sábado, 2 de maio de 2009

Otto Lara Resende (1922 – 1992)

Otto de Oliveira Lara Resende nasceu no dia 1°. de maio de 1922, numa casa na Rua da Matola, 9, em São João del Rei, Minas Gerais. Seu pai, Antônio de Lara Resende, era professor, gramático e memorialista, além de legítimo representante da Tradicional Família Mineira (TFM). Casado com D. Maria Julieta de Oliveira teve 20 filhos, dos quais Otto era o quarto.

O longevo professor — morreu em 1988, com 94 anos de idade — fundou seu próprio colégio em São João del Rei, o Instituto Padre Machado, que teve como aluno, entre outros, o futuro escritor João Guimarães Rosa. O Instituto foi transferido para Belo Horizonte quando a família para lá se mudou, em 1938. Tempos depois, foi entregue ao controle dos padres barnabitas.

Foi em 1938, através de Benone Guimarães, um dos professores do colégio, que Otto fez contato com alguns autores cujos livros o acompanharam por toda sua vida. No colégio estreou como jornalista, tendo desempenhado as funções de "gerente", eleito por voto secreto, do jornalzinho feito pelos alunos.

O professor Benone dirigia o jornal, orientava os colaboradores e exercia as funções de copidesque, pois não permitia de forma alguma a publicação de algo que julgasse impróprio. Com ele, tiveram início as agruras de Otto Lara na imprensa. Não se vendo nos textos publicados, após terem sido alterados pelo rígido professor, o autor chegou a inventar um pseudônimo, que mais era um trocadilho do que qualquer outra coisa:
Oh Tu!

Foi através do professor e orientador que teve contato com o Boletim de Ariel, a revista literária dos anos 30, e com a obra de Agripino Grieco, do qual se tornou admirador.

Segundo Otto, foi aí que resolveu ser escritor. "Eu estava convencido de que tinha vindo ao mundo para escrever, para lutar com as palavras, por mais vã que fosse essa luta".

Também por influência de Benone, tornou-se um leitor voraz de Machado de Assis. "A descoberta de Machado de Assis, de sua visão cética, amarga, de sua ironia, de seu sense of humour, desvendou um mundo para mim. Aos catorze, quinze anos, eu talvez fosse mais amargo e mais pessimista do que Machado...".

Nessa época, para deslumbramento do jovem escritor, Alceu Amoroso Lima, ou Tristão de Athayde, famoso autor e pensador católico, vai até São João del Rey para proferir uma conferência no Centro Dom Vital, organização de direita católica da qual seu pai fazia parte, e faz uma visita à sua casa. Vê-lo de perto, engalanado com seu fardão da Academia Brasileira de Letras, levou Otto a constatar que é possível ter duas caras: "Uma convencional, acadêmica e fardada; outra, jovial, humana e simpática".

Seguindo os passos de seu pai, aos 14 anos o biografado já era professor de Francês, que aprendeu por conta própria.

Vale lembrar que, com a Revolução de 30, Minas assumiu o poder cultural do país. Getúlio Vargas nomeou Gustavo Capanema para dirigir sua política educacional e cultural, colocando-o à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública. Com carta branca do governo, o Ministro fez sua própria revolução no empoeirado meio cultural da época. Cercou-se de mineiros, nomeando Carlos Drummond de Andrade como seu chefe de gabinete. Tido como comunista, o poeta não era muito benquisto pela nata da sociedade conservadora, incluindo-se aí os velhos mandarins dos círculos literários oficiais e os representantes da direita católica. Outro mineiro levado por Capanema ao Ministério foi o escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade, que foi o criador, em 1937, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Ajudou-o nessa tarefa o escritor paulista Mário de Andrade, que se tornou uma espécie de mentor e orientador intelectual do grupo de jovens mineiros de que Otto fazia parte.

Em 1938 Otto, no esplendor de seus 16 anos, muda-se com a família para Belo Horizonte, onde morou por sete anos.

"Na carreira literária a glória está no começo. O restante da vida é aprendizado intensivo para o anonimato, o olvido", disse Paulo Mendes Campos, que já era conhecido do biografado desde os tempos de São João del Rei. Numa Belo Horizonte pequena, com menos de 200.000 habitantes, cuja população era oriunda de outras cidades mineiras que para lá — como a família Lara Resende — havia se mudado em busca de novas oportunidades, o biografado inicia sua carreira literária.

Naquela época, o poema "No meio do caminho", de Drummond, ainda provocava escândalo. A Tradicional Família Mineira (TFM) e a Igreja, esta representada pelo poderoso arcebispo dom Antônio dos Santos Cabral, exerciam forte patrulha sobre a população.

Otto, que havia nascido com vocação para a galhofa, era um jovem esperto e aplicado. Lecionava Português e Francês no Instituto Padre Machado, do qual era um dos herdeiros, o que levava a crer que seguiria a carreira de professor.

Conhece Fernando Sabino e juntos aderem à causa do escotismo, face ao incentivo da respeitada educadora Helena Antipoff. Nascida na Rússia, a fundadora dos institutos Pestalozzi, após algum tempo no Rio de Janeiro mudou-se para Minas, em 1920, e acabou por transformar-se em uma autêntica mineira.

Freqüenta, com Paulo Mendes Campos, velho conhecido, o curso de inglês. Juntou-se ao grupo Hélio Pellegrino, futuro psicanalista de renome. Os quatro, amigos por toda a vida, formaram o mais célebre quarteto que o Brasil já conheceu. Nas palavras de Otto, os "adolescentes definitivos". Amantes ardorosos da literatura, eram também portadores de feroz sentimento antifascista.

Passando do campo das idéias para o campo das ações, Otto e Hélio, com o suporte financeiro de alguns políticos, entre eles Afrânio de Melo Franco, publicam e distribuem clandestinamente o jornal "Liberdade", contra o Estado Novo. Além de Wilson Figueiredo, outros jovens se juntaram à dupla, cabendo citar Sábato Magaldi, Autran Dourado e João Etiene Filho. Este último teve grande influência na formação intelectual dos "Quatro Mineiros".

Além de professor, a partir de 1939 o autor aceita um convite para trabalhar no Serviço do Imposto Territorial da Secretaria de Finanças de Minas. "Sempre fui funcionário, que fatalidade" — diria ele anos depois. Dessa época vem a amizade com o jornalista Carlos Castello Branco, o "Castellinho", vindo do Piauí para estudar Direito na capital mineira e que trabalhava no jornal "Estado de Minas".

Aos dezoito anos, começa a trabalhar como jornalista no periódico "O Diário", de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que é professor, funcionário público e estudante de Direito. Sua estréia na imprensa, em 1940, se dá com o artigo "Panelinhas literárias". Dai por diante nunca mais deixou de ser jornalista, tendo chegado a editar o suplemento literário do "Diário de Minas". No Rio, anos depois, trabalhou no "Diário de Notícias", "O Globo", "Diário Carioca", "Correio da Manhã", "Última Hora", "Manchete", "Jornal do Brasil" e "TV Globo". Morreu como cronista do jornal "Folha de São Paulo".

O biografado dizia ter tido sorte de ter virado jornalista num momento em que as mudanças começavam a acontecer na "lerda e acolhedora" capital mineira. Já com Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública, outro mineiro se sobressai no âmbito regional: Juscelino Kubitschek de Oliveira, nomeado prefeito de Belo Horizonte pelo interventor Benedito Valadares. Com menos de 40 anos, Juscelino era o único alvo visível quando se queria atingir o Estado Novo, e assim "Os quatro mineiros" agiram. Surpreendidos com a visita do prefeito à mesa onde, entre cafezinhos, discutiam sobre política e literatura, na leiteria "Nova Celeste", fizeram questão de demonstrar a Juscelino não era bem-vindo. Hélio Pellegrino, em especial, aproveitou a oportunidade para um ajuste de contas com o Estado Novo. Juscelino ouviu, com tranqüilidade, o inflamado Hélio e, vendo que ali não teria espaço para expor suas idéias, levantou-se de repente dizendo: "Entrego os pontos", e foi-se embora.

Entre outras realizações, Juscelino promoveu uma espécie de feira cultural — conhecida como "semaninha" — que pretendia ser um reprodução, em tamanho menor, da Semana de Arte Moderna de 1922. Nela, Otto e amigos tiveram oportunidade de conhecer Oswald de Andrade. Mário já mantinha, nessa época, correspondência com Fernando Sabino, tendo conhecido, depois, os outros membros do grupo.

Em 1945, já formado em Direito, Otto muda-se para o Rio de Janeiro, onde já moravam seus amigos Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Vai trabalhar como repórter no "Diário de Notícias". Ao mesmo tempo, permanecia em seu emprego público, tendo em vista que, não se sabe como, havia conseguido a transferência de sua matrícula para o Rio. Depois de servir em diversas secretarias, é nomeado, em 1960, procurador do Estado da Guanabara.

Otto tinha o talento de colecionar e cultivar amizades. Além dos velhos amigos mineiros de infância, logo conquistou Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, João Cabral de Melo Neto, Carlos Lacerda, Samuel Wainer e muitos outros mais.

Em 1946, começa a namorar Helena, filha de Israel e neta do ex-governador de Minas, João Pinheiro. Casa-se em 1948, na Igreja do Mosteiro de São Bento, no Rio. Ficaram casados por 44 anos e tiveram quatro filhos: André, Bruno, Cristiana e Heleninha.

Considerava-se "casadíssimo" e não se cansava nem se envergonhava de alardear seu amor pela família. "Como pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar", dizia ele. Levava os filhos à missa dominical, cortava-lhes as unhas, acompanhava o andamento de seus estudos na escola.

Helena leu, antes dos amigos, seus primeiros trabalhos literários. Seu primeiro livro de contos, "Lado Humano", é lançado em 1952 pela "Editora A Noite".

Cinco anos depois, em 1957, a "Editora José Olympio" publica seu segundo livro de contos, "Boca do Inferno". Consta que, logo após seu lançamento, o autor saiu, de livraria em livraria, recolhendo os exemplares, insatisfeito com sua publicação. Se ele ficou insatisfeito, seu pai ficou mais ainda. Em carta, deu um puxão de orelhas no filho, embora já estivesse com 35 anos. Outra reclamação veio de Heráclito Sobral Pinto, militante católico.

Trabalhava na revista "Manchete" nessa ocasião, já há três anos, tendo iniciado como redator-chefe e depois como diretor. Otto cativou Adolpho Bloch, dono da publicação, com sua conversa e, segunda consta, teria Adolpho proposto a ele que construíssem um mausoléu comum, para que ele pudesse continuar ouvindo as histórias do biografado pela eternidade afora. A revista, nas mãos de Otto, melhorou. Levou para lá o artista plástico mineiro Amílcar de Castro, para cuidar da parte gráfica, e colaboravam Rubem Braga, Lúcio Rangel, Flávio de Aquino, Darwin Brandão e Irineu Guimarães, entre outros.

Alegando estar à beira da estafa, e ainda sob o impacto do lançamento do livro "Boca do Inferno", se demite da "Manchete" e parte com a família para a Bélgica, onde vai exercer as funções de adido cultural brasileiro junto à Embaixada em Bruxelas. Com isso, não teve o desprazer de ver o fim do escândalo: segundo Autran Dourado, a porta do apartamento de Otto aparece coberta de fezes, obra, talvez, da "filial" carioca da TFM.

Terminado, em 1960, o mandato de Juscelino, o escritor, contra a vontade, volta ao Brasil. Sua mulher, Helena, o convence a cancelar contrato já assinado com a UNESCO e a retornar ao Rio de Janeiro. Cheio de dúvidas quanto a seu futuro e a profissão que iria exercer, sente-se completamente perdido. Disse: "Caí em depressão. Fui para a Procuradoria como advogado substituto". O destino acaba levando-o para o Banco Mineiro da Produção, onde exerceu, por curto período, o cargo de diretor, nomeado pelo amigo Magalhães Pinto, à época governador de Minas Gerais.

José Aparecido de Oliveira, secretário de imprensa do recém empossado Presidente Jânio Quadros, convence-o a fazer do escritor um membro de sua equipe. Mesmo contra sua vontade foi nomeado, à revelia, coordenador da Assessoria Técnica da Presidência. Não chegou a tomar posse, pois logo Jânio renunciou.

Os dias tumultuados que se seguiram fizeram com que Otto fosse chamado pelo amigo Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, para redigir uma declaração que esclarecesse a posição do governador em relação à posse do vice-presidente João Goulart, o Jango. Consta desse documento uma pérola de exemplo da posição "em cima do muro" escrita por Otto: "Minas está onde sempre esteve".

Anos depois, Otto declarou ser, à época, a favor da posse de Jango, tanto que, nada tendo contra ele, a pedido do amigo Jorge Serpa, havia montado uma entrevista (as perguntas e respostas) publicada pela revista "Manchete" pouco antes da deposição do presidente pelos militares. Carvalho Pinto, ministro da Fazenda, não concordou com as declarações de Jango (que na verdade eram de Otto) e demitiu-se.

Seria chamado novamente, em 1964, pelo governador mineiro, para escrever uma carta a João Goulart alertando-o dos riscos da agitação no campo. Dias depois, no Rio, sem saber de nada, João Pinheiro Neto, ministro de Jango, solicita a Otto o favor de escrever uma carta em resposta àquela que Jango havia recebido do governador de Minas Gerais.

Assume a função de editorialista do Jornal do Brasil. Funda, com Rubem Braga e Fernando Sabino, entre outros amigos, a Editora do Autor. Por ela são publicados "O retrato na gaveta" (1962), "O braço direito" (1963). Em 1964 escreveu "A cilada", um conto sobre a avareza no livro "Os sete pecados capitais", publicado pela Civilização Brasileira, em companhia de Guimarães Rosa (soberba), Carlos Heitor Cony (luxúria), Mário Donato (ira), Guilherme Figueiredo (gula), José Condé (inveja) e Lygia Fagundes Telles (preguiça).

Disse Nelson Rodrigues: "A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa. Deviam pôr um taquígrafo atrás dele e vender suas anotações em uma loja de frases". O relacionamento dos dois merece um capítulo especial. Conheceram-se na redação de "O Globo" e a todos espantava o fato de terem se tornado amigos, pois eram pessoas completamente diferentes. Nelson tinha uma vida sentimental tumultuada, enquanto Otto era o exemplo do bom cristão, voltado para a família, um intelectual cuja literatura mesclava prazer, dever e até tortura. Um escritor medido, perfeccionista. Nelson era um vulcão. Escrevia aos borbotões, sem que aparentemente houvesse por trás um projeto literário ou um método.

Nelson adorava pôr amigos (e inimigos também) como personagens em suas peças, crônicas e romances. Aproveitava a oportunidade que seus livros lhe davam para pôr casualmente na boca de personagens, inventados ou não, o que gostaria de dizer por própria conta.

Otto tornou-se um dos personagens da predileção do dramaturgo. Citado em "Asfalto selvagem" (que tem como subtítulo "Engraçadinha, seus amores e seus pecados") e em crônicas, culminou por ser "homenageado" e ter uma peça com seu nome: "Bonitinha mas ordinária ou Otto Lara Resende". O biografado, para sua surpresa e desgosto, figurou escandalosamente em cartazes e no letreiro do Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro, em 1962, quando a peça estreou e ficou em cartaz por cinco meses. O nome do escritor é citado 47 vezes pelos atores.

O homenageado detestou a brincadeira. Em represália, não foi assistir ao espetáculo. Com o tempo, o caso foi esquecido e os dois continuaram bons amigos até o fim.

Em 1967, estréia seu programa "O pequeno mundo de Otto Lara Resende" na "TV Globo". Uma participação diária de 60 segundos, onde falaria sobre os acontecimento do dia. Sua maior dificuldade foi a de adaptar-se ao tempo disponível, já que adorava falar pelos cotovelos.

Ainda naquele ano, Otto despede-se temporariamente do "Jornal do Brasil" e da "TV Globo" e muda-se com a família para Portugal, onde residiria por dois anos, exercendo as funções de adido cultural junto à nossa Embaixada naquele país, em pleno governo Costa e Silva. Lá nasceu sua filha mais nova, Heleninha, a temporã que deixou o escritor, então com 45 anos, deslumbrado. Dizia que ter filhos após os 40 era uma beleza. "Consegui ser avô de minha filha e pai de minha neta, eliminando a intermediação antipática do genro".

Quando retornou ao Brasil, em 1969, não trazia consigo nenhuma crise profissional. Só a alegria de um pai extemporâneo. Voltou a trabalhar no "Jornal do Brasil", agora como diretor. Foi de extrema importância sua atuação junto à autoridades que detinham o poder, pois era obrigado a lidar com a censura, atos institucionais, desmandos e tudo o mais que compunham o ambiente da época.

Saiu do "Jornal do Brasil" em 1974 e, logo depois ingressou nas organizações "Globo".

Em 1975, publica o livro de contos "As pompas do mundo".

Em 03 de julho de 1979 é eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Toma posse em 02 de outubro do mesmo ano, na cadeira 39, vaga com a morte de Elmano Cardim, em solenidade concorridíssima onde estiveram presentes — fato inédito — seus pais. Apesar de não ter sido um acadêmico exemplar, pois comparecia muito pouco às reuniões, segundo colegas, Otto levou um pouco de graça e brilho à vetusta Academia Brasileira de Letras.

Após ter trabalhado por dez anos nas organizações "Globo" (1974/1984), foi demitido sem saber porquê. A verdade é que tal fato o deixou abaladíssimo. Durante seis anos remoeu essa mágoa e, em 1991, voltou a brilhar em nova fase profissional, quando foi contratado pelo jornal "Folha de São Paulo" como colunista.

Seu retorno põe fim a um período difícil em sua vida. Angustiado, queixava-se da falta de dinheiro e dizia não estar satisfeito com a vida que viveu até então. Deixou a barba crescer, começou a beber além de seu normal e, profundamente deprimido, chegou a se trancar em seu escritório e não participar da passagem de ano com sua família.

Em maio de 1985, um grupo de amigos liderados por José Aparecido de Oliveira, então governador de Brasília, movimentou-se para tirar o escritor da reclusão em que se encontrava, mediante sua nomeação para o cargo de Ministro da Cultura do governo José Sarney. Tudo parecia acertado. Sarney ligou para Otto e formulou o convite. Ele não disse nem que sim e nem que não. Viajou para Petrópolis e depois para Tiradentes (MG) e nunca mais tocou no assunto.

Como se não bastasse, no início de 1989, Otto atropelou uma criança na movimentada Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, quando voltava de sua casa de veraneio, em Petrópolis. O escritor prestou-lhe imediato socorro, mas o menino morreu. Ficou comprovado que não teve nenhuma culpa no infausto acontecimento. Em novembro do mesmo ano, seu apartamento foi assaltado e os ladrões levaram tudo o que existia de valor na casa.

Seu velho conhecido, o jornalista Janio de Freitas, vem de São Paulo com a tarefa de convidar Otto a participar do grupo de articulistas do jornal "Folha de São Paulo". Apesar da má vontade externada pelo escritor em aceitar, Janio sentiu que com um pouco de insistência o acordo seria fechado. Veio, então, ao Rio, o editor-executivo da Folha, Matinas Suzuki Jr., para fechar o negócio. A proposta era um desafio: escrever crônicas em seis dias da semana, com não mais de 30 linhas datilografadas. Tudo acertado, o primeiro artigo, publicado no dia 1° de Maio, quando completava 69 anos, intitulava-se "Bom dia para nascer". Ou renascer, como diriam alguns.

A coluna, como não poderia deixar de ser, teve grande aceitação e o número de leitores — e em especial, de leitoras — cresceu sensivelmente. Logo estaria entre os três colunistas mais lidos do jornal. O sucesso, como era da personalidade de Otto, lhe trouxe felicidade e tormento. Apesar de sua bibliofobia crônica, publicou mais um livro, "O elo partido e outras histórias". Escreveu quase 600 crônicas no período em que lá esteve, de Maio de 1991 a novembro de 1992.

Deixa o jornalismo aos 70 anos e, logo em seguida, a vida. Internado para uma operação sem importância, falece inesperadamente aos 28 de dezembro de 1992, segundo os médicos de "embolia pulmonar" mas, segundo a família, de infecção hospitalar.

Em 1992, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro homenageou o escritor dando seu nome para uma pracinha no bairro do Jardim Botânico.

O acadêmico Josué Montello, em fala ressaltando as qualidades do amigo falecido, citou os dois versos em que Afrânio Peixoto resumia sua própria biografia: "Estudou e escreveu./Nada mais lhe aconteceu".

Nos tempos de juventude, numa brincadeira, Fernando Sabino fez a seguinte quadrinha para adornar a lápide de Otto:

Aqui jaz Otto Lara Resende
mineiro ilustre, mancebo guapo.
Deixou saudades, isso se entende:
Passou cem anos batendo papo.

Bibliografia:

- O lado humano (contos, 1952)
- Boca do inferno (contos, 1957 e 1998)
- O retrato na gaveta (contos, 1962)
- O braço direito (romance, 1964)
- A cilada (conto, 1965, publicado em "Os sete pecados capitais)
- As pompas do mundo (contos, 1975)
- O elo partido e outras histórias (contos, 1991)
- Bom dia para nascer (Crônicas na Folha de S. Paulo, 1993)
- O príncipe e o sabiá e outros perfis (História, 1994)
- A testemunha silenciosa (Novelas, 1995).

Fonte:
http://www.releituras.com/

José de Alencar (A Prece)

(ao final vocabulário das palavras negritadas)
A tarde ia morrendo.

O sol declinava no horizonte e deitava-se sobre as grandes florestas, que iluminava com os seus últimos raios.

A luz frouxa e suave do ocaso, deslizando para verde alcatifa, enrolava-se como ondas de ouro e de púrpura sobre a folhagem das árvores.

Os espinheiros silvestres desatavam as flores alvas e delicadas; e o ouricuri abria as suas palmas mais novas, para receber no seu cálice o orvalho da noite. Os animais retardados procuravam a pousada, enquanto a juriti, chamando a companheira, soltava os arrulhos doces e saudosos com que se despede do dia.

Um concerto de notas graves saudava o pôr-do-sol e confundia-se com o rumor da cascata, que parecia quebrar a aspereza de sua queda e ceder à doce influência da tarde.

Era Ave-Maria.

Como é solene e grave no meio das nossas matas a hora misteriosa do crepúsculo, em que a natureza se ajoelha aos pés do Criador para murmurar a prece da noite!

Essas grandes sombras das árvores que se estendem pela planície; essas gradações infinitas da luz pelas quebras da montanha; esses raios perdidos, que esvasando-se pelo rendado da folhagem, vão brincar um momento sobre a areia; tudo respira uma poesia imensa que enche a alma.

O urutau no fundo da mata solta as suas notas graves e sonoras, que, reboando pelas longas crastas de verdura, vão ecoar ao longe como o toque lento e pausado do angelus.

A brisa, roçando as grimpas da floresta, traz um débil sussurro, que parece o último eco dos rumores do dia, ou o derradeiro suspiro da tarde que morre.

Todas as pessoas reunidas na esplanada sentiam mais ou menos a impressão poderosa desta hora solene, e cediam involuntariamente a esse sentimento vago, que não é bem tristeza, mas respeito misturado de um certo temor.

De repente os sons melancólicos de um clarim prolongaram-se pelo ar quebrando o concerto da tarde; era um dos aventureiros que tocava Ave-Maria.

Todos se descobriram.

D. Antônio de Mariz, adiantando-se até à beira da esplanada para o lado do ocaso, tirou o chapéu e ajoelhou.

Ao redor dele vieram grupar-se sua mulher, as duas moças, Álvaro e D. Diogo; os aventureiros, formando um grande arco de círculo, ajoelharam-se a alguns passos de distância.

O sol com o seu último reflexo esclarecia a barba e os cabelos brancos do velho fidalgo, e realçava a beleza daquele busto de antigo cavalheiro.

Era uma cena ao mesmo tempo simples e majestosa a que apresentava essa prece meio cristã, meio selvagem; em todos aqueles rostos, iluminados pelos raios do ocaso, respirava um santo respeito.

Loredano foi o único que conservou o seu sorriso desdenhoso, e seguia com o mesmo olhar torvo os menores movimentos de Álvaro, ajoelhado perto de Cecília e embebido em contemplá-la, como se ela fosse a divindade a quem dirigia a sua prece.

Durante o momento em que o rei da luz, suspenso no horizonte, lançava ainda um olhar sobre a terra, todos se concentravam em um fundo recolhimento, e diziam uma oração muda, que apenas agitava imperceptivelmente os lábios.

Por fim o sol escondeu-se; Aires Gomes estendeu o mosquete sobre o precipício, e um tiro saudou o ocaso.

Era noite.

Todos se ergueram; os aventureiros cortejaram e foram-se retirando a pouco e pouco.

Cecília ofereceu a fronte ao beijo de seu pai e de sua mãe, e fez uma graciosa mesura a seu irmão e a Álvaro.

Isabel tocou com os lábios a mão de seu tio, e curvou-se em face de D. Lauriana para receber uma bênção lançada com a dignidade e altivez de um abade.

Depois a família, chegando-se para junto da porta, dispôs-se a passar um desses curtos serões que outrora precediam à simples mas suculenta ceia.

Álvaro, em atenção a ser o seu primeiro dia de chegada, fora emprazado pelo velho fidalgo para tomar parte nessa colação da família, o que havia recebido como um favor imenso.

O que explicava esse apreço e grande valor dado por ele a um tão simples convite era o regime caseiro que D. Lauriana havia estabelecido na sua habitação.

Os aventureiros e seus chefes viviam num lado da casa inteiramente separados da família; durante o dia corriam os matos e ocupavam-se com a caça ou com diversos trabalhos de cordoagem e marcenaria.

Era unicamente na hora da prece que se reuniam um momento na esplanada, onde, quando o tempo estava bom, as damas vinham também fazer a sua oração da tarde.

Quanto à família, essa conservava-se sempre retirada no interior da casa durante a semana. O domingo era consagrado ao repouso, à distração e à alegria; então dava-se às vezes um acontecimento extraordinário como um passeio, uma caçada, ou uma volta em canoa pelo rio.

Já se vê pois a razão por que Álvaro tinha tantos desejos, como dizia o italiano, de chegar ao Paquequer em um sábado, e antes das seis horas; o moço sonhava com a ventura desses curtos instantes de contemplação e com a liberdade do domingo, que lhe ofereceria talvez ocasião de arriscar uma palavra.

Formado o grupo da família, a conversa travou-se entre D. Antônio de Mariz, Álvaro e D. Lauriana; Diogo ficara um pouco retirado; as moças, tímidas, escutavam, e quase nunca se animavam a dizer uma palavra sem que se dirigissem diretamente a elas, o que rara vez sucedia.

Álvaro, desejoso de ouvir a voz doce e argentina de Cecília, da qual ele tinha saudade pelo muito tempo que não a escutava, procurou um pretexto que a chamasse à conversa.

- Esquecia-me contar-vos, Sr. D. Antonio, - disse ele aproveitando-se de uma pausa, um dos incidentes da nossa viagem.

- Qual? Vejamos - respondeu o fidalgo.

- A coisa de quatro léguas daqui, encontramos Peri.

- Inda bem! - disse Cecília; - há dois dias que não sabemos notícias dele.

- Nada mais simples,- replicou o fidalgo; - ele corre todo este sertão.

- Sim! - tornou Álvaro, - mas o modo por que o encontramos é que não vos parecerá tão simples.

- O que fazia então?

- Brincava com uma onça como vós com o vosso veadinho, D. Cecília.

- Meu Deus! - exclamou a moça soltando um grito.

- Que tens, menina? - perguntou D. Lauriana.

- É que ele deve estar morto a esta hora, minha mãe.

- Não se perde grande coisa, - respondeu a senhora.

- Mas eu serei a causa de sua morte!

- Como assim, minha filha? disse D. Antônio.

- Vede vós, meu pai, - respondeu Cecília enxugando as lágrimas que lhe saltavam dos olhos; - conversava quinta-feira com Isabel, que tem grande medo de onças, e brincando, disse-lhe que desejava ver uma viva!...

- E Peri a foi buscar para satisfazer o teu desejo,- replicou o fidalgo rindo. - Não há de admirar. Outras tem ele feito.

- Porém, meu pai, isto é coisa que se faça! A onça deve tê-lo morto.

- Não vos assusteis, D. Cecília; ele saberá defender-se.

- E vós, Sr. Álvaro, por que não o ajudastes a defender-se? -disse a moça sentida.

- Oh! Se vísseis a raiva com que ficou por querermos atirar sobre o animal!

E o moço contou parte da cena passada na floresta.

- Não há dúvida, - disse D. Antônio de Mariz, na sua cega dedicação por Cecília quis fazer-lhe a vontade com risco de sua vida. É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Crede-me, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem!

A conversa continuou; mas Cecília tinha ficado triste, e não tomou mais parte nela.

D. Lauriana retirou-se para dar as suas ordens; o velho fidalgo e o moço conversavam até oito horas, em que o toque de uma campa no terreiro da casa veio anunciar a ceia.

Enquanto os outros subiam os degraus da porta e entravam na habitação, Álvaro achou ocasião de trocar algumas palavras com Cecília.

- Não me perguntais pelo que me ordenastes, D. Cecília?- disse ele a meia voz.

- Ah! Sim! Trouxestes todas as cousas que vos pedi?

- Todas e mais... - disse o moço balbuciando.

- E mais o quê? - perguntou Cecília.

- E mais uma cousa que não pedistes.

- Essa não quero! - respondeu a moça com um ligeiro enfado.

- Nem por vos pertencer já? replicou ele timidamente.

- Não entendo. É uma coisa que já me pertence, dizeis?

- Sim; porque é uma lembrança vossa.

- Nesse caso guardai-a, Sr. Álvaro, - disse ela sorrindo, - e guardai-a bem.

E fugindo foi ter com seu pai, que chegava à varanda, e em presença dele recebeu de Álvaro um pequeno cofre, que o moço fez conduzir, e que continha as suas encomendas. Estas consistiam em jóias, sedas, espiguilhas de linho, fitas, galacês, holandas, e um lindo par de pistolas primorosamente embutidas.

Vendo essas armas, a moça soltou um suspiro abafado e murmurou consigo:

- Meu pobre Peri! Talvez já não te sirvam nem para te defenderes.

A ceia foi longa e pausada, como costumava ser naqueles tempos em que a refeição era uma ocupação séria, e a mesa um altar que se respeitava.

Durante a colação, Álvaro esteve descontente pela recusa que a moça fizera do modesto presente que ele havia acariciado com tanto amor e tanta esperança.

Logo que seu pai ergueu-se, Cecília recolheu ao seu quarto, e ajoelhando diante do crucifixo, fez a sua oração. Depois, erguendo-se, foi levantar um canto da cortina da janela e olhar a cabana que se erguia na ponta do rochedo, e estava deserta e solitária.

Sentia apertar-se o coração com a idéia de que, por um gracejo, tivesse sido a causa da morte desse amigo dedicado que lhe salvara a vida, e arriscava todos os dias a sua, somente para fazê-la sorrir.

Tudo nesta recâmara lhe falava dele: suas aves, seus dois amiguinhos que dormiam, um no seu ninho e outro sobre o tapete, as penas que serviam de ornato ao aposento, as peles dos animais que seus pés roçavam, o perfume suave de beijoim que ela respirava; tudo tinha vindo do índio que, como um poeta ou um artista, parecia criar em torno dela um pequeno templo dos primores da natureza brasileira.

Ficou assim a olhar pela janela muito tempo; nessa ocasião nem se lembrava de Álvaro, o jovem cavalheiro elegante, tão delicado, tão tímido, que corava diante dela, como ela diante dele.

De repente a moça estremeceu.

Tinha visto à luz das estrelas passar um vulto que ela reconheceu pela alvura de sua túnica de algodão, e pelas formas esbeltas e flexíveis; quando o vulto entrou na cabana, não lhe restou a menor dúvida.

Era Peri.

Sentiu-se aliviada de um grande peso; e pôde então entregar-se ao prazer de examinar um por um, com toda a atenção, os lindos objetos que recebera, e que lhe causavam um vivo prazer.

Nisso gastou seguramente meia hora; depois deitou-se, e como já não tinha inquietação nem tristeza, adormeceu sorrindo à imagem de Álvaro, e pensando na mágoa que lhe fizera, recusando o seu mimo.
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Vocabulário:
Alcatifa – tapete espesso, grande.
Beijoim – espécie de perfume
Crastas – arquiteturas
Grimpas – ramos de pinheiro
Juriti – espécie de ave
Ouricuri – espécie de palmeira
Reboando – ecoando fortemente
Torvo – tristonho, sombrio
Urutau – espécie de ave
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Fonte:
O Guarani, vol. 1, capítulo VII, 1857. In Academia Brasileira
de Letras.

José de Alencar (Como e Porque sou Romancista)

(Obs: Ao final, vocabulário com as palavras negritadas)

[...]

Foi essa leitura contínua e repetida de novelas e romances que primeiro imprimiu em meu espírito a tendência para essa forma literária que é entre todas a de minha predileção? Não me animo a resolver esta questão psicológica, mas creio que ninguém contestará a influência das primeiras impressões. Já vi atribuir o gênio de Mozart e sua precoce revelação à circunstância de ter ele sido acalentado no berço e criado com música. Nosso repertório romântico era pequeno; compunha-se de uma dúzia de obras, entre as quais primavam a Armanda e Oscar, Saint-Clair das Ilhas, Celestina e outros de que já não me recordo.

Esta mesma escassez, e a necessidade de reler uma e muitas vezes o mesmo romance, quiçá contribuiu para mais gravar em meu espírito os moldes dessa estrutura literária, que mais tarde deviam servir aos informes esboços no novel escritor.

Mas não tivesse eu herdado de minha santa mãe a imaginação de que o mundo apenas vê as flores, desbotadas embora, e de que eu somente sinto a chama incessante, que essa leitura de novelas mal teria feito de mim um mecânico literário, desses que escrevem presepes em vez de romances.

IV. O primeiro broto da semente que minha boa mãe lançara em meu espírito infantil, ignara dos desgostos que preparava a seu filho querido, veio dois anos depois.

Entretanto é preciso que lhe diga. Se a novela foi a minha primeira lição de literatura, não foi ela que me estreou na carreira de escritor. Esse título cabe a outra composição, modesta e ligeira, e por isso mesmo mais própria para exercitar um espírito infantil.

O dom de produzir, a faculdade criadora, se a tenho, foi a charada que a desenvolveu em mim, e eu teria prazer em referir-lhe esse episódio psicológico, se não fosse o receio de alongar-me demasiado, fazendo novas excursões fora do assunto que me propus.

[...]

Um ano depois parti para São Paulo, onde ia estudar os preparatórios que me faltavam para a matrícula no curso jurídico.

V. Com a minha bagagem, lá no fundo da canastra, iam uns cadernos escritos em letra miúda e conchegada. Era o meu tesouro literário.

Ali estavam fragmentos de romances, alguns apenas começados, outros já no desfecho, mas ainda sem princípio.

De charadas e versos, nem lembranças. Estas flores efêmeras das primeiras águas tinham passado com elas. Rasgara as páginas dos meus canhenhos e atirara os fragmentos no turbilhão das folhas secas das mangueiras, a cuja sombra folgara aquele ano feliz de minha infância.

Nessa época tinha eu dois moldes para o romance.

Um merencório, cheio de mistérios e pavores; esse, o recebera das novelas que tinha lido. Nele a cena começava nas ruínas de um castelo, amortalhadas pelo baço clarão da lua; ou nalguma capela gótica frouxamente esclarecida pela lâmpada, cuja luz esbatia-se na lousa de uma campa.

O outro molde, que me fora inspirado pela narrativa pitoresca de meu amigo Sombra, era risonho, loução, brincado, recendendo graças e perfumes agrestes. Aí a cena abria-se em uma campina, marchetada de flores, e regada pelo sussurrante arroio que a bordava de recamos cristalinos.

Tudo isto, porém, era esfumilho que mais tarde devia apagar-se.

A página acadêmica é para mim, como para os que a viveram, riquíssima de reminiscências, e nem podia ser de outra forma, pois abrange a melhor monção da existência. Não tomarei dela, porém, senão o que tem relação com esta carta.

Ao chegar a S. Paulo era eu uma criança de treze anos, cometida aos cuidados de um parente, então estudante do terceiro ano, e que atualmente figura com lustre na política e na magistratura.

Algum tempo depois de chegado, instalou-se a nossa república ou comunhão acadêmica à rua de São Bento, esquina da rua da Quitanda, em um sobradinho acachapado, cujas lojas do fundo eram ocupadas por quitandeiras.

Nossos companheiros foram dois estudantes do quinto ano; um deles já não é deste mundo; o outro pertence à alta magistratura, de que é ornamento. Naqueles bons tempos da mocidade, deleitava-o a literatura, e era entusiasta do Dr. Joaquim Manuel de Macedo, que pouco havia publicara o seu primeiro e gentil romance - A Moreninha.

Ainda me recordo das palestras em que o meu companheiro de casa falava com abundância de coração em seu amigo e nas festas campestres do romântico Itaboraí, das quais o jovem escritor era o ídolo querido.

Nenhum dos ouvintes bebia esses pormenores com tamanha avidez como eu, para quem eram eles completamente novos. Com a timidez e o acanhamento de meus treze anos, não me animava a intervir na palestra; escutava à parte; e por isso ainda hoje tenho-as gravadas em minhas reminiscências, a estas cenas do viver escolástico.

Que estranho sentir não despertava em meu coração adolescente a notícia dessas homenagens de admiração e respeito tributadas ao jovem autor da Moreninha! Qual régio diadema valia essa auréola de entusiasmo a cingir o nome de um escritor?

Não sabia eu então que em meu país essa luz que dizem glória, e de longe se nos afigura radiante e esplêndida, não é senão o baço lampejo de um fogo de palha.

[...]

Naquele tempo o comércio dos livros era como ainda hoje artigo de luxo; todavia, apesar de mais baratas, as obras literárias tinham menor circulação. Provinha isso da escassez das comunicações com a Europa, e da maior raridade de livrarias e gabinetes de leitura.

Cada estudante, porém, levava consigo a modesta previsão que juntara durante as férias, e cujo uso entrava logo para a comunhão escolástica. Assim correspondia S. Paulo às honras de sede de uma academia, tornando-se o centro do movimento literário.

Uma das livrarias, a que maior cabedal trazia à nossa comum biblioteca, era a de Francisco Otaviano, que herdou do pai uma escolhida coleção das obras dos melhores escritores da literatura moderna, a qual o jovem poeta não se descuidava de enriquecer com as últimas publicações.

Meu companheiro de casa era dos amigos de Otaviano, e estava no direito de usufruir sua opulência literária. Foi assim que um dia vi pela primeira vez o volume das obras completas de Balzac, nessa edição em folha que os tipógrafos da Bélgica vulgarizam por preço módico.

[...]

Tendo meu companheiro concluído a leitura de Balzac, a instâncias minhas, passou-me o volume, mas constrangido pela oposição de meu parente, que receava essa diversão.

Encerrei-me com o livro, e preparei-me para a luta. Escolhido o mais breve dos romances, armei-me do dicionário, e tropeçando a cada instante, buscando significados de palavra em palavra, tornando atrás para reatar o fio da oração, arquei sem esmorecer com a ímproba tarefa. Gastei oito dias com a Grenadière, porém um mês depois acabei com o volume de Balzac; e no resto do ano li o que então havia de Alexandre Dumas e Alfredo de Vigny, além de muito de Chateaubriand e Victor Hugo.

[...]

VI. Foi somente em 1848 que ressurgiu em mim a veia do romance. Acabava de passar dois meses em minha terra natal. Tinha-me repassado das primeiras e tão fagueiras recordações da infância, ali nos mesmos sítios queridos onde nascera.

Em Olinda, onde estudava o meu terceiro ano, e na velha biblioteca do Convento de S. Bento a ler os cronistas da era colonial, desenhavam-se a cada instante, na tela das reminiscências, as paisagens do meu pátrio Ceará.

Eram agora os seus tabuleiros gentis; logo após as várzeas amenas e graciosas; e por fim as matas seculares que vestiam as serras como a ararróia verde do guerreiro tabajara.

E através destas também esfumavam-se outros painéis, que me representavam o sertão em todas as suas galas de inverno, as selvas gigantes que se prolongam até os Andes, os rios caudalosos que avassalam o deserto, e o majestoso S. Francisco transformado em um oceano, sobre o qual eu navegara um dia.

Cenas estas que eu havia contemplado com olhos de menino de dez anos antes, ao atravessar essas regiões em jornada do Ceará à Bahia; e que agora se debuxavam na memória do adolescente, e coloriam-se ao vivo com as tintas frescas da palheta cearense.

Uma coisa vaga e indecisa, que devia parecer-se com o primeiro broto do Guarani ou de Iracema, flutuava-me na fantasia. Devorando as páginas dos alfarrábios de notícias coloniais, buscava com sofreguidão um tema para o meu romance; ou pelo menos um protagonista, uma cena e uma época.

[...]
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Vocabulário
Presepes – Crônica que apresenta o caráter popular da feitura e exposição dos presépios.
Canhenhos – caderno de notas, apontamentos.
Merencório – melancolia
Marchetada – adornada
Recamos – enfeites
Esfumilho – fumaça
Debuxavam -delineavam
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Fonte:
ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista, 1893. In Academia Brasileira de Letras

Machado de Assis (José de Alencar: Iracema)


Publicado na "Semana Literária", seção do Diário do Rio de Janeiro, 23 jan. 1866.

A escola poética, chamada escola americana, teve sempre adversários, o que não importa dizer que houvesse controvérsia pública. A discussão literária no nosso país é uma espécie de steeple-chase, que se organiza de quando em quando; fora disso a discussão trava-se no gabinete, na rua, e nas salas. Não passa daí. em nos parece que se deva chamar escola ao movimento que atraiu as musas nacionais para o tesouro das tradições indígenas. Escola ou não, a verdade é que muita gente viu na poesia americana uma aberração selvagem, uma distração sem graça, nem gravidade Até certo ponto tinha razão: muitos poetas, entendendo mal a musa de Gonçalves Dias, e não podendo entrar no fundo do sentimento e das idéias, limitaram-se a tirar os seus elementos poético do vocabulário indígena; rimaram as palavras, e não passaram adiante; os adversários, assustados corri a poesia desses tais, confundiram no mesmo desdém os criadores e os imitadores, e cuidaram desacreditar a idéia fulminando os intérpretes incapazes.

Erravam decerto: se a história e os costumes indianos inspiraram poetas como José Basílio, Gonçalves Dias, e Magalhães, é que se podia tirar dali criações originais, inspirações novas. Que importava a invasão da turbamulta? A poesia deixa de ser a misteriosa linguagem dos espíritos, só porque alguns maus rimadores foram assentar-se ao sopé do Parnaso? O mesmo se dá corri a poesia americana. Havia também outro motivo para condená-la: supunham os críticos que a vida indígena seria, de futuro, a tela exclusiva da poesia brasileira, e nisso erravam também, pois não podia entrar na idéia dos criadores, obrigar a musa nacional a ir buscar todas as suas inspirações no estudo das crônicas e da língua primitiva. Esse estudo era um dos modos de exercer a poesia nacional; mas, fora dele, não está aí a própria natureza, opulenta, fulgurante, vivaz, atraindo os olhos dos poetas, e produzindo páginas como as de Porto Alegre e Bernardo Guimarães?

Felizmente, o tempo vai esclarecendo os ânimos; a poesia dos caboclos está completamente nobilitada os rimadores de palavras já não podem conseguir o descrédito da idéia, que venceu com o autor de "I-Juca-Pirama", e acaba de vencer com o autor de Iracema. É deste livro que vamos falar hoje aos nossos leitores.

As tradições Indígenas encerram motivos para epopéias e para, églogas; podem inspirar os seus Homeros e os seus Teócritos. Há aí lutas gigantescas, audazes capitães, ilíadas sepultadas no esquecimento; o amor, a amizade, os costumes domésticos tendo a simples natureza Dor teatro, oferecem à musa lírica, páginas deliciosas de sentimento e de originalidade. A mesma pena que escreveu "I-JucaPirama" traçou o lindo monólogo de "Marabá"; o aspecto do índio Kobé e a figura poética de Lindóia são filhos da mesma cabeça; as duas partes dos Natchez resumem do mesmo modo a dupla inspiração da fonte indígena. O poeta tem muito para escolher nessas ruínas já exploradas, mas não completamente conhecidas. O livro do Sr. José de Alencar, que é um poema em prosa, não é destinado a cantar lutas heróicas, nem cabos de guerra; se há aí algum episódio, nesse sentido, se alguma vez troa nos vales do Ceará a pocema da guerra, nem por isso o livro deixa de ser exclusivamente votado à história tocante de uma virgem indiana, dos seus amores. e dos seus infortúnios. Estamos certos de que não falta ao autor de Iracema energia e vigor para a pintura dos vultos heróicos e das paixões guerreiras; lrapuã e Poti a esse respeito são irrepreensíveis; o poema de que o autor nos fala deve surgir à luz, e então veremos como a sua musa emboca a tuba épica; este livro, porém, limita-se a falar do sentimento, vê-se que não pretende sair fora do coração.

Estudando profundamente a língua e os costumes dos selvagens, obrigou-nos o autor a entrar mais ao fundo da poesia americana; entendia ele, e entendia bem, que a poesia americana não estava completamente achada; que era preciso prevenir-se contra um anacronismo moral, que consiste em dar idéias modernas e civilizadas aos filhos incultos da floresta. O intuito era acertado; não conhecemos a língua indígena; não podemos afirmar se o autor pôde realizar as suas promessas, no que respeita à linguagem da sociedade indiana, às suas idéias, às suas imagens; mas a verdade é que relemos atentamente o livro do Sr. José de Alencar, e o efeito que ele nos causa é exatamente o mesmo a que o autor entende que se deve destinar ao poeta americano; tudo ali nos parece primitivo; a ingenuidade dos sentimentos, o pitoresco da linguagem, tudo, até a parte narrativa do livro, que nem parece obra de um poeta moderno, mas uma história de bardo indígena, contada aos irmãos, à porta da cabana, aos últimos raios do sol que se entristece. A conclusão a tirar daqui é que o autor houve-se nisto com uma ciência e uma consciência, para as quais todos os louvores são poucos.

A fundação do Ceará, os amores de Iracema e Martim, o ódio de duas nações adversárias, eis o assunto do livro. Há um argumento histórico, sacado das crônicas, mas esse é apenas a tela que serve Ido poeta; o resto é obra da imaginação. Sem perder de vista os dados colhidos nas velhas crônicas, criou o autor uma ação interessante, episódios originais, e mais que tudo, a figura bela e poética de Iracema. Apesar do valor histórico de alguns personagens, com Martim e Poti (o célebre Camarão, da guerra holandesa), a maior soma de interesse concentra-se na deliciosa filha de Araken. A pena do cantor d'O Guarani é feliz nas criações femininas; as mulheres dos seus livros trazem sempre um cunho de originalidade, de delicadeza, e de graça, que se nos gravam logo na memória e no coração. Iracema e da mesma família. Em poucas palavras descreve o poeta a beleza física daquela Diana selvagem. Uma frase imaginosa e concisa, a um tempo, exprime tudo.

A beleza moral vem depois, com o andar dos sucessos: a filha do pajé, espécie de vestal indígena, vigia do segredo da jurema, é um complexo de graças e de paixão, de beleza e de sensibilidade, de casta reserva e de amorosa dedicação. Realça-lhe a beleza nativa a poderosa paixão do amor selvagem, do amor que procede da virgindade da natureza, participa da independência dos bosques, cresce na solidão, alenta-se do ar agreste da montanha.

Casta, reservada, na missão sagrada que lhe impõe a religião do seu país, nem por isso Iracema resiste à invasão de um sentimento novo para ela, e que transforma a vestal em mulher. Não resiste, nem indaga; desde que os olhos de Martim se trocaram com os seus, a moça curvou a cabeça àquela doce escravidão. Se o amante a abandonasse, a selvagem iria morrer de desgosto e de saudade, no fundo do bosque, mas não oporia ao volúvel mancebo nem uma súplica nem uma ameaça. Pronta a sacrificar-se por ele, não pediria a mínima compensação do sacrifício. Não pressente o leitor, através da nossa frase inculta e sensabor, uma criação profundamente verdadeira? Não se vê na figura de Iracema, uma perfeita combinação do sentimento humano com a educação selvagem? Eis o que é Iracema, criatura copiada da natureza, idealizada pela arte, mostrando através da rusticidade dos costumes, uma alma própria para amar e para sentir.

Iracema é tabajara; entre a sua nação e a nação potiguara há um ódio de séculos; Martim, aliado dos potiguaras, andando erradio, entra no seio dos tabajaras, onde é acolhido com a franqueza própria de uma sociedade primitiva; é estrangeiro, é sagrado; a hospitalidade selvagem é descrita pelo autor com cores simples e vivas.

O europeu abriga-se na cabana de Araken, onde a solicitude de Iracema prepara-lhe algumas horas de folgada ventura.

O leitor vê despontar o amor de Iracema ao contacto do homem civilizado. Que simplicidade, e que interesse! Martim cede a pouco e pouco à influência invencível daquela amorosa solicitude. Um dia lembra-lhe a pátria e sente-se tomado de saudade: — "Uma noiva te espera?" pergunta Iracema.

O silêncio é a resposta do moço. A virgem não censura, nem suplica; dobra a cabeça sobre a espádua, diz o autor, como a tenra planta da carnaúba, quando a chuva peneira na várzea.

Desculpe o autor se desfolhamos por este modo a sua obra; não escolhemos belezas, onde as belezas sobram, trazemos ao papel estes traços que nos parecem caracterizar a sua heroína, e indicar ao leitor, ainda que remotamente, a beleza da filha de Araken.

Heroína, dissemos, e o é decerto, naquela divina resignação. Uma noite, no seio da cabana, a virgem de Tupã torna-se esposa de Martim; cena delicadamente. escrita, que o leitor adivinha, sem ver. Desde então Iracema dispôs de si; a sua sorte está ligada à de Martim; o ciúme de Irapuã e a presença de Poti, precipitam tudo; Poti e Martim devem partir para a terra dos potiguaras; Iracema os conduz, como uma companheira de via-em. A esposa de Martim abandona tudo, o lar a família, os irmãos, tudo para ir perecer ou ser feliz com o esposo. Não é o exílio, para ela o exílio seria ficar ausente do esposo, no meio dos seus. Todavia, essa resolução suprema custa-lhe sempre, não arrependimento, mas tristeza e vergonha, no dia em que após uma batalha entre as duas nações rivais, Iracema vê o chão coalhado de sangue dos seus irmãos. Se esse espetáculo não a comovesse, ia-se a simpatia que ela nos inspira; mas o autor teve em conta que era preciso interessá-la, pelo contraste da voz do sangue e da voz do coração.

Daí em diante a vida de Iracema é uma sucessão de delícias, até que uma circunstância fatal vem pôr termo aos seus jovens anos. A esposa de Martim concebe um filho. Que doce alegria não banha a fronte da jovem mãe! Iracema vai dar conta a Martim daquela boa nova; há uma cena igual nos Natchez; seja-nos lícito compará-la à do poeta brasileiro.

Quando Renê, diz o poeta dos Natchez, teve certeza de que Celuta trazia um filho no seio, acercou-se dela com santo respeito, e abraçou-a delicadamente para não machucá-la. "Esposa, disse ele, o céu abençoou as tuas entranhas."

A cena é bela, decerto; é Chateaubriand quem fala; mas a cena de Iracema aos nossos olhos é mais feliz. A selvagem cearense aparece aos olhos de Martim, adornada de flores de maniva, trava da mão dele, e diz-lhe:

— Teu sangue já vive no seio de Iracema. Ela será mãe de teu filho. — Filho, dizes tu? exclamou o cristão em júbilo. Ajoelhou ali, e cingindo-a com os braços, beijou o ventre fecundo da esposa.

Vê-se a beleza deste movimento, no meio da natureza viva, diante de uma filha da floresta. O autor conhece os segredos de despertar a nossa comoção por estes meios simples, naturais, e belos. Que melhor adoração queria a maternidade feliz, do que aquele beijo casto e eloqüente? Mas tudo passa; Martim sente-se tomado de nostalgia; lembram-lhe os seus e a pátria; a selvagem do Ceará, como a selvagem da Luisiana, começa então a sentir a sua perdida felicidade. Nada mais tocante do que essa longa saudade, chorada no ermo, pela filha de Araken, mãe desgraçada, esposa infeliz que viu um dia partir o esposo, e só chegou a vê-lo de novo, quando a morte já voltava para ela os seus olhos lânguidos e tristes.

Poucas são as personagens que compõem este drama da solidão, mas os sentimentos que as movem, a ação que se desenvolve entre elas, é cheia de vida, de interesse, e de verdade.

Araken é a solenidade da velhice contrastando com a beleza agreste de Iracema: um patriarca do deserto, ensinando aos moços os conselhos da prudência e da sabedoria. Quando lrapuã, ardendo em ciúme pela filha do pajé, faz romper os seus ódios contra os potiguaras, cujo aliado era Martim, Araken opõe-lhe a serenidade da palavra, a calma da razão. Irapuã e os episódios da guerra fazem destaque no meio do quadro sentimental que é o fundo do livro; são capítulos traçados com muito vigor, o que dá novo realce ao robusto talento do poeta.

Irapuã é o ciúme e o valor marcial; Araken a austera sabedoria dos anos; Iracema o amor. No meio destes caracteres distintos e animados, a amizade é simbolizada em Poti. Entre os indígenas a amizade não era este sentimento, que à força de civilizar-se tornou-se raro; nascia da simpatia das almas, avivava-se com o perigo, repousava na abnegação reciproca; Poti e Martim, são os dois amigos da lenda, votados à mútua estima e ao mútuo sacrifício.

A aliança os uniu; o contacto fundiu-lhes as almas; todavia, a afeição de Poti difere da de Martim, como o estado selvagem do estado civilizado; sem deixarem de ser igualmente amigos, há em cada um deles um traço característico que corresponde à origem de ambos; a afeição de Poti tem a expressão ingênua, franca, decidida; Martim não sabe ter aquela simplicidade selvagem.

Martim e Poti sobrevivem à catástrofe de Iracema, depois de enterrá-la ao pé de um coqueiro; o pai desventurado toma o filho órfão de mãe, e arreda-se da praia cearense. Umedecem-se os olhos ante este desenlace triste e doloroso, e fecha-se o livro, dominado ainda por uma profunda impressão.

Contar todos os episódios desta lenda interessante seria tentar um resumo impossível; basta-nos afirmar que os há, em grande numero, traçados por mão hábil, e todos ligados ao assunto principal. O mesmo diremos de alguns personagens secundários, como Caubi e Andira, um, jovem guerreiro, outro, guerreiro ancião, modelados pelo mesmo padrão a que devemos Poti e Araken.

O estilo do livro e como a linguagem daqueles povos: imagens e idéias, agrestes e pitorescas, respirando ainda as auras da montanha, cintilam nas cento e cinqüenta páginas da Iracema. Há, sem dúvida, superabundância de imagens, e o autor com uma rara consciência literária, é o primeiro a reconhecer esse defeito. O autor emendará, sem dúvida a obra, empregando neste ponto uma conveniente sobriedade. O excesso, porém, se pede a revisão da obra, prova em favor da poesia americana, confirmando ao mesmo tempo o talento original e fecundo do autor. Do valor das imagens e das comparações, só se pode julgar lendo o livro, e para ele enviamos os leitores estudiosos.

Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo, e da meditação, escrito com sentimento e consciência. Quem o ler uma vez, voltará muitas mais a ele, para ouvir em linguagem animada e sentida, a história melancólica da virgem dos lábios de mel. Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro. É também um modelo para o cultivo da poesia americana, que, mercê de Deus há de avigorar-se com obras de tão superior quilate. Que o autor de Iracema não esmoreça, mesmo a despeito da indiferença pública; o seu nome literário escreve-se hoje com letras cintilantes: Mãe, O Guarani, Diva, Lucíola, e tantas outras; o Brasil tem o direito de pedir-lhe que Iracema não seja o ponto final. Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima.

Fonte:
http://pt.wikisource.org/

José de Alencar (1829 – 1877)

José Martiniano de Alencar (Fortaleza, 1 de maio de 1829 — Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1877) foi jornalista, político, advogado, orador, crítico, cronista, polemista, romancista e dramaturgo brasileiro. Filho de influente senador, José de Alencar formou-se em Direito, iniciando-se na atividade literária através dos jornais Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro. Foi casado com Ana Cochrane. Irmão do diplomata Leonel Martiniano de Alencar, barão de Alencar, e pai de Augusto Cochrane de Alencar.

Vida

José Martiniano de Alencar nasce no dia primeiro de maio de 1829, na localidade de Mecejana no Ceará, filho do senhor José Martiniano de Alencar (deputado pela província do Ceará). É o fruto de uma união ilícita e particular do pai com a prima Ana Josefina de Alencar. Nos anos de criança e adolescente, é tratado dentro da família pelo apelido de Cazuza.

O pai de José de Alencar assume o cargo de senador do Rio de Janeiro em 1830, obrigando a família a se mudar para a capital federal. Com onze anos, foi matriculado no Colégio de Instrução Elementar. Terminado o período preparatório, Alencar matricula-se em 1844 na Faculdade de Direito de São Paulo, começando em 1846. Com os seus dezessete anos incompletos, o jovem já ostenta uma barba cerrada que jamais será raspada. Com ela, a seriedade de seu rosto torna-se ainda mais evidente.

Aos dezoito anos Alencar esboça o seu primeiro romance - Os Contrabandistas. Segundo depoimento do próprio escritor, um dos inúmeros hóspedes que freqüentam sua casa, usa as folhas manuscritas para acender charutos.

Um dos números do jornal Correio Mercantil de setembro de 1854 traz uma seção nova de folhetim - Ao Correr da Pena - assinada por José de Alencar, que estreia como jornalista. O folhetim, moda na época, é uma mistura de jornalismo e Literatura: narrativas leves, tratando de acontecimentos sociais, artísticos, políticos, enfim, coisas do cotidiano da vida e da cidade.

Alencar, aos vinte e cinco anos, obtém um sucesso imediato no jornal onde trabalharam anteriormente o mestre Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo. Sucesso rápido, porém de curta duração. Tendo o jornal proibido um de seus artigos, o escritor decepcionado desliga-se de sua função.

Depois da decepção o escritor começa uma nova empreitada no Diário do Rio de Janeiro, no passado um jornal bastante influente, que passa naquele momento por uma séria crise financeira. Alencar e alguns amigos resolvem comprar o jornal e tentar ressuscitá-lo, investindo dinheiro e muito trabalho.

No Diário do Rio de Janeiro acontece sua estreia como romancista: em 1856 sai em folhetins, o romance Cinco Minutos. Ao final de alguns meses, completada a publicação, juntam-se os capítulos num só volume que é oferecido como brinde aos assinantes do jornal.

Com Cinco Minutos e, logo em seguida, A Viuvinha, Alencar inaugura uma série de obras em que busca retratar (e questionar) a forma de vida na Corte.

Lucíola, finalmente, resume toda a questão de uma sociedade que transforma amor, casamento e relações humanas em mercadoria: o assunto do romance, a prostituição, obviamente mostra a degradação que o dinheiro pode levar o ser humano a fazer.

Entre Cinco Minutos (1856) e Senhora (1875), decorrem quase vinte anos e muitas situações polêmicas, entretanto ocorreram.

Alencar estreia como autor de teatro em 1857, com a peça Verso e Reverso, na qual focaliza o Rio de Janeiro de sua época. Alencar fica furioso, acusando a Censura de cortar sua obra pelo simples fato de ser ''... produção de um autor brasileiro...'' Mas a reação mais concreta virá quatro anos mais tarde, por intermédio do romance em que o autor retoma a mesma temática: Lucíola.

Imensamente decepcionado com os acontecimentos, Alencar declara que vai abandonar a Literatura para dedicar-se exclusivamente ao Direito. É claro que isso não acontece, escreve ainda o drama Mãe; o mesmo é levado ao palco em 1860, ano em que morre seu pai. Para o teatro, produz ainda a opereta A Noite de São João e a peça O Jesuíta.

O debate em torno de As Asas de Um Anjo não é a primeira nem será a última polêmica enfrentada pelo autor. De todas, a que mais interessa para a Literatura é anterior ao caso com a Censura e relaciona-se ao aproveitamento da cultura Indígena como tema literário. Segundo os estudiosos, é este o primeiro debate literário realmente brasileiro.

Em 1859, tornou-se Chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, sendo depois consultor do mesmo. Em 1860 José de Alencar havia ingressado na política, como deputado.

Quando resolve assumir o Diário do Rio de Janeiro, Alencar pensa também num veículo de comunicação que lhe permita expressar livremente suas idéias. É nesse jornal que trava sua primeira polêmica literária e política. Nela, o escritor confronta-se indiretamente com o imperador D. Pedro II.

Seja qual for o motivo, essa polêmica tem interesse fundamental. De fato, nessa época discute-se o que será o verdadeiro nacionalismo na Literatura Brasileira, que até então tinha sofrido grande influência da Literatura Portuguesa.

Alencar considera a cultura indígena como um assunto primordial que, na mão de um escritor inteligente, poderá tornar-se a marca registrada da autêntica Literatura Nacional. Note-se: na mão de um escritor hábil e inteligente...

O veto do imperador impulsiona Alencar para a produção literária. Escreve mais e mais romances, crônicas, teatro: Guerra dos Mascates, Til, O Tronco do Ipê, Sonhos D'Ouro, O Gaúcho, A Pata da Gazela, Senhora, livros publicados entre 1870 e 1877. Muitas polêmicas envolvem José de Alencar, polêmicas em que ele critica e polêmicas em que é criticado por suas idéias políticas e opiniões literárias. Com relação à literatura, duas delas ficam famosas: a primeira, em 1856, em torno do livro A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Alencar se manifesta duramente contra o indianismo do poeta. A segunda, em 1873, em debate com Joaquim Nabuco no jornal O Globo, na qual defende o fato de o público revelar-se desinteressado pelo escritor nacional. Falecido em 1877, José de Alencar deixa como legado uma obra de extraordinária importância e, principalmente, a realização de um projeto que sempre acalentou: o abrasileiramento da literatura brasileira.

Abrasileirar a Literatura Brasileira é o intuito de José de Alencar. Iracema, um de seus romances mais populares (1865), é um exemplo profundo dessa ansiosa mudança desejada pelo autor. A odisséia da musa Tupiniquim combina um perfeito encontro do colonizador português com os nativos da terra. Iracema é uma bela virgem tabajara e esta tribo é amiga dos franceses na luta contra os portugueses que tem como aliados os índios pitiguaras. Porém Martim, o guerreiro português, nas suas investidas dentro da mata descobre Iracema, e ambos são dominados pela paixão.

José de Alencar assim nos conta o primeiro encontro entre a musa Tupiniquim e seu príncipe lusitano:

"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo
.”

De Iracema, dirá Machado de Assis no Diário do Rio de Janeiro:

"Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro… Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima”.

Aos vinte e cinco anos, Alencar apaixona-se pela jovem Chiquinha Nogueira da Gama, herdeira de uma das grandes riquezas da época. No entanto o interesse da moça é outro: um rapaz carioca também vindo da burguesia. Desprezado pela moça, custa muito ao altivo Alencar recuperar-se do orgulho ferido. Somente aos trinta e cinco anos ele irá sentir o sabor, de fato, da plenitude amorosa que tão bem soube criar para o final de muitos dos seus romances. Desta vez sua paixão é correspondida, o namoro e matrimônio são rápidos. A moça é Georgina Cochrane, filha de um rico inglês. Conheceram-se no bairro da Tijuca, para onde o escritor se retirara para se recuperar de uma das crises de tuberculose que teve na época. Casam-se em 20 de junho de 1864.

Alencar não se limita aos aspectos documentais como autor. Na verdade o que vale de fato em suas obras é, sobretudo, o poder criativo e a capacidade de construir narrativas muito bem estruturadas. Os personagens são heróis regionais puros, sensíveis, honestos, educados, muito parecidos com os heróis de seus romances indianistas. Mudavam as feições, mudava a roupagem, mudava o cenário. Porém, na invenção de todos esses personagens, Alencar busca o mesmo objetivo: chegar a um retrato do homem totalmente brasileiro.

Não cessa por aí a busca do escritor: servindo-se de fatos e lendas de nossa história, Alencar inventará ainda os chamados romances históricos.

No romance Guerra dos Mascates, personagens fictícios escondem alguns políticos da época e até o próprio imperador. As Minas de Prata é uma espécie de modelo de romance histórico tal como esse tipo de romance é imaginado pelos ficcionistas de então. A ação passa-se no século XVIII, uma época marcada pelo espírito aventureiro. É considerado seu melhor romance histórico.

Com as narrativas históricas, Alencar cria o mapa do Brasil que desejara desenhar, fazendo aquilo que sabe fazer: a verdadeira Literatura.

Nos trabalhos de Alencar há quatro tipos de romances: indianista, urbano, regionalista e histórico. Evidentemente, essa classificação é muito esquemática, pois cada um de seus romances apresenta muitos aspectos que merecem ser analisados separadamente: é fundamental, por exemplo, o perfil psicológico de personagens como o herói de O Gaúcho, ou ainda do personagem central de O Sertanejo. Por isso, a classificação acima se prende ao aspecto mais importante (mas não único) de cada um dos romances.

Em 1868, tornou-se Ministro da Justiça e, em 1869, candidatou-se ao Senado.

Em 1872 se tornou pai de Mário de Alencar, o qual, segundo uma história nunca totalmente confirmada, seria na verdade filho de Machado de Assis, dando respaldo para o romance Dom Casmurro.

No ano de 1876, Alencar vende tudo o que tem e vai com Georgina e os seus filhos para a Europa, buscando tratamento para sua saúde precária. Tinha programado uma estada de dois anos. Durante oito meses visita a Inglaterra, a França e Portugal. Seu estado de saúde se agrava e, mais cedo do que pensava, retorna ao Brasil.

Apesar dos pesares, ainda sobra tempo para atacar D. Pedro II. Alencar publica alguns números do semanário O Protesto durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 1877. Nesse jornal, o escritor deixa vazar todo o seu velho ressentimento contra o imperador, que não o havia indicado para o Senado em 1869.

Em 1877 viria a ocupar um ministério no governo do Imperador.

O escritor já com a saúde um tanto abalada, morre no Rio de Janeiro, no dia 12 de dezembro de 1877.

Coube-lhe a homenagem de ser patrono da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Nas discussões que antecederam a fundação da academia, seu nome foi defendido por Machado de Assis para ser o primeiro patrono, ou seja, nominar a cadeira 1. Mas não poderia haver hierarquia nessa escolha, e resultou que Adelino Fontoura, um autor quase desconhecido, veio a ser o patrono efetivo.

Produziu romances urbanos (Senhora, 1875; Encarnação, escrito em 1877, ano de sua morte e divulgado em 1893), regionalistas (O Gaúcho, 1870; O Sertanejo, 1875) e históricos (Guerra dos Mascates, 1873), além de peças para o teatro. Característica de sua obra é o nacionalismo, tanto nos temas quanto nas inovações no uso da língua. Em um momento de consolidação da Independência, Alencar representou um dos mais sinceros esforços patrióticos em povoar o Brasil com conhecimento e cultura próprios, em construir novos caminhos para a literatura no país. Em sua homenagem foi erigida uma estátua no Rio de Janeiro.

Características da obra de Alencar

José de Alencar é o grande nome da prosa romântica brasileira, tendo escrito obras representativas para todos os tipos de ficção românticos: passadista e colonial (O Guarani, 1857), indianista (Iracema, 1865), sertaneja (O Sertanejo, 1875).

Pode-se dividir, didaticamente, a obra de Alencar em indianista (O Guarani, 1857; Iracema, 1865; Ubirajara, 1874); urbana (Lucíola, 1862; Diva, 1864; Senhora, 1875), regionalista (O Gaúcho, 1870; O Sertanejo, 1875) e históricos (Guerra dos Mascates (primeiro volume), 1873).

Seus grandes mestres são o francês Chateubriand e o escocês Walter Scott. Mas também o influenciaram muito os escritores Balzac e Alexandre Dumas.

A obra de José de Alencar pode ser dividida em dois grupos distintos


Quanto ao espaço geográfico
O sertão do Nordeste - O Sertanejo
O litoral cearense - Iracema
O pampa gaúcho - O Gaúcho
A zona rural - Til (interior paulista), O Tronco do Ipê (zona da mata fluminense)
A cidade, a sociedade burguesa do Segundo Reinado - Diva, Lucíola, Senhora e os demais romances urbanos.

Quanto à evolução histórica
O período pré-cabralino - Ubirajara.
A fase de formação da nacionalidade - Iracema e O Guarani.
A ocupação do território, a colonização e o sentimento nativista - As Minas de Prata (o bandeirantismo) e Guerra dos Mascates (rebelião colonial).
O presente, a vida urbana de seu tempo, a burguesia fluminense do século XIX - os romances urbanos Diva, Lucíola, Senhora e outros.

Obras

Romances
Cinco minutos, 1856
A viuvinha, 1857
O guarani, 1857
Lucíola, 1862
Diva, 1864
Iracema, 1865
As minas de prata - 1º vol., 1865
As minas de prata - 2.º vol., 1866
O gaúcho, 1870
A pata da gazela, 1870
O tronco do ipê, 1871
Guerra dos mascates - 1º vol., 1871
Til, 1871
Sonhos d'ouro, 1872
Alfarrábios, 1873
Guerra dos mascates - 2º vol., 1873
Ubirajara, 1874
O sertanejo, 1875
Senhora, 1875
Encarnação, 1893

Teatro
O crédito, 1857
Verso e reverso, 1857
Demônio familiar, 1857
As asas de um anjo, 1858
Mãe, 1860
A expiação, 1867
O jesuíta, 1875

Crônica
Ao correr da pena, 1874

Autobiografia
Como e por que sou romancista, 1873

Crítica e polêmica
Cartas sobre a confederação dos tamoios, 1856
Ao imperador:cartas políticas de Erasmo e Novas cartas políticas de Erasmo, 1865
Ao povo:cartas políticas de Erasmo, 1866
O sistema representativo, 1866

Fontes:
http://www.vidaslusofonas.pt/jose_alencar.htm
http://pt.wikipedia.org/

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Paulo Leminski (Ali)

ali

ali
se

se alice
ali se visse
quanto alice viu
e não disse

se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce

ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece

Kathryn VanSpanckeren (Panorama da Literatura dos Estados Unidos – Parte II)


O Período Romântico, Ficção

Walt Whitman, Herman Melville e Emily Dickinson — assim como seus contemporâneos Nathaniel Hawthorne e Edgar Allan Poe — representam a primeira geração literária importante dos Estados Unidos. No caso de escritores de ficção, a visão romântica tendia a se expressar na forma que Hawthorne chamava de “romance”, uma forma sofisticada, emocional e simbólica da narrativa ficcional. Segundo a definição de Hawthorne, os “romances” não eram histórias de amor, mas literatura de ficção séria que recorria a técnicas especiais para comunicar significados complexos e sutis.

Em vez de definir cuidadosamente os personagens de forma realista por meio da riqueza de detalhes, como fazia a maioria dos romancistas ingleses ou continentais, Hawthorne, Melville e Poe construíram figuras heróicas maiores do que a vida, impregnadas de significados míticos. Os protagonistas típicos do chamado romance americano são pessoas atormentadas e isoladas. Arthur Dimmesdale ou Hester Prynne, de Hawthorne, em A Letra Escarlate, Ahab, de Melville, em Moby Dick, e muitos dos personagens segregados e obcecados dos contos de Poe são protagonistas solitários jogados ao destino sombrio e impenetrável que, de alguma maneira misteriosa, se sobrepõem ao seu “eu” inconsciente mais profundo. As tramas simbólicas revelam ações ocultas do espírito angustiado.

Uma razão para essa exploração ficcional dos recôncavos da alma era a ausência na época de uma comunidade estabelecida. Os romancistas ingleses — Jane Austen, Charles Dickens (o grande favorito), Anthony Trollope, George Eliot e William Thackeray — viviam em uma sociedade tradicional, bem articulada e complexa, além de compartilhar com seus leitores atitudes que embasavam sua ficção realista.

Os romancistas americanos enfrentavam uma história de conflito e revolução, uma geografia de vastos ermos não desbravados e uma sociedade democrática fluida e relativamente sem classes. Muitos romances ingleses mostram um personagem principal pobre que galga os degraus da escada social e econômica, talvez devido a um bom casamento ou à descoberta de um passado aristocrata desconhecido. Mas essa trama não desafia a estrutura social aristocrática da Inglaterra. Ao contrário, ela a confirma. A ascensão social do personagem principal satisfaz a realização do desejo dos leitores que na Inglaterra daquela época eram principalmente de classe média.

O romancista americano, ao contrário, tinha de adotar uma estratégia própria. Os Estados Unidos eram, em parte, uma fronteira indefinida, em constante movimento, habitada por imigrantes que falavam diversos idiomas e cujo estilo de vida era estranho e rude. Portanto, o personagem principal de uma narrativa americana poderia se encontrar sozinho entre tribos canibais, como em Taipi – Paraíso de Canibais, de Melville, ou explorar terras selvagens, como os caçadores de peles de James Fenimore Cooper, ou ter visões de sepulcros isolados, como os personagens solitários de Poe, ou encontrar o demônio durante uma caminhada pela floresta, como o jovem Goodman Brown de Hawthorne. Praticamente todos os grandes protagonistas americanos são “solitários”. O americano democrático teve, por assim dizer, de se “inventar” a si mesmo. O romancista americano sério também precisou criar novas formas: daí o formato disperso e idiossincrático do romance Moby Dick de Melville e a narrativa em clima de sonho e divagação de Poe, O Relato de Arthur Gordon Pym.

Herman Melville (1819-1891)

Herman Melville era descendente de uma família antiga e abastada que caiu repentinamente na pobreza com a morte do pai. Apesar de sua criação, das tradições familiares e do trabalho árduo, Melville não teve educação universitária. Aos 19 anos, foi para o mar. Seu interesse pela vida dos marinheiros foi uma conseqüência natural de suas próprias experiências e seus primeiros romances foram em grande parte inspirados em suas viagens. Seu primeiro livro, Taipi, foi baseado no tempo em que viveu entre o povo taipi, nas Ilhas Marquesas, no Sul do Pacífico.

Moby Dick; ou, A Baleia, obra-prima de Melville, é um épico sobre a história da baleeira Pequod e de seu capitão, Ahab, cuja busca obsessiva pela baleia branca, Moby Dick, leva o barco e seus homens à destruição. Essa obra, romance de aventura aparentemente realista, contém uma série de reflexões sobre a condição humana.

A pesca da baleia, que percorre todo o livro, é uma grande metáfora da busca por conhecimento. Embora a busca de Ahab seja filosófica, ela é também trágica. A despeito de seu heroísmo, Ahab é condenado e talvez amaldiçoado no final. A natureza, ainda que bela, é misteriosa e potencialmente fatal. Em Moby Dick, Melville desafia a idéia otimista de Emerson de que os seres humanos podem entender a natureza. Moby Dick, a grande baleia branca, representa a existência cósmica e impenetrável que domina o romance, da mesma maneira que obceca Ahab. Os fatos sobre a baleia e sua pesca não podem explicar Moby Dick; ao contrário, os próprios fatos tendem a se dissolver em símbolos. Por trás do conjunto de fatos relatados por Melville está uma visão mística — mas se essa visão é do mal ou do bem, humana ou desumana, não é explicado.

Ahab insiste em imaginar um mundo de absolutos atemporal e heróico. Insensatamente, ele exige um “texto” acabado, uma resposta. Mas o romance mostra que, assim como não existem formas acabadas, não há respostas definitivas exceto, talvez, a morte. Algumas referências literárias ressoam pelo romance. Ahab, cujo nome vem de um rei do Antigo Testamento, deseja o conhecimento absoluto, faustiano e divino. Como Édipo na peça de Sófocles, que paga de forma trágica pelo conhecimento equivocado, Ahab é atingido pela cegueira antes de ser morto no final.

O nome do barco de Ahab, Pequod, refere-se a uma tribo indígena extinta da Nova Inglaterra; assim, o nome sugere que o barco está fadado à destruição. A pesca da baleia, na verdade, foi uma indústria importante, em especial na Nova Inglaterra: ela fornecia óleo de baleia como fonte de energia, principalmente para lamparinas. Portanto, a baleia literalmente “lança luz” sobre o universo. O livro tem ressonância histórica. A pesca da baleia era inerentemente expansionista e ligada à idéia histórica de um “destino manifesto” para os americanos, já que exigia que navegassem ao redor do mundo em busca de baleias (de fato, o atual estado do Havaí caiu sob o domínio americano porque era usado como importante base de reabastecimento de combustível para os navios baleeiros). Os membros da tripulação do Pequod representam todas as raças e várias religiões, sugerindo a idéia de um Estados Unidos como um estado de espírito universal, bem como de um caldeirão cultural. Finalmente, Ahab incorpora a versão trágica do individualismo americano democrático. Ele afirma sua dignidade como indivíduo e ousa se opor às inexoráveis forças externas do universo.

A Ascensão do Realismo

A Guerra Civil Americana (1861-1865) entre o Norte industrial e o Sul agrícola e escravagista foi um divisor de águas na história dos EUA. Antes da guerra, os idealistas defendiam os direitos humanos, especialmente a abolição da escravidão; depois da guerra, os americanos passaram a idealizar cada vez mais o progresso e o “self-made man”, como chamam as pessoas que conseguem vencer na vida pelo próprio esforço. Essa foi a era dos industriais e dos especuladores milionários, quando a teoria de Darwin sobre a evolução biológica e a “sobrevivência dos mais aptos” entre as espécies foi aplicada à sociedade e parecia sancionar a falta de ética ocasional nos métodos utilizados pelos magnatas empresariais de sucesso.

Os negócios prosperaram rapidamente após a guerra. O novo sistema ferroviário intercontinental, inaugurado em 1869, e o telégrafo transcontinental, que começou a operar em 1861, deram à indústria acesso a materiais, mercados e comunicações. O ingresso constante de imigrantes propiciou o fornecimento aparentemente interminável de mão-de-obra barata. Mais de 23 milhões de estrangeiros — alemães, escandinavos e irlandeses nos primeiros anos e, a partir de então, cada vez mais imigrantes da Europa Central e do Sul — entraram nos Estados Unidos entre 1860 e 1910. Em 1860, a maioria dos americanos vivia em fazendas ou pequenos povoados, mas em 1919 metade da população estava concentrada em cerca de 12 cidades.

Surgiram os problemas da urbanização e da industrialização: habitações pobres e superlotadas, falta de saneamento, baixos salários (chamados de “escravidão assalariada”), condições de trabalho difíceis e controle inadequado dos negócios. Os sindicatos trabalhistas cresceram, e as greves levaram ao conhecimento da nação a difícil situação da classe trabalhadora. Os agricultores também se viram lutando contra os “interesses monetários” do Leste. De 1860 a 1914, os Estados Unidos passaram de ex-colônia agrícola a uma imensa nação industrial moderna. A nação endividada de 1860 havia se transformado no Estado mais rico do mundo em 1914. Na época da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham se tornado a maior potência mundial.

A industrialização cresceu e, com ela, cresceu também o distanciamento. Dois grandes romancistas desse período — Mark Twain e Henry James — reagiram cada um à sua maneira. Twain voltou-se para o Sul e o Oeste no coração dos Estados Unidos rurais e fronteiriços para encontrar seu mito definidor; James voltou-se para a Europa a fim de avaliar a natureza dos novos americanos cosmopolitas.

Samuel Clemens (Mark Twain) (1835-1910)

Samuel Clemens, mais conhecido por seu pseudônimo Mark Twain, cresceu à beira do Rio Mississippi, na cidade fronteiriça de Hannibal, no Missouri. Ernest Hemingway disse que toda a literatura americana vem de um grande livro, As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain. No início do século 19, os escritores americanos tendiam a ser demasiadamente rebuscados, sentimentais ou pomposos — em parte porque ainda tentavam provar que poderiam escrever de forma tão elegante quanto os ingleses. O estilo de Twain, baseado na fala americana vigorosa, realista e coloquial, deu aos escritores do país uma nova valorização de sua voz nacional. Mark Twain foi o primeiro autor importante do interior do país. Ele captou suas gírias peculiares e humorísticas e o espírito iconoclasta.

Para Twain, assim como para outros escritores americanos do final do século 19, o realismo não era apenas uma técnica literária: era uma maneira de falar a verdade e detonar antigas convenções. Portanto, era profundamente libertador e potencialmente hostil à sociedade. O exemplo mais conhecido é a história de Huck Finn, menino pobre que decide seguir a voz da consciência e ajudar um escravo negro a fugir para a liberdade, apesar de pensar que isso o condenaria ao inferno por infringir a lei.

A obra-prima de Twain, lançada em 1884, tem como cenário a aldeia de St. Petersburg, às margens do rio Mississippi. Filho de um vagabundo alcoólatra, Huck acabara de ser adotado por uma família respeitável quando seu pai, em estupor alcoólico, o ameaça de morte. Temendo por sua vida, Huck foge, fingindo estar morto. Nessa fuga, junta-se a ele outro marginal, o escravo Jim, cuja dona, senhorita Watson, está pensando em vendê-lo rio abaixo para a escravidão mais empedernida do extremo Sul. Huck e Jim descem o majestoso Mississippi em uma canoa, mas ela é abalroada por um barco a vapor e afunda; eles se separam e mais tarde voltam a se encontrar. Os dois passam por muitas aventuras cômicas e perigosas à margem do rio mostrando a variedade, a generosidade e, às vezes, a irracionalidade cruel da sociedade. No final, descobre-se que a senhorita Watson já havia libertado Jim, e uma família respeitável está cuidando do rebelde Huck. Mas Huck não se adapta à sociedade civilizada e planeja fugir para “os territórios” — terras indígenas.

O final dá ao leitor outra versão do clássico mito da “pureza” americana: a estrada aberta levando a terras ermas intocadas, longe das influências moralmente corruptas da “civilização”. Os romances de James Fenimore Cooper, os hinos de Walt Whitman à estrada livre, O Urso de William Faulkner e On the Road — Pé na Estrada de Jack Kerouac são outros exemplos literários.

Henry James (1843-1916)

Henry James certa vez escreveu que a arte, especialmente a literatura, “faz a vida, faz o interesse, faz a importância”. A ficção de James é a mais consciente, sofisticada e difícil de sua época. James se destaca pelo “tema internacional” — ou seja, as complexas relações entre americanos ingênuos e europeus cosmopolitas.

O que seu biógrafo, Leon Edel, chama de primeira fase ou a fase internacional de James inclui obras como The American [O Americano] (1877), Daisy Miller (1879) e sua obra máxima, Retrato de uma Senhora (1881). Em The American, por exemplo, Christopher Newman, industrial milionário que venceu por seu próprio esforço, ingênuo, mas inteligente e idealista, vai para a Europa em busca de uma noiva. Quando a família da moça o rejeita por não ser aristocrata, ele tem a oportunidade de vingança; ao decidir nada fazer, mostra sua superioridade moral.

A segunda fase de James foi experimental. Ele explorou novos temas — feminismo e reforma social em The Bostonians [Os Bostonianos] (1886) e intriga política em The Princess Casamassima [A Princesa Casamassima] (1885). Em sua terceira fase, ou a “principal”, James volta aos temas internacionais, mas os trata com crescente sofisticação e profundeza psicológica. O complexo e quase mítico As Asas da Pomba (1902), Os Embaixadores (1903) — que James considerava seu melhor romance — e A Taça de Ouro (1904) datam desse importante período. Se o tema principal da obra de Mark Twain é a diferença sempre cheia de humor entre a falsa aparência e a realidade, a preocupação constante de James é a percepção. Em James, só a autoconsciência e a clara percepção do outro levam à sabedoria e ao amor altruísta.

Modernismo e Experimentação

Muitos historiadores caracterizaram o período entre as duas guerras mundiais como o “amadurecimento” traumático dos Estados Unidos, apesar do fato de que o envolvimento direto dos americanos foi relativamente curto (1917-1918) e com muito menos mortos do que seus aliados e inimigos europeus. Chocados e para sempre transformados, os soldados americanos retornaram à sua pátria, mas nunca mais puderam recuperar a inocência. Tampouco os soldados provenientes da zona rural do país conseguiram voltar facilmente às suas raízes. Depois de conhecer o mundo, muitos deles agora ansiavam por uma vida moderna e urbana.

No “grande boom” do pós-guerra, os negócios floresciam e os bem-sucedidos prosperavam além do que podiam imaginar em seus sonhos mais desvairados. Pela primeira vez, muitos americanos entraram no ensino superior — na década de 1920 as matrículas universitárias dobraram. A classe média prosperou; os americanos começaram a desfrutar da renda média nacional mais alta do mundo dessa época.

Os americanos dos chamados “loucos anos 20” se apaixonaram pelos entretenimentos modernos. A maioria das pessoas ia ao cinema uma vez por semana. Embora a Lei Seca — proibição nacional da venda de álcool instituída por meio da 18º Emenda à Constituição do EUA — tenha começado em 1919, bares ilegais, conhecidos como “speakeasies”, e nightclubs proliferaram, oferecendo jazz, bebidas e maneiras ousadas de vestir e dançar. Dançar, ir ao cinema, fazer passeios de carro e ouvir rádio eram manias nacionais. As mulheres americanas, em particular, se sentiram liberadas. Elas cortaram o cabelo curto (“a la garçonne”), usavam vestidos curtos estilo “melindrosa” e vibraram com o direito ao voto garantido pela 19a Emenda à Constituição, aprovada em 1920. Falavam o que pensavam com ousadia e ocupavam funções públicas na sociedade.

Apesar dessa prosperidade, os jovens ocidentais na “vanguarda” cultural encontravam-se em um estado de rebelião intelectual, enfurecidos e desiludidos com a guerra selvagem e com a geração mais velha que responsabilizavam. Ironicamente, as condições econômicas difíceis do pós-guerra na Europa permitiam que os americanos endinheirados — como os escritores F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein e Ezra Pound — vivessem no exterior confortavelmente com pouquíssimo dinheiro e absorvessem a desilusão do pós-guerra e também outras correntes intelectuais européias, em particular a psicologia freudiana e, em menor grau, o marxismo.

Diversos romances, em especial O Sol Também se Levanta (1926), de Hemingway, e Este Lado do Paraíso (1920), de Fitzgerald, evocam a extravagância e a desilusão do que a escritora americana expatriada Gertrude Stein chamou de “a geração perdida”. Em “A Terra Desolada” (1922), longo e influente poema de T.S. Eliot, a civilização ocidental é simbolizada por um deserto desolado necessitando desesperadamente de chuva (renovação espiritual).

Modernismo

A grande onda cultural do modernismo, que surgiu na Europa e depois se espalhou para os Estados Unidos nos primeiros anos do século 20, expressava um sentido de vida moderna pela arte como uma ruptura brusca com o passado. À medida que as máquinas modernas mudavam o ritmo, a atmosfera e a aparência da vida diária no início do século 20, muitos artistas e escritores, com graus variados de sucesso, reinventavam formas artísticas tradicionais e buscavam radicalmente outras novas — eco estético do que as pessoas haviam passado a chamar de “era da máquina”.

T.S. Eliot (1888-1965)

Thomas Stearns Eliot recebeu a melhor educação em comparação a qualquer outro grande escritor americano de sua geração. Freqüentou a Faculdade de Harvard, a Sorbonne e a Universidade de Oxford. Estudou sânscrito e filosofia oriental, o que influenciou sua poesia. Como seu amigo, o poeta Ezra Pound, foi para a Inglaterra cedo e se tornou figura de destaque no mundo literário inglês. Um dos poetas mais respeitados de sua época, sua poesia iconoclasta modernista, aparentemente ilógica ou abstrata teve impacto revolucionário.

Em “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock” (1915), o impotente e velho Prufrock acha que “mediu sua vida em colherinhas de café” — a imagem das colherinhas de café refletindo uma existência enfadonha e uma vida desperdiçada. A famosa abertura de “Prufrock” convida o leitor para vielas urbanas de mau gosto que, como a vida moderna, não oferecem respostas às questões da vida:

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa...
(Tradução de Ivan Junqueira)

Imagens semelhantes permeiam “A Terra Desolada” (1922), que ecoa o “Inferno” de Dante para evocar as ruas apinhadas de Londres na época da Primeira Guerra Mundial:

Sob a fulva neblina de uma aurora de inverno,
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,
Jamais pensei que a morte a tantos destruíra... (I, 60-63)

(Tradução de Ivan Junqueira)

Robert Frost (1874-1963)

Robert Lee Frost nasceu na Califórnia, mas foi criado em uma fazenda no nordeste dos EUA até os 10 anos. Como Eliot e Pound, foi para a Inglaterra, atraído por novos movimentos poéticos. Escreveu sobre a vida nas fazendas tradicionais da Nova Inglaterra (no nordeste dos Estados Unidos), mostrando nostalgia pelo estilo de vida do passado. Seus temas são universais — colheita de maçã, muros de pedra, cercas, estradas rurais. Embora sua abordagem fosse clara e acessível, seu trabalho muitas vezes só é simples na aparência. Muitos poemas sugerem um sentido mais profundo. Por exemplo, uma noite tranqüila e nevosa pode sugerir, por meio de uma combinação de rimas quase hipnótica, a aproximação não de todo indesejada da morte. De “Stopping by Woods on a Snowy Evening” [“Parado no Bosque Numa Noite de Neve”] (1923):

De quem é esse bosque acho que sei.
Sua casa, no entanto, fica na aldeia;
Ele não me verá parado aqui
Olhando seu bosque se cobrir de neve.

Embora a prosa americana no período entre guerras tenha feito experimentações relativas ao ponto de vista e à forma, de modo geral os americanos escreviam de maneira mais realista do que os europeus. A importância de enfrentar a realidade tornou-se tema dominante nas décadas de 1920 e 1930: escritores como F. Scott Fitzgerald e o dramaturgo Eugene O’Neill retrataram diversas vezes a tragédia que aguardava aqueles que vivem de sonhos frágeis.

F. Scott Fitzgerald (1896-1940)

A vida de Francis Scott Key Fitzgerald parece um conto de fadas. Durante a Primeira Guerra Mundial, Fitzgerald se alistou no Exército americano e se apaixonou por uma moça rica e bonita, Zelda Sayre, que morava em Montgomery, no Alabama, onde ele estava estacionado. Depois de ter sido dispensado no fim da guerra, foi em busca de sua fortuna literária na cidade de Nova York para poder se casar com ela.

Seu primeiro romance, Este Lado do Paraíso (1920), se tornou um best-seller, e aos 24 anos se casou com Zelda. Nem um dos dois estava preparado para lidar com as pressões do sucesso e da fama, e acabaram dissipando o dinheiro que tinham. Em 1924, mudaram-se para a França para economizar e retornaram sete anos depois. Zelda tornou-se mentalmente instável e precisou ser internada; Fitzgerald virou alcoólatra e morreu jovem como roteirista de cinema.

Fitzgerald garantiu seu lugar na literatura americana principalmente com seu romance O Grande Gatsby (1925), história escrita com brilhantismo e economicamente estruturada sobre o sonho americano do homem que se fez sozinho (self-made man). O protagonista, o misterioso Jay Gatsby, descobre o preço devastador do sucesso em termos de realização pessoal e do amor. Mais do que qualquer outro escritor, Fitzgerald captou a vida de esplendor e desespero dos anos 1920.

Ernest Hemingway (1899-1961)

Poucos escritores tiveram um vida tão intensa quanto Ernest Hemingway, cuja carreira poderia ter saído de um de seus romances de aventura. Como Fitzgerald, Dreiser e muitos outros romancistas do século 20, Hemingway veio do Meio Oeste dos EUA. Apresentou-se como voluntário para trabalhar como motorista de ambulância na França durante a Primeira Guerra Mundial, mas foi ferido e ficou hospitalizado por seis meses. Depois da guerra, como correspondente de guerra baseado em Paris, encontrou os escritores americanos expatriados Sherwood Anderson, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald e Gertrude Stein. Stein, em particular, influenciou seu estilo conciso.

Depois de ficar famoso com o romance O Sol Também se Levanta, ele continuou a trabalhar como jornalista, cobrindo a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial e a luta na China na década de 1940. Durante um safári na África, feriu-se em um acidente com seu pequeno avião; apesar disso, continuou gostando de caçadas e da pesca esportiva, atividades que inspiraram alguns de seus melhores trabalhos. O Velho e o Mar (1952), breve romance poético sobre um pobre e velho pescador, cujo peixe imenso pescado em mar aberto é devorado por tubarões, rendeu-lhe o Prêmio Pulitzer em 1953; no ano seguinte, recebeu o Prêmio Nobel. Acossado por um histórico familiar problemático, doenças e por acreditar que estava perdendo o dom de escrever, o escritor se matou com um tiro em 1961. Hemingway é considerado o mais popular romancista americano. Seus interesses são basicamente apolíticos e humanísticos, e nesse sentido ele é universal.

Como Fitzgerald, Hemingway se tornou porta-voz de sua geração. Mas ao invés de retratar seu glamour fatal, como fez Fitzgerald, que nunca lutou na Primeira Guerra Mundial, Hemingway escreveu sobre a guerra, a morte e a “geração perdida” de sobreviventes desiludidos. Seus personagens não são sonhadores, mas toureiros, soldados e atletas durões. Se intelectuais, são profundamente marcados e desiludidos. Sua marca registrada é o estilo claro desprovido de palavras desnecessárias. Usa com freqüência a contenção. Em Adeus às Armas (1929) a heroína morre ao dar à luz dizendo: “Não tenho medo. É só um golpe baixo.” Certa vez comparou sua produção literária a icebergs: “Para cada parte que se revela, há sete oitavos debaixo d’água.”

William Faulkner (1897-1962)

Nascido em uma antiga família sulista, William Harrison Faulkner foi criado em Oxford, no estado do Mississippi, onde viveu grande parte de sua vida. Faulkner recria a história da terra e das várias raças que nela viveram. Escritor inovador, Faulkner fez experimentações brilhantes com a cronologia narrativa, diferentes pontos de vista e vozes (inclusive a de párias, crianças e analfabetos) e um rico e absorvente estilo barroco, constituído de frases extremamente longas.

Entre os melhores romances de Faulkner estão O Som e a Fúria (1929) e Enquanto Agonizo (1930), duas obras modernistas que fazem experimentações com pontos de vista e vozes para explorar fundo o drama de famílias sulistas sob a tensão de perder um membro da família; Luz em Agosto, sobre as relações complexas e violentas entre um mulher branca e um homem negro; e Absalom, Absalom! (1936), talvez seu melhor livro, sobre a ascensão de fazendeiro que subiu na vida por seu próprio esforço e sua trágica queda.

Dramaturgia americana no século 20

A dramaturgia americana foi uma imitação do teatro inglês e europeu até o século 20. Foi somente no século 20 que peças sérias americanas tentaram fazer inovações estéticas.

Eugene O'Neill (1888-1953)

Eugene O’Neill é a grande figura da dramaturgia americana. Suas diversas peças combinam enorme originalidade técnica com visão renovada e profundidade emocional. As primeiras peças de O’Neill tratam da classe trabalhadora e dos pobres; trabalhos posteriores exploram o mundo subjetivo e destacam sua leitura de Freud e a tentativa angustiada de aprender a conviver com as mortes da mãe, do pai e do irmão.

Sua peça Desejo sob os Ulmeiros (1924) recria as paixões escondidas de uma família. Suas peças posteriores incluem as reconhecidas obras-primas The Iceman Cometh (1946), obra cabal sobre o tema da morte, e Longa Jornada Noite Adentro (1956) —poderosa autobiografia em forma dramática, enfocando a própria família e sua deterioração física e psicológica, com a ação transcorrendo no período de uma noite.

Fonte:
http://embaixadaamericana.org.br/HTML/literatureinbrief/

Blog da Escritora Paranaense Andréa Motta


Conheça o blog da escritora paranaense Andréa Motta, http://simultaneidades.blogspot.com/

Vídeos, eventos, poesias, lançamento de livros, trovas, enfim tudo que acontece no estado do Paraná.

Até o momento 50 postagens.

Vale a pena conferir!

▼ Maio

Programação da Semana: de 04.05 a 09.05.09
O Casarão de Sylvio Magellano
Quarto Paranaense a ocupar Cadeira de Imortal na Academia de Letras do Brasil
Instituto Memória Convida para o lançamento do livro PARANÁ: Das Cadeias Públicas às Penitenciárias, do sociólogo Alcione Prá
Poeta paranaense arrebata prêmios literários na Itália
Bienal Internacional do Livro em Curitiba

▼ Abril
Durante a tarde de Música e Poesia...
Tarde de Música e Poesia
Almoçando com Música e Poesia
Janske Niemann Schlencker
Revista literária homenageia quatro irmãs, trovadoras da UBT-Curitiba
Raulison Mendonça e Banda Innexo apresentam: Rock de Responsa
Blablablogue: crônicas e confissões
"Os Alemães no Paraná - Livro do Centenário" - Lançamento
Progaramação Cultural de 20.04 a 30.04.09
União Brasileira de Trovadores – Seção de Curitiba
Raulison Mendonça declama Navios Negreiros
Lucy Salete Bortolini Nazaro - Recebe Homenagem da Câmara Municipal de Palmas
Lançamento do Romance: Solidão Calcinada
Programação Academia Paranaense da Poesia – De 13.04 a 18.04
Paulo Setúbal
UBT- Seção Curitiba - Reunião Mensal 18 de abril
Matizes do Céu - Lygia Lopes dos Santos
Páscoa (Roza de Oliveira)
Exposições - cultura
Izabel Liviski escreve sobre o Livro Solidão Calcinada da Paranaense Bárbara Lia
XXVI Jogos Florais de Bandeirantes (PR)
Academia Paranaense da Poesia

▼ Março
Programação da semana – 30.03 a 04.04.09
Antologia de Curitiba (Paulo Roberto Karam)
Curitiba: 316 Anos de História, Tradição e Identidade
Curytiba Curitiba
Curitiba, 316 anos - 29 de março
Haicais em homenagem a Curitiba
No aniversário de Curitiba: Trovas!
Poesia para Curitiba (Deisi Perin)
Poesia para Curitiba (Constância Nery/Portugal)
Curitiba Cidade Sorriso (Mamed A. Zauith)
Curitiba...(Paulo Walbach Prestes)
Curitiba, Mocidade! (Nei Garcez)
Túlio Vargas (1929 - 2008)
Maringaense Antonio Augusto de Assis vence o Concurso de Trovas do Rotary Club
Programação da semana – 22 a 28.03.09
Antologia Poesia do Brasil – Poetas Paranaenses participantes do vol. 7
Haicais
Academia Paranaense da Poesia
Centro de Letras do Paraná
UBT - Curitiba
Academia Feminina de Letras do Paraná
Haikai: Cidade Repouso

Fontes:
http://simultaneidades.blogspot.com/
Comentários = José Feldman

Poeta Paranaense Fabio Sexugi arrebata Prêmios na Itália


O Poeta Paranaense Fábio Sexugi, 28 anos, Professor do Departamento de Letras da Fecilcam, educador da Escola São José de Peabiru, além de atuar como professor de italiano no Celin e na Wizard em Campo Mourão está comemorando a obtenção, de dois prêmios literários: um promovido por Castello di Fondi, no Lácio, e o segundo com a chancela da Universidade de Salento, na cidade de Lecce.

Fábio reside em Peabiru/PR. No segundo concurso ele foi classificado em primeiro lugar e é ele próprio quem conta: “Em menos de uma semana, fui contemplado duas vezes com prêmios literários na Itália. O resultado do primeiro aconteceu no dia 4 de abril, quando fui selecionado pelo conjunto da obra para integrar a Antologia Comemorativa dos 40 Anos do Prêmio Literário Júlia de Gonzaga, promovido pelo Castello di Fondi, no Lácio, região central da Itália. Trata-se de uma antologia bilíngüe que reúne poetas contemporâneos com composições em italiano ou espanhol (no meu caso, italiano).”

Segundo Fábio, entre os jurados “estava o fundador do prêmio, Luigi Muccitelli, escritor e artista plástico do famoso selo italiano Edizioni Lo Spazio. Além da publicação do livro, os poetas selecionados receberão uma medalha de prata, um diploma assinado pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, além de outros prêmios ofertados por entidades públicas e privadas.”

Fábio conta que na Sexta-Feira Santa foi comunicado pela Presidente da Terceira Circunscrição da cidade de Lecce, no sul da Itália que recebeu a primeira colocação no Prêmio Primaverart, promovido pelo Assessorato alla Cultura, Università del Salento e pela Associazione culturale Accademia Salentina Delle Lettere", na categoria Literatura.

O poeta explica que pelo regulamento, o Prêmio da Crítica é dado à melhor composição de todas as subcategorias (ou seja, conto, poesia, reflexão, aforismos e romances). Portanto, em Lecce, recebeu o 1º lugar na categoria poesia e o Prêmio da Crítica, como a melhor produção literária do certame em 2009. Além de escritores, também são premiados artistas no Cinema (curta-metragens, video clips e spots publicitários), na Música (piano, violino, canto lírico e opereta) e nas Artes Plásticas (pintura e escultura).

A cerimônia de entrega dos prêmios “Gran Galà di Chiusura” aconteceu em 19.04, às 20h (horário local), no Chiostro dei Domenicani, com a presença de várias personalidades do mundo da cultura italiana, com transmissão ao vivo pela TV italiana.

O seu poema “Tazzina” foi declamado dia 09.04 no Teatro Paisiello, quando aconteceu a leitura das poesias vencedoras na categoria “Poesie in Lingua Italiana”.

Além das premiações mencionadas, Fábio já recebeu outros prêmios importantes. Entre estes:
1º lugar no I Concurso Internacional de Poesia Caleidoscópio, do Projeto Poesia Pública de Belo Horizonte - poema “Xícara” (Outubro de 2008);

1º lugar no IV Concurso Internacional de Poesía Latinoamericana, categoria espiritualidade, Projecto Poemía de Las Piedras (Uruguai) - Poema “Parafina” (Fevereiro de 2009);

3º lugar no XXVII Concurso Internacional Literário das Edições A.G. de São Paulo – poema “Bússola” (Março de 2009); Participação na Antologia “Parole e Poesia” / Edizioni Il Fiorino di Módena (Itália) - poemas “Nascondiglio” e “Nostalgie Brasiliane” (Março de 2009).”

Para Fábio, “dividir um livro com Antonio Maglio, Luigi Muccitelli, e outros grandes nomes da poesia italiana contemporânea é surreal. Acho que vencer concursos literários na Itália era um feito inédito para paranaenses até agora. Realmente, estou muito satisfeito. Nunca pensei que minha poesia, que fala de coisas simples e corriqueiras da vida, me levaria tão longe.”

Fontes:
Andréa Motta. In http://simultaneinades.blogspot.com/
http://www.insieme.com.br/portal/conteudo.php?sid=188&cid=2214&parent=0
http://www.jornalshowriso.com.br/vermaismateriasfabiosexugi.php