percurso o lixo depositado.

Outra vez de repente, também de um minuto para o outro, a chuva parava: tão depressa vinha, tão depressa ia.

Mas depois... Ah!, mas depois..., depois deixava no ar um cheiro à terra úmida, que entrava nas narinas e despertavam nas pessoas lembranças adormecidas; um cheiro que se sentia uma vez e não se esquecia mais; um cheiro forte, bom, promissor, de reinício; um cheiro de capim verde quase a brotar.

Para além dos limites da cidade, lá para os lados da Sacaála, do Cambiote ou da Quissala, à beira da estrada, esse cheiro mandava as mulheres espalmar os filhos nas costas, pegar nos cabos em V do etemo, dobrar os rins na lavra horas a fio, armar as bipangas e semear o milho.

Depois de Setembro, Outubro; depois de Outubro, Novembro; depois de Novembro, os meses seguintes até Abril.

Depois de Abril, Maio: o Cacimbo estava aí outra vez.

Depois Junho, Julho, Agosto e Setembro: a chuva de novo, o cheiro a terra úmida (tão forte, tão bom, tão promissor, tão de reinício como no ano anterior), o cheiro de capim verde quase a brotar.
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Sobre o autor

Inácio Rebelo de Andrade nasceu em Huambo, em Angola, do dia 25/09/1935. Professor Catedrático Aposentado da Universidade de Évora, é licenciado em Agronomia pela Universidade de Luanda, Doutorado em Engenharia Agronômica pela Universidade Técnica de Lisboa e Agregado em Difusão em Inovações Agrícolas e Extensão Rural pela Universidade de Évora. Iniciou sua atividade docente na Universidade de Luanda. Exerceu o magistério em diversas universidades de seu país e, também, do Brasil, na Escola Superior de Agricultura "Luis de Queiroz", em Piracicaba (SP). Na década de 1960, esteve muito ligado aos movimentos literários angolanos, fundando com o poeta Ernesto Lara Filho a "Coleção Bailundo". É membro da União dos Escritores Angolanos e da Associação Portuguesa de Escritores.

obras:
- Saudade do Huambo (para uma evocação do poeta Ernesto Lara Filho e da Coleção Bailundo).
- Quando o Huambo era Nova Lisboa.
- O sabor doce das nêsperas amargas.
- Aconteceu em agosto.
- Na babugem do êxodo.
- A mulata do engenheiro.
- Os pecados do diabo e as virtudes de Deus.
- O pecado maior de Abel
- Parábolas em português
- Mãe Loba
- Revisitações no Exílio
- Passageiro sem bilhete
- Adeus Macau, Adeus Oriente

Fontes:
- ANDRADE, Inácio Rebelo. Quando o Huambo Era Nova Lisboa. Lisboa, Portugal: Vega, 1998.
- UEA (União dos Escritores de Angola)


- Informações adicionais e correções fornecidas pelo autor.

Vilma Padovani Borsari (Teia de Poesias)


MAGIA

No olhar de uma criança
Existe , a pureza de um mundo cheio de sonhos, alegrias
E surpresas
A certeza de um mundo cheio de magia e encantamento
Olhos que confiam na certeza de serem amadas
Olhar cheio de brilho, sem tristeza, sem tormentos
Ah! que bom seria
Se tudo mudasse,e pudéssemos acreditar
Na magia do olhar criança
Que o mundo mudasse, em um mundo de alegrias
Na pureza da magia
Que transmite os olhos , da criança tão cheia de querer
E tudo ter
Na certeza da fome e miséria desaparecer
Seria coroar o mundo de esperanças,
Mas isto só acontece no olhar,no pensar
Na pureza mágica que existe dentro do olhar criança.


CIGANA

Mulher cigana , você que é estrela
Mas não tem céu
És rainha sem trono
Que vive ao leu
És mulher andarilha
Sempre na estrada
Mas não sabe o que ir ou ficar,
pois já não tem destino.
Nas mãos lendo a sorte
Sempre perdida sem saber aonde ir
Não sabendo se sofre de amor ou de ódio
Recordando o passado
Mas canta o presente, tenta viver o hoje
Lê a sorte mas o seu amanhã não saberá
Andarilha, de saia comprida , de pés descalços,
e muitas pulseiras nos braços ,
com longos cabelos esvoaçados
Es cigana que vive perdida no meio da sorte.
Que de tanta saudade ela dança esperando ,
seu amor chegar.
Ela dança que dança, para o luar olhar.
E espera outro dia chegar.


Maritaca

Ouço a pobre maritaca que grita,
que grita pedindo socorro
porque está engaiolada.
Ficou o mês inteiro
Olhando a chuva fria
Do quintal sem paisagem

Hoje, a tristeza venceu-a
Pediu socorro, gritou tanto...
Para o sol, para o luar
Na escuridão da noite gritou, implorou, pelo sol
Ela se encolheu e emudeceu
E de solidão adormeceu

E quando amanheceu
O sol ouviu sua suplica
E apareceu dando o recado
De que o luar viria.
Para iluminar a noite

Será que se eu gritasse,
pedisse socorro ao sol
Estas nuvens sairiam
Dos meus pensamentos?
Mas onde estará o meu sol?


A Pipa

Um menino entediado, mas sonhador,
Senta-se ao chão da varanda,
Com varetas, papel, cola e carretel
E sonhando, o menino faz uma pipa de papel.

Constrói seu sonho de voar.
Até a pipa se transformar em uma ave, voando alto no céu.
O menino orgulhoso deixa escapar
um enorme sorriso em seu rosto,
deixando todo tédio no chão.

Vendo a marca vermelha que dança no espaço,
Suas mãos seguram fortemente a linha para a pipa empinar
De tanta emoção, sorri, faz careta.
Mas do carretel não solta não!

O menino parece se transformar.
Na pipa de papel que dança perto do céu.
Mergulhado em seu sonho que flutua no espaço.
Somente, com papel linha e carretel


RELÓGIO

O relógio me incomoda, porque sei que marcam horas esquecidas ,
que o tempo vai levando, horas sem beleza, sem calor, horas vazias.
Estou só; a noite se alonga cada vez mais; sei que você não vem,
mas a esperança ainda é mais forte, que as longas horas.
Sei que pensa em mim, sei que ainda me amas.
Mas tomamos rumos diferentes em nossas vidas,
sei que a mão da saudade te toca ainda assim,
como está tocando em mim agora.
Não tenho nada além da saudade imensa e a vontade louca de te ver.
Mesmo que fosse só um olhar só para matar a saudade imensa,
e a vontade louca de te ver, mesmo que fosse um só olhar só para
matar a saudade, antes que você esqueça do brilho dos meus olhos.
Meu coração está frio, vazio sem amor, porque está sem você
Mas a esperança é forte em meu coração,
mais forte que as horas que arrastam a noite.
Enquanto isso, fico aqui, eu e a solidão, que rasga meu coração.


Canção

Olho o relógio e percebo
Que o tempo arrasta a noite.
Rapidamente é noite calma, sem vento.
O luar clareia meu quarto e as estrelas me espiam.
Ligo o rádio para espantar a solidão.

Ouço a suave canção.
Quantas recordações me trazem
Flutuam em meu imaginar
tantos momentos de doces recordações,
como foi bom um dia te conhecer, te encontrar.

Você foi como o luar que clareia a noite.
Embriago-me nesta doce canção.
Que fascinação, embriagar-me com o luar
Sinto tanto meu coração palpitar.
Que parece dançar

Oh! canção, como és doce e suave!
Tanto que me faz sonhar.
Sinto-me leve, sentindo-me flutuar,
a imaginar vendo seu sorriso verdadeiro
seus cabelos macios e com olhar arteiro

Oh Canção! como é bom ouvir você
E sonhar, parecendo tudo verdadeiro.


Letra sem Canção

O silencio da noite começa a me incomodar,
Só ouço a voz do vento,as folhas caírem,
e rolarem pela grama.
Abro a porta e deixo´,que o vento,
toque meu rosto cansado.
A noite esta escura, somente as luzes acesas ,
clareiam a noite.
Mas o jardim me chama atenção
Fico a olhar para as flores perfumadas
Que parecem também me olhar com o silencio,
extático das flores.
O vento trás para dentro da sala o perfume das
flores , que se misturam formando um só perfume
O seu perfume.
Olho novamente para o céu a procura do luar,
mas nada vejo.
Tento me consolar com o céu sem luar, sem estrelas.
Sinto-me tão só , mesmo olhando para as flores.
Penso em você onde estará você?
Que me fez tantas juras de amor tanta ternura
Porque me deixaste neta solidão?
Hoje não sei nada de você.
Só sei hoje que meu coração é letra sem canção;
sou como a noite sem luar;
Sou o vento a uivar, meu coração e triste e está a
estourar, mas nem posso chorar,
Tudo é falso, falsas alegrias, falsos risos.

Canto para espantar o pranto
Talvez não entendas o que fez
Mas compreende que estou só.
Nunca mais nos veremos
Pois você foi para o seu caminho
Ficou eu e a solidão
Talvez um dia ainda eu consiga,
fazer uma canção com letra,
Pois você é a canção que embala meu coração.


Você

A madrugada chegou
Estou ainda sem dormir
Em minha frente um pedaço frio de papel
Não sei o que escrever
Olho a noite pela janela, escuridão silencio total.
Minha mente voa
Já não estou só, estamos a solidão e eu
Minha mente sai procurando um pouco de você
Sei que dorme.
Imagino sua cabeça no travesseiro
Seus lindos olhos fechados, adormecidos, sonhando.
Sinto ciúmes de teus sonhos,
pois posso não estar neles
Agora te vejo acordado, vestindo seu roupão preto.
Andando pela casa, sentando-se na cozinha,
com um copo d água na mão.
Talvez pense em mim,
pois sinto sua presença espiritual
Mas tanta , tanta distancia física, há.
Recordo seus carinhos, seu amor
Se ao menos pudesse sentir suas mãos entre as minhas...
mas sei que não acontecerá.
Continuo só e com uma imensa saudade
Agora imagino você voltando a dormir
Vejo-te adormecido, sonhando comigo,
no mais lindo sonho de amor.


“ES“

O dia amanheceu, cheio de sol.
É verão, o calor convida as pessoas a andar, passear.
Vai formando uma grande multidão,
cada um com seus sonhos, seus ideais.
Todos procuram seus destinos.
Depois de mais uma noite mal dormida, estou vazia.
Sem sonhos, sem destino.
Sou a solidão, no meio desta multidão.
Estou só, muito só.
Tenho só a saudade angustiante dentro de mim.
Olho para o espelho que mostra meu rosto,
Cansado, envelhecido pela dor.
Ah! Se o espelho refletisse minha alma,
mostraria a tristeza que guarda para mim.
Você que foi minha luz quando eu ficava na escuridão.
Você que era amiga e companheira de todas as horas.
Você era a flor mais linda do jardim,
que Deus só deu a mim.
Dei-te meu amor , te cuidei,
Mas feneceu.
Só ficaram as doces lembranças
e o aroma da flor mais linda, mais cheirosa do jardim,
que ficou só para mim.
====

Pedro Viegas (Trajetória Rebelde)



“A história acontece à sua maneira, única em cada realidade; seu registro, no entanto, dá-se por versões conflitantes, em que predomina por tempo indefinido a dos vencedores. Somente a perseverança investigativa pode levar à verdade completa ou próximo a ela. E este depende de elementos de reconstituição, de cada depoimento e parecer, em especial, quando possível, dos que tiveram a fortuna de sobreviver ao capítulo que lhe correspondeu estar presente, seja como ator, seja como observador.”

No turbilhão de acontecimentos que desembocou no golpe de 1964, poucos episódios terão sido tão dramáticos quanto o cerco militar a centenas de marinheiros e fuzileiros navais reunidos para comemorar o segundo aniversário de sua associação (AMFN) na sede do antigo Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara, que se arrastou angustiantemente entre os dias 25 e 27 de março de 1964.

A celebração fora levada a cabo desrespeitando proibição expressa do Comando da Marinha, que se negava a reconhecer a legitimidade da associação. A solução dada ao impasse pelo governo Goulart – que incluía a anistia aos amotinados – foi tomada como prova de que ele estaria instigando ou ao menos sendo conivente com a quebra de hierarquia, que já assombrava as Forças Armadas desde a revolta dos sargentos, ocorrida em setembro do ano anterior em Brasília. Segundo diversos relatos, isso teria precipitado a adesão de oficiais até então legalistas ao movimento golpista em curso.

Dali em diante, graves suspeitas foram levantadas em relação a esse movimento, que, atingindo um ponto particularmente sensível do espírito de corpo militar, foi visto por muitos como estopim do golpe de 1964. A posterior trajetória do então presidente da AMFN, o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos (que entraria para a História erroneamente identificado como “cabo Anselmo”), contribuiu para fortalecer a hipótese de que a revolta teria sido obra de provocadores, sendo apontado até o possível envolvimento da CIA, a odiada agência de inteligência norte-americana.

Anselmo, como é bem sabido, viria a aderir à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – que tinha como um e seus dirigentes o também ex-militar Carlos Lamarca. Segundo seu próprio testemunho, o “cabo”, após ser preso pela equipe do delegado Fleury – da polícia política paulista –, teria negociado a preservação de sua vida pela delação e atuação como agente duplo. Isso viria a custar a vida de diversos militantes, incluindo-se aí sua companheira, Soledad, grávida de sete meses.

É fácil, portanto, compreender por que a “revolta dos marinheiros” se tornou uma página maldita na história da esquerda brasileira. Infelizmente, parece que a repugnância causada pela figura de Anselmo contribuiu para que a interpretação do episódio, um dos divisores de águas entre as diversas abordagens sobre as causas do golpe, tenha até o momento se baseado mais nas deduções decorrentes de esquemas explicativos mais gerais que nos resultados de pesquisa empírica.

Já o testemunho de Viegas – elaborado com uma capacidade de reconstituição de detalhes prodigiosa e pleno domínio da técnica narrativa – tanto oferece uma preciosa visão de dentro sobre a associação e a revolta quanto resgata a peculiar trajetória posterior de seus protagonistas, geralmente às margens das principais organizações clandestinas da esquerda brasileira.

Ex-marinheiro que teve seu curso de jornalismo interrompido pela condenação à prisão – em função de um artigo publicado no periódico da associação, Tribuna do Mar –, o autor desempenhou ativo papel na articulação do pequeno e sugestivamente batizado MAR (Movimento de Ação Revolucionária) e na condução de sua mais espetacular ação: a fuga da Penitenciária Lemos de Brito em 1969.

Condenar os derrotados e responsabilizá-los pelos “desvios” da História é procedimento de praxe do pensamento conservador reproduzido de inúmeras formas pela esquerda, acadêmica ou não. As contradições da realidade, entretanto, permanecem. É sabido que compactuar com a quebra de disciplina nas Forças Armadas é abrir caminho para o rompimento da institucionalidade democrática, tão arduamente reconquistada e ampliada. Mas poder-se-á efetivamente falar em democracia quando a vida de instituições vitais continua a ser regida pela negação de direitos fundamentais da cidadania seus subalternos? Mais ainda, quando esse modelo legitima a reprodução do exercício cotidiano do arbítrio em tantos outros espaços da vida social? Por essas e por outras, o livro de Viegas, mais do que recontar uma experiência com o devido respeito por aqueles que a viveram, dão o que pensar.

Viegas, de posse da velha bússola, consegue nesta empreitada manter sempre regulado o rumo do norte. E como experimentado marinheiro, ensina que não se pode confundir, em alto mar ou terra firme, impacto da onda com farfalhar frívolo da espuma.
Para acompanhá-lo nessa viagem, é bom saber que o mergulho na História contemporânea, embora já coisa do século passado, exige desprendimento. “Era uma vez...” configura formato interessante. “Meninos, eu vi!”, também. Era uma vez um grupo do qual Viegas fazia parte. E ele viu muita coisa, testemunhou, sofreu e alegrou-se. É como se contasse a História, sem querer enfeita-la, despindo-a de tons épicos, o que não significa abolir atos de coragem, altruísmo e humanidade, mas contar a você uma parte relevante de fatos ainda insuficientemente esmiuçados. Alguns episódios e nomes não conhecidos. Mas nada é apenas repetitivo. Aquis estão revelações que ajudam a formatar lentamente um mosaico gigantesco, com partidos e organizações, alas e tendências, filosofias e engajamentos, confrontados com uma repressão de momentos brutais, selvagens, exterminadores.
[...] Porque neste livro, com alentadores momentos de audácia, Pedro Viegas ousa desmentir Carl Jung: “Todos nós nascemos originais e morremos cópias”. Ele, não. Coisa de marinheiro calejado, que não teme as chibatadas de nosso tempo, das quais está nos ajudando a ficar livres, dizendo sem receio, do Leviatã, que nós também não somos assim
” (Percival de Souza, in Trajetória Rebelde, p. 13)

Fontes:
- trechos do artigo de Alexandre Fortes in http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3328
- VIEGAS, Pedro. Trajetória Rebelde. Cortez Editora, 280 páginas, 2004.

Oscar Goldszmidt Don - Gepeto (O Inefável Prazer de Criar)



Sentar e escrever uma poesia,
Sentir como surgem da mente
Palavras e idéias
Formando pensamentos,

Sentir a emoção
Daquela frase forte,
Daquela rima suave,
Daquela bela estrofe.

A imagem que refletimos
Daquele dia feliz,
Ou daquele momento infausto
Que tanto nos magoou.

O sentimento profundo
Que de nossa alma brota
Para desabrochar em verso
Que a nossa mão solta.

Qual pássaro que foge
Da gaiola onde vivia
Aprisionado, sem poder
Voar e atingir o céu.

E quando se vê livre,
Solto no ar imenso,
Sem poder acreditar
Que está de novo livre.

Sente o imenso prazer
De voar cada vez mais alto
Procurando o infinito,
Extasiado com a sua liberdade.

Assim se sente o poeta
Quando encerra sua poesia,
Livre no universo
Em procura de Deus.
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Oscar Goldszmidt Don (Gepeto) (1936)



Nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1936, é Engenheiro Industrial. Tradutor técnico em Inglês e Espanhol. Emigrou em 1976 para o Brasil estabelecendo-se em Curitiba como engenheiro. Em 1982 passou a trabalhar como tradutor. Amante da poesia e apaixonado por teatro desde muito jovem, ao mudar-se para Araçoiaba da Serra passou a dedicar-se ao teatro participando de várias peças em Sorocaba, entre elas "Pinóquio" onde interpreta Gepeto. Atualmente participa do Grupo de Teatro da Terceira Idade Cara e Coragem na peça "Quando Netos forem Avós". Voltado às causas ambientalistas, dirige ainda 4 grupos de teatro em Araçoiaba, sendo dois de crianças de rua. Pai de 4 filhos e avô de 7 netos.

Fonte:
http://sorocult.com/el/talentos/gepeto.htm