sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Nicodemos Sena (1958)


Nasceu no dia 8 de julho de 1958, em Santarém, Pará, Amazônia brasileira. Passou parte de sua infância entre os índios maués, na região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas, experiência que para sempre o marcaria. Em 1977, veio para São Paulo, onde se formou em Jornalismo, pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e em Direito, pela USP (Universidade de São Paulo).

Em 1999, estreou com o romance “A espera do nunca mais – uma saga amazônica” (Editora Cejup, Belém, PA, 876 páginas).

Em 2000, “A espera do nunca mais” conquistou o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seu segundo romance, “A noite é dos pássaros” (Editora Cejup, 136 pág., 2003), foi primeiramente publicado em forma de folhetim, no jornal “O Estado do Tapajós” (Pará, Brasil) e na revista eletrônica portuguesa “TriploV”.

Foi publicado no Dossier Amazónico, na revista literária portuguesa “Construções Portuárias” (nº01, 2002), no qual um trecho de “A noite é dos pássaros” foi incluído, ao lado de importantes escritores da Amazônia, como Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, Vicente Franz Cecim, Age de Carvalho, Benedicto Monteiro e Benedito Nunes.

Fragmentos de “A noite é dos pássaros” foram publicados nas revistas “Palavra em Mutação” (nº 02, 2003) e “Storm-Magazine”, ambas de Portugal. Em 2003, “A noite é dos pássaros” conquistou o prêmio Lúcio Cardoso, da Academia Mineira de Letras, e, em 2004, Menção Honrosa no prêmio José Lins do Rego, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seus romances mereceram comentários em grandes jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Brasília e Belém do Pará (“O Globo”, “O Estado de São Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Estado de Minas”, “Hoje em Dia”, “A Tarde”, “O Liberal”, “Jornal Opção”, “Caderno Brasília”) e da Cidade do Porto, em Portugal (“O Primeiro de Janeiro”).

Sobre sua ficção já se manifestaram importantes críticos e escritores brasileiros, entre os quais Antonio Olinto, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, Fábio Lucas, Oscar D’Ambrosio, Antonio Carlos Secchin, Dirce Lorimier Fernandes, Ronaldo Cagiano, Acyr Castro, Manoel Hygino dos Santos, Nelson Hoffmann, Carlos Nejar, Caio Porfírio Carneiro, Tanussi Cardoso e Adelto Gonçalves.

O escritor vem sendo considerado a revelação da literatura amazônica nos últimos anos, tornando-se verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (edição conjunta da Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional, DNL, Academia Brasileira de Letras, 2ª edição, 2001). A obra ficcional de Nicodemos Sena expressa o conflito étnico — cultural entre dois mundos — o do colonizador europeu e o do índio autóctone. Por seu estilo vigoroso e a temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (índios e caboclos), a crítica já comparou esse romancista da Amazônia a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Verissimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José María Arguedas. O escritor reside atualmente em Caraguatatuba, São Paulo, Brasil, onde, durante o ano de 2004, finalizou o seu terceiro romance, “A mulher, o homem e o cão”.
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Entrevista com Nicodemos Sena
Por Maria João Cantinho

Maria João CantinhoEm 1999, o panorama da literatura brasileira ficou marcado pela sua saga amazónica “A Espera do Nunca Mais”. Como romance de estreia, como guarda a experiência da sua escrita?

Nicodemos Sena – Eu tinha 41 anos quando foi publicado o meu primeiro romance. Um livro de 876 páginas! Muitas pessoas ainda me perguntam como pude, já na estréia, aparecer com um livro desse tamanho, e que logo de cara conquistou um prêmio nacional de literatura, o Lima Barreto, da UBE-União Brasileira de Escritores? Poucos sabem que escrevo desde pequeno. Aos 13 anos de idade, ainda morando na Amazônia, escrevi um romance que, sete anos depois, joguei fora por absoluta impossibilidade de revisá-lo, já que apresentava muitos defeitos. Eu era uma criança cheia de imaginação, mas ainda não tinha cultura literária para escrever um romance. Como quase todo adolescente, “cometi” também poemas românticos, que até foram publicados em “A Província do Pará”, então o maior jornal da Amazônia. Mas o meu veio “poético” logo secou. Nos quinze anos seguintes, já em São Paulo, enquanto estudava e trabalhava (e criava filhos, que cedo vieram), só me sobrava tempo para escrever histórias curtas, chegando até a ganhar um concurso de contos entre universitários, mas nunca me preocupei em reuni-los em livro. Como contista, eu tinha um sério problema: a história queria sempre continuar; era com certa relutância que eu concluía o relato. Por isso, talvez, apenas três contos sobreviveram; apesar dos protestos de minha mulher, a primeira leitora do que escrevo, joguei mais de trinta contos no lixo. Depois de passar pela poesia e pelo conto, voltei ao romance, à história longa. Era como se eu quisesse refazer o romance que eu escrevera aos 13 anos. Aos 34, formado em Jornalismo e Direito, larguei praticamente tudo para me dedicar à literatura. Num país como o Brasil, de relativamente poucos leitores e milhões de analfabetos, a opção pela literatura parecia uma loucura – foi o que acharam alguns amigos. Pois foi como um louco que me lancei na aventura de escrever o romance que veio a se chamar “A Espera do Nunca Mais”. Até saí de São Paulo e fui morar em São José dos Campos, uma cidade menor, onde, sem que nenhum editor soubesse que Nicodemos Sena estava escrevendo um romance, lancei-me ao trabalho, que me consumiu sete anos: um e meio em pesquisa, quatro escrevendo e mais um ano revisando. Foi como meter-me num túnel escuro e profundo sem saber se teria fôlego para sair do outro lado.

M.J.C. – Foi um longo exercício de maratonista. Poderia descrever a caminhada?

N.S. – Busquei inspiração estética na própria geografia amazônica, com seus labirintos de rios, a selva intrincada, os cipoais, a lentidão que a tudo rege. Nessa geografia, não só os rios, mas também as idéias, os desejos, os projetos de vir a ser, tramam labirintos. Alguém já me disse que meus livros são “barrocos”. Sim, são barrocos, como barroca é a região em que se ambientam as histórias. Barroca, aberta e canibal. O tempo na cultura amazônica é algo bem particular, suave. As horas são medidas pelas luas, pelos dias de canoa ou de barco para chegar a tal lugar. Pela época da piracema, a época da desova. O homem amazônico, o homem dos rios, é fruto daquilo que o cerca. Na Amazônia, “o rio comanda a vida”. “A Espera do Nunca Mais” reflete bem isso; é um livro líquido, com grandes remansos. Como nas lendas e mitos indígenas, a linearidade da trama é apenas aparente, pois a história, ou as histórias, vão e voltam, e o narrador não tem pressa em acabar o que está contando.


M.J.C. – Não falámos nisso, mas será que Graciliano Ramos teve algo a ver com a sua aventura?

N.S. – Como leitor, iniciei-me com os românticos brasileiros e portugueses – José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, Bernardo Guimarães, Camilo Castelo Branco, o “primeiro” Machado de Assis – de forma que a leitura de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, quando eu tinha 15 anos de idade, foi uma verdadeira “paulada”. Até hoje, quando releio este pequeno grande livro, emociono-me. “Vidas Secas” (1938) conta a triste história de um casal de sertanejos, aviltados pelas mesquinhas condições de vida do campo, que procuram inutilmente cultivar. Fabiano, alma elementar, é subjugado pelo “soldado amarelo”, em cena de covardia. Quando sente que pode vingar-se, recua: “Governo é governo”. Mas, dentro daquela pobreza extrema, abre-se uma esperança para o casal infeliz, movido pela iniciativa da mulher, Sinhá Vitória – procurar região mais próspera: “E andavam para o sul metidos naquele sonho”.
Depois de Machado de Assis, Graciliano Ramos é, na minha opinião, o maior romancista brasileiro. Nele, a obra de arte cumpre sua função social, de não apenas entreter, mas principalmente “esclarecer as consciências e elevar a alma” acima de tudo o que é mesquinho. Mesmo num romance “psicológico” como “Angústia” (1936), ele não perdeu de vista o ambiente social. E nisso somos parecidos. Também mostro o homem simples engolido pela complexa trama social. Aprendi com Graciliano que um texto longo pode ser conciso, pode ser “líquido” sem ser aguado, amplo mas não esparramado, extenso mas não frouxo. Afora isso, somos bem diferentes. O texto de Graciliano é seco e sólido, quase pétreo, pois expressa a magreza gerada pela seca nordestina, enquanto o meu estilo é como a água que se amolda no espaço vasto e no tempo infinito da planície amazônica. Nos livros de Graciliano, as personagens expressam a aspereza do sertão, numa economia extrema; parece que o homem economiza até mesmo as lágrimas. Já as minhas personagens deixam-se levar, sem nenhuma pressa, pelas águas abundantes que brotam das cordilheiras e descem pelo Grande Vale; vou desfiando histórias que se cruzam, depois se bifurcam, e de novo se cruzam num lento e angustiante entrelaçar de pontas que terminam se juntando na mesma direção, como a labiríntica malha dos rios que vão desaguar no mar.

M.J.C. – Pode-se dizer que “A Espera do Nunca Mais” se situa em contra-corrente, relativamente ao que se faz no Brasil? O que o levou à escrita deste romance?

N.S. – Fernando Pessoa escreveu que a finalidade da arte não é agradar, mas elevar o homem por meio da beleza, erguer a alma acima de tudo quanto é estreito, acima dos instintos. Cervantes afirmou que o romance deve divertir e ensinar juntamente. Venho da Amazônia, um lugar de terríveis contradições. Ao lado da Amazônia paradisíaca, dos grandes rios e das florestas catedralescas, que desperta fascínio (e medo) em pessoas de todo o mundo, existe uma outra Amazônia – do genocídio do índio pelo branco, da exploração criminosa dos recursos naturais, do servilismo e escravidão, da destruição do antigo modo de vida nativo, sob o patrocínio do grande capital que invadiu a região nas últimas quatro décadas. A verdadeira face da tragédia que se chama Amazônia não é revelada ao mundo. Mostra-se apenas a terra exótica, de ninguém, espaço vazio e acéfalo a ser ocupado segundo planos elaborados pelos tecnocratas de Brasília ou do estrangeiro acumpliciados pelas corruptas elites locais.
Desde pequeno, convivi com a injustiça na região. Vi de perto a luta do pobre para sustentar a família, debaixo das piores humilhações; a guerra que é sobreviver nesse mundo, sem perder a dignidade. Dessa experiência de vida no paraíso/inferno amazônico extraí a matéria-prima usada no “A Espera do Nunca Mais”. Não escrevo apenas para divertir; também quero provocar uma reflexão sobre a “realidade”. Assumo, portanto, um compromisso ético. Não pode ser outro o comportamento do escritor numa sociedade que converte tudo (inclusive o imaginário) em mercadoria, uma sociedade que gera, em todos os setores da vida, inclusive nas artes, um certo “esplendor do vazio”; uma sociedade que avançou materialmente mas vai retrocedendo à barbárie; uma sociedade que cria consumidores de produtos descartáveis e não homens que valorizem as perenes coisas do espírito; uma sociedade da imagem, do espetáculo e do corpo, que valoriza o egoísmo e o sucesso a qualquer custo; uma sociedade urbana onde a palavra, que antes era sagrada e plena de sentido, chegou ao nível mais alto de estafa e esvaziamento; uma sociedade do “vale tudo” (tudo pelo mercado, tudo pelo sucesso, tudo pelo público), cuja lógica também tem condicionado a poesia e o romance. Infelizmente, muitos artistas acabam adotando os valores dessa sociedade. E a arte, que nasceu para questionar as aparências, revelar o oculto, esclarecer as consciências e elevar a alma, é convertida em mera diversão que aos homens imbeciliza. Diversão do “público”, que espera sempre coisas palatáveis. Ou diversão do autor, quando este se contenta com a “arte-pela-arte” ou se alheia “na linguagem”, esquecendo-se de que o artista, a arte e a vida precisam andar juntos.

M.J.C – Então não achas lícito desejar ser lido pelo maior número de leitores?

N.S. – Como artista, busco alcançar o “outro”, mas, quando me ponho a escrever, não penso no “leitor” ou no “público”, personagens imaginárias, que “não têm mais tempo para longas leituras”. Acho que um autor tem que correr riscos: não pode deixar-se escravizar pelos temas, ou pela exigência editorial, na esperança de agradar a quem o lê e obter sucesso de venda. O escritor precisa ser honesto naquilo que escreve e transparente consigo mesmo, obedecendo somente à sua própria consciência. No Brasil, país que possui um rico imaginário herdado dos índios nativos e dos africanos que foram trazidos como escravos, vem acontecendo uma sinistra “assepcia da imaginação”. Os escritores brasileiros precisam voltar a interessar-se pelo mítico e o antigo que estão na raiz da nossa cultura. Muitos romancistas, como mariposas atraídas pela lâmpada, na ânsia de agradarem ao público, deixam-se seduzir pelos temas mais explosivos, escrevendo textos que pouco diferem do relato jornalístico. No afã de integrar-se ao mundo civilizado, dito “moderno”, o escritor brasileiro, com poucas exceções, se esquece de que, faça o que fizer, será sempre um brasileiro.

M.J.C. – A globalização, em todo o mundo, tem sido o pior dos flagelos para a identidade cultural de cada país, não te parece?

N.S. – Sim. A perda da identidade nacional é uma das conseqüências funestas da globalização, uma verdadeira catástrofe. No mundo “globalizado” em que vivemos, podem até desaparecer as fronteiras visíveis da política e da economia, mas as diferenças do mundo invisível da cultura não se eliminam impunemente. Fica cada vez mais claro que o desprestígio da expressão local, das marcas do tempo, do vento e da terra, a pretexto de alcançar-se um elevado universal, não passa de imposição totalitária de culturas velhas, esgotadas, agonizantes. O mundo de cada um de nós é o mundo de todos os homens. O homem é o mesmo em qualquer parte do mundo. Podemos ser universais sem deixarmos de ser brasileiros (ou portugueses, ou italianos, espanhóis ou japoneses...), desde que o façamos com engenho e arte. Ouso afirmar que o “regional” e o “universal”, assim como a “humanidade”, em arte, não passam de abstrações vazias. Não existem. O que há é o ser humano concreto, que nasce, cresce e morre nalgum lugar. Captar esse homem, esse “outro”, que o próprio escritor traz dentro de si, com suas alegrias e tristezas, esperanças e decepções, heroísmos e vilanias, deve ser o objetivo do artista.

M.J.C. – A propósito dessa transformação do regional em universal, relembro aqui a obra de Vicente Franz Cecim, que é igualmente um caso de transfiguração da Amazónia e que, justamente, se transformou numa obra universal, considerando o seu universo mítico de Andara. Cecim é o único autor da Amazónia que chegou a Portugal, publicando “Ó Serdespanto” (Íman Edições, 2001). Mas existe uma constelação de escritores da Amazónia que nos é desconhecida, não é? Para nós, a quem apenas nos chega a literatura do Rio de Janeiro e de S. Paulo, que autores são importantes descobrir?

N.S. – Antes de falar dos escritores nativos, é bom lembrar que, até o século XIX, praticamente apenas europeus haviam escrito sobre a Amazônia – Gaspar de Carvajal, Cristóbal de Acuña, João Felipe Bettendorff, Luiz e Elizabeth Agassiz, Frederick Hartt, Alfred Russel Wallace, Carl Friedrich Philipp von Martius, Charles-Marie de La Condamine e tantos outros. Mais do que inventariar ou noticiar as maravilhas da nova terra, alguns estrangeiros pretenderam contar de forma “artística” as coisas do paraíso/inferno amazônico. Conan Doyle, Júlio Verne e Le Carré ambientaram histórias na Amazônia, produzindo páginas das quais não se pode afirmar que sejam o ponto alto de suas obras. O alemão Von Martius, com o material colhido em andanças pela Amazônia na primeira metade do século XIX, num momento de folga do seu trabalho de naturalista, escreveu “Frey Apolônio”, o primeiro romance ambientado no Norte do Brasil. A despeito dos defeitos de composição literária, o livro, ainda hoje, pode ser lido com interesse, pois Martius, que amava a Amazônia, era um excelente pintor de paisagens e costumes. Todavia, tais peças literárias fracassaram em seu intento de revelar ao velho mundo a fantástica realidade da nova terra, abrindo-se um abismo entre a imagem e a sua expressão. É que, nessas obras, o contexto invadiu o texto; a portentosa natureza amazônica fez o alienígena perder o ritmo e o fio da narrativa – talvez a única exceção à mediocridade dos textos escritos por europeus sobre a Amazônia seja a “Carta sobre o Tocantins” (1654), do padre Antônio Vieira.
“A Muhraida”, escrita em 1785 pelo tenente português João Wilkens, epopéia dos índios Muras do alto Amazonas, forjada nos moldes de “Uraguai” de Basílio da Gama e “Caramuru” de Santa Rita Durão, e publicada na mesma época, apresentando mais ou menos as mesmas virtudes e defeitos, não obteve, ao contrário das duas últimas obras, sucesso ou “fortuna crítica”. Mais sorte teve Ferreira de Castro, outro português, que escreveu, a partir de sua experiência de seringueiro no rio Madeira, o romance “A Selva” (1930), que se tornou repentinamente um “clássico”.
Depois dos estrangeiros, a Amazônia foi descrita por brasileiros de fora da região. O pernambucano Alberto Rangel escreveu o célebre “Inferno Verde” (1908, contos), com prefácio de Euclides da Cunha. O próprio Euclides, carioca, a exemplo do que já fizera com o Nordeste ao escrever “Os Sertões” (1902), legou-nos páginas inesquecíveis sobre a Amazônia, em “À Margem da História” (1909). O potiguar Peregrino Júnior escreveu “Matupá” (1933, contos), “Histórias da Amazônia” (1936, contos) e “Puçanga” (1930, contos). O carioca Gastão Cruls escreveu “A Amazônia Misteriosa” (1925, romance). O mineiro Oswaldo França Júnior - “De Ouro e de Amazônia” (1989, romance). Outro mineiro, Antonio Olinto - “Sangue na Floresta” (1992, romance). Partindo do mito amazônico de Macunaíma, referido por Koch-Grünberg num dos 5 volumes da obra “De Roraima a Orinoco”, o paulista Mário de Andrade escreveu a rapsódia de mesmo nome, onde fixa, de modo impressionante (embora questionável), a índole do homem Brasileiro, na face do “herói sem nenhum caráter”. Mais recentemente, o mineiro Aricy Curvello deixou-se enfeitiçar pelas coisas do Grande Vale; quando trabalhava para a Mineração Rio do Norte, que explora bauxita no rio Trombetas, escreveu o magnífico “O Acampamento” (1975), um dos melhores poemas do livro “Mais que os Nomes do Nada”.
A Amazônia, todavia, já pode se orgulhar dos seus próprios escritores, desde que Tenreiro Aranha (1769-1811), o mais antigo poeta autóctone, escreveu seus versos, a maioria extraviados no tempo. Alguns alcançaram até projeção nacional, como José Veríssimo, com “Cenas da Vida Amazônica” (1886), primeiro livro de contos amazônicos de que se tem notícia; Inglez de Souza, autor do clássico romance “O Missionário” (1891); Dalcídio Jurandir - “Chove nos Campos de Cachoeira” (1940); Benedicto Monteiro - “Verde Vagomundo” (1972, romance); Haroldo Maranhão - “Rios de Raiva” (1987, romance); Ildefonso Guimarães - “Senda Bruta” (1965, contos); Sant’Ana Pereira - “Invenção de Onira” (1988, romance) e Alfredo Garcia - “O Livro de Eros” (1998, contos). Mas é “Cobra Norato” (1931), do gaúcho Raul Bopp, o poema “amazônico” por excelência, a ele se ombreando apenas o “Repertório Selvagem” (1998, poemas) e “Berço Esplêndido” (2001, poemas), ambos de Olga Savary, e “Viagem a Andara, o Livro Invisível”, monumental obra ficcional e poética que Vicente Franz Cecim vem edificando há 23 anos.

M.J.C. – Achas que a política cultural dos dois países caminha no sentido de favorecer o intercâmbio cultural?

N.S. – Noto uma distância muito grande entre os dois países. A literatura portuguesa contemporânea é quase completamente desconhecida dos leitores brasileiros. No Brasil se fala muito de Fernando Pessoa e José Saramago, não apenas pela grandeza de suas obras, mas também porque outros, do mesmo porte, aqui não são editados. A distribuição das edições portuguesas é bem limitada. Desconfio que o governo português não tem desempenhado um grande papel no campo da divulgação da cultura e das artes portuguesas no Brasil. Os governos brasileiros, até onde eu sei, também pouco ou nada têm feito para levar a cultura e as artes brasileiras aos portugueses. Tem-se a impressão de que os dois países viraram de costas um para o outro. Ou será que estou enganado? Se pensarmos nos outros países de língua portuguesa, a coisa fica ainda mais complicada. Não contentes em não promover o necessário intercâmbio cultural, obstáculos absurdos à integração são criados, como, por exemplo, a recíproca cobrança de impostos sobre a entrada de livros em seus territórios, o que eleva o preço final do livro e inviabiliza a sua comercialização. A conseqüência principal dessa situação é o enfraquecimento da língua portuguesa, o nosso instrumento cultural mais importante.

Fontes:
http://www.releituras.com
http://www.storm-magazine.com

H P LOVECRAFT (O NAVIO BRANCO)



The White Ship
Tradução de Marianna C. de Carvalho

Eu sou Basil Elton, responsável pelo farol de North Point, o mesmo deixado aos cuidados de meu pai e meu avô antes de mim. Distante da costa e acima de rochas escorregadias e submersas que podem ser vistas quando a maré está baixa, mas são imperceptíveis quando ela está alta se encontra o farol cinzento. Por ele passaram navios majestosos vindos dos sete mares. No tempo de meu avô eles eram muitos, no tempo de meu pai nem tantos, e agora eles são tão poucos que às vezes sinto-me estranhamente sozinho, como se eu fosse o último homem na Terra.

De terras distantes vinham aqueles antigos navios mercantes de velas brancas; de terras Orientais distantes onde sóis quentes brilham e doces aromas se perpetuam em estranhos jardins e graciosos templos. Os velhos capitães do mar geralmente vinham até meu avô e contavam-lhe sobre essas coisas que por sua vez ele contou ao meu pai, e meu pai contou-me nas longas tardes de outono quando o vento vindo do Leste soprava de forma assustadora. E eu lia mais sobre essas coisas, e sobre muitas outras também, nos livros que os homens me davam quando eu era jovem e maravilhado com elas.

Porém mais maravilhosa que a sabedoria de velhos homens e a sabedoria dos livros é a sabedoria secreta do mar. Azul, verde, cinza, escuro ou límpido; calmo, agitado ou turbulento; o mar não é silencioso. Durante toda a minha vida eu o observei e o escutei, e eu o conheço bem. De início ele me contou somente histórias simples e pequenas sobre praias tranqüilas e portos vizinhos, mas com o passar dos anos ele ficou mais amistoso e falou-me sobre outras coisas; sobre coisas mais estranhas e mais distantes no tempo e no espaço. Às vezes, no crepúsculo, os vapores acinzentados do horizonte começavam a me oferecer visões de caminhos distantes; e às vezes à noite as águas profundas do mar ficavam cada vez mais claras e fosforescentes, concedendo-me visões de seus caminhos. E essas visões eram tantas quanto os caminhos eram, podiam ser ou ainda são; pois o mar é mais velho que as montanhas, e repleto de memórias e sonhos de muitas Eras.

Do longínquo Sul era de onde o Navio Branco costumava vir quando a lua estava cheia e alta nos céus. Do longínquo Sul ele deslizava bem suave e silenciosamente sobre o mar. E o mar estando calmo ou agitado, ou o com o vento amistoso ou desfavorável, ele sempre conseguia deslizar suave e silenciosamente; com suas velas estáticas e suas longas e estranhas fileiras de remos movendo em perfeito ritmo. Uma noite eu espiei um homem sobre o convés, barbas e túnica longas, e ele pareceu acenar para que eu embarcasse rumo a terras longínquas e desconhecidas. Muitas vezes depois eu o vi sob a lua cheia, e ele não mais voltou a me acenar.

A lua brilhava profundamente na noite em que eu respondi ao chamado, e caminhei sobre as águas em direção ao Navio Branco sobre uma ponte de luar. O homem que me convidara agora me dava as boas vindas em uma língua suave que eu parecia conhecer bem, e as horas foram preenchidas por doces cantigas dos remadores à medida que deslizávamos rumo ao misterioso Sul, dourado pelo brilho daquela delicada lua cheia.

E quando o dia amanheceu cor de rosa e radiante, eu avistei as verdes planícies das terras distantes, ensolaradas e belas e desconhecidas para mim. Acima do oceano surgiam gigantescas fileiras de vegetação, ornadas com árvores, e mostrando aqui e lá telhados de um branco brilhante e colunas de templos estranhos. Ao nos aproximarmos da verde planície o homem de longas barbas contou-me sobre aquela terra, a terra de Zar, onde habitavam todos os sonhos e pensamentos belos que vêem aos homens e depois são esquecidos. E olhamos para a vegetação novamente e vi que o que ele disse era verdade, pois entre a paisagem diante de mim estavam muitas coisas que eu vira apenas através das brumas, além do horizonte e dos abismos fosforescentes do oceano. Havia também formas e fantasias mais esplêndidas que qualquer homem já conhecera; as visões de jovens poetas que morreram antes que o mundo pudesse aprender o que eles haviam sonhado ou visto. Mas nós não colocamos nossos pés sobre as encostas verdes de Zar, pois se diz que aquele que nelas pisa talvez nunca mais retorne a sua terra natal.

À medida que o Navio Branco se distanciava silenciosamente da planície repleta de templos de Zar, observamos no horizonte, a nossa frente, as torres de uma imponente cidade; o homem de longas barbas me disse “Esta é Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas, onde residem todos aqueles mistérios que o homem tem tentado, em vão, compreender”. E eu olhei novamente, a uma distância menor, e vi que a cidade era maior que qualquer cidade com a qual eu sonhara ou já vira. As torres de seus templos alcançavam os céus, assim nenhum homem seria capaz de alcançar as suas pontas; e bem distante, além do horizonte, estendia-se uma muralha cinza e lúgubre sobre a qual se poderiam espiar somente alguns telhados, estranhos e sinistros, adornados com ricos beirais e esculturas. Eu estava ainda mais ansioso para entrar nessa fascinante ainda que repelente cidade e implorei ao homem de barbas longas que me deixasse aportar naquele píer de pedra próximo ao enorme portal esculpido de Akariel; mas ele gentilmente negou o meu pedido dizendo, “Em Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas, muitos entraram, mas ninguém retornou. Em seu interior somente caminham demônios e criaturas loucas que há muito deixaram de ser humanas, e as ruas ficaram brancas com os ossos não-sepultados daqueles que olharam sobre o espectro de Lathi, aquele que reina sobre a cidade”. Assim o Navio Branco continuou sua viagem navegando ao lado da muralha de Thalarion, e seguiu por muitos dias um pássaro que voava rumo ao sul, cuja lustrosa plumagem se confundia com o céu de onde ele surgira.

Chegamos então a uma agradável costa que se mostrava atraente com suas flores de todas as tonalidades possíveis; tanto quanto nossa vista permitia alcançar seu interior podíamos ver bosques adoráveis e árvores radiantes repousando sob o sol do meridiano. À sombra além de nossa vista vinham trechos de música e canções líricas, entrecortados por gargalhadas tão deliciosas que eu instiguei os remadores a seguirem adiante no meu afã de alcançar aquela cena. E o homem de barbas longas não disse uma palavra, mas observou-me à medida que nos aproximamos da margem de terra ladeada por lírios. De repente um vento soprou vindo do prado e dos bosques frondosos trazendo um cheiro que me fez estremecer. O vento ficou mais forte, e o ar foi tomado pelo odor letal e pútrido de cidades devastadas pela peste e cemitérios descobertos. E quando navegamos como loucos para nos afastar daquela costa amaldiçoada o homem de barbas longas finalmente se pronunciou, dizendo: “Esta é Xura, a Terra dos Prazeres Inalcançados”.

Então mais uma vez o Navio Branco seguiu o pássaro do céu, sobre os mares quentes e abençoados, embalados por brisas aromáticas e acariciantes. Dia após dia, noite após noite navegamos, e quando a lua ficava cheia ouvíamos as suaves cantigas dos remadores, doces como naquela noite distante quando partimos para longe da nossa terra natal. E foi sob a luz do luar que ancoramos finalmente no porto de Sona-Nyl, que é protegida por dois promontórios de cristal que surgem do oceano e se encontram em um esplêndido arco. Essa é a Terra da Imaginação e nós seguimos a sua costa verdejante sob uma ponte dourada de luz do luar.

Em Sona-Nyl não há nem tempo nem espaço, nem sofrimento nem morte, e lá eu fiquei por muitíssimo tempo. Verdes são os bosques e pastos, brilhantes e perfumadas as flores, azuis e musicais os riachos, límpidas e frescas as fontes, e impressionantes e maravilhosos os templos, castelos e cidades de Sona-Nyl. Naquela terra não há fronteira, pois para cada visão bela surge uma outra ainda mais bela. Por toda a paisagem campestre e em meio ao esplendor das cidades o povo pode se locomover à vontade, de quem tudo é ofertado com uma graça intocada e uma felicidade genuína. Durante o longo tempo em que lá permaneci, perambulei extasiado por jardins onde pagodes pitorescos nos observam por de trás de agradáveis arbustos, e onde as calçadas brancas são ladeadas por flores delicadas. Escalei suaves colinas de cujos cumes eu podia ver paisagens extasiastes, com cidades verticais como torres de igrejas aconchegando-se em vales verdejantes, e as abóbadas douradas das cidades brilhando no horizonte infinitamente distante. E eu vi sob a luz do luar o mar cintilante, os promontórios de cristal, e o porto tranqüilo onde ficava ancorado o Navio Branco.

Foi numa noite, contra a lua cheia no imemorável ano do Tharp que eu vi a silhueta do pássaro celestial, e senti os primeiros indícios de inquietação. Falei então para o homem de barbas longas, e contei-lhe sobre a minha nova ânsia em partir rumo à remota Cathuria, aquela que nenhum homem jamais vira, mas que todos acreditavam encontrar-se além dos pilares de basalto do Oeste. Trata-se da Terra da Esperança, e nela brilha os ideais perfeitos de tudo que se conhece em todos os lugares, ou pelo menos é o que dizem. Mas o homem de barbas longas me disse: “Seja cauteloso com aqueles oceanos perigosos onde os homens dizem se encontrar Cathuria. Em Sona-Nyl não há nem dor nem morte, mas quem pode dizer o que jaz além dos pilares de basalto do Oeste?” Todavia, na lua cheia seguinte eu embarquei no Navio Branco, e com o relutante homem de barbas longas, eu deixei com alegria o porto para viajar por mares desconhecidos.

E o pássaro dos céus voou a nossa frente, e nos guiou em direção ao pilares de basalto do Oeste, mas desta vez os remadores não cantaram melodias doces sob a lua cheia. Na minha cabeça eu geralmente desenhava a Terra de Cathuria com seus palácios e caminhos esplêndidos, e me perguntava que novos deleites me aguardavam. “Cathuria” eu dizia a mim mesmo “é a morada dos deuses e terra das inumeráveis cidades de ouro. Suas florestas são de aloé e sândalo, mesmo os bosques de Camorin, e entre as árvores voam pássaros alegres cantando doces canções. Nas verdes e floridas montanhas de Cathuria encontram-se templos de mármore róseo, adornados com entalhes e pinturas que representam glórias, e em seus pátios há fontes de prata, onde as águas perfumadas que vem do rio Narg, cuja nascente se encontra em uma gruta, bramem encantadoras canções. E as cidades de Cathuria são cercadas por muralhas douradas, e seu calçamento também é de ouro. Nos jardins dessas cidades encontram-se estranhas orquídeas, e lagos perfumados cujos leitos são de coral e âmbar. À noite as ruas e os jardins são iluminados com lanternas vistosas feitas com casco de tartarugas de três cores, e lá ecoam as doces notas de um cantor e um tocador de alaúdes. E todas as casas das cidades de Cathuria são palácios, cada um deles construído sobre um perfumado canal que conduz as águas do sagrado Narg. De mármore e alabastro são feitas as casas, e cobertas com telhados de ouro brilhante que refletem os raios de sol e aumentam o esplendor das cidades como se os deuses jubilosos as observassem dos picos distantes. O mais belo de todos é o palácio do grande monarca Dorieb, aquele que alguns afirmam ser um semi-deus enquanto outros um deus. Sublime é o palácio de Dorieb, e muitas são as pequenas torres de mármore sobre suas muralhas. Em seus amplos salões multidões se reúnem, e lá pendem troféus conquistados há eras. E o teto é inteiramente feito de ouro, sustentado por altos pilares de rubi e lápis-lazúli, entalhados com imagens de deuses e heróis que faz com que aquele os fita tenha a impressão de estar contemplando o próprio Olimpo. E o piso do palácio é feito de vidro, sob o qual corre as iluminadas águas do Nargh, alegre com os pomposos peixes por ninguém conhecidos além da fronteira da amável Cathuria.”

Assim eu falava para mim mesmo sobre Cathuria, mas o homem de barbas longas sempre me alertava para voltarmos à afortunada Sona-Nyl; pois Sona-Nyl é conhecida pelos homens, enquanto ninguém conseguira chegar a Cathuria. E no trigésimo primeiro dia, guiados pelo pássaro alcançamos os pilares de basalto do Oeste. Envolvidos pela neblina estavam eles, assim nenhum homem podia espiar além ou ver o seu ponto mais alto – que na verdade alguns dizem chegar aos céus. E o homem de barbas longas mais uma vez implorou-me que voltássemos, mas eu não lhe dei atenção; pois da neblina além dos pilares de basalto eu imaginei que viriam as notas dos cantores e tocadores de alaúdes; mais doces que as mais doces canções de Sona-Nyl, e parecendo-se com meus próprios louvores; eu que viajara para longe da lua cheia e morara na Terra da Fantasia. Assim ao som da melodia o Navio Branco navegou pela neblina entre os pilares de basalto do Oeste. Então quando a música cessou e a neblina se dissipou, vimos que não havíamos chegado a Terra de Cathuria, mas sim a um mar revoltoso e indominável, sobre o qual nosso navio já sem esperanças era levado rumo a algum objetivo desconhecido. Logo chegaram aos nossos ouvidos o trovejar distante de quedas d’água, e aos nossos olhos apareceu, no horizonte distante a nossa frente, a rajada titânica de uma catarata monstruosa, onde os oceanos do mundo se encontram e deságuam em um abismo do nada. Então o homem de barbas longas me disse, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, “Nós rejeitamos a bela Terra de Sona-Nyl, à qual jamais retornaremos. Os deuses são maiores que os homens, e eles venceram.” E eu fechei meus olhos antes da queda que eu sabia que viria, impedindo a visão do pássaro celestial que batia suas asas azuis e orgulhosas sobre a correnteza.

Com a queda veio a escuridão, e eu ouvi os gritos de homens e de coisas que não eram humanas. Dos ventos tempestuosos do Leste eles surgiram, e deram-me calafrios como se eu me curvasse sobre uma laje de pedra que surgira sobre meus pés. Então eu ouvi mais uma batida e abri os olhos e me encontrei sobre a plataforma daquele farol de onde eu partira há muitos e muitos anos. Na escuridão abaixo surgiam os vastos contornos embaçados de um navio despedaçado sobre as rochas cruéis, e quando fitei os destroços vi que a luz havia se extinguido pela primeira vez desde que meu avô assumira o seu posto.

E nas tardes horas noturnas, quando eu fui para o interior da torre, vi que no calendário pregado na parede continuava lá como eu deixara na hora em que partira. Com o amanhecer eu desci a torre e olhei para os destroços sobre o rochedo, mas o que encontrei foi somente o seguinte: um estranho pássaro morto cujo tom era de um azul celeste, e um único mastro, de uma brancura maior que a da espuma do mar ou de uma montanha de neve.

E desde então o mar nunca mais me contou seus segredos; e embora muitas vezes a lua cheia tenha brilhado e se erguido nos céus, o Navio Branco do Sul nunca mais voltou.

Fontes:
Primeiras Traduções.
http://www.ichs.ufop.br/tradufop/?cat=1
Imagem = http://
www.monsores.net

Machado de Assis (O Lince)

Em uma crônica publicada em 11 de novembro de 1897, ele confessava: "Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto". Se você quiser encarar esses olhos, é imperativo que entenda essa confissão.

A essência da obra de Joaquim Maria Machado de Assis não se encontra na sua macro-estrutura, mas na micro-estrutura.

Os detalhes, como um gesto, um olhar, uma palavra aparentemente dita à toa, esparzidos ao longo de suas narrativas têm de ser devidamente "pescados" e colecionados, porque eles darão a chave para o entendimento de seus textos. Neles há um permanente jogo entre essência e aparência. A "história" de superfície é só um pretexto para discussões e denúncias de maior calibre. Existem o filosófico e a análise psicológica profunda que anteciparam conceitos que mais tarde Sigmund Freud teorizaria.

Machado não fez apenas a anatomia da sociedade patriarcal escravocrata de seu tempo, mas a do psiquismo humano com seus infinitos prismas.

Foi um esgrimista da palavra. Empunhando um estilo elegante e requintado, ele desfere golpes fulminantes e precisos contra a hipocrisia, a mediocridade, a vaidade, o egoísmo e a superficialidade que regem as relações humanas. Uma das características mais obsessivas de sua obra é o desvendamento da precariedade de nossa condição. As ridicularias cotidianas, alimentadas pela arrogância e pela pretensão, contrastam com a crueza da passagem do tempo e a iminência da morte. Exemplo disso é Marcela, a linda cortesã que manipulava e extorquia homens, como fez com o ainda adolescente Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas. Ela se transformou numa mulher de meia idade com o rosto desfigurado pelas seqüelas da varíola, e chegou à velhice morrendo na indigência num leito miserável de hospital. Não restara nem uma centelha do fausto da época de juventude; nem uma pérola das muitas jóias que teve lhe valeu contra o avanço inexorável do tempo.

Mas a "dedicatória/bofetada" que abre as mesmas Memórias Póstumas de Brás Cubas, tecida de humor cáustico, formatada de modo a imitar o tom leve, casual e familiar que costumam ter as dedicatórias, apresenta um conteúdo ainda mais devastador:


Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes do meu cadáver dedico como
saudosa lembrança estas
memórias póstumas.

O narrador escancara nossa condição de seres mortais e putrescíveis. A morte nivela; portanto todas as presunções de ordem material que constroem as diferenças de classe e de hierarquia são circunstanciais, vulgares, transitórias. Especialmente aquelas calcadas nas aparências e no poder econômico. Vivemos num mundo em que somos desencorajados a cultivar um repertório de virtudes duradouro e inabalável que arquitete um caráter, não irretocável, dado o limite do humano, mas positivo, no balanço final. Se houvesse tal encorajamento, o espaço entre nascer e morrer estaria justificado, e o viver teria alguma dignidade.

Mas Machado de Assis não concede a suas criaturas o poder de gerir, conduzir, transformar a própria vida ou a alheia. A existência naufraga numa lama gelada de equívocos, adiamentos, preguiças, vaidades, covardias, egoísmo, futilidades e acomodações.

Os personagens cometem sempre o terrível equívoco de tornar o essencial secundário e vice-versa. Isso promove a anulação da existência.

Suas obras não apresentam heróis. A esmagadora maioria, pode-se dizer que quase a totalidade de seus personagens, não apresenta caracteres, ainda que incidentais, exemplarmente positivos. Os personagens masculinos são, em geral, medíocres, de inteligência estreita, valores rasos, e a aceitação social de que desfrutam decorre do status que têm. É o caso de Brás Cubas (Memórias Póstumas de Brás Cubas), de Rubião (Quincas Borba) e de Bentinho (Dom Casmurro), afora muitos outros presentes em seus demais romances e contos. As personagens femininas não são melhores: frívolas e vaidosas, com interesses superficiais, detêm o domínio do jogo amoroso e da manipulação do outro. Há poucas imagens de sedução mais contundentes do que a passagem do conto “A Cartomante", em que Camilo torna-se amante de Rita, a esposa de Vilela, seu melhor amigo.

(...) Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado.

Pequenos detalhes ou incidentes podem sintetizar psicologicamente uma personagem. Veja-se no romance Esaú e Jacó o caso de Natividade, esposa do Santos, com quem casara aos 20 anos. Belíssima, afeita aos encontros sociais, ela passou dez anos casada sem filhos e sem evitá-los. Mas aos 30 anos foi surpreendida por uma gravidez. Ela reagiu assim:

(...) Lá se iam bailes e festas, lá ia a liberdade e a folga. Natividade andava já na alta roda do tempo; acabou de entrar por ela, com tal arte que parecia haver ali nascido. Carteava-se com grandes damas, era familiar de muitas, tuteava algumas. Nem tinha só esta casa de Botafogo, mas também outra em Petrópolis; nem só carro, mas também camarote no Teatro Lírico, não contando os bailes do Cassino Fluminense, os das amigas e os seus; todo o repertório, em suma, da vida elegante. Era nomeada nas gazetas. Pertencia àquela dúzia de nomes planetários que figuram no meio da plebe de estrelas. O marido era capitalista e diretor de um banco.

No meio disso, a que vinha agora uma criança deformá-Ia por meses, obrigá-Ia a recolher-se, pedir-lhe as noites, adoecer dos dentes e o resto? Tal foi a primeira sensação da mãe, e o primeiro ímpeto foi esmagar o gérmen. Criou raiva ao marido. A segunda sensação foi melhor. A maternidade, chegando ao meio-dia, era como uma aurora nova e fresca. Natividade viu a figura do filho ou filha brincando na relva da chácara ou no regaço da aia, com três anos de idade, e este quadro daria aos trinta e quatro anos que teria então um aspecto de vinte e poucos...
Foi o que a reconciliou com o marido.

Nenhuma mulher é obrigada a reagir bem à notícia de uma gravidez, ainda que seja responsável por ela. Mas note-lhe os motivos: perda de liberdade, deformação do corpo, enfim, frivolidades que a levaram a embirrar com o esposo. Repare, sobretudo, no que promoveu sua reconciliação com ele: ter filhos ao "meio-dia" da vida, aos 30 anos, a rejuvenesceria! Em nenhum momento ela considera o fato em si: ter filhos, e a gravidade e conseqüências do acontecimento, como a responsabilidade de tê-los, por exemplo; é mais um evento social, só que de maior duração. Perceba também que ela imagina os inconvenientes de ter a criança (noites mal dormidas, nascimento dos dentes), mas quando percebe que o filho poderia rejuvenescê-la, procura enquadrar essa possibilidade numa cena aprazível em que o personagem "bebê" está no colo da ama, não no dela, a mãe. Ela delega-o à criada, transferindo de antemão à serviçal os cuidados que ele acarretaria. Pois ela os teve, foram gêmeos e brigaram desde o seu ventre até depois de sua morte.

Quanto ao marido, o Santos, já tinha sido pobre. Quando se casaram não tinham nada, mas amealharam fortuna e desfrutavam de excelente condição social. Veja a ironia fina com que demonstra a mesquinhez do personagem e o gosto que ele tem pelo poder que ser rico acarreta, sobretudo o de se colocar acima dos familiares que não tiveram a mesma sorte que eles.

Dos dous parentes pobres de Natividade morreu o pai em 1866, restava-lhe uma irmã. Santos tinha alguns em Maricá, a quem nunca mandou dinheiro, fosse mesquinhez, fosse habilidade. Mesquinhez não creio, ele gastava largo e dava muitas esmolas. Habilidade seria; tirava-lhes o gosto de vir cá pedir-lhe mais.

Os exemplos são numerosos e dariam um livro (ou uma coleção deles), mas existem muitos outros aspectos relevantes em sua produção. O anticlímax é um deles. O anticlímax consiste na técnica de se criar um conflito com possibilidades de resolução aparentemente previsíveis e frustrar essa previsibilidade, ou esfriando o conflito, ou dando a ele uma solução imprevista, surpreendente. Importa lembrar que Machado de Assis herdou um público leitor com expectativas extraídas da literatura romântica com seus sentimentalismos e idealidades. A estrutura narrativa dos romances e novelas do período que antecedeu o autor era, até certo ponto, previsível, especialmente a finalização dos conflitos: ou se tinha o clássico "final feliz", ou o trágico, que freqüentemente envolvia a loucura e/ou a morte. A opção por um desses dois extremos era determinada, em geral, pela solução do conflito amoroso que era nuclear no Romantismo: se houvesse conciliação amorosa, o final era positivo; caso contrário, negativo.

Machado pertence cronologicamente ao Realismo, movimento que se opõe ao Romantismo. Assim, o anticlímax era um dos modos de neutralizar o olhar viciado no binômio "felicidade ou desgraça" dos leitores que herdou e de estabelecer os princípios da nova escola, especialmente no que se refere ao combate ao idealismo romântico. É de fundamental importância ressaltar que a tarefa de contextualizar esteticamente o autor é delicada. Além de sua inclusão cronológica no Realismo, não se pode ignorar que ele antecipou vários aspectos do Modernismo. E há que se considerar, sobretudo, seu estilo personalíssimo. Tudo isso o torna único, tão único que ele não teve discípulos diretos. Machado de Assis fez mais, ele inaugurou perspectivas sobre o seu tempo e lugar, bem como sobre o que é universal. A partir dele, temos muitos autores que lhe emprestaram o olhar e o adaptaram incorporando-o às suas obras, muitas vezes com talento e competência próprios, mas nenhum com sua agudeza, sua finura.

Quando se lê Machado de Assis, é possível imaginá-lo desde o alto de seu ver, assistindo ao terrível espetáculo do mundo; rindo-se dos esquetes ilusórios de fugaz alegria que permitem ao ser humano tolerar o estar em cena.

Foca, implacável, com seu poderoso telescópio a degeneração moral daqueles que são a gente que manda, ou que é invejada; a subserviência ora ressentida, ora conformada que apequena ainda mais aqueles que obedecem. Machado fulmina o maniqueísmo, ou seja, aquela visão de mundo que divide os seres humanos entre bons e maus, sem categorias intermediárias. Prova disso é o escravo Prudêncio, que servia a Brás Cubas desde a infância de ambos. O pequeno era vítima constante da tirania de seu senhor; mas quando cresceu e ganhou a alforria, teve ele mesmo seu escravo, e o tratava com os mesmos requintes de crueldade com que fora tratado. Não para vingar-se dos maus-tratos passados, mas porque a truculência não é um triste privilégio de classe ou de etnia: ela é humana.

A perspectiva literária desse escritor, quer narre em primeira pessoa (além de narrador, personagem) ou em terceira (apenas narrador), é suprema; e em qualquer das duas hipóteses, pode-se sentir sua enérgica presença, pois ele conversa com o leitor, instiga-o, ironiza-o, sacode-o, mas jamais o adula.

Mas não pense que Machado de Assis, adepto do niilismo, filosofia da negação total de tudo, do pessimismo absoluto cósmico, era só fel. O humor é seu principal recurso crítico. No conto "A Sereníssima República", por exemplo, ele fabula uma república de aranhas, e a partir daí faz uma crítica sarcástica às fraudes eleitorais e políticas de um modo geral. Aquela república resolveu fazer um sistema de eleições. Para tanto, as aranhas teceram um saco para colocar as bolas com os nomes dos candidatos a serem sorteados.

A eleição fez-se a princípio com muita regularidade; mas, logo depois, um dos legisladores declarou que ela fora viciada, por terem entrado no saco duas bolas com o nome do mesmo candidato. A assembléta verificou a exatidão da denúncia, e decretou que o saco, até ali de três polegadas de largura, tivesse agora duas; limitando-se a capacidade do saco, restringia-se o espaço à fraude, era o mesmo que suprimi-la. Aconteceu, porém, que na eleição seguinte, um candidato deixou de ser inscrito na competente bola, não se sabe se por descuido ou intenção do oficial público. Este declarou que não se lembrava de ter visto o ilustre candidato, mas acrescentou nobremente que não era impossível que ele lhe tivesse dado o nome; neste caso não houve exclusão, mas distração. A assembléia, diante de um fenômeno psicológico inelutável, como é a distração, não pôde castigar o oficial; mas, considerando que a estreiteza do saco podia dar lugar a exclusões odiosas, revogou a lei anterior e restaurou as três polegadas. (ASSIS, Machado de. A Desejada das Gentes e Outros Contos. São Paulo, Moderna, 1997).

A habilidade narrativa do autor é tamanha que gerou obras até hoje polêmicas, como é o caso de Dom Casmurro, a principal delas. Até hoje acadêmicos, estudantes e leitores comuns batem-se pela questão: Capitu traiu ou não traiu Bentinho, como ele afirma no romance que o tem como foco narrativo? Consta que houve até a simulação de um julgamento da personagem promovido pelos estudantes de Direito da Faculdade de São Francisco, ligada à Universidade de São Paulo. Ela foi absolvida por falta de provas. Os dois grupos, o dos favoráveis à idéia de que houve o adultério e o de seus opositores, discutem apaixonadamente, e também inutilmente, porque a obra é um duplo perfeito. Ambas as possibilidades são defensáveis, mas nenhuma delas cabais. De fato, essa nem é a principal questão do livro, e seria preciso muitas resmas de papel para se entrar nesse assunto.

Machado de Assis é uma vastidão, um cosmo, um infinito jogo de espelhos. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema "A um Bruxo, com Amor", belíssima homenagem ao autor, afirma: "Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro". Quem não leu Machado de Assis, não leu sequer uma linha.

Fonte:
Revista Discutindo Literatura. Edição 4. SP: Escala Educacional. p.30

Machado de Assis (Dom Casmurro)

OTELO OU ÓPERA-BUFA?

A história de Bentinho e Capitu está entre as obras mais requisitadas pelos exames do País

Publicado pela primeira vez em 1899, Dom Casmurro, de Machado de Assis (1839-1908) é objeto de acirradas discussões entre leigos, professores e críticos. Trata-se de um duplo perfeito meticulosamente calculado pelo maior romancista da Língua Portuguesa.

Ao analisar o livro, o leitor deve ter em mente que essa é uma obra passível de duas interpretações fundamentais e antagônicas. A adesão a uma ou a outra dependerá da credibilidade que se atribui ao narrador-protagonista. O famoso pomo de discórdia que alavanca as polêmicas em torno do romance é a questão do adultério: Capitu, esposa de Bentinho, teria ou não o traído com Escobar? Mas será esse o problema nuclear da obra, ou mero pretexto para verificar aspectos maiores?

Órfão de pai aos quatro anos, o narrador-protagonista, Bento Santiago – também conhecido como Bentinho –, vivia sob a tutela da mãe.A viúva, dona Glória, embora moça e bonita, optou pelo luto fechado, disfarçando suas formas em vestidos escuros e sem enfeites, um xale preto e os cabelos presos num coque, ou cobertos por uma touca. Após vender a fazenda em Itaguaí e alguns escravos, mudou-se para a casa da rua de Matacavalos, de onde raramente saía, a não ser para ir à missa.

Para ter companhia, chamou seu irmão, Cosme, e sua prima Justina, ambos viúvos, para viverem com ela. Além deles morava em Matacavalos o agregado José Dias, um dos mais interessantes personagens do universo machadiano. Dias era membro honorário da família desde a época em que era vivo o pai de Bentinho, Pedro Santiago. Chegara durante uma onda de febres dizendo-se homeopata e curou com ajuda de seus livros o feitor e uma escrava. Pedro Santiago, assim, convidou Dias para morar na fazenda mediante um pequeno salário.

Logo depois, Pedro foi eleito deputado, e os Santiago mudaramse para a então capital do Império, Rio de Janeiro. Dias os acompanhou. Convocado para examinar os escravos num segundo surto de febre que abateu Itaguaí, confessou que jamais fora médico. O charlatão, porém, já havia conquistado a família. Quando Pedro Santiago morreu, Dias aprontou suas malas, mas dona Glória pediu-lhe que ficasse. Com um “– Obedeço, minha senhora”, concordou, e desde então permaneceu na casa. Assim, Bentinho vivia entre adultos.

Superprotetora, dona Glória criara o filho sob estreita vigilância. O menino nem sequer ia à escola; tomava lições particulares em casa, com o padre Cabral. Seu único contato estreito extrafa--miliar era Maria Capitolina, a Capitu, menina da casa vizinha, filha
do Pádua e de dona Fortunata. A família da amiga era digna, todavia menos abastada que a de dona Glória. Prova disso é a bela descrição que o narrador faz de Capitu:

Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.

Capitu chegara à vida de Bentinho ainda criança, por volta dos cinco anos. Companheiros de brincadeiras, ele “batizava” as bonecas dela. Mas os anos passaram, e chegou o tempo do amor. Além disso, Bentinho, foco de convergência de sua casa, e até certo ponto seiva para os que desejavam a vitalidade apesar da falta de objetivos, tinha seu futuro neutralizado por uma promessa. Sua mãe, mulher devota, após a perda do primeiro filho, que nascera morto, prometera que, se o próximo fosse homem e vingasse, seria padre.

Na cena que inicia a ação propriamente dita, Bentinho ouviu da varanda o agregado José Dias lembrando à dona Glória que já era época de mandar o garoto, então com 15 anos, para o seminário. Disse-lhe que Capitu, “a filha do Pádua”, por quem nutria mal disfarçado rancor, andava com o menino “pelos cantos”, “em segredinhos”, e que se começassem a namorar seria difícil separá-los. Estupefata, dona Glória negou veemente essa possibilidade, argumentando que eles mal tinham saído das fraldas.Mesmo relutando, a mãe de Bentinho acabou por concordar com o agregado.

Ao ouvir a conversa, o menino, já amadurecido, concluiu que José Dias o denunciara a si mesmo, e da varanda seguiu para a casa da vizinha, que nesse momento já estava escrevendo os nomes de ambos com um prego. Flagrada por ele, tentou encostar-se contra o muro, entretanto Bentinho a tirou dali e leu comovido que no momento seguinte em que pensou amar, era amado.

Bento então contou a Capitu sobre a conversa ouvida. A reação da doce companheira de infância é colérica: “– Beata! Carola! Papa-Missas!”, vociferou para horror silencioso do garoto. E num repente de uma inspiração certamente decantada por tudo o que seus olhos agudos viram ao longo dos anos sob a anestesia daquela gente, Capitu concebeu um plano para livrar o namorado do celibato.

A menina lembrou Bentinho da precariedade financeira de José Dias, já que seu amado seria dono da casa quando crescesse. Lembrou também que o agregado gostava muito de ser elogiado por sua cultura de almanaque e por seus superlativos absolutos sintéticos, que acreditava darem certa dignidade ao seu discurso. Depois de sugerir ao companheiro fazer esses dois preâmbulos, recomendou que pedisse o apoio de José Dias na luta contra o seminário.

Após várias peripécias, que incluíram o primeiro beijo, Bento foi ao seminário. José Dias, porém, estava convencido de que se o menino não ingressasse na carreira eclesiástica iria certamente estudar na Europa, o que a seu ver implicaria acompanhar o futuro acadêmico. Assim conseguiu a promessa de que, se Bento não tivesse sua vocação manifesta em um ano, estaria livre para ser o que desejasse, e sua mãe se livraria da obrigação com Deus, mantendo financeiramente um garoto pobre que almejasse ser padre.

O período de seminário – ao qual, aliás, o temperamento pacato de Bentinho se acostumava – trouxe-lhe o amigo Ezequiel Escobar. Pouco mais velho e também pouco disposto aos votos, Escobar tinha um projeto que não envolvia amores: sua vocação era o comércio. Ambos conseguiram livrar-se do celibato: Bento foi a São Paulo estudar Direito, enquanto Escobar se estabeleceu como próspero comerciante. Em suas muitas viagens levava e trazia a correspondência entre Bento e Capitu, a quem chamava “cunhadinha”. Nesse meio tempo, Escobar conheceu a melhor amiga de Capitu, Sancha.

Os encontros resultaram em dois casamentos: Bento e Capitu; Escobar e Sancha. Estes logo tiveram uma filha, Capituzinha, em homenagem à madrinha. Os protagonistas retribuíram a consideração dos amigos dando o nome Ezequiel ao filho. Logo que Ezequiel nasceu, Escobar sugeriu a Bentinho que trabalhassem pelo casamento de seus filhos.

Os casais se freqüentavam, os pequenos se entendiam. Até que numa noite, depois de anos de convívio – Ezequiel tinha cerca de seis anos e Capituzinha nove –, Bento notou Sancha como não havia notado antes. O mar, onde todas as manhãs Escobar costumava nadar, estava em ressaca. Da janela da casa do amigo, na escuridão da noite, sentia o bramir do oceano; excitado pelo perigo que o aguardava na manhã seguinte ele estava certo de que mais uma vez venceria os caprichos das ondas.

Nessa noite, após o jantar, todos conversavam. Escobar sugeriu que tinha algo a dizer a Bentinho, mas que ficaria para outra ocasião. Este, então, sondou Sancha, que lhe parecia extraordinariamente bonita e acolhedora na ocasião. Ela lhe contou em segredo que o tal projeto era uma viagem à Europa dali a dois anos, os quatro, e rogou-lhe que não contasse ao marido. Ao se despedirem, a mulher de Escobar, a seu ver, apertou-lhe a mão com mais entusiasmo e olhou-o de modo peculiar, o que agravou a atração que sentia por ela naquele momento.

A impressão de cumplicidade sensual entre Sancha e Bentinho dilui-se na manhã seguinte, quando ele acordou com a notícia de que Escobar estava morto, vencido finalmente pelo mar.

A viúva ficou tão transtornada e infeliz que nada havia que cogitar sobre seu amor e fidelidade pelo marido. Ao lado do caixão permanecia aos soluços, amparada pela amiga Capitu, que, diga-se, não chorou, exceto na hora de fechar o caixão, momento em que homens e mulheres choraram. Somente Bentinho suspendeu suas lágrimas ao ver as da mulher “poucas e caladas”, e que ela enxugou “rápido” e, a seu ver, “a furto”.

Tempos depois, após um almoço, Capitu, ainda à mesa, aludiu a uma semelhança entre o olhar do filho e os de duas pessoas que conhecera antes, um amigo de seu pai e o “defunto Escobar”. Bento ponderou para si que não haveria mais de uma dúzia de olhares no mundo, e disse à esposa que em matéria de beleza, os olhos de Ezequiel haviam saído aos dela.

Mas o que se planta no inconsciente, no consciente viceja. O narrador foi tomado pela certeza de que o grande amor de sua vida o havia traído com seu melhor amigo. O único amor, oúnico amigo. A certeza o arrebatou. A partir de então passou a distanciar-se da família. Já não acudia às festas do filho quando chegava do trabalho e costumavam brincar. Evitava a esposa, em longas saídas.

Numa delas, assistiu a Otelo, clássico de William Shakespeare (1564-1616). Como é sabido, Otelo, o mouro de Veneza, casa-se com Desdêmona, rendendo-se ao mútuo e sincero amor que os unia. Mas o falso amigo Iago persuade Otelo de que sua mulher o traía e planta um lencinho da inocente Desdêmona na casa do suposto amante. Otelo mata a esposa e depois se suicida.

No momento em que a platéia assistia ao assassinato de Desdêmona, irrompeu em aplausos. Esses aplausos tanto podem ser entendidos como entusiasmo pela atuação do elenco, quanto como um paralelo ao estado emocional do narrador: ou Capitu é Desdêmona, portanto, inocente, ou a peça pode ser um alerta para a traição de Capitu.

Ao final, Bento, definitivamente dominado pela suspeita, pensa em suicídio colocando veneno no café. Era domingo de manhã, dia de missa. O filho entrou na cozinha exatamente no momento em que Bento se preparava para ingerir a beberagem. Ao ver o garoto, porém, decidiu num lampejo que era o menino quem devia morrer, e lhe ofereceu a xícara. Ezequiel, que já tomara café, ansioso por agradar ao pai que andava tão distante, apanhou a xícara. Quando ia beber, Bento a derrubou de propósito, e começou a chorar. O menino, assustado, puxou-lhe pelas calças, chamando: “ – Papai!”. Ele disse que não era seu pai.

Nesse momento deu-se conta da presença de Capitu. Como o ponto de vista é dele, não sabemos se ela tinha ouvido tudo, ou apenas fora atraída pelo choro de ambos. Capitu pediu ao filho que a esperasse na sala. Bentinho explicou-lhe a terrível suspeita, e a mulher sabia que era a semelhança. Mas a vida, segundo o livro, tem dessas coisas esquisitas, já que a própria Capitu era extremamente parecida com a mãe já falecida de Sancha quando jovem, conforme atestou o próprio Gurgel, o viúvo.

Optaram pela farsa: Capitu e Ezequiel partiriam com Bentinho para a Suíça, com o suposto intuito de dar uma educação européia ao garoto. Ambos nunca mais voltaram. Bentinho nunca assumiu a separação perante a sociedade.

Dona Glória, tio Cosme e José Dias morreram, Capitu também morreu no exílio. Até que Bentinho, definitivamente Dom Casmurro, no tempo em que morava acompanhado de um único escravo, recebeu um dia a visita de Ezequiel, já moço. Após o impacto de ter recebido o cartão de visita, que o fez levar cerca de quinze minutos para descer e receber o rapaz, o narrador deu de cara com o velho companheiro de seminário. É bom lembrar que, para alguém tão parecido com Escobar, Ezequiel guardava diferenças importantes do falecido amigo.

Durante seis meses, dom Casmurro conviveu com Ezequiel e com a suposta semelhança. Ao cabo desses, o rapaz seguiu para Jerusalém, onde morreria de uma febre. O narrador, ao receber a conta do funeral e a cópia do que se escreveu na lápide, diz que custou caro, mas que pagaria o dobro apenas para nunca mais ter de ver Ezequiel.

O arremate da obra é intrigante: citando o capítulo IX, versículo 1, de Jesus, filho de Sirach: “Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”.

Entre Dois Pólos

Entre o princípio e o fim dessa síntese do enredo de um cosmo, interpõem-se episódios de grande duplicidade interpretativa. Um dos mais celebrados é a ocasião em que Bento Santiago vai sozinho ao teatro, deixando Capitu em casa. Esta alegara estar indisposta. Não tendo gostado da peça, Santiago retirou-se entre o primeiro e o segundo atos e chegando em casa, deparou com Escobar saindo. O amigo disse ter pendências jurídicas a tratar, pendências, no parecer de Bentinho, que poderiam ser resolvidas no dia seguinte. Mais tarde, Capitu alegou que o mal-estar na verdade era uma indisposição a saídas.

Em qualquer hipótese, a obra é bipolar: ou Capitu e Escobar são realmente inocentes da suspeita do narrador, ou são não apenas culpados, mas também cínicos, e não só por ocultarem o caso, mas também pelas repetidas atitudes de dissimulação. Ela é a primeira a aludir à semelhança de olhares entre o do filho e o de Escobar; este, pelo fato de ter proposto o casamento entre Capituzinha e Ezequiel; ambos por terem sido traídos pela genética: o menino indiscutivelmente se parecia com Escobar.

Uma das características marcantes da obra de Machado de Assis é a análise psicológica. O autor chegou até mesmo a antecipar conceitos que mais tarde o próprio Sigmund Freud (1856-1939) formalizaria, como é o caso do complexo de Édipo, claramente prefigurado no romance.

As muitas possibilidades interpretativas da obra merecem um livro. Mas, considerando-se as duas interpretações fundamentais,
evidencia-se que tanto faz optar por uma ou por outra. Se Capitu efetivamente havia traído Bentinho, ele fez o que sabia fazer numa ocasião extrema como essa: mandou a família para a Europa, não assumiu sua separação perante a sociedade, fingiu ir visitá-los todo ano, coisa que na verdade não fazia, deixou o tempo passar, e este se encarregou do resto: a morte dos familiares e da esposa, o retorno imprevisto de Ezequiel.

Caso não tenha sido traído, ele pensou que foi. Então agiu da mesma maneira: mandou a família para a Europa, não assumiu sua separação, etc. Isso nos leva a concluir que tanto faz, e que discutiremos o fato ad aeternum enquanto o velho bruxo do Cosme Velho ri de nós lá do infinito, em sua eterna superação de
tudo quanto é humano.

Fonte:
Revista Discutindo a Literatura. Edicao 13. SP: Editora Escala Educacional. p.22.

Sesc Maringá - Eventos (Palestra com Prof. José Pacheco)



O Projeto de Formação “Educasesc” tem como objetivo contribuir para que a qualidade da educação seja real, auxiliando o educador em suas dificuldades e problemas encontrados no processo educativo. Em 2008 a proposta é estar além das paredes da escola e ser vista como fator fundamental de contribuição para as ações do indivíduo na sua comunidade.

PALESTRA MAGNA COM A PRESENÇA DO PROFESSOR
JOSÉ PACHECO, DA ESCOLA DA PONTE - PORTUGAL

APRESENTAÇÃO DO CASE : ABORDAGEM PSICODRAMÁTICA NAS INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS – UMA EXPERIÊNCIA COM LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Psicóloga Elizabeth R. Maio de Siqueira

PALESTRA MAGNA, COM A PRESENÇA DO PROFESSOR JOSÉ PACHECO – A ESCOLA DA PONTE.

Local : Teatro Calil Haddad.
Data: 23/10/2008.
Horário : 19:00h

As inscrições para a palestra podem ser feitas no SESC – Maringá. O valor da taxa é R$10,00.

Vagas Limitadas
Inscrições e Informações:
SESC – MARINGÁ
(44) 3262 – 3232
Rua Lauro Eduardo Werneck, 531-Maringá - PR

Fonte:
E-mail enviado por Laíde Cecilia de Sousa
Assistente de Atividades

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Homenagem aos Professores



Semeadores de Futuro
Sergio Antonio Meneghetti

A vida na sua sabedoria
Exige a troca de informação
Sem esta o mundo não andaria
Sem mestres não haveria evolução

No inicio da nossa caminhada
Alguém tem que nos estender a mão
Sem esta caridade não seriamos nada
E com esta aprendemos à sábia lição

Doar conhecimento para o crescimento
Amar este dom que do alto vem
Ter sempre este gesto de enobrecimento
Ser mestre, orientador, e amigo também.

Que o nosso maior Mestre
Abençoe quem tem esta nobre missão
Transformando o ambiente terrestre
Iluminando nossa vida e o nosso coração.

Fontes:
E-mail enviado pelo autor.
Imagem =
http://portalsaofrancisco.com.br

José Couto Vieira Pontes (A casa dos ofendículos)

A casa da Prof. Arnaldo era uma construção antiga, com mais de trinta anos, varandões em torno, jardim na frente e pomar nos fundos. Ficava quase escondida por de trás dos pés de jaca, das amoreiras e dos tamarindeiros. Logo que se transpunha o portão de entrada, do chão se evolava um odor de folhas podres, lodo e umidade.

Prof. Arnaldo morava só. Recebia muitas visitas, principalmente ex-colegas de labuta forense. Há muitos anos, deixara a advocacia, justificando que não suportava a morosidade com que os processos caminhavam e os desmandos de certos magistrados. Nos fundos, isolado do casarão, um quarto com banheiro anexo abrigava uma senhora morena, de longos cabelos negros, que arrumava a casa, cozinhava e cuidava das roupas do professor. Chamava-se Cristina. E tinha um filho pequeno: Rafael.

Numa noite de dezembro, quente, de tal modo que nenhuma folha do arvoredo se movia, o professor ficou na varanda, sentado numa cadeira de alumínio e forro de morim branco. Lá pelas tantas, quando já havia saído do primeiro cochilo, apareceu-lhe a figura de Altamiro Gouveia, proprietário de uma livraria.

– Trouxe-lhe hoje, Prof. Arnaldo, a última novidade a respeito da Segunda Guerra Mundial. O senhor vai gostar muito: é sobre a invasão da Normandia.

– Minha biblioteca está um tanto belicosa, Altamiro. Esta minha recente queda pelos livros de guerra fez-me esquecer até os clássicos. Estava lendo OS MAIAS, de Eça, e interrompi a leitura dele por causa daquela bigrafia de Rommel.

Prof. Arnaldo alisou a capa do livro, folheou-o ligeiramente, deteve os olhos num trecho do meio e acrescentou: – Vou devorá-lo, quando terminar OS MAIAS.

Conversaram ainda a respeito de vários outros autores nacionais e estrangeiros. Falaram acerca de escritores novos, tecendo-lhes críticas às produções, considerando que o excesso de ensaios literários denunciavam decadência das letras. Quando o bate-papo já esmorecia, Gouveia aproveitou uma pausa e, com o porte de quem se prepara para começar um discurso importante, acentuou:

– Prof. Arnaldo, o senhor vai desculpar-me, mas quero pedir-lhe uma gentileza. O senhor compreende... eu vou... vou... vou...
– Pode falar, Gouveia – atalhou.
– É que vou pedir um empréstimo no banco e necessito de seu aval. O senhor compreende, a gente não quer incomodar, mas se vê às vezes na contingência de...
– Não se acanhe, Gouveia. Isso é natural. Posso prestar-lhe o aval. O título está com você aí?

Prof. Arnaldo sabia que não podia negar-lhe a garantia. Embora fosse visceralmente contrário ao instituto do aval, não lhe restava outra alternativa senão concedê-lo ao velho amigo. E como Gouveia lhe exibisse a nota promissória, pediu que o acompanhasse até o escritório. Nesse cômodo do casarão, ficavam as estantes lotadas de livros, antigos volumes encadernados e brochuras novas, edições recentes. Uma escrivaninha de mogno estilo colonial espanhol. Quadros de família nas paredes. Uma reprodução a óleo de uma tela de Wlaminck, Paisagem Hibernal.

Prof. Arnaldo sentou-se, tomou da caneta e, examinando o título cambiário com cuidado, apôs o aval no verso.

– Estou comovido, professor. Não sei como agradecer-lhe. O senhor tirou-me de uma situação delicada. São coisas que a gente não esquece.
– Esqueça, Gouveia.

E voltaram a varanda.

Prof. Arnaldo prosperara economicamente depois que deixou a advocacia. Possuía um rendoso colégio, a bela casa residencial, vários terreno no centro da cidade, algum gado e várias casas de aluguel. E a riqueza não conseguiu afastar de si o vasto círculo de amizades. Constantemente era convidado para pronunciar palestras e conferências e para saudar personalidades importantes que visitavam a cidade.

Numa noite chuvosa, recolheu-se à biblioteca com muita vontade de ler o dicionário ilustrado. Neste, não encontrou a palavra ofendículo, mas, no etimológico-prosódico, sim. Nos tempos de Faculdade de Direito, aprendera nas aulas de Direito Penal que esse termo significava obstáculo, barreira, estorvo. Os cacos de vidro, que implantara nos muros em volta de sua propriedade, eram ofendículo.

– Como sua casa era singular! – pensou. – Bem poderia chamar-se A Casa dos Ofendículos. Os cacos de vidros eram grandes, pontiagudos, de várias cores, predominando o verde-garrafa. Não havia um só trecho de muro, em todo o perímetro, em que faltasse o estorvo.

– Ofendículo, uma palavra rara – pensou. – Pouco conhecida, mas vigorosa, expressiva, viril. Como o casarão era um recanto seu, intocável, onde se recolhera a si e aos seus caprichos, problemas, emoções, sentimentos, levando a vida que traçara, onde se encastelara contra o mundo onde a própria solidão tinha seus encantos, Prof. Arnaldo não relutou em admitir que a propriedade deveria chamar-se mesmo A Casa dos Ofendículos.

Fora, a chuva continuava, escorrendo pelas calhas, inundando as varandas. A leitura dos dicionários prolongou-se até as portas da meia noite, quando então o professor deixou a biblioteca e dirigiu-se ao quarto.

No dia seguinte, voltaria às preocupações lexicológicas. Mas tal não ocorreu. Logo de manhã, lembrou-se de cuidar das roseiras. Enquanto as adubava com uma pá pequena, agachado, percebeu que alguém abria o portão da frente e ingressava na área do jardim. Era Avelino Xavier, um conhecido dos tempos de serviço militar. Quase não vinha ao casarão. Quando o fazia, compelia-o alguma necessidade, de dinheiro ou de conselho. Quase sempre de dinheiro.
Logo que chegou às roseiras, começo a falar:

– Velho amigo, grande amigo, Prof. Arnaldo! Há quanto tempo distante desta humana e incomparável figura! Como está forte, disposto, conservado...

Com esse linguajar lisonjeiro, Xavier objetivava conquistar a atenção do professor. Este, no entanto, contestava os elogios. Não tanto por modéstia, mas porque achava falsa, fingida, estéril, aquela maneira de louvar. Não tardou que a verve do recém-chegado se arrefecesse, conduzindo-o logo à finalidade da visita. Mudando para um tom seco e áspero
de voz, disse:

– Professor, estou necessitando de seu aval.

Prof. Arnaldo permaneceu calado. Xavier considerou:

– Outra vez, meu caro professor. Sei que estou abusando, mas não tenho outra pessoa a quem pedir.
– Você sabia que estou muito carregado nos bancos, Xavier? Ontem mesmo um dos gerentes comentou esse fato. Na verdade, dei um aval na semana passada. Não acho elegante revelar o nome da pessoa.
– É que o senhor é muito conceituado nos bancos, professor. É controlado, organizado, prudente, honesto...Os bancos sabem disso. Gostam disso.
– Xavier, volta aqui amanhã. Preciso fazer um levantamento das minhas contas e fichas bancárias. Estou mesmo muito carregado.
– Por favor, professor – insistiu. – Não deixe para amanhã. Até que contabilizem o título, até que eu possa sacar o dinheiro, já passou a formatura de Lenita. Preciso enfrentar os gastos. Depois, será o noivado com o capitão.
– Mas amanhã não é daqui a um século, Xavier.
– Eu sei, professor. Eu compreendo. Perdoa-me a insistência. Rogo-lhe encarecidamente que seja hoje. Também será o ultimo. Juro-lhe.

Prof. Arnaldo rendeu-se.

– Está aí com você a letra?
– Sim, professor. E já está preenchida.

No caminho do jardim à biblioteca, Avelino Xavier fermentava e robustecia as razões de seu pedido.

– O senhor é solteiro, mora só, é muito rico. O senhor jamais poderá imaginar as privações, os apertos, os vexames por que passa um pai de família, destituído de recursos financeiros. Quando não uma doença ou o colégio dos filhos, é o noivado, a formatura, é tanta coisa.

Depois que Xavier se retirou com a nota promissória avalizada, Prof. Arnaldo ficou refletindo, com os olhos pregados no livros das estantes altas:

– Que desaforo! E nesta hora falta-me adrenalina para estourar, recusar, pedir ao homem que se retire, que não apareça mais. Pedir o aval não é nada. Mas aquela consideração atrevida em torno da minha condição de rico, solteiro e solitário? Que eu desconheço as vicissitudes de um pai de família... Ora, bolas! Por que o homem se casou, sabendo que não agüentaria o encargo? Por que não permaneceu solteiro como eu?

Vários dias passaram-se depois da visita de Xavier, todos eles carregados de pedidos análogos. De há muito, concedia favores dessa natureza, mas não com a freqüência e a intensidade atuais.

Prof. Arnaldo chegou a concluir que muitos elogios e convites para conferências estavam vinculados a esses pedidos de aval. Na verdade, logo após a palestra acerca das influências inglesas em Machado de Assis, no Colégio Estadual, recebeu a visita do presidente do Centro Literário Estudantil, que lhe subtraiu mais um aval. E assim se sucederam outros mais, prestados a Prudêncio Peixoto Nobre, jornalista da crônica social, a Vitor Hugo Seleto, criador de gado, Pedro Saulo Botelho, reformado dos quadros da Polícia Civil.

E todos haviam penetrado o casarão, denunciando a frágil, a precária oposição dos cacos de vidro, implantados nos muros, reluzentes, multicores, pontudos. Verdes, azuis, brancos, amarelos. Mais forte era a dialética dos pidões: -

“O Senhor é solteiro, mora só, é muito rico. Jamais poderá imaginar as privações, os apertos, os vexames por que passa um pai de família destituído de recursos financeiros...”

Prof. Arnaldo pensou em vários remédios. Viajar pelo Norte, onde tinha um primo, constituiria uma solução temporária, passageira, pois teria que regressar breve ao casarão. Dizer “não” a todos, trancar a cara, bancar o durão, poderia comprometer-lhe o conceito, a estima geral. Mas era preciso dar uma solução ao problema, pôr um paradeiro nos abusos. Muitos favorecidos haviam adotado o mal costume de não liquidar os títulos no vencimento, obrigando o avalista ao desembolso. Entre esses, Avelino Xavier. Prof. Arnaldo pensou em simular um contrato social, em que figuraria uma disposição vedando aos sócios a prestação do aval. Mas não conseguiu o cúmplice para a simulação. Somente se recorresse aos preguiçosos angorás de sua sala de visitas.

Finalmente, depois de várias noites de vigília, brotou-lhe na mente a solução. Uma fonte de água límpida, fresca, a jorrar pura, farta.

Adotaria um menino.

Cuidou dos detalhes. Consultou compêndios de direito, de há muito desprezados nas estantes da biblioteca. Mandou arrumar o quarto do futuro adotado num dos cômodos da frente. Ficou para o fim o principal:

– Quem seria o eleito?

Depois de alguns cotejos e confrontos, não tardou que a escolha recaísse no filho de Cristina, a doméstica. Conhecia o menino, os costumes da casa e parecia herdeiro da boa índole da mãe. Esta recebeu a notícia com lágrimas nos olhos. Sempre almejara um bom futuro para o filho. Há vários anos, pelo Natal – eis como são as coisas – até já havia tido a idéia.

Rafael tinha dois anos, quando da adoção. Era moreno claro, forte, de olhos grandes, muito inteligente, serviçal, educado. Crescera daí por diante cercado de toda opulência. Prof. Arnaldo – a quem o garoto chamava de pai – dava-lhe de tudo. Freqüentava os melhores colégios, usava as roupas mais caras, chegando a ter dezenas de ternos de linho branco irlandês. Com esse evento, o casarão tomou um banho de juventude: festinhas, reuniões, bailes. Dançavam, recitavam, ouviam discos novos e algumas vezes logravam aprender o caminho da biblioteca.

Numa dessas noites festivas, apareceu na casa o Avelino Xavier, com o mesmo estilo de linguagem, a mesma adjetivação postiça, abundante. Primeiro, o intróito; depois, a solicitação brusca, sem solenidade alguma:

– Preciso de outro aval, professor.

Antes que Xavier prosseguisse com as justificativas, Prof. Arnaldo asseverou-lhe:

– Meu garoto pretende visitar a Europa muito breve, talvez ainda neste ano. É para mim uma grande satisfação proporcionar-lhe esta invejável oportunidade. Por isso, meu caro Xavier, alimento receio de abalos, de comprometimento em meu orçamento.

– Não o colocarei mais em situação embaraçada, professor. Da vez anterior, foi puro esquecimento. Agora, pagarei o título no vencimento, ou antes, se possível.

- Não, Xavier. Você é pai de família, como eu. Sabe dos problemas, dos riscos, das vicissitudes inerentes a essa condição. Que vexame passaria eu amanhã, que apertos, se a meu menino viesse a faltar o conforto que sempre lhe proporcionei. Não, não, Xavier. Pense bem e reflita.

E assim todas as demais investidas dos pidões se frustraram. Ninguém mais procurou o professor para solicitar aval. As visitas escassearam, chegando quase a se extinguirem de todo. Não mais os convites para as conferências, ou nome na crônica social.
* * *
Passaram-se os anos. Rafael já falava assim aos amigos:

– Quando papai me adotou, há dez anos atrás...

Logo o moço estava com vinte e dois anos de idade. Conhecera, então, uma garota e queria desposá-la. Chamava-se Castorina, filha de seu ex-professor de violino, um alemão chamado Hans, que também vendia mel. Prof. Arnaldo opôs-se ao casamento imediato, pois que o rapaz fazia poucos meses concluíra o curso na Escola de Química Industrial e aguardava a nomeação para um cargo no Estado, promessa de um velho amigo da família. Promessas, principalmente de empregos, quase sempre dão em nada.

– Não custa nada esperar um pouco, Rafael – aconselhou o professor.
– Você é jovem demais Castorina também. Pegue a colocação, economize alguns meses e depois sim. É preciso enfrentar de cabeça erguida as despesas, as responsabilidades, os compromissos. Fique sabendo que o mês somente possui trinta dias e as contas vencem. Por mais que eu queira ajudá-lo, meu filho, você deverá ser um homem independente.

– Mas o emprego já está garantido, papai. Disseram-me que os papéis já se acham sobre a mesa do governador.

Em diálogos dessa natureza mantiveram-se por várias semanas. Até que Rafael não suportou mais a espera e marcou com a noiva a data do casamento. Prof. Arnaldo nada pôde fazer. Restou-lhe apenas disfarçar o descontentamento, mostrando-se alegre, feliz.

Numa tarde, após o almoço no casarão, em regozijo pelo acontecimento, Prof. Arnaldo abandonou a conversa na varanda e caminhou até a biblioteca, alegando aos presentes que precisava consultar algumas anotações. É que a conversa se tornara enfadonha, improdutiva, girando em torno de preços de roupas e de outros artigos de comércio. Chegando à biblioteca, foi até a janela. Olhou o pomar e um pedaço de rua que aparecia entre o arvoredo. Uma rua estreita, calçada de paralelepípedos. Nesse instante, ouviu passos atrás de si, no corredor. Voltou-se e viu que o professor Hans acabava de entrar.

– Prof. Arnaldo, desculpe-me abordá-lo assim inesperadamente. Vim aqui porque não quero que ouçam o que vou dizer-lhe, ou melhor, pedir-lhe.

– Fique à vontade, professor. Não tenha constrangimento. De que se trata?

– É custoso pedir, professor. O senhor compreende, nesse campo, confesso minha nulidade absoluta. As circunstâncias da vida, porém, obrigam-nos a mudar o próprio temperamento.

– O senhor tem toda a liberdade, Prof. Hans. É um amigo que muito estimo, o ex-professor de violino do meu pupilo. Por isso, acredito que não pode haver entre nós nenhum embaraço.

– Sou assim um poço de esquisitices, de manias, de timidez.

– Mas quem de nós não tem um punhado disso tudo, Prof. Hans?

– Então, o senhor vai me perdoar, Prof. Arnaldo. Trouxe aqui...O senhor sabe... Ninguém melhor que o senhor para saber que muitas vezes um pai de família, embora não disponha de muitos recursos financeiros e econômicos, quer pelo menos no dia do casamento de sua filha... pelo menos nesse dia...

E retirou do bolso interno do paletó um papel retangular, branco.

– Trouxe aqui – continuou – um título do banco, uma nota promissória para desconto. Vou precisar de seu aval, Prof. Arnaldo.

– Ora, ora, ora, então era somente isso? Dê-me cá o título, professor.

Prof. Hans passou-lhe a letra. Tremia-lhe um pouco a mão. Prof. Arnaldo examinou a nota, verificou a quantia no verso. Era suficiente para patrocinar o festão de casamento. Em seguida, lançou o aval nas costas do papel. Voltou à janela, lobrigou novamente o arvoredo, a rua, sem dizer palavra alguma.

Prof. Hans agradecia: – Obrigado, obrigado. Não fosse o senhor não sei como faria.

Com a chegada da primavera, o flamboyant da calçada derramava flores vermelhas pelo chão. Às vezes, o vento levava-as até o piso das varandas.

Por sobre o longo muro, os ofendículos tremeluziam ao sol.
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Sobre o Autor:
José Couto Pontes nasceu em Três Lagoas (MS), em 1933. É juiz de direito aposentado. Foi advogado e professor. É um dos fundadores da Academia de Letras e História de Campo Grande (1971), antecessora da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Foi seu presidente de 1972 a 1982. É autor de DESTE LADO DO HORIZONTE (1972, contos), JORGE LUÍS BORGES, A ERUDIÇÃO E OS ESPELHOS (1976, ensaio) e HISTÓRIA DA LITERATURA SUL-MATO-GROSSENSE (1981). É contista premiado nacionalmente.
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Fonte:
Revista da Academia Sul-Matogrossense de Letras. n.3. março 2004. Campo Grande

Renie Burghardt (A Última Rosa)



The Last Rose
Tradução de Cynara Paiva

Assim que abri meus olhos hoje de manhã, sabia que era dia 25 de outubro de 1966 – data esta que venho temendo por semanas. O primeiro ano do dia mais triste da minha vida, dia em que meu amado esposo Jozsef, de 49 anos, faleceu me deixando viúva.

Jozsef era jardineiro e gostava muito de suas plantas bem cuidadas, que se beneficiavam de sua terna devoção, assim como eu. Ele tinha um toque mágico, tanto com os jardins quanto com sua esposa.

Nosso casamento tinha sido um acordo, é verdade. É muito estranho pensar nisso agora, que eu não quis me casar com Jozsef, mas essa é a mais pura verdade. Lembro do ano de 1916 tão claro como se fosse hoje. Eu tinha acabado de completar 16 anos, e o imperador Franz-Josef da Áustria-Hungria tinha morrido. Por isso, nosso país, a Hungria, naquele ano estava de luto, assim como Jozsef, porque sua primeira esposa, minha tia Anni, havia falecido um ano antes, deixando Jozsef com duas crianças pequenas para criar.

Lembro do choque que eu levei quando Mama veio até mim e disse que Jozsef havia pedido minha mão em casamento.

– Mas eu não quero me casar, Mama, disse com voz chorosa. Além disso, eu amava minha tia Anni. Eu nunca poderia tomar o seu lugar.

– Ele precisa de uma esposa, Terez, e os filhos dela precisam de uma mãe. Anni iria gostar, se você tomasse conta deles, uma vez que ela se foi – Mama disse em voz baixa. – Mas você não precisa decidir agora. Você pode pensar sobre isso por um tempo.

Enquanto fiquei lá sentada, e sem pensar no assunto, eu me lembrei de quando tia Anni e Jozsef se casaram. Eu tinha oito anos, e fui a dama de honra no casamento deles. Ela era uma bela noiva, assim como Joszef em sua farda de soldado da cavalaria, me deixando sem ar aos 8 anos de idade.

Ah! Os soldados da cavalaria daquela época, como eles faziam as jovens ficarem eufóricas! Lembro, ao pensar sobre aquele dia, que eu gostaria de casar com um belo oficial, também. Então, oito anos depois, Jozsef queria se casar comigo, porque seus filhos precisavam de uma mãe e ele de uma esposa.

– Eu quero me casar por amor e não por necessidade – eu disse a ele, com voz chorosa.

– Mas eu farei o meu melhor para lhe fazer feliz. Serei amável e gentil, e talvez um dia, você aprenderá a me amar – Jozsef respondeu. – Meus filhos já te amam, e penso que você também os ama. Podemos formar uma família feliz juntos – ele disse.

Claro, ele estava certo, eu já amava seus dois filhos, e a decisão que tomei foi por causa deles. Então concordei em me casar com Jozsef, e nosso casamento foi simples, mas bonito.

O país estava de luto após a morte de Franz-Josef, e as noivas não podiam se casar usando vestido de noiva. Somente o véu branco era permitido. Eu fiquei comovida quando Jozsef me trouxe um pequeno ramalhete de rosas de seu próprio jardim para carregar como meu buquê de noiva.

Então, após a cerimônia, quando estávamos finalmente a sós, e eu estava morrendo de medo, Jozsef segurou meu rosto com suas mãos, o acariciou e beijou-me ternamente, despertando sentimentos jamais vivenciados. Desde este dia sinto calafrios, mesmo tendo se passado 50 anos. Lembrando daquela noite, e de muitas outras, fico muito agradecida pelo maravilhoso amor de Jozsef. Sim, eu aprendi a amá-lo tão intensamente, que meu amor por ele aumenta a cada dia que passa.

Os jovens de hoje, procuram romances e pensam que um casamento igual ao nosso é o fundo do poço. Bem, usei essa expressão porque agora sou americana, além disso, minha neta a usa sempre. Mas não é o fundo do poço, digo à minha neta. Jozsef era romântico desde o começo. Ele cultivava lindas rosas, e trazia para casa lindos buquês feitos com elas, e eu pude aproveitar seu perfume, e com freqüência, ele me dizia que minhas bochechas eram rosadas e amáveis como suas rosas que eram coradas no centro.

Ele também cultivava não-me-esqueças, porque sua cor combinava com a cor dos meus olhos. Ao menos era o que sempre me dizia. Ele fez muitas outras coisas românticas também. Mas na maioria das vezes ele me encorajava a ser eu mesma, e quando eu quis montar um negócio, algo inédito para aquela época na Hungria, Jozsef apoiou minha decisão, e os negócios cresceram nos ajudando a prosperar.

Jozsef também era um pai maravilhoso, a rocha de nossa família. Quando nossa única filha, nossa amada filha Ilonka, estava morrendo na flor da idade, aos 19 anos, logo depois de dar a luz a seu primeiro filho, foi a Jozsef que ela chamou. Foi em seus braços que ela deu o seu último suspiro, enquanto eu caía em prantos de dor por tudo, por não poder fazer nada por ela. E foi ele quem me apoiou durante toda a tragédia, me lembrando de que tínhamos a filha de Ilonka para cuidar agora. Tive que superar a minha dor pelo bem da criança.

Jozsef e eu passamos por muitos momentos difíceis durante esses 49 anos de casados – uma guerra terrível, que tirou a vida de seu filho, a perda de todos os bens ao recomeçar a vida em um outro país. Mas também tivemos muitos momentos felizes, como quando nos tornamos bisavós. Nossa linda neta nos presenteou com dois meninos e finalmente tivemos dinheiro suficiente para comprar nossa casa própria.

– Encontrei um lugar perfeito para nós, Terez. É uma casa pequena, estilo colonial, toda branca, com uma linda cerca em volta e uma grande área onde poderei fazer meu jardim novamente. Ah! Irei cultivar tomates de boa qualidade, pimentões húngaros e rosas que irão combinar perfeitamente com a cor de seu rosto – ele disse.

Não importava que meu rosto estivesse ganhando a cor da idade, Jozsef parecia não notar isso.

Rapidamente, seu jardim tornou-se a atração de nossa modesta e étnica vizinhança, e quando ele encontrou, em um catálogo, aquela rosa ancestral exatamente como aquela que ele cultivava na Hungria, parecia que ele tinha acabado de achar um tesouro!

E, naquele ano que passou, eu não estava em condições nem mesmo de olhar para o jardim. Ele somente me lembrava a ausência de Jozsef. Se não fosse por minha neta Zsuzsi, que prefere ser chamada de Suzi, as ervas daninhas teriam tomado conta do jardim. Ela parece ter herdado o dom de Jozsef para lidar com as plantas. Ela tem seu próprio jardim. Seus dois filhos cresceram muito neste último ano, mas eles se parecem muito com seu carinhoso pai, e irei me certificar de que continuam se lembrando dele.

Sim, este dia começou de forma muito triste.

Mas logo aconteceu uma coisa. Assim que me vesti e esperava Suzy chegar para me levar ao cemitério, me senti obrigada a olhar pela janela da cozinha e vi alguma coisa rosa brilhante do lado de fora.

– O que é aquilo? – perguntei a mim mesma. – Seria alguma coisa florescendo? Mas não pode ser. Estamos no final de outubro, e por causa das fortes geadas uma boa parte do jardim morreu.

Abri a porta da cozinha e caminhei em direção ao jardim de rosas de Jozsef, e lá, no canteiro de rosas da Hungria, havia uma rosa linda e perfeita. A última rosa do verão, tão rosa quanto as rosas do meu buquê de casamento, de cinqüenta anos atrás.

À medida que me inclinava para sentir o seu perfume celestial, pude sentir uma inconfundível presença perto de mim. Sabia que tinha encontrado Jozsef novamente, e eu estava tão feliz e em paz. E, quando coloquei a última rosa do verão no seu túmulo, prometi a Jozsef que cuidaria de seu jardim, tão ternamente quanto ele havia cuidado de mim, até chegar o dia de nos encontrarmos no glorioso jardim do mundo vindouro.

Fonte:
Primeiras Traduções.
http://www.ichs.ufop.br/tradufop/?cat=1

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Comemoração do Dia do Livro em Sorocaba

Em mais uma ação de incentivo à leitura do “Projetos de Leitura”, o “Dia do Livro” ocorrerá em Sorocaba no dia 21 de outubro, terça-feira, das 9h30 às 16h, na Praça Cel. Fernando Prestes, Centro.

O projeto “Dia do Livro” realizado em parceria com as Secretarias de Educação e Cultura de Sorocaba conta com o apoio do PAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e consiste na venda em praças públicas dos livros de Laé de Souza, também autor do projeto, pelo preço simbólico de R$ 1,00.

Durante o evento o escritor fará várias sessões de autógrafos e será distribuído material informativo sobre seus outros projetos de incentivo à leitura, em execução há dez anos, com o apoio das leis de incentivo à cultura. As cidades de Campinas e São Paulo também serão contempladas com o “Dia do Livro” nos dias 25 e 29 de outubro, respectivamente.

O público terá acesso aos livros na tenda Dia do Livro, onde estarão expostos os títulos Nos Bastidores do Cotidiano, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Acontece..., e Espiando o Mundo pela Fechadura, crônicas curtas que retratam o cotidiano das pessoas comuns e as complexidades das relações humanas, em linguagem coloquial e abordagem bem-humorada, o que facilita a compreensão dos textos e torna a leitura agradável; e o infantil Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial, que narra aventuras de um garoto e seu inseparável cãozinho, apresentando conceitos éticos para o pequeno leitor, publicados pela Editora Ecoarte.

Laé de Souza participará da 2ª edição da Expo Literária onde ministrará três palestras para estudantes e professores sobre seu trabalho de escritor e coordenador de diversos projetos de leitura focados nas escolas da rede pública, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais. “É uma grande inverdade o estigma de que o brasileiro não gosta de ler. A parceria com as prefeituras dá a oportunidade ao público de adquirir livros a preços acessíveis e estimular o hábito da leitura por prazer. Ações como estas são caminhos para a formação de leitores”, afirma o escritor.

O Dia do Livro é a data da fundação da Biblioteca Nacional em 29 de outubro de 1810 quando a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil.

Serviço:

Dia do Livro

Preço: R$ 1,00

Data: 21 de outubro de 2008 – terça-feira

Horário: 9h30 às 16h

Local: Praça Cel. Fernando Prestes – Centro
Sorocaba – SP
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Assessoria de Comunicação:
Rozângela Inojosa Galindo
(11) 9261-5500 / (15) 3227-4581
imprensa@projetosdeleitura.com.br
www.projetosdeleitura.com.br
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Fontes:
Douglas Lara. In
http://www.sorocaba.com.br/acontece
Desenho =
http://afonsobastos.blogspot.com

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Lançamento do Livro Saborosas Crônicas, de Luiz Eduardo Caminha


Luiz Eduardo Caminha (1951)

Luiz Eduardo Caminha é médico nascido em Florianópolis em 04/10/51, dia de São Francisco de Assis, recebendo o grau de médico, em 1976, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Fez Residência Médica em Cirurgia geral e Colo-Proctologia no Rio de Janeiro e Pós Graduação em Londres e Wiesbaden (Ex-Alemanha Ocidental). Em 1982, transferiu-se para Blumenau. É membro da Sociedade de Escritores de Blumenau - SEB e fundador do Capítulo Santa Catarina da SOBRAMES - Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

Sua paixão por escrever vem dos tempos de Primário, quando ainda se ensinavam aos alunos o que era uma descrição, uma interpretação, uma composição, mas aflorou em 1970 quando da aula magna proferida pelo poeta Lindolf Bell, no Curso de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina. Pensava em fazer Jornalismo, mas, com a transferência do Curso para Porto Alegre, desistiu e prestou novo Vestibular para Medicina. Foi Presidente da Associação Médica de Blumenau no biênio 1992/93, Secretário de Saúde de Blumenau entre 1993 e 1996, Presidente do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde de 94 a 97 e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde de 93 a 97.

De 1985 a 1989, editou, sozinho, o Jornal “Clarins do Vale”, impresso nas oficinas da Fundação Cultural de Blumenau. De 1989 a 1992 foi produtor e apresentador do Programa Canal Livre no Rádio, na então Rádio União AM, Rede Fronteira de Comunicação de Blumenau. Entre 1999 e 2002 produzia e apresentava o Programa Feliz Cidade, na TV Galega, desta mesma cidade. Desde Abril de 2000 produz e apresenta o Programa Stammtisch, na mesma emissora. Foi através deste Programa que se iniciou o resgate da tradição dos “stammtische”, em Blumenau e região. Como tal, foi um dos articuladores dos Encontros de Stammtisch (Strassenfest mit Stammtischtreffen).

Seu conhecimento e pesquisas sobre esta tradição germânica motivaram-lhe lançar um Sítio na Internet denominado “Stammtisch, Confrarias e Patotas” http://www.stmt.com.br, em 23 de Dezembro de 2005. Desde Abril de 2006 tal site situa-se no 1º. Lugar entre todas as referências mundiais para o termo “stammtisch” nos principais sítios de busca do mundo (Google, Yahoo, Cadê, MSN Buscas, entre outros). Só no Google são mais de seis milhões de referências para o termo.

Seu primeiro livro, de poesias, intitulado “Reflexos”, foi editado em 1995. Em 1997 foi co-autor da Coletânea “Florilégios Poéticos” da SOBRAMES. Em 2005 participou da II Antologia da Sociedade Blumenauense de Escritores.

Em 2006 teve quatro de seus contos/crônicas e três poesias pré-selecionadas no II Concurso Literário Guemanisse de Contos e Poesias.

Ainda neste ano teve mais dois contos e duas crônicas selecionados no III Concurso Literário Guemanisse de Contos, Crônicas e Poesias. Recentemente sua crônica "Felicidade", aqui apresentada, classificada em 2º. lugar no II Concurso Literário da Sociedade de Escritores de Blumenau (Poema, Conto e Crônica) - Edição 2006.

Participou também da III Antologia da Sociedade Blumenauense de Escritores, em 2006 e da Antologia Asas e Vôos da Editora Guemanisse, Rio de Janeiro, com os autores dos textos selecionados no Concurso Literário Guemanisse de Contos e Poesias. Em Agosto de 2005 passou a integrar a comunidade virtual Novaliteratura.com.

Desde Julho de 2006 tem a honra de pertencer ao quadro de Escritores do Portal CEN “Cá Estamos Nós”, da qual teve a felicidade de participar de seu II Encontro, na cidade do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.avspe.eti.br/